Psicologia Perinatal em um mundo hiperconectado: como as redes sociais podem interferir na experiência da perinatalidade

Por Matheus Aquino Alves- mathewsaquino2@gmail.com

 

(En)Cena entrevista a Psicóloga Lorena Magalhães, 28 anos, mãe, esposa, doula e egressa do Curso de Psicologia do Ceulp Ulbra. No contexto profissional, atualmente Lorena atua como psicóloga clínica,  com ênfase em mães gestantes e outros cuidadores envolvidos na perinatalidade. 

(En) Cena- Lorena, conta pra gente como foi a sua escolha em trabalhar com Psicologia Perinatal. 

-Então, o interesse pela área surgiu antes mesmo de ingressar no curso de Psicologia, logo após ter meu primeiro filho, no início de 2014. A maneira como experienciei a maternidade me fez perceber que os cuidados com a mãe são tão importantes quanto os com o bebê, mas geralmente ela acaba sendo vista como um personagem secundário dentro desse contexto, ficando suscetível a adoecimentos de várias ordens. Dessa forma, decidi que assim que pudesse iniciar uma faculdade, seria no intuito de estudar algo que me capacitasse a ajudar mulheres a viver essa fase com leveza.

(En) Cena- A ansiedade afeta as emoções e comportamento durante a gravidez e a espera por esse processo. Como a psicóloga perinatal realiza o manejo nestas situações? 

-A primeira coisa é acolher essa mãe que chega no consultório em busca de ajuda. O período gestacional é bem marcado pela ambivalência de emoções, então muitas mulheres ficam confusas com tantos sentimentos conflitantes. Também se faz necessário entender o contexto em que ela está inserida, os vínculos que ela tem, o momento de vida em que se encontra, se está recebendo assistência pré-natal, pois tudo isso influencia a forma como ela vai lidar com a gestação e pode explicar a ansiedade sentida. Feito isso, o manejo se dá geralmente por meio da psicoeducação, mindfulness e técnicas de relaxamento que inclusive podem ser utilizadas no momento do trabalho de parto para facilitar o processo.

(En) Cena- Além do acompanhamento psicológico, quais os outros cuidados ou ferramentas que as pessoas podem procurar para as auxiliarem nesse processo? 

-Algo que eu sempre oriento, além do pré-natal obstétrico e psicológico, é quanto a mulher ter uma rede de apoio bem estabelecida desde a gestação e buscar estudar e se informar por meio de fontes confiáveis a respeito de gravidez, parto, puerpério, amamentação, cuidados com o bebê, para saber o que esperar em cada uma dessas fases. 

(En) Cena-  Lorena, a gente sabe que volta e meia pode ser que a gente se reconheça nos relatos que ouvimos e acolhemos em nosso trabalho…você é mãe de dois, em alguns dos seus pacientes, já houve uma certa identificação com o relatos dos pacientes?  Como foi lidar com essas sensações e emoções quando esteve à espera do primeiro filho e quais mudanças vividas agora que está à espera do segundo? 

-Psicólogo também é gente que sente, né!? (risos) Com certeza já me identifiquei com alguns relatos e acredito que o fato de eu ter passado pelo meu próprio processo psicoterapêutico ao longo de um bom tempo é o que me permite, hoje, atender com tranquilidade esse nicho específico, sem deixar de prestar uma assistência humanizada.

(En) Cena- Em um mundo hiperconectado, as pessoas têm buscado cada vez mais informações que respondam aos seus anseios e dêem algum direcionamento numa área específica da vida. Na sua experiência, você tem observado que a busca sobre perinatalidade nas redes sociais têm crescido? E como você vê a questão da influência de informações falsas sobre esse assunto?

-Com certeza! Até pouco tempo atrás não ouvíamos falar muito a respeito da Psicologia Perinatal, com esse nome especificamente. Inclusive, enquanto acadêmica do curso na faculdade, eu desconhecia esse termo. Mas no último ano eu percebi um “boom” no aumento da busca pelo serviço e também por parte de recém-formados interessados em atuar na área. Estou convicta de que as redes sociais ajudam bastante nessa divulgação. Quanto à influência de informações falsas, percebo que hoje há uma maior facilidade em ter acesso a fontes seguras e confiáveis. A cada dia temos mais psicólogos e profissionais da saúde no geral utilizando o Instagram para divulgar seus saberes, fazendo com que conteúdos de qualidade sejam altamente compartilhados diariamente.

(En) Cena- Muitas mães se sentem inseguras e às vezes inaptas para esse novo tempo. As redes sociais, diante de experiências compartilhadas, passam imagens de mães e pais perfeitos que  podem trazer um sofrimento de que as demais não serão iguais ou precisam alcançar o mesmo nível da imagem compartilhada.  Como psicóloga perinatal você pode nos descrever quais os cuidados às pessoas afetadas devem ter ao acessar estes tipos de conteúdo na internet?  

-Eu diria que, para qualquer pessoa, é muito importante filtrar aquilo que se vai consumir na internet. Temos até um termo que tem sido frequentemente utilizado – unfollow terapêutico, que consiste em deixar de seguir perfis cujos conteúdos, de alguma forma, podem gerar algum tipo de mal-estar em quem acompanha. Para quem está vivendo a maternidade/paternidade eu recomendo avaliar o que se tem consumido virtualmente e os impactos internos disso. 

(En) Cena- Quais as principais dúvidas dos pacientes que chegam ao setting terapêutico? Há ainda muitos que chegam sabendo de informações falsas ou até mesmo repassadas pelo senso comum? 

– Na verdade, eu tenho percebido que a maioria das famílias tem chegado muito bem informadas. Mas ainda existem algumas crenças que são repetidas ao longo dos anos pelo senso comum, como por exemplo “o amor materno é instintivo”, “toda mulher nasceu para ser mãe”, “quando o bebê nascer você vai experimentar o verdadeiro amor”, que acabam colocando um peso muito grande sobre as mães, gerando muita insegurança e preocupação, principalmente quando percebem que o dia a dia da maternidade não é tão romântico quanto dizem por aí.

(En) Cena- Você também realiza o acompanhamento após o nascimento, ou já se torna uma outra demanda de atendimento? 

-Sim! Nosso acompanhamento envolve todo o ciclo gravídico-puerperal, se assim a família quiser.

(En) Cena- Além do acompanhamento dos pacientes, você possui algum projeto atual ou futuro ou grupo em que haja socialização de pacientes e compartilhamentos de relatos de experiência? 

-Faço atendimentos individuais e grupais, e estou sempre em contato com outros profissionais da saúde para projetos em parceria, como rodas de conversas, grupos de apoio e oficinas de preparação para o parto.

(En) Cena- Qual mensagem você deixa aos nossos leitores? 

-Há algo que é extremamente importante a gente saber: ao longo de toda a vida de uma mulher, desde o nascimento até a morte, vão existir três períodos de transição que são críticos e potencialmente perigosos a nível de saúde mental: a adolescência com a puberdade, o climatério próximo a menopausa e a fase perinatal, que contempla a gestação até o puerpério. E desses três períodos críticos, o período perinatal é o que tem maior prevalência de ansiedade, estresse e depressão.

Ao contrário do que muito se pensa, o bebê não é o único que requer atenção durante a gestação ou após nascer. Investir no cuidado das mães é uma forma de investir no cuidado dos filhos e é urgente que a temática da saúde mental materna seja ainda mais vista e valorizada.