Morte, guerra e dor: entrelaços de uma vida nas lentes de Kevin Carter

Carter teve sua trajetória como fotógrafo transformada no dia 23 de maio de 1994 depois que ganhou o prêmio Pulitzer [1] de fotografia, imagem fotográfica que levou críticas e condenações de outros fotógrafos e dos espectadores que o definam Carter como indiferente a Criança e mais interessado na imagem. Porém, há outros relatos de como foi tirado essa foto que fala da compaixão do fotografo diante da imagem. Nisso, não entremos nos critérios dos julgamentos de certo ou errado, mas na profundidade da imagem que mostra o horror da fome e da guerra que passa na sociedade como se não conhecessem ou existisse.

Fonte: https://goo.gl/X3jvoi

A trajetória da vida de Carter mostra um homem extremante intenso e profundo na sua forma de vida, inserido na realidade em que o mesmo vivia, cercado pelas guerras, fome, racismo e indiferenças. Foram essas características que fizeram Carter lançar seu olhar para o mundo fotográfico. Iniciou seu trabalho como fotógrafo no fotojornalismo no segmento do esporte, mas depois mudou seu olhar em busca de fotografar imagens de guerras e indiferenças que existiam na sua região.

Fonte: https://goo.gl/XKTkoK

A intensidade e a forma de vida profunda são características de um fotógrafo na qual mostra nas imagens suas indagações e indignações. Sua infância e adolescência não foi fácil, pois já testemunhava as injustiças e sofrimentos que os menos favorecidos e os negros sofriam diante dos seus olhos. Dentro dessa perspectiva sofreu por querer defender a vida dessas pessoas, até chegou a ser espancado por policias em uma dessas situações.

Carter foi o primeiro a fotografar uma execução pública necklacing (um tipo de execução e tortura praticada ao colocar um pneu de borracha, cheio de gasolina, em torno do peito e dos braços da vítima, e depois atear fogo) de negros africanos na África do Sul, por volta da década de 1980. A vítima era Maki Skosana, que havia sido acusada de ter um relacionamento com um policial. Carter, depois, falou sobre as fotografias: “[…]. Fiquei chocado com o que eles estavam fazendo, eu estava chocado com o que eu estava fazendo, mas, em seguida, as pessoas começaram a falar sobre as fotos […] então eu senti que talvez minhas ações não tinham sido de todo ruins. Ser testemunha de algo tão horrível não era necessariamente uma coisa ruim a se fazer”. [5]

Fonte: https://goo.gl/XKTkoK

Essas histórias mostram a profundidade e a força da vida de desse fotógrafo que, ao mesmo tempo, via sua função mostrar para o mundo as calamidades das guerras e do racismo, mas por outro lado vários conflitos se instauram diante dele ao ponto de levá-lo a cometer suicídio. São várias as perguntam que podemos fazer tentando desvelar o que de tão profundo e inquieto Carter tinha dentro de si, que o levou a um ato tão forte e brutal consigo mesmo. O que se tem registrado desse ato foi o que o próprio deixou, revelando nos seus escritos que a morte de um amigo em serviço foi algo que o marcou muito. Segundo Santos [3], Carter escreveu o seguinte texto antes de morrer:

Estou deprimido, sem telefone, sem dinheiro para pagar a renda, sem dinheiro para ajudar ao sustento da minha criança, sem dinheiro para pagar as dívidas, sem dinheiro! Sou assombrado pelas vívidas memórias de mortes e cadáveres e raiva e dor, de crianças feridas e esfomeadas, de loucos que assassinam alegremente, alguns deles polícias (…). A dor de viver ultrapassa a alegria ao ponto em que esta deixa de existir. Fui juntar-me ao Ken (seu colega fotógrafo que havia falecido há pouco tempo), se eu tiver tamanha sorte”.

Esta declaração mostra os entrelaces de sua vida, onde vivia entre guerras, mortes e injustiças sociais. Os mistérios de uma vida que perpassaram a subjetividade de Carter o levou a morte. Ele escolheu dar fim na dor e nos porquês sem repostas que apontaram a guerra, a fome e o racismo como violências humanas destrutíveis. Carter não suportou a dor quando buscou, através da sua linguagem, registrar as mazelas do mundo.

Fonte: https://goo.gl/vVt83c

Violências que geram violências internas, dor que geram dor, assim pode ser definido Carter na dor do outro, essa dor extrema que é revelada em suas imagens e que se tornou dor para si mesmo. Sem preparo psicológico, ele deixou que a morte do outro o levasse a própria morte. Nesse ínterim, Carter permanece em nosso imaginário por meio de suas imagens de dor, de choro, de violência, de indiferenças. Dores que ainda estão presentes no outro e no cotidiano. Ficamos com a sensação de impotência do que fazer diante da dor do outro.

Saiba mais:

[1] O Prêmio Pulitzer é um prêmio norte-americano outorgado a pessoas que realizem trabalhos de excelência na área do jornalismo, literatura e composição musical. É administrado pela Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque.

Referências

[2] LEONY, Bruno; PAULA, Renata de. Fotojornalismo. Disponível em: <http://www.jornalista.com.br/fotojornalismo.html>. Acesso em: 25 abr. 2017.

[3] SANTOS, Marco. As várias mortes de Kevin Carter: Um abutre espera que a Mãe Natureza lhe sirva o almoço. Um fotógrafo também está à espera. 2008. Disponível em: <http://bitaites.org/fotografia/as-varias-mortes-de-kevin-carter>. Acesso em: 24 abr. 2017.

[4] UOL (Comp.). As várias mortes de Kevin Carter. Disponível em: <http://mais.uol.com.br/view/min2w6lmbsk1/as-varias-mortes-de-kevin-carter-04020D1A3262C4A12326?types=A&>. Acesso em: 25 abr. 2017.

[5] WIKIPÉDIA (Org.). Kevin Carter. 2016. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Kevin_Carter>. Acesso em: 24 abr. 2017.