“Enquanto a humanidade não resgatar sua enorme dívida para com nossos irmãos ciganos, nenhum de nós poderá falar em direitos humanos e cidadania”
Pretende-se com essa explanação abarcar as questões étnicos-culturais, especificamente, referentes à cultura cigana e sua significância para o mundo atual, propiciando e auxiliando para uma ampliação da percepção acerca da população cigana, bem como a representação social desta, haja vista a contribuição dessas representações para a segregação desses povos. Utilizando-se, portanto, da Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici, na qual carece de ser analisado a partir de duas dimensões: processo e produto, ou seja, as pessoas acabam reconstruindo a realidade a partir de um conhecimento particular, em que influencia em determinados comportamentos e comunicações entre indivíduos (BERTONI, 2017).
Assim, pode-se compreender que a população cigana tem uma história ocultada durante milênios. Sendo uma grande problemática e um instrumento para o aumento da discriminação e preconceitos frente a estes povos. Aliás, ainda hoje há poucos registros sobre esta em meios científicos e, consequentemente, acadêmicos, haja vista a dificuldade para se encontrar dados de sua originalidade. Contudo, há evidências de que os povos ciganos vieram da Índia para o Oriente Médio há cerca de 100 mil anos atrás (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2007).
Eles se denominam de “roma” ou “rom” que traduzido para a Língua Portuguesa significa “homem”. Os povos ciganos vivem no nomadismo, tem uma dimensão cultural intensa e perpassa o misticismo, a sabedoria e a alegria. Muitos historiadores supõem que estes povos saíram da índia para se esquivarem dos povos muçulmanos. Havia muitos ciganos vivendo em Portugal e foram levados ao Brasil e a África. No cenário nacional, estes se dividem em alguns clãs: Moldowaia, Kalderash, Sibiaia, Roraranê, Lovaria, Mathiwia e Kalê, além de haver divisão de falas (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2007).
Em dois estudos realizados entre os anos de 2012 e 2017 no estado de Sergipe e em Vitória no Espírito Santos propuseram-se a mostrar como as pessoas não ciganas veem os povos desta cultura. Além das questões afetivo-emocionais que perpassam esta dinâmica relacional entre povos de culturas distintas. Em ambas as pesquisas houve um contraponto entre o nível de contato das pessoas não ciganas com o grupo cigano, além de analisar as questões afetivas com relação a eles. Segundo Bonomo, Cardoso, Faria, Brasil e Souza (p. 6, 2017) as representações sociais, como crenças compartilhadas acerca de um grupo, influem nos comportamentos e atitudes. […] imagem negativa difundida acerca dos ciganos, como se vê no primeiro quadrante, não favorece à integração entre eles.
No estudo realizado por Carvalho, Lima, Faro e Silva (2012) a entrevista de 300 pessoas foram analisadas 147 delas moravam distantes dos ciganos e cerca de 157 moram nas proximidades. Diante do exposto, foi solicitado que dissessem acerca dos pensamentos, imagens desencadeadas ao ouvirem sobre os “povos ciganos” observou-se que tanto no grupo controle como no grupo de experimento houve a presença de fatores relacionados com os estereótipos e preconceitos, ou seja, nos dois casos não há presença de representações positivas frente a esses povos. Apesar das representações sociais terem sido diferentes no que se refere aos dois grupos, as questões pejorativas se mantiveram presentes. Assim, fica explícito que embora possuidores de uma proximidade, eles tinham a necessidade de se mostrarem pessoas “diferentes” dos povos ciganos, com fortes questões emocionais frente ao grupo, por isso insistem em afirmar que são perigosos, sujos, com crenças imorais, ladrões.
Já no estudo realizado por Bonomo et al (2017) com 57 pessoas que diferiram quanto às representações sociais, mas as questões pejorativas ainda se mostram demasiadamente presentes similarmente ao estudo realizado em 2012 no estado de sergipe. Há uma constante presença de sentimentos ambivalentes frente a esses povos, ou seja, sentimentos positivos de admiração e afeição e, ao mesmo tempo, repulsa, aversão, antipatia, medo, mal-estar, bastante desconfiança frente a eles, indiferença. Além das questões relacionadas com as vestes e com a própria aparência deles, na qual causa estranhamento aos outros indivíduos. Contudo, o povo cigano passou por uma evolução à medida que eles começaram a se urbanizar, relacionando-se com outras pessoas.
O povo cigano procurou ao longo de décadas e caminhos que seguiu procurar adaptação aos ambientais as quais se inseriu, mas diversos traços culturais permaneceram iguais, a saber, suas tradições. É marcante a presença de um discurso pejorativo nos inúmeros meios de comunicação que os ciganos aparecem. É muito presente a exclusão, a discriminação, preconceito contra estes povos e seus modos de estar no mundo devido ao não padrão destes povos. A história vaga e disseminada socialmente exerce uma função que aumenta a exclusão, sem contar na onda de estupros frente contra estes povos, principalmente, crianças. (JÚNIOR, 2013)
Diante das questões trazidas, é notório que o processo de exclusão dos povos ciganos é alarmante e causa sofrimento a eles. Assim, a Psicologia não pode ser afastada deste cenário assustador, pelo contrário, suas intervenções e práticas precisam alcançar estes povos que se encontram ameaçados e em situações de vulnerabilidade. A Psicologia enquanto ciência e profissão tem um grande compromisso social e luta em prol dos Direitos Humanos e dos Direitos Sociais, por isso Desse modo, serve como reflexão para uma sociedade marcada por estereótipos negativos frente a culturas diferentes do padrão dominante, e a necessidade de buscar a ruptura desses paradigmas, mobilizando e visando a conscientização das pessoas para que também não adotem práticas discriminatórias.
Referências
ANDRADE JUNIOR, Lourival. Os ciganos e os processos de exclusão. Rev. Bras. Hist., São Paulo , v. 33, n. 66, p. 95-112, Dec. 2013 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882013000200006&lng=en&nrm=iso>. access on 18 May 2020
BONOMO, Mariana; MELOTTI, Giannino and PIVETT, Monica. Representações Sociais de Mulher Cigana entre População Não-Cigana Brasileira e Italiana: Ancoragem Psicológica e Social. Psic.: Teor. e Pesq. [online]. 2017, vol.33, e3354.
BERTONI, L. M., and GALINKIN, A. L. Teoria e métodos em representações sociais. In: MORORÓ, L. P., COUTO, M. E. S., and ASSIS, R. A. M., orgs. Notas teórico-metodológicas de pesquisas em educação: concepções e trajetórias. Ilhéus, BA: EDITUS, 2017, pp. 101-122.
CARVALHO, Nayara Chagas. LIMA, Marcus Eugênio Oliveira. FARO, André. SILVA, Cíntia Almeida Figueiredo. Representações sociais dos ciganos em Sergipe: contato e estereótipos. Sergipe, 2017.
MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS. Povo Cigano o direito em suas mãos. Brasília, 2007.