Um dos maiores estudiosos contemporâneos da aproximação entre o Budismo e o Cristianismo, o francês Henri de Lubac parte do pressuposto de que há um núcleo central entre estas duas tradições. Desta forma, apresenta o conceito de piedade que, nas duas expressões, acabam por tentar tirar o homem de suas projeções egóicas. E a piedade, neste contexto, de acordo com o francês, pode ser definida, dentre outras coisas, como “amar ao próximo como a si mesmo”, ainda que a importância do “eu” seja diminuída na abordagem oriental, ao ponto de tornar-se (esse “eu”) quase que insignificante. Haveria, portanto, um ideal contemplativo no sentido último da piedade. No Budismo, este ideal se expressa, sobretudo, no Caminho do Bodisatva (Bodi = mente, Satva = compaixão: ser de mente compassiva), que é aquele que renuncia ao Nirvana (ou ao Reino de Deus, como exemplifica Buddadhasa) até que todos os seres tenham alcançado a libertação/salvação.
Nas práticas contemplativas cristãs e budistas, lembra Lubac, a piedade ganha um novo sentido na medida em que, pela prática espiritual, o agente (que realiza a piedade) não é influenciado por fatores meramente emocionais e, portanto, é possível manter um estado de serenidade em que o colocar-se no lugar do outro, sofrer com o outro transcende e ganha um sentido ampliado. No entanto, esta abordagem causou confusão nos historiadores ocidentais, diz Lubac.
Habiendo visto bien que la piedad budista no se ocupa de los casos particulares y que no debe confundirse en modo alguno com lós movimientos de uma fácil sensibilidad, han considerado demasiado rápidamente su carácter general como un signo de universalidad; de esa forma han olvidado que entre ló general y ló universal existe aún toda la diferencia que hallamos entre ló abstracto y ló concreto […]. (LUBAC, 2006, pág. 52)
Lubac lembra que a piedade tem três sentidos para o Budismo Mahayana¹, sendo a sattvalambana karuna, a dharmalambana karuna e a analambana karuna. Na sattvalambana karuna a piedade é focada para os seres que sofrem, de modo particular. Ela é uma manifestação incompleta pois ainda leva em conta uma realidade fenomênica, aquela visível aos olhos, apresentada pelo ser que sofre. No caso da dharmalambana karuna há um avanço na percepção de inseparatividade entre aquele que se apieda daquele que é objeto de piedade. Portanto, como nesta fase se superou o sentido de dualidade, o que fica é apenas as sensações dolorosas por si mesmas (já que o “eu” que sente tal sensação é visto como um conjunto de agregados, e não como um ente intrínseco e imutável). “Pero este es todavia um conocimiento aproximado, porque lãs sensaciones dolorosas no existen pó sí ni em si. Este segundo tipo de piedad implica aún um tipo de avidya (desconocimiento)” (Lubac, pág. 56). Por fim, a analambana karuna se refere a piedade pura, aquela que não tem um objeto. Ela ocorre não por as criaturas, não para remediar os sofrimentos, mas sim de um modo totalmente gratuito, pelo puro amor da piedade. Assim, “una virtud resulta tanto más alta cuanto más pura sea […]. [Allí entonces] habria la piedad perfecta, ideal” (idem, pág. 57).
Tanto no Budismo quanto no Cristianismo a piedade é um fator de valor universal, mas para o primeiro ela não pode ter caráter antropomórfico, sob o risco de perder importância. “Incluso aquel que se sacrificara a favor de todos lós seres, sin preferências particulares” (idem, pág. 54). Este sentido de piedade, destaca-se, se assemelha ao amor indiscriminado de Cristo, que considerava todos como parte de sua família, independente dos laços consanguíneos. À frente, São Paulo ampliaria esta visão ao estabelecer a mensagem cristã como de caráter universal e com forte ideal de justiça, não restrita a um único povo ou região, com um apelo que, num olhar mais aguçado, estende a visão cristã, lembra Lubac.
O Budismo é uma religião não-teísta
Passado este primeiro momento, é necessário debruçar-se sobre o conceito de amor “com” e “sem” Deus. Para o Cristianismo, de acordo com Lubac, o Mandamento do amor do homem por Deus tem as mesmas bases do amor de Deus pelos homens. Amar ao próximo, então, estaria ancorado no amor a Deus, já que Ele também ama e se expressa no próximo, “porque el hombre há sido creado a imagen de Dios” (idem, pág. 54). Assim, através da imagem divina que se expande pela criação, o homem participa, com efeito, da eternidade de Deus. Desta forma, a vida eterna inclui, também, o conceito de amor ao próximo – e amar ao próximo é amar a si mesmo. “La Fe y la esperanza pasarán, para ceder su lugar a la vida y a la posesión; pero la caridade no passará nunca” (idem, pág. 55).
No Budismo, no entanto, pela falta de enfoque ontológico, toda prática caridosa e todo altruísmo levam à liberação dos desejos, e há uma negação de qualquer abordagem eternalista. A caridade e a piedade, portanto, “es uma virtud provisional. Dicho de outra forma, esa caridad forma todavia parte de ló que lós budistas llaman ‘el orden mundana’. Por médio de ella no puede definirse, em modo alguno, el ser – o el no-ser – supremo” (idem, pág. 55). Vale ressaltar que o Buda considera o amor como uma forma de redenção do coração, no entanto
este amor no toma su sentido de los esfuerzos que hace aquel que ama, a fin de reafirmar y de sostener el valor del que es amado, sino de lós esfurzos dirigidos hacia la aniquilación y supresión de la realidad y del modo de ser de aquel ama […]. (LUBAC, 2006, pág. 56)
O Budismo, sobretudo o tantrayana, concebe a existência de deidades; na imagem, Mahakala
Sobre a questão de deidades no Budismo, ou mesmo em relação à existência de algo que transcende a realidade, numa referência teísta (obviamente, um teísmo sem traços antropomórficos), Lubac destaca a doutrina Yogacara, dentro do Budismo Mahayana (escritos e comunidades posteriores às primeiras comunidades budistas), que se divide em duas teorias. De um lado, a abordagem Yogacara diz que há budas que atraem os seres até eles, envolvendo-os até que (os seres) amadureçam ao ponto de despertar, de alcançar a budeidade.
Por otra parte, añaden que, sin esperar El cumprimiento de esa ‘maduración’, lós budas ofrecen a los seres un pregusto de la felicidad suprema, manifestándose a ellos a través de su sambhogakaya¹. Pero em realidad estas dos teorias no recuerdan em nada al Dios Cristiano dela caridade. (LUBAC, 2006, pág. 58)
A primeira teoria, de acordo com Lubac, lembra o deus da concepção aristotélica, imutável e sem amor, para o qual convergem todos os seres movidos pelo desejo (de se reconectar). No entanto, o francês lembra que na própria concepção de Asanga, um dos doutos das doutrinas budistas mahayana, a existência dos budas e de todos os outros seres (sencientes ou não) surge a partir de relações interdependentes, não havendo, portanto, um único ponto de partida, mas um conjunto destes. Desta forma, ante uma “multitud de lós seres que, sin ninguna causa (sin ningún Dios que lês impulse), van avanzando hacia la maduración completa, en todos lós lugares, de todas las formas” (idem, pág. 58). Ou seja, mesmo se se levar em conta que há uma influência dos budas sobre os seres sencientes, estes budas, por si próprios, não têm existência separada. São aspectos da budeidade impessoal e insubstancial que absorve a todos em um único dharmakaya².
A segunda teoria, de acordo com Lubac, evoca a divindade contida na filosofia spinozana, para quem Deus é tido como único motivo da existência de tudo o que existe. Desta forma, Deus é substância única, sendo que nenhuma outra realidade pode existir fora d’Ele, e a partir d’Ele surgem todos os outros elementos. Assim, a essência de Deus implica a sua própria existência. Desta forma, em Lubac
En la raiz de la caridad ha de haber necesariamente independencia. Si los budas no se contentan com su dharmakaya, en el cual están unificados, si se manifiestan a los bodisatvas por mediación de sus sambhogakaya, esto significa que están interesados en ello. (LUBAC, 2006, pág. 59)
Passada esta observação inicial, sobre algumas das características principais da cristandade, que é o amor ilimitado a Deus, ao próximo (como expressão de Deus) e a si mesmo (dentro de certos limites, para evitar cair na armadilha da autopistis e respeitando a centelha divina que há em cada criatura), Lubac lembra que a concepção budista para “amor” se assemelha ao “amor ao próximo” dos cristãos. Para tanto, cita outro douto das doutrinas budistas, Shantideva³, que defendia que todos os seres são semelhantes aos budas, na medida em que possuem uma parcela das virtudes de um Buda. “Esta parcela insigne está presente em las criaturas; en virtud de esta presencia, las criaturas deben ser honradas” (idem, pág. 59).
Superando mal-entendidos
Lubac diz que, depois de destrinchar a conceituação do amor, própria do Cristianismo, e procurando estabelecer os pontos de contato com o Budismo, há alguns aspectos defendidos por vários historiadores que merecem especial atenção. O francês lembra que no decorrer dos últimos 200 anos
no resulta em modo alguno sorprendente que los historiadores hayan descubierto que muchos textos cristianos se relacionan com otros budistas, a medida que estos han sido más conocidos. A veces se han sugerido acercamientos sorpredentes, que parecen obligarnos a plantear la hipótesis de que existen lazos reales entre las dos religiones. (LUBAC, 2006, pág. 105)
Os principais pontos que marcam as aproximações são calcados em algumas indagações importantes, como a necessidade de supor ter existido uma relação histórica entre as duas concepções – através do elo comum entre elas, o helenismo4 –, além do pressuposto de que o lastro doutrinário comum pode ter sido decorrente de um movimento do espírito humano que se pulverizou por todo o planeta, mais ou menos num mesmo período, numa série de processos análogos. Além disso, é questionado se no atual momento de conhecimento advindo de pesquisas de toda ordem, as relações entre a Índia e o Mediterrâneo atingiram tal estágio de influência mútua. “Si hubiera que admitir una influencia, habría que perguntarse todavía en qué sentido se ha dado” (idem, pág. 106).
Budismo e Cristianismo provavelmente se cruzaram no antigo mundo helênico
Lubac (2006) lembra que a Europa tem pressa para compreender este processo, sobretudo porque o que se entende por Ocidente, na realidade, começa no Irã, região que abrigou um entreposto de diferentes tradições, que acabaria por resultar nas grandes religiões que sobreviveram até a contemporaneidade. Além disso, há ressonâncias neoplatônicas (assim como houve no Cristianismo) nos escritos de Asanga5, grande influente da doutrina budista. Outro detalhe é a presença da cosmologia helenista na Índia através dos mistérios de Mitra6, sendo que movimentos como o Amidismo7 budista do extremo oriente pode ter sofrido alguma influência desta abordagem (assim como alguns historiadores também atribuem essa mesma influência sob o Cristianismo). A grande questão levantada por Lubac é saber se foi o helenismo quem influenciou o Budismo ou vice-versa, ou ainda se houve uma influência recíproca entre estas tradições.
Especificamente sobre a possível influência hindu na formação do pensamento neo-platônico, Lubac prefere não entrar nesta seara, pois a existência de uma colônia budista em Alexandria é algo que, até o momento, ainda não se conseguiu provar totalmente. O que se sabe, a partir da análise dos escritos da época, é que os alexandrinos tiveram um conhecimento menos deturpado dos temas budistas, em relação às outras regiões pertencentes ao antigo Império Romano, o que sugere que aquela sociedade, de alguma forma, teve um contato mais próximo com o Dharma de Buda.
Lubac (2006) diz que são legítimos os estudos e comparações dos escritos de Orígenes8 de Alexandria que geraram estreitas aproximações tanto com o conceito de “manifestação de Deus em Fílon9” quanto com a exegese mais universalmente aceita do sutra budista Parinibbana-sutta. De acordo com Lubac, a ideia de Orígenes de universalidade na redenção de Cristo, além da eficácia sem limites do sangue derramado na cruz e, por fim, uma visão particular em relação os diferentes estados do Logos, aproxima-se sobremaneira da visão budista dos corpos de Buda, mas que de maneira alguma as duas versões podem ser consideradas idênticas.
Em Orígenes um dos pontos analisados é o de que o Logos assume diversos estados (corpos) – inclusive a forma angelical – para não apenas dirigir-se aos homens, mas a todas as criaturas. Para reforçar este aspecto, Lubac cita um dos comentários de Orígenes aos escritos de São Mateus:
Si tú puedes contemplar al Logos que ha vuelto a su primer estado, después que se há hecho carne y después que se ha hecho todos los tipos de cosas para los hombres, habiéndose hecho para ellos aquello de ló que cada uno de ellos tenía necesidad, a fin de ganarlos a todos; si tú puedes contemplarle después que ha vuelto a esse estado em El que él era em el principio junto a Dios… etc. (LUBAC, 2006, pág. 110)
Haveria uma analogia, de acordo com Lubac, entre este escrito – só para citar um deles -, e o pano de fundo tanto do gnosticismo quanto do Budismo. O francês diz que os textos oferecem uma ideia comum que aponta para uma “economia” nas manifestações divinas, “economia” que os budistas aplicaram, por sua parte, às manifestações de Buda. Assim, “Cristo es ángel entre los ángeles, como Buda es Bodisatva entre los bodisatvas y dios entre los dioses” (idem, pág. 115). No entanto, mais a fundo, alerta Lubac, existem diferenças entre a encarnação do Logus cristão com o conceito de nirmanakaya (corpo de aparência – físico – dos seres puros) presente no Parinibbana-sutta. Da mesma forma, a transfiguração de Cristo, que é comparada ao sambhogakaya, pode ter aproximações apenas sob um aspecto, o da sutileza envolvida no processo, que transcende a expectativa do que se espera de uma manifestação física. No entanto, a insubstancialidade do sambhogakaya se opõe ao idealismo contigo na concepção cristã, lembra Lubac.
Naturalização e desnaturalização
Por fim, Lubac (2006) diz que não se pode negar que budistas e cristãos encontraram elementos comuns para a elaboração de seus símbolos. E estas semelhanças ocorrem no campo da linguagem, do discurso e das sucessivas tentativas de aproximação, e talvez a mais sólida destas aproximações é a herança genealogicamente semelhante (estruturalmente falando), em que ambos partem de arcabouços doutrinários muito antigos – no caso do Budismo, uma continuação dos Vedas, no caso do Cristianismo, uma “atualização” do Antigo Testamento – que, em certo sentido, representaram rupturas. Mas as aproximações ocorreriam apenas em análises simbólicas desta ordem, e não nos detalhes doutrinais. Ou seja, enquanto que para os budistas a espiritualidade se recobre de colorações espirituais naturistas, “todo ensayo de interpretaión naturista sería, en su caso, totalmente desnaturalizador” para o Cristianismo (idem, pág. 90). O homem, portanto, na sua tentativa de reconexão com o Sagrado, aponta para um caminho de transcendência. Mais do que isso, no Budismo a salvação vem do conhecimento que o homem descobre por si próprio, com auto-poder e, desta forma, tem a capacidade mental e emocional para cessar os aparecimentos futuros (encarnações futuras). No Cristianismo, no entanto, a “árvore do conhecimento” brota de Deus, é a árvore da vida eterna, da fonte de toda a vida, expressa pelos sacramentos da igreja.
Desta forma, Lubac (2006) parece querer apresentar um antídoto para toda tentativa de generalizações apressadas entre as aproximações das duas tradições ora estudadas. No coração de ambas as religiões, em que pese uma semelhança simbólica – de caráter histórico -, doutrinariamente há diferenças no sentido de caridade/compaixão e na abordagem que defende igualdade entre a transfiguração de Cristo e o conceito dos corpos de Buda.
Já Frank Usarski (2009) aponta um problema central, a questão de Deus, como um dos fatores preponderantes que diferenciam as doutrinas cristã e budista. Uma vez que o Budismo rejeita a ideia de que há um Deus a partir do qual todo o restante surge – ele defende a gênese condicionada12 -, a investigação começa a partir do suposto problema da teologia cristã que detém
um modelo que pretende explicar a existência do cosmo físico ou das forças nele existentes, [e ainda assim] precisa recorrer a uma concepção teísta. Também escapa à lógica budista a necessidade de postular uma “causa primeira” da qual dependem todos os demais aspectos da existência. (USARSKI, 2009, pág. 254)
Além disso, destaca Usarski (idem), pela interpretação geral cristã, Deus é criador e senhor de um universo produzido ex nihilo (a partir do nada). Há, portanto, uma visão dualista do mundo, sendo o conceito de Deus totalmente transcendente e “completamente outro” em relação à criação.
O fato de a Bíblia atribuir a Deus o poder de interferir nesse mundo não muda a ideia de separação da existência em duas esferas, uma vez que as intervenções divinas que culminaram com a encarnação de Deus em Jesus Cristo são de caráter escatológico e não ontológico – elas, portanto, não questionam o dualismo cosmológico. (USARSKI, 2009, pág. 254)
Este tipo de abordagem é visto com reservas pelo Budismo de forma geral, e pelo Theravada13 em particular. Isso porque o Buda estaria essencialmente interessado na concepção psicológico-antrológica da existência, e as eventuais “consequências soteriológicas”. No entanto, sempre que questionado sobre assuntos de ordem metafísica, dava de ombros ou ficava em silêncio, ou ainda dizia claramente que considerava tais discussões inócuas, irrelevantes. No entanto, essa posição – de negação dos aspectos ontológicos no Budismo – não demorou muito tempo. O próprio surgimento do movimento mahayana é, segundo Usarski, uma resposta a esta questão. Isso teria ficado claro quando os budistas apresentaram a o conceito dos três corpos do Buda (ou Trikaya). Sobre este tema e a tentativa de aproximá-lo a alguns dogmas cristãos, Masao Abe – um dos principais expoentes da escola de Kyoto – dedicou boa parte da sua vida.
Se, por um lado, isso foi encarado como algo bem-sucedido do ponto de vista budista, por outro Abe a seus colegas foram acusados de tentar reformular a ideia de um Deus monoteísta a partir das categorias mahayanistas, em detrimento da autenticidade dos ensinamentos cristãos centrais. […] A doutrina dos três corpos é uma teoria budológica, segundo a qual a última realidade não-substancial e impessoal (dharmakaya) se manifesta em dois planos “concretos”. Esses dois planos correspondem aos Budas sutis, com seus corpos de glória (samboghakaya), e ao Buda histórico, cuja forma corporal “grosseira” é denominada de nirmanakaya. […] Nesse sentido, o plano de nirmanakaya é associado a Cristo, enquanto o Deus monoteísta cristão é colocado em analogia ao plano de samboghakaya. (USARSKI, 2009, pág. 255)
Usarski (2009) lembra que a primeira grande dificuldade desta abordagem – como já se viu em Lubac – é que para um budista esta analogia pode soar de forma não-problemática, mas “corre o risco de ser classificado, do ponto de vista cristão, como uma espécie de blasfêmia” (Idem, pág. 257). Além disso, segundo Usarski, a teoria de Abe revelou que a Teologia cristã até então não tinha sido pensada até as últimas consequências.
De acordo com uma leitura mais construtiva da obra de Abe, pode-se dizer que o filósofo da escola de Kyoto tentou melhorar a imagem teologicamente deficitária do Cristianismo. Para esse fim, praticamente realizou concessões teológicas a ambos os lados, sugerindo que tanto a concepção mahayanista, impessoal-monista da vacuidade (sunyata) quanto a ideia cristã refletem as respectivas construções básicas da outra religião. (USARSKI, 2009, pág. 257)
Por fim, sunyata é praticamente apresentada por Abe como uma espécie de “causa primeira” que se esvazia constantemente, num frenético movimento dialético em que a existência passa a oscilar entre dois estados (o vazio gerado pelo próprio vazio). “Com isso, a concepção monista-ontológica da unidade de samsara14 e nirvana torna-se um ‘princípio da criação’” (idem, pág. 258). Desta forma, a partir das contribuições de Abe, há uma aproximação tangível entre a teologia budista e a cristã.
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