Vivendo na rua: a realidade de milhares de brasileiros

O que leva um cidadão a mudar o estilo de vida adotado como normal pela sociedade e passa a viver em situação de rua? Alguns são chamados de mendigos, sem teto, indigentes, desabrigados, e até mesmo são discriminados, confundidos e acusados por atos que oferecem risco à segurança de uma cidade.

O Portal (En)Cena entrevistou o psicólogo e pesquisador, Iacã Macerata, 31 anos, mestre em psicologia e doutorando pela Universidade Federal Fluminense sobre o assunto. Ele conta a experiência que o motivou a desenvolver trabalhos envolvendo moradores de rua.

Macerata atua nas áreas da clínica, das políticas públicas, cidade e direitos humanos. É psicólogo clínico, recentemente foi gerente do serviço de saúde “ESF POP RUA” na cidade do Rio de Janeiro e consultor da Política Nacional de Humanização da gestão e atenção em saúde, do Ministério da Saúde. Já trabalhou como psicólogo no serviço “Ação Rua” da Política de Assistência Social da cidade Porto Alegre.  Experiência “psi” Em dispositivo da Política de Assistência Social Para Crianças e a Adolescentes Em situação de Rua.

(En)Cena – Quando e por que você começou a tratar o tema População de Rua? 

Iacã Macerata –Trabalho com a população de rua desde 2004. Interessei-me por este trabalho ainda como estagiário de Um CAPS para jovens que viviam nas ruas em porto alegre, sentia que era preciso trocar algo com a população de rua, o que estava acontecendo e aprender com as pessoas que ali viviam. A realidade da rua tem algo a nos ensinar ou oferecer, que é  a possibilidade de nos relacionarmos melhor como coletivo na cidade, ao estabelecermos contato com pessoas que todos tentam não se relacionar. Chamo isso de construir políticas públicas: criar condições coletivas de cuidados ao tentarmos entender o quê e quem está na rua precisa de nós. Nessa aproximação podemos modificar o outro e nós mesmos. Aliás, só se modifica o outro se pudermos nos modificar.

(En)Cena – O que leva uma pessoa a morar nas ruas das grandes cidades?

Iacã Macerata – Impossível determinar um, e até três ou quatro. É uma conjunção de motivos que apenas podemos sondar, apontar um ou outro motivo não explica a realidade experimentada pelas pessoas que vão viver na rua. O que posso dizer é que esses motivos são de ordem econômica, afetiva e comunitária. Em sua maioria, as pessoas que vão morar nas ruas tem um histórico transgeracional de falta de direitos básicos: saúde, educação, moradia, trabalho e renda. Pessoas que perderam vínculos afetivos, pessoas pobres em sua grande maioria. Pessoas que de alguma forma perderam seu lugar nas suas famílias e comunidades, pela mais variada gama de motivos. Também não é possível determinar porque situações como estas ocorrem com muitas pessoas que não vão parar nas ruas. É claro, que vale pontuar as ações de remoção nos espaços urbanos nas cidades brasileiras que vêm ocorrendo muito atualmente e que certamente podem ser um fator decisivo, por exemplo, por ser uma ação de extrema violência, sendo executada geralmente pelo Estado, pressionado por interesses econômicos. Além de acontecimentos mais silenciosos que ajudam uma pessoa a ir viver nas ruas, temos esses exemplos em massa, já que muitas pessoas não conseguiram ter novamente uma casa para morar. A única maneira de saber quais os motivos que levaram uma pessoa a ir morar na rua é saber com essas pessoas. Cada caso é um caso único. E de qualquer forma nunca vai se saber definitivamente.

(En)Cena – A população de rua tem uma perspectiva de aumento no futuro?  

Iacã Macerata – Enquanto funcionarmos como sociedade desta maneira como funcionamos haverá população de rua. Saber se ela vai aumentar ou não é uma falsa questão. nossa função como sociedade é criarmos políticas públicas que viabilizem auxílio básico para essas pessoas. Não sei se vai aumentar o número de pessoas que moram nas ruas, mas se observarmos as formas como estão sendo pensadas as cidades, a tendência é que as pessoas vão sendo expulsas, haja visto a cidade que eu moro, que é a cidade do Rio de Janeiro.

(En)Cena – Qual a relação do tema saúde mental com população de rua?

Iacã Macerata – A mesma relação entre saúde mental e qualquer população. Precisamos da saúde mental no atendimento da população de rua como no atendimento de qualquer população, como entendo o sentido do princípio da integralidade do SUS. A diferença é que com a população de rua essa necessidade não fica maior, ela é mais evidente. Isso porque a população de rua sofre todos tipos de violências e tem falta de todo tipo de necessidades socialmente convencionadas como básicas. Sendo uma situação de extrema vulnerabilidade, a saúde mental, como outros olhares são fundamentais.

(En)Cena – Em se tratando de estudos, qual o nome oficial que essas pessoas recebem?

Iacã Macerata – Creio que população em situação de rua. Mas o nome é o de menos, o importante é o respeito com estas pessoas e suas formas de vida.

(En)Cena – Quais projetos de políticas públicas que o senhor destacaria como viáveis para essas pessoas?

Iacã Macerata – Todos a que tenham direito. Desde que os projetos possam entender quais as necessidades dessas pessoas. isso passa antes por uma aproximação que não se coloque como superior, que não veja essas pessoas como lixo, mas que procure, antes de achar o que é bom, certo ou errado pra elas, que procure entende-las. A política pública deve estar a favor do público e não o contrário.

(En)Cena – Essa parte da sociedade apresenta dificuldade para aceitar os projetos de auxilio, de que forma essa resistência?

Iacã Macerata – Não apresenta de forma alguma. A  não ser que esses projetos sejam ruins, ou mal feitos, se eles forem construídos junto com as pessoas, conseguimos muita adesão. A diferença é que as pessoas nessa situação são muito exigentes. Projetos de faz de conta, que não estejam implicados com esta realidade, projetos que chegam prontos e que tratam a realidade da pessoa de rua como algo errado, inferior, onde se chega para salvar os miseráveis, estes não dão certo, e aí não adesão. Um projeto ou serviço precisa ser muito bom, atentar muito a ética para funcionar com a rua.

(En)Cena – O Ministério da Saúde, lançou em 2012 o Manual Sobre O Cuidado À Saúde Junto A População em Situação de Rua, com sua participação. Esse manual foi elaborado para melhorar a atenção por parte dos profissionais do SUS?

Iacã Macerata – Creio que sim, na verdade só participei de um texto, e não de sua organização, acho que ele pode servir tanto para ajudar as equipes de Consultório da Rua que estão começando agora, quanto os profissionais de outros serviços da saúde em geral. Aliás, este é um ponto importante, o ideal é que não tenhamos um serviço do SUS especifico para rua, mas que todos os serviços possam acolher e atender toda população de seu território. Embora hoje em dia seja importante termos o surgimentos de equipe voltadas para esta população, já que estas pessoas na grande maioria das vezes não conseguem nenhum tipo de atendimento em saúde, o que é direito delas.

(En)Cena – Quais autores tratam do tema e servem de referência?

Iacã Macerata – Não trabalho com autores que falam especificamente da população em situação de rua. Gosto muito do livro, “A Clinica Peripatética”, do Antonio Lancetti. Acho que é um bom livro para começar a entender o tema das políticas públicas de saúde para populações que fogem dos padrões que os profissionais de saúde foram formados para tratar.

 link:  http://www.slab.uff.br/images/Aqruivos/dissertacoes/2010/Iaca.pdf

Direitos dos Moradores de Rua

Consideram-se moradores de rua as pessoas cuja renda per capita é inferior à linha de pobreza, que não possuem domicílio e pernoitam nos logradouros da cidade, nos albergues ou qualquer outro lugar não destinado à habitação.

Todo morador de rua tem direito a tirar sua documentação, mesmo sem comprovante de residência. As pessoas moradoras de rua têm direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo mensal. É importante saber que existe na assistência uma lei chamada de LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social). De acordo com a LOAS, os atendimentos devem ser oferecidos sem discriminação e com o devido respeito à dignidade e à autonomia das pessoas. Essa lei também garante, expressamente, a criação de programas de amparo às pessoas em situação de rua (art. 23).O governo disponibiliza abrigos. Não existe um tempo máximo de permanência nos abrigos, que funcionam 24 horas.

 

Legislação importante

Lei 8.742 – Dispõe sobre a organização da Assistência Social

Lei 11.530 – Institui o Programa Nacional de Segurança Pública com cidadania

Decreto 7.053 – Política Nacional para a população em situação de rua