Os anos de 2020 e 2021 trouxeram grandes desafios para a maioria das pessoas. O caos da catástrofe imposta pelo novo coronavírus modificou radicalmente a rotina de muitos, impôs adaptações a curtíssimo prazo a todos e também favoreceu o aparecimento de sintomas de ansiedade, depressão e pânico.
Isso se deu em decorrência das situações de luto, isolamento social, medos constantes do futuro, da doença, do desemprego e do outro que poderia portar o vírus. Além da exaustão causada pelo acúmulo de tarefas domésticas e laborais em decorrência do teletrabalho, das aulas remotas/online das crianças e das demissões em massa.
Nesse sentido aponta a pesquisa do Observatório Febraban/Ipespe que ouviu três mil pessoas nas cinco regiões do país: “entre as principais mudanças na vida dos brasileiros provocadas pela pandemia do coronavírus, a saúde mental e emocional foi mencionada por 57%”.
É preciso esclarecer que a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que no Brasil 11,5 milhões de pessoas sofrem com depressão e que até 2030 essa será a doença mais comum no país.
E, ainda, neste sentido, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pesquisou o impacto da pandemia e do isolamento social na saúde mental de trabalhadores essenciais e mostrou que sintomas de ansiedade e depressão afetam 47,3% desses trabalhadores durante a pandemia, no Brasil e na Espanha. Destaque-se que mais de 50% destes sofre de ansiedade e depressão ao mesmo tempo. Além disso, a pesquisa indica que 44,3% têm abusado de bebidas alcoólicas; 42,9% sofreram mudanças nos hábitos de sono; e 30,9% foram diagnosticados ou se tratou de doenças mentais no ano anterior. Por fim, a Associação Brasileira de Empresas de Saúde e Segurança no Trabalho (Abresst) aponta que a síndrome de Burnout ou esgotamento profissional também vem crescendo como um problema a ser enfrentado.
Em resumo, trata-se de um tempo muito difícil, que, certamente, trará consequências ainda imprevisíveis à saúde física e mental dos envolvidos.
A minha experiência com a pandemia não foi tão aguda ou desafiadora de modo que eu me autorize a reclamar. Tenho consciência do privilégio que é estar atravessando a calamidade tendo emprego, filhos na escola particular, saúde física e, ainda, viver com relativa estabilidade no caos, apesar do ônus imensurável de ter perdido meu tio para COVID em março deste ano.
Contudo, tais regalias não afastaram o sofrimento mental, nem as consequências físicas da experiência na pandemia.
Foram muitas crises de ansiedade, insônia continuada, irritabilidade, esgotamento físico e mental por excesso de trabalho, perda de concentração, cortisol nas alturas, compulsão alimentar e, de cara com a balança encontrei 10 quilos a mais.
Situações de estresse, tensão, ansiedade e irritação, promovem uma liberação excessiva de cortisol no organismo para diminuir o estresse e restaurar o equilíbrio do corpo. Condições adversas, tais como a pandemia, aciona os mecanismos de fuga e alerta do organismo.
Todavia, em excesso, como no meu caso, o cortisol pode ser muito prejudicial à saúde, pois faz com que o corpo mobilize as reservas de energia, o que retarda o metabolismo e o fluxo sanguíneo, dificultando o emagrecimento e o ganho de massa magra, aumentando as chances de doenças como infarto e diabetes.
Para mim, o ganho de peso significou perdas importantes para a saúde física e mental. No campo físico, meu colesterol chegou a níveis recorde que me levaram a iniciar a trágica e necessária prática de tomar remédios para o resto da vida. E no campo mental, a minha autoestima era atacada pelo desafio de passar horas olhando o meu próprio rosto, cada dia mais gordo, na tela do meet durante mais de 12 horas por dia entre home office e aulas online na faculdade de psicologia.
Confesso! Eu pensei que não fosse suportar quando: parei de me olhar no espelho; nenhuma roupa servia; procurei duas nutricionistas, fiz dietas e exercícios físicos, mas nada adiantava. Eu continuava a comer compulsivamente, especialmente nos dias e horários em que estava muito cansada. De um modo estranho, comer era uma forma desesperada de obter energia para continuar produzindo.
Eu pude fazer análise durante toda a pandemia. Mais um privilégio a ser anotado! E tenho certeza de que teria sido muito mais difícil sem esse precioso recurso. Porém, ainda assim eu estava sofrendo muito com o resultado no meu corpo.
Em agosto deste ano, após grande relutância e me sentindo vencida e impotente, procurei auxílio de médico endocrinologista e iniciei um tratamento medicamentoso, bastante invasivo, para perda de peso. Minha falta de autoestima e minhas crises de ansiedade haviam chegado ao ápice.
O primeiro passo do tratamento que promoveria minha mudança foi a realização de uma bioimpedância. Um procedimento que apresenta os percentuais de gordura, massa magra, água e, considerando o funcionamento metabólico define a idade do organismo do paciente. No meu caso, mesmo com todos os privilégios, tinha ganhado 17 anos na pandemia.
Meus hormônios derivados do sistema de alerta (luta e fuga) estavam muito alterados e eu precisei de medicamentos para regulação de metabolismo, sono, apetite e, é claro, ansiedade.
Fiz dois meses do tratamento prescrito, em conjunto com a terapia, e perdi 8 dos 10 quilos. E sigo firme, mas muito assustada com a quantidade de intervenções que precisarei fazer no meu organismo afim de oportunizar a regularização do funcionamento hormonal e metabólico que foi severamente afetado pelo sofrimento emocional durante a pandemia.
Por outro lado, esta experiência tem me feito refletir sobre a importância das técnicas não medicamentosas em psicoterapias e psicanálise a serem oportunizadas às pessoas em sofrimento decorrente dos sintomas que decorrem da experiência com a calamidade da COVID 19, bem como daqueles que advirão no pós-pandemia.
De outro modo, também me pego pensando no texto de Eliane Brum “Exaustos – e correndo e dopados” que utiliza a teoria de Byung-Chul Han para nos localizar numa “sociedade do cansaço” e identificar nossa condição de escravo de nós mesmos advinda dessa necessidade de trabalho e desempenho sem que haja o devido tempo para o luto, a melancolia e o sofrimento. Sobre este ponto, me admirei da quantidade de psicofármacos que me foram ofertados pela equipe médica para que eu pudesse, mesmo nos dias difíceis, conseguir produzir muito, mais e até melhor que nos dias bons. Bastava uma pílula de um tarja preta e tudo ficaria controlado. Afinal, “o depressivo é o inválido da guerra internalizada da sociedade de desempenho” (Brum, 2016). Pois, o mercado de trabalho, os afazeres domésticos e a faculdade não podem esperar o reequilíbrio das baixas causadas pelo sofrimento emocional.
Referencias Bibliográficas
BRUM, Eliane. Exaustos – e Correndo – e Dopados. https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/04/politica/1467642464_246482.html
CAMPOS, Lediomar Silva, LEONEL, Camila Ferreira Silva e GUTIERREZ, Denise Machado Duran, Relação entre estresse e obesidade: uma revisão narrativa. 2020. https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/BIUS/article/view/8255