Ao analisar o livro “Amor, Sexo e Tragédia” é possível conhecer que na atualidade existem muitas semelhanças com a Grécia Antiga. Trata-se de um olhar da sociedade, que dita, como devemos ser ou agir. Mas, ao mesmo tempo, sofre grandes conflitos e divisão de pensamentos. Dito isso, o presente documento focará nos capítulos “O Corpo Perfeito”, “Coisa de Homem” e “O corpo feminino-macio e esponjoso, depilado e recatado”, por Simon Goldhill.
A civilização grega vai muito além da sua mitologia. Nossa sociedade sofre grande influencia por parte dos gregos da antiguidade e a herança que recebemos ainda é facilmente encontrada no nosso cotidiano. Os jogos olímpicos, possivelmente são um dos legados mais óbvio. Esse evento, que acompanha as mais diversas modalidades e que é acompanhado pelo mundo todo, teve origem na Grécia Antiga e era considerado um ato religioso. Os jogos aconteciam em ginásios, local este de grande importância para os gregos. Lá os homens ficavam nus e recebiam todos os tipos de educação. Praticavam exercícios físicos para fortalecer o corpo para os jogos olímpicos, e, até mesmo para a guerra. Além disso, também estudavam música e poesia.
A cultura Grega Antiga é frequentemente associada à nudez. Para especialistas há uma diferença entre estar nu e a nudez. Estar nu para os gregos é algo acidental, é como ficar sem roupa de forma não intencional ou então se trata de uma parte de encenação de nobreza, mas a nudez é uma atitude intencional. É como um uniforme que se veste e quando se tira a roupa: “nudez é o uniforme dos justos”. Também questiona os costumes sociais, amorosos e percepções acerca da sexualidade. Traz reflexões gerais acerca do corpo feminino e aborda algumas polêmicas, referindo-se com insulto ao corpo feminino, pois a história sempre falou bastante do corpo masculino, e até o capítulo 2 do livro “Amor, Sexo e Tragédia”, o autor trata apenas deste assunto. O capítulo 3, “O corpo feminino – macio e esponjoso, depilado e recatado” traz a narrativa a ser contada sobre a exibição do corpo feminino (Goldhill, 2007).
Pode-se dizer que o corpo feminino seja considerado ainda objeto particular para o discurso médico, legal, religioso, midiático, cotidiano, artístico e literário, de acordo com Goldhill.
O Corpo Perfeito
Desde sempre é possível ver as pessoas buscando diversas formas de alcançar o corpo perfeito, mas o que é ele, afinal? Levando em conta que, desde a antiguidade não é tão fácil se ter o tal sonhado corpo perfeito. Na Grécia Clássica exigia-se muita dedicação e isso significava praticar exercícios físicos no ginásio. Segundo Goldhill o ginásio testava a masculinidade, e não apenas atividades físicas. Era também um lugar de encontros eróticos. Homens se exibiam e comparavam uns aos outros e a si mesmo em referência do que era um corpo perfeito. Mas, entretanto, houve uma época em que os gregos tiveram como inspiração nas suas obras de arte: estátuas que representavam um modelo de corpo ideal. As estátuas são figuras de homens nus e fortes, mas ao mesmo tempo, magros e nem exageradamente musculosos, como vemos nos dias atuais.
Considerava o homem como o centro do universo, mas, sobretudo existia uma grande ameaça, pois se quisesse deixar um grego furioso, era comparar o seu corpo ao corpo de uma mulher.
Embora na Grécia Antiga lançasse um novo olhar sobre a representação do corpo humano, tal cultura do corpo estava ligada a quase todos os aspectos e era visto como uma representação da lua, das estrelas, do sol, das ondas ou das ideias de justiça, de vingança e da persuasão.
Coisa de Homem
Para cada um, os símbolos do corpo têm um significado, e em cada época vê-se e interpreta-se de diferentes formas; as leituras do corpo vão mudando de tempos em tempos. O “belo corpo” ou “modelo de corpo” é uma herança clássica que sobrevive em dias atuais. “Todas essas imagens corporais nos ditam como ser, como pensar sobre nós mesmos, como nos enxergarmos”. No entanto, a diferença entre o mundo antigo e atual dificulta a obtenção de uma visão clara do porque fazemos exatamente o que fazemos com as imagens do corpo, e o que esta imagem diz sobre quem somos.
A forma como se via esse corpo era muito complexa. Exibiam-se estátuas com pênis eretos, que era a simbologia de fertilidade e virilidade. Porém, a tradição cristã cobria com folhas o falo, que era sempre representado com o pênis ereto. A alguns eram arrancados e guardados em gavetas de museus. Entretanto, o falo era uma arma para proteger jardins e pomares contra ladrões, representando assim uma ameaça e um símbolo de poder.
O homem grego dava grande importância ao corpo forte e sadio, as estátuas exibiam corpos esculturais, mostrando músculos bem definidos. Na Roma antiga isto também era valorizado, e além de estátuas, também tinham campainhas de portas na forma de pênis, e lamparinas na forma de genitais grotescos e exagerados, que foram encontrados por escavadores.
Goldhill, diz que é difícil saber quão normal, quão cafajeste ou quão divertido, algumas peças pareceriam aos olhos romanos. E surge a dúvida de como elas exatamente eram usadas.
A beleza masculina era vista como uma dádiva, um presente dos deuses para dizer o mínimo. “Até tinham uma palavra para isso – Kaloskgathos – o que significa ser bonito de se ver e, além disso, uma boa pessoa”.
Com o tempo estes símbolos foram modificados e atualizados conforme a época e normas vigentes. Os curadores e os guardiões da moral têm a lei ao seu lado, pelo menos na Inglaterra moderna e na maioria dos países ocidentais. Há muitos anos a lei inglesa define pornografia a exibição de pênis ereto. É a única coisa que você não pode mostrar na televisão ou jornais. Na televisão britânica, pode-se mostrar a simulação do ato sexual, violência sádica de mulheres nuas (depois das 21h), mas mesmo em um programa médico a ereção de um homem não é permitida. (Goldhill, 2007)
O corpo feminino – macio e esponjoso, depilado e delicado
Até agora o livro falou muito sobre o corpo masculino, o que não é de surpreender. Mas também existe uma narrativa sobre o corpo da mulher, o que nos leva automaticamente a fazer um paralelo entre histórias do sexo feminino e masculino. O belo foi, por séculos ou milênios, um qualificativo associado ao homem e aos artistas ditos masculinos, e não a mulher. Daí entender que, uma história da beleza é, em princípio e por muito tempo, uma história masculina. As mulheres não representavam a si mesmas, mas eram representadas por homens e, portanto, as imagens de mulher e da beleza feminina foram construções do imaginário masculino. Uma idealização. É um véu que cobre algumas coisas e deixa outras a mostra, uma forma de censura.
Para censurar o homem era fácil. Pênis flácido “ok”, pênis ereto “jamais”. Mas para reconhecer os sinais de desejo em uma mulher é mais difícil, então não se sabe exatamente o que proibir. Se o problema é a excitação sexual, qual é o sinal físico no corpo de uma mulher? E o que, no corpo de uma mulher, não poderia excitar um espectador masculino? Desde a Segunda Guerra Mundial os limites do aceitável vêm mudando radicalmente, durante muito tempo uma linha divisória ferozmente mantida era o pelo púbico, qualquer visão dele era eliminada de filmes e revistas. As estátuas masculinas sempre tiveram pelos púbicos, porém nada de pelos púbicos para as mulheres. No texto temos uma história engraçada para ilustrar, mesmo talvez ela sendo apenas uma invenção. Dizem que o crítico de arte vitoriano Ruskin, que cresceu acostumado com essas imagens, chocou-se tanto ao ver os pelos púbicos de sua mulher na noite de núpcias que o casamento nunca chegou a ser consumado.
Junto às formas gregas de representação, herdamos alguns dos antigos preconceitos de gênero. Enquanto estátuas de homens nus sempre povoaram as cidades, a primeira estátua de uma mulher nua chocou os cidadãos e foi desprezada e vendida para uma ilha vizinha. Nessa Ilha de Cnidos ela foi exposta em um templo ao ar livre. Esta ilha se tornou um dos mais famosos locais de turismo do mediterrâneo antigo, ela era famosa por sua beleza erótica. Os homens babavam e até se apaixonavam, e de acordo com uma história engenhosa, um rapaz teria tentado mesmo copular com ela deixando as marcas de sêmen na coxa da estátua, o que faz com que os ouvintes olhem fixamente entre as pernas de Afrodite.
Enquanto nas estátuas masculinas o homem está disponível ao olhar do público, a estátua feminina faz um jogo de esconder e revelar, o observador sempre procura ver o quanto do corpo está a mostra. Como é exatamente que a observação de imagens corrompe o observador? Quando é que o prazer de observação se torna um impulso perverso? A verdade é que ser um homem bonito era fundamental, mas ser uma mulher bonita era um problema, a beleza feminina leva os homens a loucura e os submetem a elas, inaceitável.
Uma mulher pode ser sensual e bela, mas seu corpo é subjugado à regulamentação e ao controle dos homens. Não se pode olhar para uma mulher da mesma forma que se olha para um homem. A medicina é uma das maneiras como o lugar da mulher na sociedade é demarcado, é a disciplina dominante na percepção da carne e dos ossos humanos, e a medicina grega persistiu como modelo para a ciência ocidental por muito tempo, formulando a nossa compreensão do corpo, e modificando a nossa visão sobre o corpo da mulher. O cânone perfeito é masculino. O sistema grego de representação dos corpos femininos e masculinos nos faz sentir o corpo como fundamento da existência, o ser humano é uma coisa física. Mas quem realmente quer ser amado somente pelo corpo? Há uma história grega dentro de todos nós ao olharmos no espelho, mas histórias podem ser mudadas.
Dele e dela – uma história de amor?
A história do desejo moderno, como a do corpo moderno, tem uma base que remonta à Grécia e que, da mesma maneira que o corpo, ressalta de forma chocante, tanto a nossa diferença do mundo clássico como o que dele herdamos. Muitos românticos dizem que o amor é igual no mundo inteiro, mas não é. A sociedade ocidental moderna privilegia uma mutualidade de vínculos ao longo do tempo e as pessoas que rejeitam o ideal de reciprocidade – até que a morte nos separe – são estigmatizadas como sedutor, mulherengo, prostituta, etc.
Mas não existe norma moral ou ideal parecido na Atenas antiga. Isso não significa que os homens clássicos não eram afetuosos, a relação entre homens e mulheres era expressa muitas vezes como um laço de responsabilidades, obrigações e respeito. A família deve continuar, assegurada através de gerações. Mas sentir desejo pela esposa só pode constituir um erro trágico ou cômico, como Sêneca diz: “Deitar-se com a esposa como se fosse ela uma amante é tão odioso como cometer suicídio”.
Como marido, o eros de um homem poderia ser dirigido a uma amante, um menino, uma prostituta e embora fosse muito arriscado, à esposa de alguém. Declarações de paixão públicas e explícitas deveriam excluir a própria esposa. Na obra de Homero, o desejo sexual, para um homem, representava sempre um perigo, e para a mulher, um sinal de corrupção da norma adequada. Naquele universo, quando um homem sentia desejo ele deveria se precaver. Os malvados pretendentes de Penélope sentem desejo quando estão sendo burlados em direção à morte. A mesma configuração é feita nos dramas da clássica cidade de Atenas. Qualquer mulher que articule seu desejo sexual torna-se monstruosa, como Medéia, que assassina os próprios filhos, e Clitemnestra que assassina o marido.
Apesar do grande objetivo em comum de manter um lar por meio do vínculo do casamento, o vínculo hierárquico entre homem e mulher não deixa espaço para o desejo sexual recíproco e compartilhado. O homem adulto quer ser tratado com respeito, humor e deferência, mas não quer ser submetido ao controle do outro. Autocontrole significa controlar seus desejos, sua mulher e seu lar, se isso toma conta dele, corre-se o risco de ser alvo do ridículo, humilhação e destruição. Uma piada sobre isso, conta Plutarco, descreve um homem que era zombado pelos amigos pois a garota com quem se relacionava não gostava dele de verdade, então ele responde: “Quando vou ao restaurante como peixe, e não me importo com o que o peixe pensa de mim”. Brutal, mas capta como era a reciprocidade, “Você me ama?” não era uma pergunta grega.
Considerações Finais
Considerando que a beleza e o asseio eram para os gregos antigos dois requisitos importantes, tanto em esculturas como em vasos, podemos admirar homens e mulheres vestindo túnicas de pregas suaves e em poses graciosas. Proponhamos que os corpos eram usados como linguagem, status, beleza nu ou coberta, identificando raça, religião e expressando a cultura de cada povo. A diferença é o que faz cada um tão especial. Não fomos feitos padronizados, somos únicos. Corpos culturalmente transformados para a convivência e aceitação pacifica com o meio e, sem essa de diferença de homens e mulheres, por exemplo.
O conhecimento sobre o corpo e vivência no corpo é o que nos possibilita compreender a nossa existência no mundo, pois é por meio dele que construímos significados e assim ocupamos espaços, comunicamos, interagimos e nos constituímos como identidades individuais e coletivas.
Partindo deste pressuposto, somos todos iguais, porém com diferenças e formas de visualizar o mundo. Tudo se define através de sua cultura. A cultura americana, por sua vez, os corpos cultivados e aceitos são esbeltos, definidos e com músculos trabalhados, porém sempre existe o outro lado, onde os padrões são diferentes para diversos povos e épocas; muitas vezes o que é considerado algo bizarro e feio, para alguns povos, é algo com significado especial, e para outros busca pela aceitação social.
Contudo, a filosofia grega juntamente com o pensamento e a ética cristã e o direito romano, são o tripé da sociedade ocidental. Levando em conta todo esse legado, percebemos a enorme influência dos gregos em nossa cultura e o seu papel decisivo para nos definir ocidentais.
REFERÊNCIAS:
GOLDHILL, Simon. Amor, sexo & tragédia: como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Tradução: Claúdia Barbela. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2007.
A beleza na Grécia Antiga e Hoje. Disponível em < http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/a-beleza-na-grecia-antiga-e-hoje/ >. Acesso 02 mar. 2018.