“Loucos de amor” e a relação entre pessoas do espectro autista

O filme Loucos de Amor (Mozart and the Whale) é baseado na história verídica de Jerry e Mary Newport, narrada num artigo do Los Angeles Times em 1995. O filme reconta a história a partir dos personagens Donald e Isabelle, dois adultos jovens com Síndrome de Asperger, atualmente denominada como Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) (APA,2014). Donald trabalha como taxista e é excelente com números, sendo capaz de resolver operações matemáticas complexas sem necessitar de qualquer auxílio; já Isabelle é uma cabeleireira que se destaca por sua aparência nos locais onde frequenta e ambos apresentam grande afeto por animais.

É possível observar que Donald apresenta um padrão de comportamento: ele não faz contato visual com outras pessoas e faz contas matemáticas constantemente, com números com os quais se depara ao longo do dia. Logo no início do filme Donald se envolve em um acidente, batendo o táxi no qual trabalha em outro carro. Donald então abandona o táxi e segue para o grupo de autoajuda, que ele criou, para pessoas com autismo e é neste grupo que ele conhece Isabelle, que relata que desde criança entende o que é dito por outras pessoas a sua volta de forma literal. Donald também conta a sua história e diz que cresceu em uma bela casa e que quando tinha 02 anos seus pais perceberam que ele era diferente, não sendo ele a criança normal que todos os pais desejam.

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A partir dos encontros no grupo, Donald e Isabelle se engajam em um relacionamento, que é confuso para Donald, que não sabe bem os passos que deve seguir, pois ele sempre cumpriu sua rotina específica e de certa forma solitária, não sabendo quais atitudes tomar diante de mudanças, como em um momento em que Isabelle resolve fazer uma surpresa para Donald, organizando e limpando o seu apartamento, além de redecorar algumas coisas que para ela eram consideradas lixo, mas para ele eram coisas de seu interesse específico. Aquele era o seu apartamento, seu modo de organização e, o principal, aquelas coisas eram relevantes para ele. Tudo isso faz com que Donald reaja com agressividade, pois a mudança o afeta, e ele só se acalma depois de um tempo, calculando e fazendo movimentos estereotipados com as mãos e se balançando, em pé, como se estivesse em uma gangorra. Para Isabelle o relacionamento parece uma aventura e ela sempre está muito entusiasmada, mas para os dois é um campo inexplorado.

Os protagonistas decidem ir morar juntos em uma casa alugada junto com os animais de estimação de ambos. Existe uma tentativa de compreensão, por parte dos dois, neste período em que vivem juntos. Donald deixa que Isabelle pinte as paredes de acordo com o que ela expressa em suas obras de arte, enquanto Isabelle não organiza as “bagunças” que Donald deixa pela casa. Apesar destas tentativas, ambos não conseguem ficar juntos e acabam se desentendendo, pois Donald pede para que Isabelle aja de forma “normal” durante a visita de seu chefe a casa deles e Isabelle fica ofendida com isso, discutindo com Donald, pois para ela não existe a possibilidade de pessoas autistas agirem de forma normal, pois eles não são “normais”.

Ambos sofrem muito com a falta do outro e, quando se entendem novamente, Isabelle pede para que ambos sejam apenas amigos, pois é tudo o que ela tem para oferecer. Mas Donald não consegue entender isso e acaba pedindo Isabelle em casamento, ao que ela reage mal, tentando cometer suicídio. A tentativa de suicídio não é bem sucedida e Isabelle recebe alta do hospital e sua terapeuta pede para que Donald não ligue nem a procure mais. Donald sofre muito com isso e tenta de todas as formas resistir à tentação de ligar para a amada, mas acaba encontrando-a no seu local de trabalho. Dessa forma, vai atrás dela para que possam se entender e para que possa lhe explicar o motivo pelo qual não ligou mais, após o que aconteceu.

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No final Donald e Isabelle resolvem ficar juntos, mas sem promessas de como será o futuro, pois não há como prever como se adaptarão às mudanças que a vida de casado irá exigir, porém o que se sabe é que ambos desejam permanecer um na companhia do outro como marido e mulher e o filme é encerrado com Isabelle celebrando juntamente com Donald e os demais integrantes do grupo de ajuda para autistas, a família que eles se tornaram.

A 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM- 5) (APA, 2014) expõe que a pessoa com TEA, apesar de uma aparência física que não indica déficits, se caracteriza pela inabilidade de desenvolver relacionamentos com pessoas, pelo atraso na aquisição da linguagem, no uso não comunicativo da linguagem após seu desenvolvimento, pela tendência à repetição da fala do outro, ecolalia, por uso reverso de pronomes, por movimentos repetitivos e estereotipados, na insistência obsessiva na manutenção da rotina rígida e um padrão restrito de interesses peculiares, pela falta de imaginação, pela boa memória mecânica.

Ficou notório na observação dos comportamentos dos protagonistas do filme déficits na reciprocidade socioemocional, dificuldades de estabelecer uma conversa típica, compartilhamento reduzido de interesses e dificuldades para iniciar ou responder interações sociais. Foi possível observar, ainda, déficits nos comportamentos comunicativos não-verbais usados para interação social, dificuldade no contato visual e linguagem corporal, dificuldade na compreensão e uso de gestos.

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Desde criança, pessoas com autismo indicam menor frequência de habilidades sociais, comprometimento acentuado na interação social e comunicação, bem como um repertório restrito de comportamentos, atividades e interesses. O autismo tende a implicar sérios prejuízos na aprendizagem de habilidades sociais, influenciando outras áreas do desenvolvimento da criança (FREITAS; DEL PRETTE, 2013), desta maneira é importante que pessoas do espectro autista façam terapia e desenvolvam habilidades sociais.

De acordo com Silva, Del Prette e Del Prette (2013), as habilidades sociais são comportamentos que acontecem nas interações sociais e facilitam relacionamentos saudáveis, como por exemplo identificar emoções, expressar empatia e fazer amizades. Estas colaboram no processo de socialização, uma vez que favorecem o desenvolvimento e o ajustamento na sociedade, assim como integram recursos que facilitam a convivência.

Ainda de acordo com Freitas e Del Prette (2013), o Treinamento de Habilidades Sociais (THS) é essencial devido as associações positivas descobertas entre um repertório elaborado nessa área e diversos indicadores de funcionamento adaptativo, como por exemplo relações satisfatórias com pares e adultos, status social positivo no grupo e menor frequência de problemas de comportamentos.

Os Treinos de Habilidades Sociais devem ser realizados de acordo com a necessidade de cada pessoa, pois as intervenções com pessoas autistas devem levar em consideração as possibilidades de cada indivíduo. A pessoa autista que vai a terapia tem maior probabilidade de encontrar uma intervenção com uma etapa inicial que levante uma linha de base (descrevendo o repertório comportamental inicial), com uma avaliação funcional dos déficits e excessos comportamentais observados, sendo selecionadas metas para a intervenção e se fazendo análise de tarefas dessas habilidades específicas selecionadas, de forma a ser possível acompanhar progressos (DUARTE; SILVA; VELLOSO, 2018).

FICHA TÉCNICA: 

LOUCOS DE AMOR

Título original: Mozart and the Whale
Direção:Petter Naess
Elenco: Josh Hartnett, Radha Mitchell, Gary Cole, Sheila Kelley;
Ano: 2005
País: EUA
Gênero: Drama; Romance.

REFERÊNCIAS:

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtorno mental: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 948 p. Tradução de: Maria Inês Corrêa Nascimento et al.

DUARTE, Cintia Perez; SILVA, Luciana Coltri e; VELLOSO, Renata de Lima. Estratégias da análise do comportamento aplicada para pessoas com transtornos do espectro do autismo. São Paulo: Memnon Edições Científicas, 2018.

FREITAS, Lucas Cordeiro; DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira. Habilidades Sociais De Crianças Com Diferentes Necessidades Educacionais Especiais: Avaliações e Implicações Para Intervenção. Avances en Psicología Latinoamericana, v. 31, n. 2, p. 344–362, 2013.

SILVA, Ana Paula Casagrande; DEL PRETTE, Almir; DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira. Brincando e aprendendo habilidades sociais. [S.l: s.n.], 2013.