Beija-flor, codinome Cazuza

Sou ariano. E ariano não pede licença, entra, arromba a porta. Nunca tive medo de me mostrar. Você pode ficar escondido em casa, protegido pelas paredes. Mas você está vivo. Essa vida é para se mostrar. Só quem se mostra se encontra. Por mais que se perca no caminho.” Cazuza

Comparar Cazuza a um beija-flor parece muito sensato quando se conhece o comportamento deste pássaro – e o de Cazuza. E também faz muito sentido quando se sabe que “Codinome beija-flor” foi um dos seus grandes sucessos como cantor e compositor, inspirado nas visitas que recebia de beija-flores na janela do quarto do hospital em que ficou internado. Nascido em 1958, Cazuza (também chamado de Caju por seus amigos) marcou a geração do pop-rock dos anos 80 e suas músicas são ouvidas e influenciam muitas pessoas ainda hoje.

Fonte: https://goo.gl/16STcB

Um amante da vida, usufruía dela intensamente, não se permitindo nem mesmo prender por paixões que o distraíssem desse seu propósito, além de considerar que amar é sofrer e que para o sofrimento ele não tinha o dom. Assim, da mesma forma que o beija-flor é poligâmico por natureza, Cazuza se entregava ao amor de forma plural, sem discriminar raça ou gênero e sem deixar passar as oportunidades em que podia desfrutar desses amores ao mesmo tempo e no mesmo espaço.

Momentos assim marcaram a vida do jovem Caju, que sempre ia em busca de entorpecentes da mesma forma que um beija-flor procura por néctar. Ao entrar para a banda Barão Vermelho, que começava a se formar, encontrou amigos com o mesmo gosto e que manteve a amizade durante sua vida, por mais que sua estadia na banda não tenha durado muito tempo. O Narciso dentro dele não o permitia dividir o palco, somente ele deveria ser o centro das atenções.

Formação da Banda Barão Vermelho. Fonte: https://goo.gl/x5oEym

Cazuza gostava de bagunça, o que se refletia no seu quarto, nas suas relações, nas suas práticas de lazer, talvez até em seu cabelo desgrenhado e em seu estilo solto. Entretanto, essa bagunça só era externa, pois Cazuza parecia carregar muita clareza e leveza da vida dentro de si. Talvez exatamente por isso, por entender a finitude da vida, buscou se livrar das neuroses que a emperram, que a tornam monótona e cheia de regras e necessidade de organização.

Em meio a essa bagunça bem quista, a criatividade de Cazuza parecia fazer morada. Brincava com as palavras, as rimas, a poesia e a melodia ao falar de sentimentos. Não é à toa que ficou conhecido como um dos maiores poetas do país. Mas não eram somente sentimentos que compunham a poesia de Cazuza. Músicas como “Brasil”, “Ideologia” e “O tempo não para” compostas e cantadas por ele, mostram a sua visão de mundo, além de terem contribuído para a construção de senso crítico de uma geração pós-ditadura militar.

Capas dos álbuns “Ideologia” e “O tempo não para”

A procura por desordem e por inquietação do público está para Cazuza assim como o bater de asas constante está para o beija-flor. Não tinha medo de se mostrar, de expressar suas ideias, pensamentos e sentimentos. Seus versos, eternizados no inconsciente coletivo do povo brasileiro (principalmente) através de sua voz indiscutível, carregam a exteriorização daquilo que é guardado no íntimo de qualquer pessoa. São versos que, mais do que refletidos, são sentidos.

Há quem diga que Cazuza era homossexual. Entretanto, classificar esse humano em alguma categoria não parece condizer com a sua personalidade, que em nada se importava com “o que os outros iam dizer ou pensar”. Assim, se entregava de corpo e alma para suas paixões, se importando apenas com a experiência e com o amor ali existentes.

Fonte: https://goo.gl/DBZmdy

Suas músicas, criadas há cerca de trinta anos, são muito atuais. Refletem os preconceitos e discrepâncias econômicas e políticas da sociedade, além das dores e mazelas enfrentadas por aqueles que não seguem o padrão imposto de como se comportar no trato social. Com a letra “a tua piscina cheia de ratos”, manifestou a hipocrisia que há em se manter uma fachada bonita, em aparentar ser o que hoje chamam de “cidadão de bem”, mas ser recheado de atitudes perversas contra o próximo, assim, “suas ideias não correspondem aos fatos”.

A maior ameaça para o beija-flor é a destruição do seu habitat, do seu lar. Para Cazuza não foi diferente. Infelizmente, seu corpo, que certamente era o seu lar (não importava o lugar, ele sempre estava a vontade), foi ameaçado pelo HIV (Human Immunodeficiency Virus), levando a AIDS (Acquired Immunodeficiency Syndrome). Com o seu talento em inquietar o público, não hesitou em informar sobre seu estado de saúde, o que causou grande comoção nacional. Sendo um dos primeiros a falar abertamente sobre o assunto, provavelmente tenha contribuído para a conscientização sobre a doença.

Fonte: https://goo.gl/1mBHKY

Lutou bravamente contra o vírus e não o deixou afetar a sua criatividade. Continuou criando letras e cantando, mostrando grande resiliência com a situação. Assim, conseguiu calar a morte, pois mesmo após a visita dela, a ideia Cazuza continua viva e presente na vida daqueles que o admiram através de sua poesia cantada.