8 de outubro de 2022 Ana Paula Abreu dos Anjos
Insight
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O escritor francês Stendhal (1783-1842) disse que, quando se está apaixonado, o que você ama não é a outra pessoa, mas o estado eufórico de estar apaixonado (STENDHAL, 1822). Quando se observa por esse ângulo, no início do relacionamentoo que amamos não é a pessoa em si, mas as sensações que são geradas por esse sentimento, o aumento da frequência cardíaca, da energia, calor, bochechas vermelhas, pupilas dilatadas, a excitação, e o prazer que são desencadeadas por meio da liberação de neurotransmissores como a adrenalina e dopamina.
O ser humano tem a necessidade de afeto, de ficar próximo, de amar e ser amado. A afetividade influencia nossos pensamentos, e nosso comportamento e formas de nos relacionarmos com o outro. A dimensão afetiva é feita de sentimentos, emoções, relacionado a si mesmo, e ao mundo externo. Ela é essencial para a nossa humanidade, pois sem ela não passaríamos de autômatos (CARDELLA, 2009).
O ser humano é fundamentalmente social, se comunicar, interagir e estabelecer conexões parece de nossa natureza, por outro lado, a solidão pode ser uma fonte significativa de sofrimento, então o afeto demonstra ser essencial na constituição humana, proporcionando acolhimento e sentimentos positivos, o afeto é fundamental na promoção do bem-estar. E frequentemente é durante essas interações humanas que se percebe que, diversas vezes, se manifesta a dificuldade de gerenciar os sentimentos e principalmente quais as expectativas sobre a outra pessoa.
No drama Sul Coreano “Clean With Passion for Now” de 2018, a protagonista depois de uma série de eventos, percebe que passou anos de sua vida apaixonada por seu veterano da faculdade, não por ele ser uma pessoa legal, que se encaixava nas suas expectativas amorosas, mas sim pelas sensações que o sentimento desencadeou nela, e quando ela finalmente conhece melhor seu “crush”, ele não é exatamente um cara agradável, assim ela reflete que estava encantada pela ideia que tinha construído dele.
Imagem by jcomp on Freepik
Na busca por afeto, é comum que se busque o encaixe perfeito, o par ideal, que se apresenta como a solução de um conflito interno, a necessidade de se sentir completo. No entanto, entre expectativa e realidade quase sempre a decepção se apresenta, ao ver o outro como você deseja e não suas reais características, defeitos e qualidades, e esperar que essas fantasias sejam respondidas, baseados em convicções pré-estabelecidas e a idealização sobre o outro, gera no mínimo descontentamento e relações que não vão muito longe.
Relacionamentos são cercados por princípios e transições, uma dinâmica transformadora, no contato da subjetividade com o outro o do indivíduo consigo, é uma construção que movimenta o desenvolvimento da vida, que aparenta ser uma necessidade humana, que não é simples e demanda atenção e cuidado. Como Bauman (2004, p. 10) declara “[…] os relacionamentos são como a vitamina C: em altas doses, provocam náuseas e podem prejudicar a saúde.”.
Inícios de relacionamentos são carregados de expectativas, porém em concordância com Bauman (2014), o ato de se relacionar é movimentar-se pela neblina sem nenhuma certeza, então com começos tão ambiciosos, essas relações se tornam fragilizadas, e tendem a não durar, assim um círculo vicioso toma forma, a necessidade por afeto inerente ao ser humano, que leva a essa busca incessante pelo relacionamento perfeito, que geralmente não se concretiza, que gera relações quebradiças, decepções e corações partidos.
Vivencia a decepção em um relacionamento amoroso é mais comum do que a descoberta da felicidade, a criação da ideia de achar o par perfeito é uma narrativa fantasiosa, que quase sempre acaba se divergindo da realidade, manter uma relação saudável requer tempo, disposição, equilíbrio, e se responsabilizar pela própria felicidade, assim um relacionamento se constitui como um constante processo de aprendizagem, sobre si mesmo e o outro.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos vínculos humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
CARDELLA, Beatriz H. Laços e nós: amor e intimidade nas relações humanas. São Paulo: Ágora, 2009.
STENDHAL, H. Do Amor. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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A relação entre afeto e aprendizagem escolar: estímulos e relações
“A aprendizagem não é apenas um processo cognitivo, é também afetivo”
Vygotsky
Na área educacional a atenção que outrora era voltada para o que ensinar (disciplinas e conteúdos) hoje é direcionada para como ensinar (modus operandi). Muito importante quanto às metodologias ativas de ensino que hoje são muito incentivadas, é a forma de ensinar que deve contemplar um arcabouço de novas atividades. Essa didática inclui atenção na práxis pedagógica observando o lugar do afeto na construção do conhecimento.
Para iniciarmos esta discursão é interessante resgatar alguns princípios básicos de características do ser. Para Wallon (1979), a personalidade é constituída por duas funções básicas: Afetividade e inteligência. A afetividade está relacionada às aos processos sensíveis internos e é percebido de acordo com a interação social do sujeito, tendo seu reflexo direto na construção da pessoa; A inteligência por sua vez vincula-se às sensibilidades externas e está voltada para o mundo físico, para a construção do objeto. Nessa perspectiva adentramos em nosso estudo sobre as relações existentes na construção do ensino-aprendizagem escolar.
Este estudo direciona-se aos processos ligados aos resultados de aprendizagem em estudantes crianças e adolescentes. Sabe-se que nesta última faixa etária é percebida um número alto de reprovações ou déficits na aprendizagem acrescidos de relatos de estudantes sobre relacionamentos sem afetividade entre docente e discentes.
Nesta perspectiva observa-se que nas relações entre sujeito e objeto do conhecimento, quando há afeto, tem como produto o incentivo à empatia, a motivação no estudante, aguçando a curiosidade, alterando assim a sua capacidade de interação no processo de construção do conhecimento. Há aqui uma relação intensa entre emoção e razão, uma vez que enquanto professores, somos desafiados a lidar com o sucesso ou o insucesso da não aprendizagem. Ou seja, dependendo da quantidade de afeto dispensada na construção deste conhecimento os resultados de sucesso aparecerão.
É compreensível refletir sobre a complexidade que envolve a discursão sobre afeto e aprendizagem escolar, dada a riqueza do ser humano, que é um ser multidimensional e que tem seu desenvolvimento mediado por estas dimensões. Segundo a Resolução publicada na Emenda da Constituição de 7 de abril de 1999 da Organização Mundial da Saúde, incluiu o âmbito espiritual no conceito multidisciplinar de saúde, que agrega, ainda, aspectos físicos, psíquicos e social. A resolução vai de encontro com a complexa e intensa conexão entre mente com o corpo, cujo resultado é a integração do ser humano biopsicosocioespiritual. Nesta dimensão integrativa que iremos discorrer.
Grandes foram as contribuições nos estudos relacionados a psicogênese do desenvolvimento infantil com os autores Piaget, Vygotsky e Wallon, que trouxeram grandes significados neste enfoque da aprendizagem. Piaget discorreu sobre a consciência que o sujeito aprende interagindo com o objeto do conhecimento, na medida em que questiona sobre este. Vygotsky ampliou este conceito quando afirmou que os sujeitos interagem com os objetos do conhecimento mediados pelo outro, o sujeito também é o que o outro diz sobre ele, ao internalizar a imagem criada pelo outro. Já Wallon, se destacou quando relacionou o desenvolvimento afetivo do ser com o meio, a inteligência, a emoção e o movimento.
Segundo Mahoney e Almeida (2000, p. 17), a teoria Walloniana apresenta “conjuntos funcionais que atuam como uma unidade organizadora do processo de desenvolvimento.” Tais aspectos se relacionam entre si desencadeando a formação da pessoa única, singular.
Não é de hoje que a reflexão sobre o desenvolvimento da afetividade na sala de aula vem permeando os meios acadêmicos, pois relatos de fracassos escolares geralmente são ligados à falta de afeto, acolhimento ou de empatia no relacionamento professor x aluno. Situação que desencadeia um olhar de pesquisa mais apurada no sentido de estabelecer relações diretas:
[…] as relações de mediação feitas pelo professor, durante as atividades pedagógicas, devem ser sempre permeadas por sentimentos de acolhida, simpatia, respeito e apreciação, além de compreensão, aceitação e valorização do outro; tais sentimentos não só marcam a relação do aluno com o objeto de conhecimento, como também afetam a sua autoimagem, favorecendo a autonomia e fortalecendo a confiança em suas capacidades e decisões. (LEITE E TASSONI, P.20)
Para o autor, a relação ente afeto e aprendizagem marca o sucesso do ensino onde por um lado teremos um professor desenvolvendo sua didática com mais leveza e tranquilidade e por outro verificamos um estudante motivado e engrenado no foco da aprendizagem.
Para Wallon, a emoção é o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos. Suas expressões marcam sentimentos, estados ou ações presentes nas crianças. É fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois são constitutivos da atividade emocional.
Nesta linha de pensamento o autor dedicou grandemente ao estudo da afetividade, adotando, além disso, uma abordagem fundamentalmente social do desenvolvimento humano. Buscou, em sua psicogênese, aproximar o biológico e o social. Atribui às emoções um papel de primeira grandeza na formação da vida psíquica, funcionando como uma amálgama entre o social e o orgânico. As relações da criança com o mundo exterior são, desde o início, relações de sociabilidade, visto que, ao nascer, não tem
“meios de ação sobre as coisas circundantes, razão porque a satisfação das suas necessidades e desejos tem de ser realizada por intermédio das pessoas adultas que a rodeiam. Por isso, os primeiros sistemas de reação que se organizam sob a influência do ambiente, as emoções, tendem a realizar, por meio de manifestações consoantes e contagiosas, uma fusão de sensibilidade entre o indivíduo e o seu entourage” (Wallon, 1971, p. 262).
Nesta linha de pensamento estão De La Traille, Oliveira, Dantas (2019) discorreram sobre as teorias psicogenéticas, suas relações com estímulos, afeto e aprendizagem, ressaltando a importância da afetividade na educação. O resultado desse estudo foi publicado em 2019 no livro chamado Teorias psicogenéticas em discursão, base teórica inicial para esse estudo. As análises dos três autores apontam para a relação saudável e verídica entre professor e aluno quando envolve a afetividade no ensino. Pode-se afirmar então que a comunicação afetiva é fundamental para uma educação efetiva.
Wallon estabelece uma distinção entre emoção e afetividade. Segundo o autor (1968), as emoções são manifestações de estados subjetivos, mas com componentes orgânicos. Dantas (2019) Traz este aspecto quando relata sobre a coordenação sensório-motor que começa pela atuação sobre o meio social antes de poder modificar o físico. O contato com este na espécie humana nunca é direto, é sempre intermediado pelo meio social, nas dimensões interpessoal e cultural. Ainda de acordo com a autora, a palavra carrega a ideia assim com o gesto carrega a intenção.
Como se pode verificar, Wallon (1968) defende que durante o processo de desenvolvimento do indivíduo, a afetividade tem um papel fundamental e decisivo na vida da criança. Na primeira infância tem a função de comunicação e interação com o mundo e à medida que esta criança cresce e entra na fase escolar, tal afetividade pode ser evidenciada pela sua aprendizagem positiva ou negativa. Concordo com o autor, uma vez que durante o processo pedagógico observa-se vários valores que devem serem respeitados para que haja sucesso no ensino-aprendizagem, um deles é a pedagogia assertiva e com afeto.
Não é difícil de lembrarmos das histórias contadas dos períodos anteriores onde a educação era pensada e elaborada de forma rígida, onde os padrões não eram nem de longe um ensino moldado de acordo com a subjetividade humana, mas de acordo com a dispensação do saber apenas. Ou seja, a ideia era “passar” o conhecimento e não construir este conhecimento. É nesta visão de construção do conhecimento que se destaca o ensino com afeto, onde o estudante é visto num aspecto de sua integralidade. Dessa relação sadia, a criança passa de um estado de total sincretismo para um progressivo processo de diferenciação, onde a afetividade está presente, permeando a relação entre a criança e o outro, constituindo elemento essencial na construção da identidade.
Da mesma forma, é ainda através da afetividade que o indivíduo acessa o mundo simbólico, originando a atividade cognitiva e possibilitando o seu avanço. São os desejos, as intenções e os motivos que vão mobilizar a criança na seleção de atividades e objetos. Para Wallon (1978), o conhecimento do mundo objetivo é feito de modo sensível e reflexivo, envolvendo o sentir, o pensar, o sonhar e o imaginar.
A afetividade no desenvolvimento humano, especialmente na Educação, envolve o olhar a criança estudante como m ser capaz de ter autonomia na construção do conhecimento e nas resoluções de conflitos em suas interações com o meio social. Nessa perspectiva o afeto entre professor e aluno colabora no desenvolvimento do estudante a amplia as possibilidades de aprendizagem significativa deste aluno. Nesta relação o professor é entendido como um agente necessário que age como um mediador facilitando o processo de convivência e aprendizagem entre o sujeito estudante e a escola.
Vygotsky (apud Oliveira, 1992) defende que o pensamento “tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta dimensão estaria a razão, sendo assim uma compreensão do pensamento em sua totalidade só seria possível quando se entende a sua base afetivo volitiva do ser humano. Para o autor o conhecimento do mundo objetivo só acontece quando desejos, interesses, e motivações estão alinhados com a percepção, memória, pensamento, imaginação e vontade, em um encontro dinâmico entre parceiros (Machado, 1996).
A percepção de Vygotsky sobre os estímulos da aprendizagem está alicerçados nos parâmetros de atividades afetivas que observam o homem em sua totalidade social, psicológica e antropológica. Sua compreensão da Psicologia sócio-histórica nos permite enxergar com total clareza os estímulos gerados na educação afetiva. Tal fato se deve a sucessos de aprendizagens significativas onde os aprendentes relatam seus casos de amores com a escola, com os docentes que se colocavam como verdadeiros facilitadores de conhecimentos, conseguindo a proeza de empurrar alunos pra voos altos e cada vez mais altos, alunos esses que se tornaram amantes do conhecimento.
Goleman (1997), ao desenvolver o conceito de inteligência emocional salienta que aprendemos sempre melhor quando se trata de assuntos que nos interessam e nos quais temos prazer.
Concordo com o autor citado quando traz o estímulo à aprendizagem a motivação gerada pelo afeto. É inegável a bela relação da aprendizagem e afeto, quando se observa o prazer explícito para aceitar o conhecimento, a instrução e a construção deste em sala de aula. Deduz-se que o contrário possa ser verdadeiro quando aplicado à situação semelhante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se então que na relação de ensino aprendizagem há fatores que influenciam diretamente positivamente os resultados.
É evidente que os apontamentos científicos colaboram para um ensino literalmente mais humanizado. Tal fato acontecerá quando a formação de professores contemplar saberes voltados aos temas da inclusão, da complexidade e da transdisciplinaridade. Sabe-se que a interação afetiva auxilia mais na compreensão e na modificação das pessoas do que um raciocínio brilhante, repassado mecanicamente. A afetividade, no processo educacional, ganha aplausos na sociedade onde busca-se ter resultados significativos a produções repetitivas e mecanizadas. Assim como o aluno precisa aprender sendo feliz, descobrir o prazer de aprender, os educadores têm o dever de ser feliz em sua práxis e contagiar os educandos com a maneira ímpar de facilitar e construir o conhecimento.
Vygotsky e Wallon descrevem o caráter social da afetividade, sendo a relação afetividade-inteligência fundamental para todo o processo de desenvolvimento do ser humano. É fato que cabe ao professor em sua arte de ensinar fazer a integração entre a razão e a emoção, transmitindo com exemplo a sua didática com afeto. Ao estudante por sua vez cabe receber a atitude e responder em sua devida proporção com uma aprendizagem assertiva. Nesta “dança educacional” o estudante se espelha no trabalho impecável do docente e o docente contempla com felicidade o resultado do seu trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, A. R. S. (1997) A emoção e o professor: um estudo à luz da teoria de Henri Wallon. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 13, n º 2, p. 239-249, mai/ago.
DANTAS, H. (1992) Afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon, em La Taille, Y., Dantas, H., Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda.
GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. Lisboa: Temas e Debates, 1999
LEITE, Sérgio Antônio da Silva; TASSONI, Elvira Cristina Martins. A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. Disponível em A afetividade em sala de aula: (unicamp.br) Acesso em 25 de setembro de 2021.
LE TRAILLE, OLIVEIRA, DANTAS, (2019) Piaget, Vigotski, Wallon: Teoria Psicogenéticas em discursão. São Paulo: Ed. Summus.
MACHADO, M. L. A. (1996) Educação infantil e sócio interacionismo, em Oliveira, Z. M. R. (org.). Educação Infantil, muitos olhares. São Paulo: Cortez.
MAHONEY, Abigail A.; ALMEIDA, Laurinda R. de, Henri Wallon – Psicologia e Educação. Edições Loyola, são Paulo, Brasil, 2000.
MAHONEY, A. A. (1993) Emoção e ação pedagógica na infância: contribuições da psicologia humanista. Temas em Psicologia. Sociedade Brasileira de Psicologia, São Paulo, n º 3, p. 67-72.
OLIVEIRA, M. K. (1992) O problema da afetividade em Vygotsky, em La Taille, Y., Dantas, H., Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus Editorial Ltda
WALLON, Henry (1973/1975). A psicologia genética. Trad. Ana Ra. In. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa (coletânea)
World Health Organization. Amendments to the Constitution. April, 7th; 1999.
“ALIKE”: a importância da criatividade na formação dos indivíduos
25 de fevereiro de 2022 Fabiola Bocchi Barbosa
Filme
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Alike é um curta-metragem que ganhou inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio Goya de melhor curta-metragem de animação em 2016. Dos criadores Daniel Martinez e Rafa cano Mèndez, traz uma pauta sobre criatividade e imaginação, e como o sistema que a nossa sociedade está inserida sufoca ou desconsidera estas virtudes. A historinha demonstra o relacionamento entre um pai e seu filho, cujo pai, que já foi afetado pelo sistema, que não dá espaço para a criatividade, não explora os potenciais do indivíduo mas visa colocar o indivíduo em “caixas”, padrões, não respeitando a sua individualidade.
O filme não tem diálogo, mas é tão bom que nem precisa de palavras. Ele mostra a mudança de sentimentos com a ajuda de cores, o pai é identificado com a cor azul e o filho com amarelo. No desenrolar da história, fica evidente a sociedade triste e entediante na qual estamos inseridos, (indivíduos azuis) e que muitas vezes simplesmente cumprimos a rotina estabelecida sem nem saber o porquê, e como isso às vezes pode nos entorpecer um pouco. O pequeno protagonista da história tenta não seguir essa vida cinzenta e monótona, mas a sua maneira de entender o mundo não combina com a dos demais, pois andam como “zumbis”, no automáticos, alienados de suas próprias vidas.
Assistindo o filme, não têm como não fazer um paralelo com a Psicologia Social o tempo todo, pois mostra claramente a tentativa de suprimir a criatividade do pequeno, fazendo ele perder sua subjetividade, suas esperanças e sonhos, e começando a aceitar as regras e normas impostas pela sociedade onde está inserido.
Entende-se como Psicologia Social o estudo da experiência social que o indivíduo adquire a partir de sua participação nos diferentes grupos sociais com os quais convive.
É a ciência que procura compreender os “como” e “porquês” do comportamento social, a interação social e a interdependência entre os indivíduos.
De acordo com Silvia Lane (1981), o enfoque da Psicologia Social é estudar o comportamento dos indivíduos e como ele é influenciado socialmente. Desde o momento em que nascemos, ou até antes disso, já somos influenciados histórico e socialmente. A cultura na qual estamos inseridos e o nosso grupo social são determinantes na formação da nossa visão de mundo, no nosso sistema de valores, e consequentemente nas nossas ações, sentimentos e emoções. Somos determinados a agir de acordo com o que as pessoas ao nosso redor julgam adequado, e nesta convivência, vamos definindo nossa identidade social.
Daí a importância da família no processo de formação das crianças para que não sejam meros reprodutores dos seus comportamentos, mas que respeitem a individualidade, os desejos e sonhos de cada um, e que incentivem a busca de sua própria identidade.
No filme mostra como o pai desse menino percebe que seu filho não está mais tão animado e alegre como antes, que está perdendo a sua cor, e assim ele leva o menino de volta para ver o violinista, ou seja, expõe ele à criatividade, a arte, para a cor e a alegria dele voltarem, pois dentro da rotina diária, por mais conturbada que seja, precisa haver um espaço para contemplação do mundo, da arte, da vida em suas diversas formas, para não cairmos neste marasmo de fazer o que nos é exigido, executar várias tarefas diárias no automático e quando percebemos o tempo passou e você percebe que você não estava presente em sua própria existência.
Além dessa relação entre grupos e família, o filme traz também uma reflexão acerca do processo de ensino aprendizagem, e a relação professor – aluno, e como faz falta no âmbito escolar o não vislumbramento do fator afetivo – emocional, pois o vínculo e as relações de afeto também são fundamentais para a aprendizagem, e também a importância do papel do professor para a não reprodução da alienação, para que seus alunos deem espaço à criatividade e à fantasia infantil, e possam se tornar adultos saudáveis e sujeitos autônomos, e protegê-los do ambiente massificador que a escola pode se tornar.
Finalizando já minha contribuição acerta deste filminho, ele nos faz pensar na criatividade, na imaginação e no afeto como caminhos para uma vida mais colorida. Nos transporta para a rotina de um pai e seu filho, parecidos demais um com o outro, mas com visões de mundo que estão se distanciando, trazendo de forma simples, mas poderosa, o nosso cotidiano da vida moderna: a rotina e a falta de cor no dia a dia, a forma como encaramos o mundo ao nosso redor, muitas vezes intoxicados pelos afazeres que nos cercam, vamos perdendo nossa essência , deixando de lado a imaginação e o afeto…
? Vale a pena assistir e gastar 7 minutinhos com essa reflexão lindinha que aquece o ?
FICHA TÉCNICA
Título: Alike (Original)
Ano produção: 2015
Dirigido por: Daniel Martínez Lara Rafa Cano Méndez
Estreia: 6 de Novembro de 2015 (Mundial)
Duração: 8 minutos
Classificação: L – Livre para todos os públicos
Gênero: Animação; Drama; Família
Países de Origem: Espanha
REFERÊNCIAS:
Lane, S. T. M. (1981). O que é Psicologia Social? São Paulo, SP, Editora Brasiliense.
Psicologia Social, Wikipedia, 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicologia_social. Acesso em 10/12/2021.
Animação tocante mostra como a sociedade mata nossa criatividade e imaginação, Hypeness, 2017. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2017/04/animacao-espanhola-nos-lembra-o-quanto-a-sociedade-pode-acabar-com-nossa-criatividade-e-imaginacao/. Acesso em 10/12/2021.
No último século, estamos sendo pautados constantemente sobre assuntos relacionados à saúde mental. E não. Esse não é um bom sinal. Falar sobre isso é importante, mas não por razões como o crescente aumento de casos de depressão, ansiedade, suicídio e outras doenças psicológicas. A sociedade, por si só, não está evoluindo.
Recentemente, fomos bombardeados com notícias sobre tortura psicológica em programas de reality show. A prática dessa violência é cometida através de punições emocionais repetidamente com intenção de ferir emocionalmente a vítima.
No BBB21, por exemplo, participantes foram julgados e isolados por seus companheiros de casa por atos falhos cometidos, mas sequer conseguiram ser ouvidos e perdoados. Já no programa da Itália, uma participante brasileira foi alvo de ataques pelo simples fato de não possuir a mesma nacionalidade que os demais, sofrendo com comentários misóginos e xenofóbicos.
Mas o mesmo acontece, por exemplo, no ambiente de trabalho, quando uma pessoa recebe punições fora do “normal” de seus superiores, não consegue ser ouvida ou recebe críticas não-construtivas por tudo que faz. O ciclo se torna vicioso. Esgotado, a pessoa chega em casa e diminui a esposa, a esposa diminui o filho e o filho faz o mesmo com o coleguinha na escola.
Quando uma crítica te puxa para cima, não julga você e, sim, suas ações, ela apresenta uma direção para melhorar. O resultado se torna positivo, principalmente, quando essa informação passa pelo filtro pessoal de reflexão e a pessoa entende que errou. Ela é considerada uma crítica construtiva, pois te faz querer evoluir e se aperfeiçoar.
No entanto, a infeliz “Era do cancelamento” não permite a oportunidade de errar, evoluir e melhorar. Errar faz parte da vida. Discordar do outro também. Porém, é preciso entender até que ponto o conflito de opiniões é tolerável. É claro que a opinião é individual e que ninguém precisa estar de acordo para conviver bem. Mas o respeito à diversidade de pensamentos, opostos ou não, é necessário para se conviver bem em sociedade, desde que não machuque o próximo.
As consequências para o cancelado podem ser desde depressão, ansiedade, baixa autoestima, transtorno de personalidade e até automutilação ou suicídio. Já as consequências negativas do “cancelador” só vão ser vistas e percebidas quando ele procurar ajuda tendo consciência do mal que fez. Isso porque o agressor sempre irá possuir características autoritárias e uma única visão do que é certo. A maldade e o egoísmo sempre vão estar nos outros, nunca nele.
Para tentar lidar com todo esse julgamento, primeiro é preciso o autoconhecimento. A partir disso, sabendo qual é a sua verdadeira identidade, a pessoa será capaz de não permitir que ninguém a diminua. Para esses casos, acompanhamentos com psicólogos sempre serão recomendados, além de queixa-crime.
A vida é feita de ciclos. Passamos tanto tempo sendo oprimidos. Podemos achar que revidar a opressão com mais opressão é a solução. Às vezes, chegamos a acreditar que esse ciclo de violência acontece apenas na televisão. Mas convivemos com isso no nosso dia a dia. Precisamos interromper esse ciclo. Lembre-se: não somos aquilo que o outro fez comigo, mas aquilo que escolhemos ser. Portanto, distribua mais o amor.
Essa tem sido eu nos últimos três meses. Me encontro com a sombra da morte quase todos os dias passando por esses corredores, mas também com a intensidade da vida que pulsa em cada um, com a vontade de vida de cada um.
“A cabeça pensa onde os pés pisam”. Eu, psicóloga, 24 anos, negra, brasileira, proletária, trabalhando numa UTI pediátrica, num hospital público no norte do país, no meio de uma pandemia. Hoje estou em solo de guerra, é assim que sinto muitas vezes. Isso me faz valorizar e reconhecer a paz quando encontro.
Vida e morte intensamente ligadas. Me atravessam, mudam minhas perspectivas, minhas prioridades, meus argumentos.
Fiquei em silêncio desde então por aqui. Me deixei levar pelo não saber, não saber o que dizer. Também não sei se tenho dito algo com essas palavras, mas deixo sair porque hoje elas estão aí para sair.
Eu não tenho a pretensão de chegar em algum lugar com essas palavras. Elas são mais para mim do que para outro alguém. São um lembrete.
Quero dizer que ainda há esperança. Que relações significativas existem, que a paz vem de dentro. Que a vida vale a pena, mesmo quando não é fácil, até porque ela é mais difícil do que fácil. Que cada história importa, que cada pessoa que tocamos é o amor da vida de alguém. Que o solo do nosso coração precisa ser fértil para crescer afeto. Que a dureza da dor não precisa ser o que dita nossa postura.
A vida é feita de histórias, o que temos feito com a nossa?
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SHAZAM: as relações familiares dos heróis e vilões
O universo dos quadrinhos tem tomado as telonas no ano de 2019. Nesse cenário os universos mais famosos, Marvel e DC, dominaram as produções cinematográficas ao trazerem seus heróis, anti-heróis e vilões para o centro dos holofotes. O filme Shazam, baseado no super-herói da DC Comics, estreou no cinema em 2019, sob direção de David F. Sandberg, tendo como protagonista o ator Zachary Levy Pugh interpretando Shazam.
O mago Shazam está à procura de um ser humano que possua a mente e o coração puro, para que este herde seus poderes e continue a manter preso os sete pecados capitais, que se encontram alojados em sete estátuas de pedra. O primeiro ser humano que ele encontra é o garoto chamado Thaddeus Savana, mas este não era o escolhido, já que ao ser transportado para o templo do mago ele se sentiu atraído pelos espíritos dos sete pecados, demonstrando que não era o mais puro.
A busca pelo escolhido continua por um tempo consideravelmente grande, tempo suficiente para que Thaddeus que era só um garoto, crescesse e virasse um homem adulto a procura do templo do mago, para buscar vingança pela rejeição sofrida na infância.
Fonte: encurtador.com.br/ktuA9
Ao encontrar o mago Shazam, Thaddeus lhe diz “Você sabe o quanto dói para uma criança ouvir que ela nunca vai ser boa o suficiente?”, para em seguida ceder a atração dos sete pecados capitais, servindo como receptáculo dos sete espíritos.
Esse evento catastrófico faz com que o Mago Shazam precise se apressar em encontrar o ser humano puro de mente e coração, sendo escolhido então o garoto Billy. A história de Billy se assemelha a de outros personagens de quadrinhos como Batman, Coringa, Super-Man, que passaram por acontecimentos de vida traumáticos antes de se tornarem heróis ou vilões.
Billy se perdeu da sua mãe quando criança em um parque de diversões, e desde então, já com 14 anos de idade ainda não conseguiu encontrá-la. Devido a esse fato, ele cresceu em lares adotivos, e nunca se conformou com esse destino.
O filme retrata a dificuldade de Billy em permanecer nas instituições de abrigo, tendo ele fugido 13 vezes de diversas delas. As fugas se dão pelo fato de ele não se sentir pertencente ao lugar, relatando que não é a mesma coisa que se ter um a família. Bowlby (1952) apud Cavalcante; Magalhães (2012, pág. 78) chamam atenção para a dificuldade das crianças de lares adotivos “estabelecer trocas afetivas e contínuas com os cuidadores substitutos (…)”, sendo comum atitudes de resistência.
Fonte: encurtador.com.br/knpB5
Contudo, no regresso da sua décima terceira tentativa de fuga, Billy aceita ir para mais um lar adotivo, e neste ele encontra a sua verdadeira família. Tal família é composta por mais 5 crianças adotadas ( Pedro, Eugene, Mary, Freddy e Darla) e os pais adotivos Victor e Rosa. Esse contexto familiar diversificado e amplo, de acordo com Bronfenbrenner (1996) apud Cavalcante; Magalhães (2012) colabora para a construção de relações e o desempenho de variados papéis, que influenciam e beneficiam o desenvolvimento de uma criança.
Entretanto, vale lembrar que para haver a possibilidade de que esse desenvolvimento seja saudável, é preciso que “o meio físico e social favoreça a assimilação de padrões de interação recíproca com seus pares e cuidadores que desempenham papel parental (…) (CAVALCANTE; MAGALHÃES, 2012, pág. 78)”, haja vista a importância disso para que relações de afetos sejam estabelecidas.
E como todo herói tem seu vilão, Billy que agora também é Shazam, precisa enfrentar Dr Thaddeus Savana, que carrega em seu corpo os espíritos dos sete pecados capitais. O interessante é que o nosso vilão também possui questões mau-resolvidas com seu ambiente familiar, mas principalmente com seu pai.
Thaddeus sempre fora desprezado e rejeitado pelo pai e irmão. Quando criança era alvo de xingamentos e piadas por parte destes que o descreviam como inútil e causador de todos os problemas, sendo esse contexto característico da violência intrafamiliar. Em razão disso, Thaddeus cresceu com um forte desejo de vingança em relação ao pai, o que pode ter sido influenciado pela violência sofrida em sua infância (MARTINS, 2010).
Fonte: encurtador.com.br/FLN09
Além do sentimento de vingança já existente, o vilão passa a sentir inveja de Shazam/ Billy por ele ter uma família que o amo e apoia. E é aqui que ele é derrotado, já que o espírito do pecado capital da inveja havia encontrado abrigo nos anseios de Thaddeus, e se sentiu tremendamente insultado quando Shazam lhe afrontou e afirmou que ele era um espírito fraco, que apenas desejava ter o que ele tinha.
Shazam e Thaddeus, herói e vilão, ambos imersos em contextos familiares singulares, experienciando as dores e prazeres de se fazer parte de uma família, nos fazem refletir o quanto cada indivíduo tem a necessidade de se sentir amado e acolhido pelos seus pares. Independentemente de ser uma família de sangue ou adotiva, as relações, quando são estabelecidas baseadas em vínculos genuínos, verdadeiros e amorosos, tem o poder de influenciar uma melhor experiência de vida.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
Fonte: encurtador.com.br/gouR1
SHAZAM
Titulo Original: Shazam Direção: David F. Sandberg Elenco: Zachary Levi,Asher Angel,Mark Strong Ano: 2019 País: Estados Unidos Gênero: Ação,Fantasia
REFERÊNCIAS:
CAVALCANTE, Lília Iêda Chaves; MAGALHÃES, Celina Maria Colino. Relações de apego no contexto da institucionalização na infância e da adoção tardia. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 30, n. 68, p.75-85, mar. 2012. Disponível em: <https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/20015/19301>. Acesso em: 07 abr. 19.
MARTINS, Christine Baccarat de Godoy. Maus tratos contra crianças e adolescentes Maus tratos contra crianças e adolescentes. Revista Brasileira de Enfermagem, Cuiabá, v. 4, n. 63, p.660-665, jul. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n4/24.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2019.
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O Quarto de Jack: universo na caixinha e a aprendizagem
O Quarto de Jack, lançado em 2015, é um drama sobre mãe e filho que vivem suas vidas enclausurados em um quarto. O filme recebeu o oscar de melhor atriz com a atuação de Joy e é muito notável por se tratar de uma história real.
Joy, mãe de Jack, foi sequestrada aos 17 anos por Nick, que a manteve em cativeiro durante anos. Jack é fruto do abuso sexual a que Joy foi submetida e Nick visita periodicamente os dois no quarto em que eles vivem no quintal de sua casa. Nessas visitas, Jack é orientado a ficar escondido dentro de um armário, pelo qual visualiza por brechas algumas cenas do que acontece à sua mãe. Nick traz o que é necessário à sobrevivência dos dois, como alimentos e medicamentos, permanecendo indiferente ao garoto.
Fonte: Alex S. Rocha
A perspectiva da Psicologia da Aprendizagem de Jean Piaget, psicólogo do desenvolvimento, apresenta a forma pela qual as crianças sistematizam e adquirem o conhecimento, levando a uma nova percepção do desenvolvimento à época. Nesse aspecto, cabe analisar o desenvolvimento de Jack a partir dos princípios introduzidos por Piaget, uma vez que os aprendizados observados no filme possuem correspondência com a teoria.
Piaget conceitua a aquisição da aprendizagem pelo o processo de adaptação, assimilação e acomodação. Os reflexos e as coordenações sensoriais e motoras presentes no recém-nascido tornam-se mais complexos, coordenados e propositais enquanto se desenvolvem no processo de adaptação, no qual o ser humano adapta-se ao meio e organiza suas experiências (WADSWORTH, 1997). Ele utilizou o termo esquema para facilitar a explicação do porquê o ser humano apresenta respostas mais ou menos invariáveis aos estímulos e para explicar muitos acontecimentos associados à memória. Isto é, a medida que o indivíduo se desenvolve, ele torna-se mais apto a generalizar esses estímulos e criar esquemas mais refinados. (WADSWORTH, 1997).
Fonte: Universal Pictures
O filme O Quarto de Jack é a criação de um universo específico, organizado por uma jovem que se dispõe a oferecer ao filho o máximo possível em termos de possibilidades de compreensão e vivência. Na construção desse universo, a jovem mãe recorre a esquemas a fim de construir o universo cognitivo do menino, é assim que os móveis se revestem de personalidade, quando Jack, ao acordar, cumprimenta todos os móveis do quarto, que são parte ativa no mundo emocional da criança.
Fonte: Universal Picture
O processo de assimilação abrange o conhecimento prévio ou inato e o processo de acomodação ocorre quando a criança é capaz de criar novos esquemas ou a remodelação de velhos esquemas, o que resulta em uma mudança na estrutura cognitiva (WADSWORTH, 1997).
Nessa estruturação mental de uma realidade possível, ocorre a inversão do real, onde o mundo exterior é apresentado como ficção. Para Jack nada há de real além do quarto e seus pertences, a mãe, ele próprio e o velho provedor, seu “tio” Nick, o que promove uma inversão de sentido.
Apesar da exiguidade de fatores que favoreçam a construção de um cabedal cognitivo que ampare o pensamento pré-operacional (embasamento sensório-motor, segundo Piaget), a mãe consegue organizar um cotidiano de desenvolvimento sensório-motor. Conforme Piaget, a adaptação dos bebês ao meio e as organizações mentais do ambiente que os rodeiam se apresentam, inicialmente, através das ações sensórias e motoras. No desenvolvimento sensório-motor o desenvolvimento afetivo e cognitivo se instaura e as estruturas intelectuais e sentimentais começam a se desenvolver (WADSWORTH, 1997).
O velho provedor Nick é, para o menino, a única realidade viva do mundo exterior. É ele quem traz produtos e coisas que satisfazem as necessidades básicas, menos a da afetividade, o que faz da mãe todo o seu contexto afetivo e humano. Essa realidade de isolamento, na qual a mãe o mantém no armário, se deve ao medo que ela tem de o velho provedor ter uma relação abusiva com o menino.
Fonte: Universal Pictures
A quebra de paradigma de Jack com referência ao seu exíguo mundo é recebida com estranheza, posto que quando a mãe revela que toda a virtualidade é realidade palpável, a base cognitiva sofre uma radical inversão. Este momento é crucial para a ressignificação dos esquemas mentais e acomodação, que são construídos sobre as experiências repetidas (WADSWORTH, 1997).
Dado o nível de espanto e incredulidade pela inversão de significação do real, foi necessário que a mãe lançasse mão de novos esquemas. A representação cênica, onde o menino se finge de morto, revela a dimensão de construção de uma realidade diferenciada que vai compor seu arcabouço psicológico, integrando a realidade primeira do quarto juntamente com a realidade segunda do mundo real revelado pela mãe.
Fonte: Universal Pictures
A tradução palpável do repertório informacional fornecido pela mãe a respeito do mundo real é sempre assustadora para o menino. Isso se revela na reação à luz, aos ruídos, ao movimento de pessoas e veículos e ao contato com objetos e pessoas.
O processo de adaptação ao novo contexto social leva Jack a construir outros esquemas de cognição e no desenvolvimento de relações sociais, assumindo uma nova relação do ser, identificada pela sua fala de que “quando eu tinha quatro anos eu nem conhecia o mundo, agora vou viver nele”. Este é o momento em que se revela a assimilação da realidade comportamental, adaptando os novos estímulos nos esquemas existentes. O quarto de Jack ganhou o mundo.
FICHA TÉCNICA DO FILME O QUARTO DE JACK
Fonte: https://bit.ly/2vX5XEP
Título Original: Room Direção: Lenny Abrahamson Roteiro: Emma Donoghue Elenco:Brie Larson, Jacob Tremblay, William H. Macy, Tom McCamus Ano: 2015
Alguns Prêmios: Prêmio Globo de Ouro – Oscar de Melhor Atriz
Prêmio do Sindicato dos Atores – Melhor Atriz Principal
Prêmio Globo de Ouro – Melhor Atriz em Filme Dramático
Critics’ Choice Award – Melhor Jovem Ator ou Atriz
Prêmio BAFTA de Cinema – Melhor Atriz
Prêmio do Sindicato dos Atores – Melhor Atriz Principal
Com uma trilha sonora à base de composições do aclamado Hans Zimmer, O Pequeno Príncipe (versão de 2015) repagina a clássica obra do francês Antoine de Saint-Exupéry, ao narrar a estória de uma garota (Mackenzie Foy) que se muda com sua mãe (Rachel McAdams) para um dado setor da cidade – cujo traçado, do alto, provavelmente de forma proposital, lembra os circuitos de um computador -, e acabam por ter como vizinho um piloto idoso (Jeff Bridges) que tenta a todo custo fazer decolar um velho avião estacionado no quintal.
O filme é marcado inicialmente por três traços que saltam aos olhos: a tendência da mãe obsessiva-compulsiva em hiper-racionalizar a vida da filha, criando uma rotina exaustiva e com pouco contato afetivo; uma criança com a infância negligenciada, que vive as projeções da mãe; e um idoso com fantasias que pululam a imaginação – que poderia ser rapidamente associadas a traços de psicose.
A trama começa de fato a se delinear a partir de um acidente provocado por uma das muitas tentativas de o piloto idoso decolar o avião. A hélice se desprende do mesmo e acaba atingindo a casa das novas vizinhas. A criança é tomada de profunda curiosidade e, então, inicia um lento e frutífero contato com o vizinho. Aos poucos, a garota vai entrando no universo de fantasias do piloto, num cenário que recria a trajetória do Pequeno príncipe. Neste ínterim, a mãe insiste em manter a rotina da garota, que aos poucos se distancia do agendamento cotidiano e começa a experimentar uma vida minimamente parecida com um ideal infantil.
O filme aborda algumas das teses centrais da Gestal-Terapia. Como mãe e filha compunham um núcleo narcísico – isoladas do mundo –, aos poucos a garota foi arrastada pela necessidade de relacionar-se com o mundo, com o outro, a partir do conceito de contato. Isso ocorre porque, na visão de Perls, o ato de relacionar-se é algo inerente à condição humana, sob pena de sua ausência criar sérias restrições psicológicas ao sujeito. No entanto, como bem explicita o filme, este contato nem sempre ocorre de maneira fluída e rápida. Cada pessoa possui uma “fronteira de contato” que delimita a interação entre a dimensão interna (subjetividade) e a dimensão externa (meio). Uma coisa é certa, e fica clara no filme: o contato, quando ocorre de modo autêntico, provoca mudanças profundas nos sujeitos. É deste contato que surge a possibilidade de ajustar-se criativamente. Configura-se mesmo como elemento de cura para eventuais desajustes.
Há, portanto, um paradoxo: ao mesmo tempo em que o ser humano necessita de contato para suprir necessidades psicológicas e também biológicas, ele é contingenciado por uma separação visceral. Em Gestalt-Terapia, este fato é comumente associado às células do corpo, que estão em constante processo de troca de moléculas com o meio, em que pese a sua individualidade. Essa troca, no entanto, para que supra as necessidades básicas, deve ocorrer de modo satisfatório. Psicologicamente falando, sem o contato não se obtém as condições necessárias para viver como ser humano.
Na fronteira de contato há o aprendizado que lança o sujeito para a vida. A interação sob a forma do Eu-Tu, onde de fato dois sujeitos se permitem ser “tocados”, afastando a tendência à coisificação da relação, é base para que se possa haver um encontro profundo. No filme, a relação com ausência de afeto e excesso de racionalidade entre mãe e filha é marcada por Eu-Isso, numa troca em que, sobretudo, a mãe objetifica a filha, que claramente é representada como uma projeção de seus desejos. A relação Eu-Tu só começa a ser estabelecida quando a criança se permite (por estar propensa a julgar menos que um adulto) a se aproximar do piloto idoso e, à sua maneira, entender o seu mundo. Nasce então uma amizade balizada pelo coração, com uma linguagem marcadamente afetiva.
O ápice do filme ocorre quando, já transformada pelo contato com o idoso, a criança acaba por influenciar a mãe, que reavalia suas estratégias de atuação e, por fim, também é impactada pela dinâmica.
Por fim, o filme tem forte pegada humanista e existencial (duas das bases da Gestalt-Terapia) ao enfocar questões como medo, alienação, amor, amizade, esperança e projetos de vida. Desta forma, toda a obra mostra uma virada rumo à tomada de consciência, num percurso marcado por incertezas, fantasias, curiosidade e abertura para o novo, cujo processo revela uma das facetas mais belas da condição humana: a capacidade de reinventar-se e lançar-se para o futuro.
Referências
FRAZÃO, Lilian Meyer. Gestalt-terapia. Fundamentos Epistemológicos e Influências Filosóficas. São Paulo: Summus, 2013 (versão e-Pub Amazon).
Nesta quarta, 23 de agosto, ocorreu na sala 405 do Ceulp/Ulbra, as sessões técnicas do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia – Caos. Três trabalhos foram apresentados, sendo “Análise dos riscos psicossociais entre os policiais militares da 1ª companhia independente de Arraias-TO”, por Thatiellen Menezes Ferreira (UFT); “Violência e trabalho: a escuta clínica do sofrimento com um policial militar afastado”, por Almerinda Maria Skeff Cunha (UFT); e “A afetividade no processo ensino-aprendizagem por meio da escuta atenciosa: uma proposta de intervenção”, por Gisélia Nogueira N. Vasconcelos (CEULP/ULBRA).
Em pesquisa com os policiais de Arraias-TO, Thatiellen procurou trabalhar com escala e organização de trabalho; escalas e estilos de gestão; escala de sofrimento patológico no trabalho e escala de danos físicos e psicossociais. Muitos relatam a falta de oportunidade de crescimento dentro da empresa, falta de autonomia e de reconhecimento, e mostraram a necessidade de haver mais diálogo e humanização no meio militar.
Na pesquisa foi possível identificar, dentre os pesquisados, que 17,6% sentem-se muito inúteis no trabalho e 82,4% relatam que suas tarefas são banais, que o trabalho que exercem é sem sentido e a identificação com suas tarefas é inexistente. Em relação a danos físicos, 48,6% relataram ter dores nas costas, alterações do sono e dores nas pernas. Já 47,3% relataram ter distúrbios digestivos, distúrbios circulares e alterações no apetite. Muitos disseram que tem a família como apoio e buscam pensar positivo para superar as dificuldades psicológicas e físicas demandadas pelo trabalho.
Na segunda sessão técnica, a pesquisa visou identificar situações de violência no trabalho vivenciadas pelo policial militar afastado. Almerinda começou falando sobre a globalização como geradora de novas formas de trabalho. Houve uma substituição do trabalho vivo (ato de trabalhar) para o trabalho morto (sistema de máquinas), havendo maior competitividade, exigência de produtividade e eficiência, resultando em maior desgaste físico e psicológico. Almerinda relata que a escolha de fazer a pesquisa com um policial militar se deu pela pouca representatividade desses profissionais para a sociedade e não havia esta escuta para esse público do Tocantins, havendo a necessidade dessa escuta clínica.
Por fim, na terceira sessão técnica foi apresentado que ensinar/aprender é uma relação de interdependência, onde aluno e professor trabalham juntos no processo de construção do conhecimento e de ensino-aprendizagem, que é interativo, dinâmico e dialético. Gisélia mostrou alguns fatores que influenciam nesse processo, como os intraescolares (por exemplo, infraestrutura da escola), extraescolares (por exemplo, emoções dos alunos), problemas comportamentais, emocionais, comunicativos, físicos, motivação intrínseca e extrínseca.
O foco do trabalho de Gisélia é mostrar que um ambiente favorável, com planejamento contextualizado e com conteúdos que interessem aos alunos, em que a relação professor-aluno tenha maior proximidade, maior vínculo e, principalmente, maior afeto e escuta atenciosa, geram maior probabilidade de a aprendizagem ocorrer. Gisélia promove essa escuta atenciosa com adolescentes da escola onde trabalha, que somada ao diálogo efetivo e afetivo, fortalecem o vínculo e a compreensão um ao outro.
Gisélia referencia Bastos (2009), que diz que “a escuta atenciosa não é passiva, ela coloca o sujeito em movimento” e Morales (2006), que diz que “o afeto transforma as situações conflituosas e limitantes”, concluindo que há a necessidade de profissionais mais atentos e comprometidos com a qualidade do ensino e abertos a novas práticas, pois a relação professor-aluno deixa marcas profundas em ambos.