No dia 22/11 o CAOS/2022 irá contar com a psicóloga Leda Gonçalves de Freitas.
A edição do CAOS de 2022 contará de diversas apresentações, dentre estas, teremos a ilustre presença da psicóloga com currículo internacional, Lêda Gonçalves de Freitas, Pós-doutora em Psicossociologia pelo Conservatoire National de Arts et Métiers (CNAM), em Paris. Doutora em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Universidade de Brasília (UnB). Vice-coordenadora do Grupo de Trabalho: “Trabalho, Subjetividade e Práticas Clínicas” da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). Docente do programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). Sua palestra terá como foco o tema Trabalho Plataformizados e a devastação dos sujeitos.
Em entrevista concedida ao portal (En)Cena, a palestrante respondeu algumas perguntas sobre sua participação no evento.
En (Cena) – No Brasil, como tem sido recebida esta modalidade, quais os riscos psicológicos que acompanham um trabalho plataformizado?
De acordo com o IPEA (2021), no Brasil há em torno de 1,5 milhão de pessoas que trabalham no transporte de pessoas e na entrega de mercadorias, sendo que, a maioria 61,2% é de motoristas de aplicativo ou taxistas. Esses trabalhadores são contratados sem qualquer vínculo empregatício e atuam como trabalhadores autônomos. Pesquisa realizada pelo nosso Laboratório de Pesquisa “Trabalho, sofrimento e ação” com motoristas e entregador-ciclista revelou que a carga horária de trabalho chega a mais de 10hs por dia e 6 dias por semana. Os rendimentos são baixos e é preciso trabalhar muito para compensar os gastos com a manutenção do transporte, gasolina e a sobrevivência. Ademais, todo o controle do trabalho é feito pelos algoritmos dos aplicativos. Os motoristas não controlam o percentual que fica para o aplicativo. Além disso, ficam expostos tão desigualmente. Muitos trabalhadores gostariam de ter trabalho formalizado e em melhores condições.
En (Cena) – Dentro destas plataformas de serviço, seria possível afirmar que há uma forte violação às condições psicológicas laborais em prol da satisfação do cliente?
O trabalho tem entre tantas funções, o equilíbrio psíquico do sujeito que trabalha, pois, o trabalho é encontro com outros e é realização pessoal pela utilidade da tarefa realizada. Nas pesquisas, os trabalhadores sentem satisfação em levar um alimento para uma pessoa idosa, transportar alguém que necessita de cuidados, então, há sentimento de utilidade. Por outro lado, a pressão de um patrão que ninguém conhece, os algoritmos, pois precisam estar logados, fazer um determinado número de corridas para continuarem no aplicativo, mais o controle do trabalho precarizado fazem com os trabalhadores tenham sentimentos de não-valor. Assim, há tristezas e preocupações em ganhar vida por meio desses aplicativos.
En (Cena) – Tudo são martírios nesta modalidade? A sociedade em geral deveria fazer uma “mea culpa” sobre a adesão destes serviços ou tal situação deve ser limitada aos debates políticos e acadêmicos?
O contexto do capitalismo contemporâneo é de muita valorização desses aplicativos. Como não há reflexão sobre essa lógica da plataformização do trabalho, não vejo estrutura cognitiva para se fazer “mea culpa”. Seria importante, se estivéssemos num país com democracia plena, que refletissem sobre os efeitos psíquicos de uma sociedade consumida pela lógica de um capitalismo plataformizado. Esse debate deveria estar em nosso cotidiano com vista a pensar a saúde mental contemporânea.
En (Cena) – Existe alguma sugestão para evitar os desgastes psicológicos brutais que essa modalidade laboral pode causar?
Penso que, para não ter um cansaço permanente de telas, ansiedades e até depressões, seria importante, quem trabalha com esses aplicativos estabelecer horários de distanciamento, além de, participar de escutas do sofrimento no trabalho com o objetivo de compreender os efeitos desse mundo do trabalho na saúde mental.
En (Cena) – Brindar as jovens mentes nestes congressos é algo único, seu tema é extremamente relevante socialmente, pois discute uma das vertentes do futuro do mercado de trabalho, e, portanto, essencial para a sociedade. Como psicóloga, em sua opinião, quais seriam as contribuições que um profissional que atue com ênfase em psicologia organizacional poderia contribuir para o aperfeiçoamento desta modalidade laboral?
Eu não sou psicóloga, sou doutora em psicologia organizacional e do trabalho. Neste lugar de pesquisadora que atua com pesquisa-intervenção, penso que as contribuições dos profissionais, primeiro, entender esse novo mundo do trabalho tão precário que favorece as intensas desigualdades sociais. Segundo, ao atuar em gestão de pessoas, proporcionar espaços de escuta dos trabalhadores para que, por meio do falar e sentir, construam estratégias de ação para minimizar as dificuldades no trabalho.