Afrodite e o arquétipo do amor

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Afrodite é a deusa grega do amor, da beleza e da sexualidade. A mais bela e a mais irresistível de todas as deusas gregas.

De acordo com a Teogonia, de Hesíodo, ela nasceu quando Cronos cortou os órgãos genitais de Urano e arremessou-os no mar; da espuma surgida ergueu-se Afrodite. Conforme Junito Brandão (1986), Afrodite seria uma divindade obviamente importada do Oriente. Uma forma grega da deusa semítica da fecundidade e das águas fertilizantes, Astarté.

O Nascimento de Vênus, de Sandro Boticeli, (1485)

“Seu amante divino Adônis nos leva igualmente à Ásia, uma vez que Adônis é mera transposição do babilônico Tammuz, o favorito de Ishtar-Astarté, de que os Gregos modelaram sua Afrodite.”

Em outras fontes, como a Ilíada, Afrodite seria filha de Zeus e Dione, levando o título de Dionéia. Devido a essa dupla origem da deusa houve uma diferenciação da mesma, estabelecendo dois títulos a ela. A Afrodite Urânia e Pandêmia. Essa seria a inspiradora dos amores comuns, vulgares, carnais, ou seja, dos desejos incontroláveis, e a Urânia, a inspiradora de um amor etéreo, superior, imaterial, através do qual se atinge o amor supremo.

Afrodite era a deusa responsável por levar deuses e mortais a se apaixonarem. Sendo essas paixões destrutivas ou criadoras de nova vida. Tem paralelos com a Vênus romana, a Oxum africana, a egípcia Isis e a acadiana Ishtar.

Vênus de Willendorf, entre 24.000 e 20.000 a.C.

Afrodite teve diversos amantes, tanto deuses como Ares, Dioniso e Hermes, quanto mortais como Anquises. Foi casada apenas uma vez, com o deus Hefesto, o qual ela traia com Ares, o deus da guerra. A deusa também foi de importância crucial para a lenda de Eros e Psique. E o estopim para o desencadeamento da guerra de Tróia. Foi descrita, em relatos posteriores, como amante de Adônis e também como sua mãe adotiva. Enéias, Hermafrodito e Priapo também são seus filhos.

Sendo uma deusa tipicamente oriental, nunca se encaixou bem no mito grego: parecia uma estranha no ninho! Por essa razão é tida como deusa alquímica, diferentemente das outras deusas que podem divididas em dois grupos: as virgens (Artemis, Atena e Héstia) e as vulneráveis (Hera, Deméter e Perséfone). Afrodite, então, é ao mesmo tempo vulnerável (devido ao fato de ter tido relacionamentos) e virgem (pois nunca se deixou ludibriar, nem dominar por ninguém, prezando sua autonomia), e também não é nenhuma delas.

Alegoria da Primavera de Sandro Boticelli (1482).

Afrodite, sendo a menos grega dos olímpicos, era anteriormente um símbolo da Grande Mãe. Entretanto, devido a cristianização, foi substituída pela Virgem Maria, passando a figura da “mãe” a ter uma conotação destituída de carne e osso e de sexualidade. Trata-se, então, de um arquétipo difícil em uma sociedade patriarcal, pois Afrodite simboliza a mulher que escolhe com quem se relacionar, da mulher que conhece e aceita o seu desejo, sua sexualidade e que não se deixa dominar. É a mulher que aceita seu corpo como ele é, e se sente confortável com ele.

Infelizmente, em nossa sociedade atual esse aspecto de Afrodite está desvirtuado. As mulheres se encontram alienadas em relação a seu corpo. A mídia profana a beleza da mulher, impondo um ideal de beleza inacessível, onde as curvas tipicamente femininas são substituídas por corpos esqueléticos, mutilados por silicone e cirurgias plásticas.

Vênus de Milo, autor desconhecido, possivelmente séc. II A.C.

Símbolo da intensidade dos relacionamentos, mas não necessariamente da permanência, Afrodite é o arquétipo do amor, da beleza, da atração erótica, da sensualidade, da sexualidade e da vida nova. É a “química” entre os amantes, o desejo irresistível e inexplicável.

Em Afrodite Pandêmia temos o amor carnal, o desejo sexual puro e simples. Visando a satisfação dos desejos e a procriação. Em Afrodite Urânia temos o amor que transforma. Simbolizando a importância das relações no sentido de processo criativo. Arquétipo da intimidade física não apenas no sentido sexual, representando uma necessidade psicológica e espiritual.

Arquétipo, portanto, da paixão por alguém ou algo, gerando um processo criativo na psique, do qual pode emergir algo novo. Amor desligado da beleza do corpo, mas da beleza da alma, levando a criação do legado que cada indivíduo irá deixar no mundo.

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Maternidade x Vida Profissional

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Correria, objetivos a serem alcançados, estabilidade financeira e liberdade. Quem não tem isso em mente? Além de todos esses desafios, muitas mulheres acrescentam mais uma missão, ser mãe. Mas, em um mundo imediatista em que vivemos, o projeto de ter filhos está sendo adiado, pois as mulheres precisam estudar e dedicar as suas carreiras. Ser mãe dá trabalho, é a dura opção de escolha entre maternidade e trabalho profissional.

 O desejo de ser mãe é uma questão que circula pela cabeça de muitas mulheres, de ter e cuidar dos filhos, algumas desejam, mas sentem-se inseguras, acham que não estão preparadas, outras, ainda que desejem, não encontram espaço em suas vidas para ter um filho. Existem ainda aquelas que sempre sonharam com a maternidade e não podem.

*Carla Soares, estudante de Direito, soube que não podia ter filhos de forma inusitada. “Fiquei sabendo quando pensei que estava grávida, na verdade foi um grande susto, fui diagnosticada  com ovário policístico.”

A síndrome de (SOP) é uma doença resultantes do desequilíbrio nos hormônios sexuais femininos, que pode causar alterações no ciclo menstrual, alterações na pele, pequenos cistos nos ovários, dificuldade para engravidar e outros problemas. “Os cistos estão bem menores, só que se eu tentar engravidar hoje as chances são mínimas, pode acontecer, esperança eu tenho, logo não tenho pressa para ter filhos”, diz Carla, que já faz tratamento há um ano.

Ao contrário dos homens, que produzem espermatozóides durante toda a vida, a mulher já nasce com todos os óvulos prontos. Com o tempo, os óvulos e os próprios ovários envelhecem, por  isso, a taxa de fertilidade das mulheres cai após os 30 anos de idade. Estima-se que as chances de uma mulher engravidar até os 30 anos sejam de 20 a 30% por relação sexual, ou seja, de 100 mulheres menos de 30 delas conseguirão a fecundação. A gravidez tardia tem riscos altos como aborto, hipertensão, diabetes, parto prematuro e riscos do feto ter síndrome de down.

Glaucia  Santos, funcionária pública, tem 29 anos e está no sexto  mês da gravidez. Recentemente foi diagnosticada com diabetes insulino-dependente . “Tenho que manter o nível de açúcar no meu corpo bastante controlado por conta do bebê, a imunidade em quem é diabético é bastante debilitada, portanto na gravidez devido as alterações hormonais serem gigantescas, o cuidado é redobrado”, confirma.

Diabetes tipo 1 ou IDDM (diabetes mellitus insulino-dependente) é uma doença crônica do pâncreas onde são destruídas as células produtoras de insulina. Todas as células do corpo necessitam de insulina para a glicose entrar nas células, especialmente no fígado. Se a quantidade de insulina produzida pelo pâncreas é insuficiente, a glicose se acumula no sangue.
“Sempre quis ser mãe, estava nos meus planos, Deus me deu na hora certa”, diz a futura mamãe Glaucia, orgulhosa da chegada de Alicia. “Por ela vale a pena o risco, a sensação de gerar uma vida é maravilhosa, quem puder ter filhos que tenha”, aconselha.

Um filho traz muita alegria, mas também traz despesas, preocupações, escola, educação, caráter, escolhas erradas. Algumas pessoas optam em substituir a ausência de um filho por animais, viagens e compras, e ainda acham que se gasta menos com essas coisas, outras trocam a vida profissional pela maternidade.

Débora  Andrade teve que abrir mão da vida profissional para cuidar dos dois filhos .  “Acho que ainda tenho tempo pra isso,  pode não ser como imaginava ou como queria, que era ter sucesso e reconhecimento na minha área, mas vejo que posso alcançar isso de  outra forma”. De acordo Débora, a maternidade mudou seu modo de pensar.  “Ser mãe é maravilhoso, todo o processo da barriga durante os nove meses é uma sensação inexplicável, desde o nascimento ao ouvir seu filho falar mamãe, é algo mágico. Quando se tem filhos parece que a vida ganha mais um sentido, aliás, o único sentido”.

 

Débora Andrade com os filhos – Foto: Arquivo pessoal

 

É provável que quem escolhe não ter filhos pode passar por momentos de olhar para trás e imaginar como seria se tivesse tido. Algumas podem ter tomado esta decisão devido a fatores como carreira, questão financeira ou talvez o peso da responsabilidade de uma forma geral.  “Para aquelas que não querem ter filhos é uma opção, não que eu ache errado, sei que algumas mulheres dão valor a outras coisas e preferem conquistar uma carreira brilhante ou ter uma vida tranquila a cuidar de crianças, o que exige responsabilidade e dedicação”, finaliza Débora.

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“Praia do Futuro” e o desafiador amor entre homens

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Uma das grandes surpresas no mercado cinematográfico deste ano, “Praia do Futuro” (que recebeu apoio institucional de empresas brasileiras e alemãs), dirigido pelo argelino-brasileiro Karim Ainouz, recebe o nome de um dos mais famosos cartões postais de Fortaleza, e que apesar de fazer parte da cena gay da cidade, de quebra, mostra uma faceta ainda comum nas cidades brasileiras: a impossibilidade de se viver a homoafetividade publicamente, condição que embora seja permitida por lei é sufocada por uma visão de mundo predominantemente heteronormativa (Veja aqui como foram “convencionados” os modelos de família), que execra qualquer demonstração de amor entre pessoas do mesmo sexo (especialmente entre homens).

Já no início, “Praia do Futuro” mostra o salva-vidas Donato (Wagner Moura) resgatando o piloto de motovelocidade Konrad (Clemens Schick), que havia parado no local para se refrescar nas agitadas águas do mar cearense. Acompanhado de um amigo, que não teve a mesma sorte e acabou morrendo afogado, Konrad vê sua viagem, de uma hora para outra, tragicamente interrompida com o fatídico acontecimento. Este é o “primeiro ato” do filme, que mostra o envolvimento de Donato com Konrad e, já de cara, apresenta uma estética erótica “perturbadora” por desvelar uma condição que muitos preferem não admitir: a atração entre homens pode acontecer em qualquer lugar, e já não há mais estereótipos a serem seguidos/apontados/imaginados. Trata-se da pulsão de dois homens que agem e se apresentam como “homens mesmos”, e que – provavelmente e – justamente por isso é alvo de espanto.

 

No meio desta estória, há o irmão mais novo de Donato, Ayrton (Jesuíta Barbosa), que vê no salva-vidas uma personificação de um herói, um “acqua-men”. E é neste clima de “divisão de atenções”, de intensa paixão, de medo e de culpa que Donato tem que escolher entre a possibilidade de experimentar sua sexualidade livremente, e viajar para Berlim com Konrad, ou permanecer em Fortaleza próximo do mar e do amor da família, mas sem possibilidade de “ser quem realmente é”. Ele aponta para a primeira opção, e como quem quer começar do zero, literalmente “esquece” do passado – cortando completamente as relações parentais – para iniciar uma efusiva vida amorosa com Konrad, na Alemanha. Esse é o segundo ato do filme.

 

 

No terceiro ato, “Um fantasma que fala alemão”, o expectador é instado a acompanhar o reencontro e o “acerto de contas” de Donato com o passado. Ayrton cresce, aprende a falar alemão, e ainda inconformado por ter sido abandonado pelo irmão vai até o país europeu em busca de “respostas”. Neste ínterim, o filme acaba por mostrar outra forma de relacionamento entre homens, de cunho mais fraternal, mas que contém em si a “paixão” e o apego que, a princípio, parece estar associados apenas aos enlaces que envolvem o erotismo. É uma abordagem sobre o amor que transcende a questão de gênero e que realça a “dinâmica dos afetos”, sempre intenso, revelador e, por vezes, explosivo. E, mais que isso, que supera qualquer tentativa de definição da ternura, se revelando como uma espécie de “idolatria”.

 

Na Alemanha, Ayrton encontra um irmão que experimenta a liberdade sob a sombra de uma cidade “cinzenta”, quase monocromática, coberta por nevoeiros… como que quisesse dizer que, afinal de contas, Donato não poderia ter tudo. Ayrton faz a “ponte” com o passado, e possibilita que Donato, finalmente, se reconcilie e “exorcize” as lacunas que, vez por outras, resultava nos arroubos de melancolia, de dúvida. É um reencontro que começa barulhento e, aos poucos, vai se arrefecendo. Exatamente o contrário da dinâmica de Donato com Konrad.

 

 

Na “reconciliação”, o diretor quase que funde os três personagens com as imagens de belas estradas amplas, sinuosas e com pouca visibilidade (devido às condições climáticas). Sob suas motos, eles apenas seguem adiante. Uma metáfora para a própria contingência da vida, para a beleza do imprevisível, que apesar de aparentemente aterrador é o combustível para o crescimento, já que dá margem para que se exerça a mudança.

A ida de Donato para Berlim também faz lembrar o célebre livro de Leonardo Boff, “A águia e a galinha”, onde o grande teólogo tupiniquim demonstra que, para alçar voo (no caso da águia que foi criada como galinha), é preciso se afastar do lastro parental (consanguíneo ou “escolhido”) que força o proponente a permanecer nos mesmos círculos viciosos. O afastamento, portanto, provoca o distanciamento necessário para que as verdadeiras transformações ocorram.

Brasileiro recalcado

A exibição de “Praia do Futuro” em dezenas de salas espalhadas pelo país trouxe novamente à tona um tema que vem dividindo a sociedade brasileira, numa espécie de “guerra cultural” ao estilo norte-americano, onde alguns apoiam abertamente a expressão de amor entre pessoas do mesmo sexo, e outros acreditam que os homossexuais devem permanecer com restrição de direitos. Durante os primeiros dias de exibição, várias pessoas saíram “revoltadas” das salas com a cena de sexo protagonizada já nos primeiros minutos do longa pelos personagens de Wagner Moura e de Clemens Schick.

Em entrevista ao jornal carioca O Dia, o cineasta e professor de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Salis, disse que as reações foram decorrentes de uma “quebra de expectativa provocada com a presença do ator Wagner Moura em um personagem homossexual”. Para ele, “Wagner construiu um capital simbólico nos últimos anos pelo reconhecimento do trabalho dele e pela projeção que os filmes Tropa de Elite tiveram. O Capitão Nascimento encarna uma série de estereótipos do que seria o desejável para o comportamento masculino na visão da sociedade”.

De acordo com o professor, a atuação de Moura em “Praia do Futuro” acabou gerando um “curto circuito” no expectador, cujo imaginário ainda era povoado pela “representação do masculino encontrada nos filmes do diretor José Padilha”. Ao jornal O Dia, Salis acrescenta que, “de repente, em ‘Praia do Futuro’, ele [Wagner Moura] aparece com outro tipo de comportamento também masculino, sem estereótipos, em que as posições sexuais não estão definidas”. Esta “indefinição” da figura do masculino é o que causa inquietação no público expectador mais conservador. “Isso é algo que, ainda hoje, é resolvido pelo tabu e pela proibição do exercício do desejo”, finaliza o professor.

Mesmo sem ser este o objetivo – como apontou o diretor Karim Aïnouz em algumas entrevistas –, o filme acabou por levantar uma bandeira contra a intolerância, e o mote “#Homofobia não é a nossa praia” ganhou as redes sociais e a adesão de milhares de brasileiros e alemães. Além de excelente, o filme contribuiu positivamente para o debate político-social em curso sobre direitos humanos e igualdade.

Referências:

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da propriedade privada e do Estado; tradução Ciro Mioranza. São Paulo: Lafonte, 2012 (Coleção Grandes Clássicos da Filosofia)

PLATÃO. O Banquete. Disponível emhttp://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=2279&co_midia=2 . Acesso em 20/05/2013.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich; Tradução de BACKES, Marcelo. A Sagrada Família. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.

YALOM, Marlyn. Como os franceses inventaram o amor. São Paulo: Editora Prumo, 2013.

‘Profecia’ de Wagner Moura se cumpre: espectadores abandonam sessões de Praia do Futuro– Jornal O DIA. Disponível em http://blogs.odia.ig.com.br/lgbt/2014/05/22/profecia-de-wagner-moura-se-cumpre-espectadores-abandonam-sessoes-de-praia-do-futuro/  – Acessado em 03/06/2014.

O Livro da Filosofia(Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011.

BOFF, Leonardo. A Águia e a Galinha. Petrópolis: Vozes, 2006.

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

PRAIA DO FUTURO

Direção: Karim Aïnouz
Duração: 90 minutos
Gênero: Drama Nacional
Países de Origem: Alemanha e Brasil
Ano produção: 2014

Não recomendado para menores de 14 anos

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A Culpa é das Estrelas: quando o infinito é breve

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“Você me deu uma eternidade dentro dos nossos dias numerados, e sou muito grata por isso.”(Hazel)

O filme “A culpa é das estrelas”, baseado no livro homônimo de John Green, conta a história de Hazel, uma garota de dezesseis anos, diagnosticada com câncer aos treze, e seu encontro com Augustus (Gus), com quem compartilha a experiência de viver a emoção do primeiro amor mesmo diante da constatação cruel e sem artifícios da brevidade da vida.

É complexo, sob qualquer perspectiva, entender como o câncer pode afetar psicologicamente um adolescente, pois, para isso, tem-se que considerar especialmente as rápidas mudanças físicas, emocionais e sociais que acontecem nesse período.  Segundo Zebrack [1], teorias do desenvolvimento humano sugerem que, apesar de todos os pacientes com câncer experimentarem um conjunto comum de interrupções relacionadas ao seu cotidiano, essas experiências são sentidas e assimiladas de forma diferente dependendo do momento da vida que foi diagnosticada a doença.

Para a maioria dos pacientes [2], o diagnóstico e o tratamento do câncer resultam em interrupções nas atividades diárias, em uma contínua dor física, na diminuição da energia (ânimo), em alterações da aparência física, em limitações na capacidade funcional, alterações nas relações sociais e, especialmente, no confronto com a mortalidade, em reflexões relacionadas às questões existenciais universais e mudanças na percepção sobre si mesmo, sobre o futuro e o mundo.

“A depressão não é um efeito colateral do câncer, é um efeito colateral de se estar morrendo.”(Hazel)

É nesse universo de dúvida, medo e raiva latente que se encontra Hazel (Shailene Woodley), cuja força para encarar o tratamento de um câncer em estágio avançado parece ter como base o entendimento de que se deve olhar para a vida sem grandes expectativas. Hazel compreende que poderá morrer ainda jovem, além disso, pensa que assim como foi breve a sua vida, breve também serão as lembranças que os outros terão dela.

Para suportar a ideia da brevidade, tenta encarar o mundo com um certo cinismo, afinal, segundo ela, tudo tende a acabar e nada é especial, nem Aristóteles ou Cleópatra, muito menos ela. Assim, se até a nossa espécie está fadada à finitude e ao esquecimento, não será ela que tentará semear jardins fantasiosos de lembranças que, logicamente, não terão força para resistirem ao tempo.

“Eu tenho medo de ser esquecido.” (Gus)

Por isso que o encontro inusitado com Gus (Ansel Elgort) em uma sessão de terapia em grupo foi tão impactante. De certa forma, quando ele externou para o grupo seu medo (de ser esquecido) e levou-a a falar pela primeira vez (de forma espontânea) naquele ambiente que tanto a aborrecia, trouxe à tona muito da angústia que é viver constantemente tendo que considerar seu próprio fim iminente. Talvez Hazel, ao considerar o fim de todos como uma das poucas verdades que permanece constante, tenta fazer com que a ideia da morte seja assimilada de forma menos traumática, não importando se o sujeito tenha 8, 18 ou 80 anos, já que o tempo é relativo, logo complexo demais para ser mensurado.

“Tudo o que fizemos, construímos, escrevemos, pensamos e descobrimos vai ser esquecido e tudo isso aqui vai ter sido inútil.” (Hazel)

Mas entre o discurso e o pensamento há um grande abismo. É possível até que, em alguns momentos, um seja a refutação do outro, ainda que, também, funcione como uma forma de proteção. Se a terapia em grupo irrita Hazel, por não considerar o método, nem a forma como é conduzido (já que, no filme, quem faz isso é um sobrevivente frustrado), afirmar que sua existência não deve ser motivo para despertar lembranças duradouras pode ser uma forma de rebeldia, a única possível no contexto em que se encontra.

“Estou morrendo, mãe. Vou morrer e deixar você sozinha, […], e você não vai mais ser uma mãe, e eu sinto muito, mas não há nada que eu possa fazer a respeito.” (Hazel)

Mas, aos poucos Hazel começa a demonstrar toda a confusão emocional que carrega dentro de si. Oscila na forma de aceitação do “esquecimento”, algumas vezes o considera uma dádiva, já que libertará as pessoas que a ama de um grande sofrimento, e outras vezes entende que tal fato reflete uma realidade terrível, já que parece determinar que sua breve vida tenha sido em vão. Os pais ficam impotentes diante do seu sofrimento e isso traz danos psicológicos profundos para todos os envolvidos.

Segundo [3], o diagnóstico de câncer em uma criança ou adolescente muitas vezes acarreta em crise familiar. A família experimenta o choque e a tristeza ao acompanhar o dia-a-dia da criança diante de uma doença potencialmente fatal. Assim, a atenção psicossocial nesses casos deve compreender o atendimento psicológico e social de apoio à criança ou adolescente e sua família durante todo o tratamento do câncer, inclusive há uma preocupação especial para que este acompanhamento ocorra por algum tempo nas famílias que vivenciaram o luto. Só o tempo pode suavizar a dor, mas um acompanhamento adequado pode ajudar a criar mecanismos para suportar a ausência e o vazio que somente esse tipo de sofrimento tão avassalador pode provocar.

“Estou apaixonado por você, e sei que o amor é apenas um grito no vácuo, e que o esquecimento é inevitável, e que estamos todos condenados ao fim, e que haverá um dia em que tudo o que fizemos voltará ao pó, e o sei que o sol vai engolir a única Terra que podemos chamar de nossa, e eu estou apaixonado por você.” (Gus)

O diferencial desse filme, considerando tantos outros sobre essa temática (e.g. Love Story – 1970, Tudo por Amor – 1991), é a linguagem utilizada por John Green no livro e que foi tão bem conduzida e refletida no roteiro. Assim, embora tendo como base um assunto tão denso, a história de amor entre Hazel e Gus é um sopro de delicadeza e esperança.

 

Os olhos da Hazel conduzem a história. Neles são refletidas as várias camadas de emoções que são apresentadas na tela. É possível entender, por exemplo, que ao perceber a si mesma como uma “granada”, ela toma a decisão que parece ser a mais lógica, ou seja, manter-se distante. Por isso Gus é tão especial, ele consegue enxergá-la profundamente, percebe o medo em suas palavras cortantes na primeira sessão de terapia, mas também tem um vislumbre da sua sensibilidade e inteligência.

Por mais que a doença tenha lhe tirado tantas formas de alegria, tenha alterado seu cotidiano, transformado o sonho de independência que permeia a adolescência em um borrão longínquo e sem sentido, Hazel ainda consegue inebriar-se através da imaginação.

“[…] Me apaixonei do mesmo jeito que alguém cai no sono: gradativamente e de repente, de uma hora para outra.” (Hazel)

A menina que tem como melhor amigo um autor que nem a conhece, que ama os livros e vê na permanência dos seus personagens em seu coração uma forma, ainda que inconsciente, de suportar a brevidade da vida é a pessoa pela qual Gus se apaixona. E, longe desse fato dar ao filme uma conotação piegas, o amor entre os adolescentes é uma forma demasiada humana de mostrar que podemos conseguir criar novos sentidos para as inúmeras variáveis que compõem o universo de significados que carregamos conosco.

“Alguns infinitos são maiores que outros… Há dias, muitos deles, em que fico zangada com o tamanho do meu conjunto ilimitado. Eu queria mais números do que provavelmente vou ter.”(Hazel)

O título do livro/filme, “a culpa é das estrelas”, vem de um diálogo extraído da peça “Júlio César”, de Shakespeare: “A culpa, caro Brutus, não está em nossas estrelas, mas em nós mesmos, que somos subordinados”. Mas, usando outro trecho de Shakespeare, é possível criar uma dúvida na origem dessa culpa, já que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha desvendar nossa vã filosofia”. Assim, não parece ser incoerente supor que algumas dores e sofrimentos são impostas ao sujeito sem que haja qualquer explicação ou culpa, tirando-lhe qualquer autonomia ou controle. Assim, para Hazel, Gus e tantos outros que precisam conviver com diagnósticos terríveis e com um conjunto limitado de dias, fica a estranha sensação de que é preciso aprender a viver morrendo, por mais paradoxal e absurdo que isso seja.

Segundo Elisabeth Kübler-Ross [4] em seu livro “Sobre a morte e o morrer”, as emoções e sensações que são vivenciadas diante da morte iminente podem ser sistematizadas em cinco estágios: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Vimos alguns desses estágios representados no filme, mas considerando que Hazel e Gus são adolescentes, essas manifestações também ocorrem de uma maneira diferenciada.

Gus, por exemplo, mesmo tendo tido câncer e tendo a possibilidade sempre alta de um possível retorno, tem os mesmos sonhos heroicos que muitos de nós tivemos em sua idade. Há sempre um universo de possibilidades na adolescência e isso é evidenciado através de suas palavras, de suas ações, ou seja, de sua postura diante da vida.

Gus emana vida. É como se a vida nele fosse tão intensa que por isso mesmo não coubesse em seu corpo. Sua relação com Hazel permitiu que ele compartilhasse esse excesso de vida, contribuindo para que ela percebesse um aspecto que eles tinham em comum: mesmo que suas vidas fossem definidas em um pequeno intervalo de tempo, o universo de cada um ainda era infinito. Talvez alguns infinitos sejam maiores que outros, como provou o matemático russo Georg Cantor, mas isso não significa que sejam melhores ou mais intensos. As relações que são construídas no espaço de uma vida são o que tornam cada vida única e, quem sabe, infinita.

 

[1] Zebrack BJ. Psychological, social, and behavioral issues for young adults with cancer. Cancer. 2011 May 15;117(10 Suppl):2289-94.

[2] Rowland JH. Developmental stage and adaptation: adult model. In: HollandJC, RowlandJH, eds. Handbook of Psychooncology. New York, NY: Oxford University Press. 1990; Chapter 3: 25–43.

[3] Improving outcomes in children and young people with câncer. Disponível em: http://guidance.nice.org.uk/CSGCYP/Guidance/pdf/English

[4] KUBLER- Ross, E. “Sobre a morte e o morrer”: 8ª Ed., Martins Fontes. São Paulo, 1998.

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

A CULPA É DAS ESTRELAS

Título Original: The Fault in Our Stars
Direção: Josh Boone
Roteiro: Scott Neustadter, Michael H. Weber, John Green (autor do livro)
Elenco principal: Shailene Woodley, Ansel Elgort, Nat Wolff, Laura Dern, Sam Trammell, Willem Dafoe
Ano: 2014

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Hoje Eu Quero Voltar Sozinho: pensando diferente

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“Existem momentos na vida
onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa,
e perceber diferentemente do que se vê,
é indispensável para continuar a olhar ou a refletir.”

Michel Foucault

Imagine ser tomado por uma paixão platônica avassaladora, mas sem nunca ter visto o rosto de seu objeto de desejo! Um sentimento jocoso e singelo que acontece devagar, pela convivência. No ouvir do som grave do timbre de voz, e da leveza como essa pessoa toca no seu ombro.

É assim que nasce o amor que da liga à história de dois adolescentes de uma mesma escola paulista.

Estou falando do longa Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, que conta a história de Leonardo (Guilherme Lobo), um adolescente com deficiência visual que está atravessando a adolescência: uma fase de vários questionamentos e conflitos internos. A trama se dá entre os desafios de Leo em conseguir autonomia juntos à sua mãe, diante de sua deficiência versus o dilema factual: Com quem será seu primeiro beijo?

A adolescência é uma fase da vida caracterizada pelo foco no presente, sem cogitar as consequências futuras dessas decisões (COLL, 1995). Para dar vazão aos conflitos (os internos e os familiares), Leonardo conta com o apoio de sua melhor amiga, Giovana (Tess Amorim), seu porto seguro, principal parceira e confidente.

A história começa com o início do ano letivo e a chegada de um aluno novo na escola, Gabriel (Fábio Audi), que logo se aproxima dos amigos Leo e Giovana.

Logo, os três adolescentes começam uma grande amizade que atravessa vários desafios: Giovana se vê apaixonada por Leo, e não suporta os ciúmes de vê-lo estar cada vez mais próximo de Gabriel, que por sua vez enfrenta a descoberta da sexualidade de ordem homoafetiva e o desejo que sente em segredo pelo seu novo amigo.

Para Cória-Sabini (2001) é durante a adolescência que ocorre a interação entre o sujeito com grupo de iguais, envolvendo gêneros distintos. É comum surgirem neste momento os relacionamentos de ordem sexual e afetiva entre os integrantes desses grupos com seus pares.

O Despertar da sexualidade na adolescência está diretamente ligado à puberdade e maturação dos órgãos genitais. O desenvolvimento de laços afetivos nesta fase, tem forte ligação ao grupo com o qual o jovem forma seus pares, o que envolve característica pessoais e de expressão da personalidade.

Arminda Aberastury (1981) afirma que o adolescente tem necessidade em romper seu elo com o mundo infantil, mortificando fases anteriores. Sua postura diante de tal “luto”, seria a justificativa para a postura que este sujeito toma diante do grupo social no qual está inserido.

A inquietação e comportamento rebelde, também comuns nesta fase, estariam diretamente ligados a perda da infância e necessidade de assumir uma nova postura de vida e ideais, o que nem sempre é bem aceito pelos pais, que não aceitam muito bem o fato de que o jovem está crescendo, encerrando assim o vínculo de dependência.

Leonardo sente essa necessidade de romper com a dependência da sua mãe, sobretudo pela deficiência visual, ele vê a necessidade de mostrar à ela que ele pode sim, ter uma vida normal, e gerir sua existência sem precisar da atenção constante da mãe frente à sua particularidade, a deficiência visual.

Ao falarmos em adolescência, é preciso entender que a Puberdade é vista tão somente como uma fase biológica de mudanças fisiológicas e hormonais no corpo do adolescente. Não apresenta faixa etária fixa, podendo variar dos 09 aos 14 anos de idade, ou mais, pesquisas atuais indicam que seu termino, no mundo contemporâneo, acontece por volta dos 25 anos.

É uma fase caracterizada por transformações bruscas no corpo da criança, resultando na maturação dos órgãos genitais masculinos e femininos. Estudos comprovam uma relação direta entre as mudanças físicas e o enfrentamento psicossocial do sujeito nessa etapa do desenvolvimento humano, demonstrando uma sobreposição entre Adolescência e Puberdade, ainda que ambas sejam estudadas e concebidas separadamente. Assim, torna-se necessário entender a adolescência como um fenômeno psico/sócio/cultural, e puberdade como um fator bio/sócio/cultural (COLL, 2004).

As alterações biológicas geralmente afetam emocionalmente o adolescente, interferindo em sua maneira de conceber o certo e distingui-lo do errado, nesta fase novos mecanismos de percepção estão à disposição do adolescente para auxiliá-lo a tomar decisões, contudo caberá a ele (o sujeito) distinguir.

É aqui que se dá a conflitiva de Leonardo: Como ser ele mesmo, diante de um mundo que a) pensa que ele é incapaz de ser autônomo e gerir sua existência e/ou b) o ridiculariza e se aproveita de sua limitação sensorial para demonstrar sua fragilidade. Em meio a tudo isso, há a descoberta da sexualidade acompanhada do desejo homoafetivo pelo novo amigo, o qual ele não sabe se irá corresponder às suas expectativas.

O grupo social de Leonardo está na escola e nos adolescentes dos quais ele está mais próximo. A maioria dos seus colegas de aula o aceitam no grupo independente da deficiência visual, isso se confirma ao longo do filme, exceto por eventos específicos nos quais alguns de seus colegas tiram vantagem de suas limitações com brincadeiras que podem facilmente serem comparadas a episódios debullying na escola.

Arrieta (2000) cita alguns estudos de Piaget que apontam para as interações sociais de agregação de valores culturais como resultantes das trocas de experiências do período escolar. Elas também seriam responsáveis pela formação moral do ser humano. Geralmente são os primeiros contatos, aqueles estabelecidos na segunda infância, que fornecerão à criança, regras de convívio social. A criança carrega esses valores consigo para o resto da vida. Lógico que em estágios futuros do desenvolvimento, onde ocorrem processos cognitivos e mais avançados, tais valores terão graus de complexidade maiores e melhores. Mesmo aqui, eles carregam bases desse primeiro contato na infância.

Na psicanálise, o Princípio da Dualidade Instintiva, é empregado para mostrar que o ser nasce reciprocamente com pulsões agressivas e amorosas. A estimulação desses instintos, ou maior estimulação de um deles, terá impacto no caráter do indivíduo. Quando falamos de estímulos, levamos em consideração, além de mecanismos internos de acomodação da informação, os estímulos externos, e fatores sócio-históricos (COLL, 2004).

A proximidade entre Gabriel e Leonardo cria, entre ambos, laços fraternos que logo culminam em um sentimento de amor, o qual eles demonstram não entender muito bem. Um dos pontos fortes da história está neles não se perderem em questionamentos sobre os motivos de seu interesse sexual de ordem homoafetiva, ou de sofrerem com a dúvida entre viver ou não essa relação? Os dois deixam-se levar pelo sentimento, e acabam se entregando ao amor que um sente pelo outro, que culmina num beijo tímido.

A cada nova aproximação, Leonardo conta com estímulos alheios à visão para tentar conhecer um pouco mais aquele garoto da escola que lhe desperta tanto interesse, e do qual sua melhor amiga não para de falar. Aqui, a audição, o olfato e o tato entram em jogo.

Aberastury (1981) afirma que na adolescência a percepção é bem mais detalhista que em fases anteriores do desenvolvimento. Nela, o sujeito pode distinguir em detalhes o que um estímulo sensorial lhe desperta. O sujeito, portanto, é capaz de discernir do que gosta ou não gosta, apresentando caráter seletivo. Começam a demonstrar características individuais e diferenciais quanto a gostos e interesses. Os adolescentes apresentam um pensamento abstrato, ilimitado e com ideais românticos.

Valores como amizade, cumplicidade, fidelidade e respeito são abordados na trama com uma linguagem leve e atual. O roteiro, apesar de muito próximo ao do curta metragem, do qual o filme é fruto  prende o expectador do início ao fim. Ao final, a atmosfera é envolvente, e valores como sexualidade e deficiência visual saem de cena para mostrar a história de dois adolescentes que estão descobrindo a vida e o amor.

FICHA TÉCNICA:

Direção: Daniel Ribeiro
Duração: 96 minutos
Elenco: Ghilherme Lobo, Fabio Audi, Tess Amorim, Isabela Guasco
Ano: 2014

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O processo de morte em “Uma prova de amor”

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“Mas por baixo da superfície há rachaduras, ressentimentos, alianças que ameaçam a base de nossas vidas, como se a qualquer momento nosso mundo pudesse desabar.”
Do filme Uma Prova de Amor

Uma prova de amor (2009), é um filme norte americano dirigido por Nick Cassavetes. Trata da dor de uma família em lidar com o câncer de sua filha, e de como eles adaptam suas vidas com o propósito de garantir alguns instante a mais de vida para Kate Fitzgerald (Sofia Vassilieva), que está morrendo.O enredo se dá na conflitiva familiar e no modo como a família enfrenta a doença de Kate, ao passo em que esquecem-se da manutenção de suas próprias vidas.

O núcleo familiar é comporto por cinco pessoas: a mãe, Sara (Cameron Diaz); o pai, Brian (Jason Patric); Jesse (Evan Ellingson), o irmão mais velho, Kate a filha com diagnóstico de leucemia desde a infância; e Ana (Abigail Breslin), a filha caçula.

Ana nasceu de uma fertilização in vitro, após o diagnóstico de Kate, como o propósito de ser, como ela mesma afirma em uma cena do filme,“o seguro de vida da irmã”. Ela é a combinação genética perfeita para prover material genético à Kate no seu tratamento. Mas o que a família não previa, é que ao assumir esse risco, traria ao mundo uma criança que também teria desejos e medos próprios.

A conflitiva se dá quando Kate, já na adolescência, sofre de falência renal e Ana entra com uma petição jurídica requisitando direito de decidir se faz o transplante de seu rim para a irmã ou não. É preciso deixar claro que o prognóstico médico dizia que, mesmo com um rim transplantado, Kate não teria muito tempo de vida.

O filme é recheado de flashbacks que levam o telespectador do presente para o passado em vários momentos, contando a história da família Fitzgerald paralela ao adoecimento de Kate sobre a perspectiva de todos os membros do grupo familiar.

O processo de morte é bem presente no filme e é possível identificar alguns dos estágios definidos por Kubler-Ross (1969), citada por Kovács (2002), negação e isolamento; raiva; barganha; depressão; e aceitação. Inicialmente não é demonstrada uma negação, já que a doença foi diagnosticada quando Kate ainda era muito nova. Contudo, no decorrer do filme, são mostrados flash’s em que Kate aparece apresentando algumas atitudes que se assemelham aos estágios de Kluber-Ross.

De acordo com Kovács (2002), raramente os pacientes são consultados, acerca dos seus desejos, sempre havendo uma preocupação com os sintomas da doença e com a doença em si, deixando-se de lado o indivíduo. Com Kate isso acontecia, ela não era consultada sobre seus desejos, sendo assim, ela decidiu falar com os irmãos sobre a vontade de morrer, que já estava pronta e que não queria o transplante de rim, que seria doado por Ana. Esse processo cirúrgico já estava decidido pelos pais e pelos médicos, mas ninguém procurou saber a vontade de Kate.

Em uma das cenas, Kate encontra-se em seu quarto, quebrando as coisas, ouvindo um som alto e bebendo, ao ser questionada por Ana ela diz que estar fazendo uma festa de despedida, dizendo: “Adeus mãe, adeus droga de hospital, vou ver o Taylor!”, tomando remédios para morrer. Pode-se dizer, que Kate foi tomada por raiva, por todo processo que vinha passando e por perder o namorado, Taylor (Thomas Dekker), que também tinha leucemia.

Além desta cena, também existem outras duas que demonstram um momento em que Kate estava bem depressiva, se achando feia, afirmando que as pessoas iriam rir dela, Sara, para não ver a filha naquele estado, raspa a cabeça. Em outras duas cenas, Kate conversa com Ana e deixa claro que já está pronta para morrer, em uma das cenas ela fala que a mãe voltaria a furá-la e cortá-la novamente e que ela não queria mais isso, assim como é explanado no texto de Kovács (2002), a pessoa não é encarada como sujeito e sim como objeto de atuação do médico, passivo, submisso e silencioso. Na outra cena ela diz a Ana que tudo será tranquilo e demonstra, ainda mais, que já aceitou a sua condição e que só basta esperar a morte.

A autora afirmou que, nem todos os pacientes passam por essas fases, nem as passam na mesma ordem, e com Kate isso fica bem claro, ela passou apenas por algumas fases.

A família também passa pelos mesmos estágios que o paciente, segundo Kovács (2002), e no caso da família Fitzgerald quem passou mais intensamente pelos estágios foi Sara, ela muitas vezes passou pela negação, não aceitando que aquilo estava acontecendo com sua filha e lutou todo instante para que Kate fosse salva.

Sara também passou muitas vezes pela raiva, raiva pela doença, raiva de Ana por negar ajuda a irmã, raiva de Brian por tirar Kate do hospital, raiva do médico, enfim, ela não conseguia aceitar a doença da filha. Sara estava sempre entristecida por ver o sofrimento da filha, tentando fazer de tudo para vê-la bem, alegre. E, por fim, Sara acabou aceitando que Kate queria partir, talvez tenha aceitado apenas após a morte da garota, afinal ela lutou a vida toda para manter a vida de Kate, mas fica claro que ela aceitou o fato de que não poderia fazer mais nada para contornar a situação.

Kovács (2002) afirmou que, em muitos casos, o paciente sabe da gravidade do seu caso, mesmo que não tenha se informado objetivamente, mas tem falar com seus familiares, pois acha que eles não sabem e imagina que sofrerão se souberem. No fundo isso aconteceu com a Kate, ela já tinha certeza de que não iria sobreviver, mesmo recebendo o rim de Ana, mas ela comentou apenas com os irmãos, evitando falar com a mãe, pois ela sabia o quanto Sara lutava para mantê-la viva.

O luto não começa no momento da morte, e sim quando a pessoa percebe que ela é inevitável (KOVÁCS, 2002). Kate se preparou durante muito tempo para morrer, preparando tudo para a morte ocorrer naturalmente. Por isso pediu aos irmãos que a ajudassem e também preparou uma espécie de livro de recordações, onde deixava mensagens para toda família, inclusive pedindo perdão, afinal toda família estava envolvida no seu processo de morte.

A leucemia tem um final lento, portanto, há tempo para elaboração. A negação tem de ser confrontada, os sentimentos precisam encontrar um canal de expressão. Os membros da família também têm de realizar desapego. Podem deixar o paciente seguir seu processo, sem que isso signifique abandon ou isolamento (KOVÁCS, 2002, p. 204).

Nesse caso, Sara não permitiu que o desapego acontecesse, pelo contrário, ocorria o apego a esperança de que Kate sobreviveria e se recuperaria, apesar de se ter ciência das poucas chances de reestabelecimento. A elaboração ocorreu de forma brusca, quando foi revelada a vontade que Kate tinha de partir, de finalmente descansar, sendo que esse foi um processo mais doloroso do que teria sido se ocorresse a longo prazo.

São muitos os aspectos importantes destacados no filme, porém nele não é visto um tratamento psicoterapêutico, o que seria de grande auxílio, tanto para Kate, quanto para sua família, principalmente para Sara. “A família também precisará de ajuda, quando ocorrer a morte efetiva, para realizar o desligamento efetivo” (KOVÁCS, 2002, p. 204). Essa ajuda poderia ser oferecida por um psicólogo, que também teria dado esse auxílio, ajudando que o processo de desapego ocorresse, desde o momento em que a doença foi descoberta.

Kovács (2002) ainda ressaltou que o processo psicoterápico não está focado na cura do paciente, nem em alongar a vida, mas sim em tentar proporcionar uma qualidade de vida e auxiliar na comunicação e expressão de sentimentos.

Em dado momento, no filme, é apresentada a possibilidade de Kate ir para casa, para poder ter uma qualidade de fim de vida, o que é totalmente repudiado por Sara, que não quer aceitar o fato de a filha estar morrendo. Essa oferta é muito semelhante a proposta do “movimento hospice”, apresentado por Kovács em seu texto, onde procura-se dar ao indivíduo um alívio da carga da doença terminal. Esse seria um auxílio muito válido para Kate e sua família, mas Sara ainda não estava pronta para encarar os fatos.

 

FICHA TÉCNICA:


Gênero: Drama
Direção: Nick Cassavetes
Elenco: Abigail Breslin, Alec Baldwin, Andrew Schaff, Andrew Shack, Angel Garcia, Annie Wood
Duração: 1h49
Ano: 2009

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Princesas Disney – O Amor como estatuto privilegiado no universo feminino

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Mesmo sabendo do risco que é recorrer à arte para ilustrar uma produção de texto, não se deve recuar diante do desejo de apostar na incursão por essa via. Articular cinema e psicanálise não seria diferente. O cinema, enquanto expressão cultural de determinadas culturas, é reflexo dessas, que por sua vez, é afetada por esse, inclusive se tornando, na maioria das vezes, um método eficaz de influenciar os sujeitos.

Diante disso, as personagens das princesas – levadas dos contos de fadas para o cinema por Walt Disney –, possibilitam reflexionar sobre o que é ser mulher a partir de estereótipos que são construídos na infância, numa “explosão terapêutica do inconsciente” (BENJAMIN, 1994, p. 190).

Muitos dos clássicos da Disney foram investidos em protagonistas femininas, sendo refletidos neles a mudança do papel da mulher na sociedade, de acordo com a época em que eram produzidos, em criação, não obstante, de estereótipos. Segundo o dicionário Michaelis, estereótipo  é uma “imagem mental padronizada, tida coletivamente por um grupo, refletindo uma opinião demasiadamente simplificada, atitude afetiva ou juízo incriterioso a respeito de uma situação, acontecimento, pessoa, raça, classe ou grupo social”.

Assim, da mulher perfeita da década de 30 do século passado, da menina maltratada pela madrasta – Branca de Neve — que conhece seu “príncipe” e casa-se com ele, da menina –Cinderela – que sonha em casar e viver feliz para sempre, da menina curiosa – Aurora – que toca no objeto proibido e adormece a espera do beijo encantado –  ao filme A Pequena Sereia, lançado em 1989, há um caminho esquadrinhado.

Ariel, traz-nos algo inusitado: ela não é apenas uma sereia, ela é diferente por ser retratada como um “ser desejante”. Ela desejava algo diferente da vida que vivia, pois, achava sua vida monótona e rotineira. Assim, ela é apontada como rebelde, insubordinada e cabeça dura.

As princesas Disney, nascidas em 1937, sofreram várias transformações no decorrer desses 76 anos, porém, um ponto em comum pode ser apontado para praticamente todas elas: o amor sendo alçado a um lugar privilegiado no universo feminino. Trazemos, em confirmação, o cantar de Ariel em determinado lugar do citado filme: “Eu não sei bem como explicar que alguma coisa vai começar, só sei dizer, que a você vou pertencer.” (grifo meu)

 “Vocacionada” para o amor, Ariel renuncia a seu Eu para aderir ao Outro amado, tanto que ela deixa de ser sereia para se tornar humana, denunciando, por consequência, sua relação de identificação/dependência com o outro masculino por quem se apaixona, em detrimento de si mesma.

Outras produções da Disney, continuamente, descortinam o feminino em personagens que povoam o imaginário das meninas e mulheres de todas as idades. Como não lembrar das “esquisitices” daBela? Uma menina com mania de leitura, que inclusive foi capaz de enxergar a beleza da Fera porque conseguiu ir além dos padrões estipulados pelo contexto em que estava inserida. Temos também a princesa Jasmine, a garota que lutou para poder ter mais independência, que enfrentou o pai para que ele não escolhesse seus pretendentes. Outra personagem que marcou as aventuras da Disney foi Pocahontas que encarou com altivez o abismo existente entre seu próprio mundo e o mundo de quem ama.

E que menina não sonhou em ser corajosa como Mulan? Ela que assumiu o lugar do pai na guerra e é tida como a maior mulher guerreira da China. Seguindo as narrativas da Disney temos Tiana, a primeira princesa negra da Disney, ela que, com vínculos empregatícios, precisou se sustentar a partir do uso da sua força de trabalho. Como as mulheres modernas, tinha dupla jornada. Rapunzelque num processo doloroso de autoconhecimento foi em busca de seu lugar no mundo.

Diferenças a parte, eis que surge Merida, ela que nos faz pensar que pode sim ser uma princesa diferente. Aventureira, nunca gostou de pentear os cabelos, nem de roupas coladas ao corpo e que muito menos ficava suspirando a espera do  príncipe encantado. Sua diversão era cavalgar, escalar, ser livre. Em Frozen, último filme da Disney, temos a história de duas irmãs, Elsa e Anna. Anna é engraçada, sonhadora, inteligente e espera o seu príncipe encantado. Já Elsa (a irmã mais velha) nasceu com um dom especial e teve que enfrentar seus medos e aprender a lidar com o diferente.

Diante dessas narrativas, uma questão pode ser levantada: haveria uma relação intrínseca entre o amor e o feminino? Para respondê-la, faz-se necessário um brevíssimo percurso histórico, onde a proximidade desta relação se fez presente, servindo, dessa maneira, de ponto de ancoragem.

Muitos já devem ter lido ou ouvido falar do Banquete, obra de Platão, escrita no século IV a.C. Nela, os amigos de Agáton, reunidos por ocasião de um de seus sucessos teatrais, celebram sucessivamente o amor, cabendo a cada um deles fazer um discurso sobre o amor. Depois de Fedro, do orador Pausânias, do médico Erixímaco e dos poetas Aristófanes e Agáton, chega à vez do discurso de Sócrates, que pouco fala, fazendo falar, em seu lugar, Diotima, uma mulher estrangeira, dizendo dela ter aprendido o que sabia sobre o amor.

É curioso que numa obra, onde a predominância de personagens masculinos faz-se presente, Sócrates invoca uma mulher para falar do mito do nascimento do amor, ainda mais se pensarmos que também foram as mulheres que possibilitaram a criação da Psicanálise. Um ponto de vista a se tirar dessa obra de Platão é que, ao tentar falar do amor estou arriscando a reduzir, ou melhor, a dizer qualquer coisa, pois, quando se fala do amor, não se sabe do que se fala e quanto mais se fala dele, menos se sabe a seu respeito. Portanto, o filósofo, ao lançar mão do mito, aborda o indescritível real, algo que não pode ser obtido no plano do saber.

O mito do nascimento do amor, contado através da boca de Diotima, mostra-nos que é, justamente, no momento em que Poros dormia, momento em que não sabia de nada, visto que estava embriagado, é que o amor foi gerado, ou seja, a concepção do amor só foi possível porque Penia desejou ter um filho de Poros. Penia, a Pobreza, não tem nada a oferecer; Poros, o Recurso, ao contrário. Penia só tem para dar a sua falta, surgindo, em estudioso do pensamento freudiano, uma das definições do amor como “dar o que não se tem” (LACAN, 1992, p. 124)

Sócrates, ao passar a palavra a Diotima, talvez estivesse invocando, como disse Lacan, a mulher que está nele. Diotima, mulher, do lado do ser e não do ter masculino, esclarece sobre o belo, dizendo que ele não se relaciona com o ter, mas com o ser.

Renomada psicanalista será explícita ao referenciar o ser e sua relação com o feminino. Ela chama-nos a atenção para a importância que o amor assume para a mulher, precisamente, como tentativa de superação do não ter pela via do ser, buscando no amor uma identificação, não apenas como sujeito, mas, principalmente, como mulher. Ela escreve: “(…) a questão do ser, do extremismo do ser, prima sobre o ter à medida que na posição feminina o sujeito, ao estar não-todo inscrito na função fálica, busca se identificar através do amor de um outro.” (SOLER, 1995, p. 150)

Mesmo com séculos a separar estas duas obras, vemos a relação amor e feminino surgindo como ponto comum em ambas. Assim, numa obra escrita no século IV a.C., já surge a descrição da mulher numa situação de dependência do amor, ou seja, Penia supondo que Poros tem o que lhe falta, busca se identificar com o Recurso do qual se vê e sente privada em sua Pobreza.

Se, em época tão remota, a mulher já se encontrava numa situação de dependência do amor, não significa que ela tivesse voz e vez de reinvindicá-lo, tanto que Penia utiliza-se de um artifício, um tanto quanto “escuso” para se engravidar de Poros, em sinalização de certo desencontro que irá sempre marcar a relação homem–mulher.

Agora daremos um salto no tempo, isto é, da Antiguidade para o século XIX, época que trouxe em seu bojo certo puritanismo em relação às mulheres. Em tal época, a literatura foi rica de personagens femininos, em indicação de que a questão do feminino surgia no cenário social para ficar e, por ironia, autores homens escrevendo e retratando sobre o universo feminino1

Desta forma, a modernidade foi um momento em que a perspectiva de vida das mulheres sofreu grandes transformações e, neste cenário, a Psicanálise é criada por Freud. A sua genialidade, ao ouvir a queixa das histéricas, foi perceber que o sintoma surge para poder dar conta de um descontentamento frente a uma posição feminina insatisfatória.

Chegamos, abruptamente, aos séculos XX e XXI e, uma pergunta precisa ser posta: o que mudou?Se a modernidade preconizou o amor romântico, os ideais deste amor romântico naufragaram; o que não significa, todavia, que o amor naufragou.

Todavia, percebe-se hoje que a mulher vem adotando, perigosamente, o discurso do senhor, como na dialética senhor x escravo2. Contudo, ao se apropriar de um discurso pronto, que não é o seu, acaba por provocar o des-encontro dela consigo mesma, que é de uma outra dimensão que lhe aparece como insuportável.

No percurso da obra de Freud, desde as primeiras cartas a Fliess até seus textos inacabados, percebe-se uma tentativa de esclarecer a questão do feminino, utilizando-se, para tanto, de abordagens diferentes na elaboração de um conceito, apontando a dificuldade de tornar-se mulher, visto que não se nasce mulher.

Desde muito cedo aparece em Freud uma queixa quanto à obscuridade que envolvia a vida sexual das mulheres, a ponto de escrever, nos seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), que a vida sexual dos homens podia ser estudada em melhores condições “(…) cuja vida amorosa é a única a ter-se tornado acessível à investigação, enquanto a da mulher, (…) permanece envolta numa obscuridade ainda impenetrável.” (FREUD, 1996, p. 143)

Nos anos subsequentes, sempre que havia oportunidade, este “obscurantismo” era apontado e, muitos anos depois, em seu trabalho A questão da análise leiga (1926), ainda fazia questão de frisá-lo, numa frase que ficou famosa:

Sabemos menos acerca da vida sexual de meninas do que de meninos. Mas não é preciso envergonharmo-nos dessa distinção; afinal de contas, a vida sexual das mulheres adultas é um ‘continente negro’ para a Psicologia. (FREUD, 1996, p. 205)

Como conseqüência dessa alusão, ao “continente negro”, Freud foi conduzido, muitas vezes, a presumir que a sexualidade das mulheres podia ser tomada como análoga à dos homens, o que o levou a muitos “desvios” ao longo de sua obra. Porém, mediante leituras de suas obras, percebemos que o “tornar-se” mulher não pode ser concebido a priori, mas a posteriori, surgindo, daí, o caráter problemático do feminino.

Para Lacan, o que a mulher busca, ao se perceber não representada, “despossuída” de uma identidade, é obter um signo que a funde numa feminilidade reconhecida. Deste modo, seria o amor este signo? Seguindo este caminho, do amor (fenômeno) enquanto signo (que remete para algo diferente de si mesmo), não seria esta uma das razões do amor possuir esse estatuto privilegiado no universo feminino?

Assim, sob o signo da falta, da falta de uma identidade propriamente feminina, o amor entra como um mediador, mediando a dor que é da ordem do insuportável.

Notas:

1 Dentre os grandes autores e seus marcantes personagens femininos desta época citamos: Conde Tolstoi (Anna Karenina), Gustave Flaubert (Madame Bovary), Honoré de Balzac (A mulher de trinta anos), Machado de Assis (Dom Casmurro) etc.

2 André Vergez & Denis Huisman (1988, p. 280) esclarecem que para Hegel o senhor não é senhor “em-si”, mas por meio de uma mediação, isto é, uma relação. O senhor se define por sua relação com o escravo (e por sua relação com os objetos que depende, ela própria, da relação com o escravo). No ponto de partida, o senhor domina os objetos da necessidade, posto que no campo de batalha ele se mostrou corajoso, superior à sua vida, portanto aos objetos das necessidades. Secundariamente, o senhor domina os objetos por mediação do escravo que trabalha, isto é, que transforma os objetos materiais em objetos de consumo e fruição para o senhor.

Referências:

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios Sobre Literatura e História da Cultura.Obras Escolhidas. São Paulo, Brasiliense, 1994.  V.1

DICIONÁRIO MICHAELIS. Estereótipo. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/. Acesso: 10 dez. 2013.

FREUD, Sigmund (1901-1905). Fragmento da análise de um caso de histeria. Rio de Janeiro: Imago, 1996.  V. VII.

___ (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.  Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. VII.

___ (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução.Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XIV.

___ (1920). A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher. Rio de Janeiro: Imago, 1996.  V. XVIII.

___ (1923). O ego e o id. Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XIX.

___ (1923). A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade.Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XIX.

___ (1925). Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XIX.

____ (1925-1926). Inibições, sintomas e ansiedade.Rio de Janeiro: Imago, 1996.  V. XX.

____ (1926). A questão da análise leiga.Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XX.

___ (1929-1930). O mal-estar na civilização.Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XXI.

___ (1931). Sexualidade feminina.Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XXI.

____ (1932-1933). Conferência XXXIII:Feminilidade.Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XXII.

LACAN, Jacques. A transferência.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. (O Seminário, livro 8)

PLATÃO. Banquete. São Paulo: Martin Claret, 2003. pp. 93-166

SOLER, Colette. Variáveis do fim da análise. São Paulo: Papirus, 1995.

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O Amor em “Ruby Sparks – A namorada perfeita”

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Transforma-se o amador na coisa amada, por virtude do muito imaginar;
não tenho logo mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada (…)
está no pensamento como ideia; [e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como matéria simples busca a forma
.
(Luís de Camões)

 

O que é o Amor? Certamente a maioria das pessoas, senão todas, já fez essa pergunta. Baseando-se em experiências ou apenas seguindo poemas, canções, novelas ou filmes, também acreditam ter vivenciado o amor. De alguma forma essa questão do que seria o amor esteve presente na vida das pessoas.

Para discorrer sobre o filme proposto “Ruby Sparks – A namorada perfeita”, façamos um breve ensaio teórico sobre o fenômeno que leva o título de “Amor romântico”, no campo da Psicologia e sob à luz das diferentes abordagens psicológicas.

Os estudos sobre o amor, supostamente, iniciaram-se na primeira década do século XX. Baseando-se nas pesquisas de Sternberg (1997) existiram três primeiras teorias acerca do amor sob a ótica da Psicologia, nascidas todas do campo clínico da área, sendo elas; duas da psicanálise e uma do humanismo. Defendidas, respectivamente, pelas teorias de Sigmund Freud, de Theodor Reik e de Abraham H. Maslow. Mais adiante teremos o Behaviorismo de B. F. Skinner, que também dissertou sobre esse sentimento, embora muitos creem –erroneamente – que os behavioristas não possuem sentimentos e nem que admitem possuí-los¹.

Para Freud (1996/1922) o amor só ocorre após a construção do ideal de ego do indivíduo, sendo, nesse caso, o amor a um objeto externo. Assim, a teoria acerca do desenvolvimento psicossexual, instiga que a escolha de um objeto de amor externo só é possível caso o indivíduo tenha primeiro toda a sua energia libidinal direcionada para si mesmo. Diante disto, Freud diz que o narcisismo é um aspecto importante para a construção de relações afetivas amorosas, sendo assim, tem-se o objeto do amor como resultado de uma escolha a partir daquilo que é observado como algo que falta ao indivíduo.

 

Reik (1944) também levantou propostas acerca do amor. Segundo ele, apesar de psicanalista, diferente da visão psicanalista tradicional, propõe algo diferente sobre o amor. Se para Freud o amor é baseado na energia libidinal, para Reik o amor e o desejo possuem forças motivadoras que diferem entre si. Segundo esse mesmo autor, o amor é um interesse apaixonado por outro corpo, por outra personalidade, ao passo que o desejo é voltado para uma paixão narcisista, voltada para a própria pessoa.

A corrente humanista traz em sua teoria dois tipos de amor, defendidas por Maslow (1962), para ele o amor pode ser do tipo D-love (deficienty love/ amor deficiente) que possui as propriedades propostas por Freud, neste caso o amor em relação à outro indivíduo surge com o objetivo de sanar as próprias deficiências, e o B-love (being love/amor) baseia-se nas relações entre pessoas auto realizadoras, aquelas que podem amar outras pessoas pelo o que elas, de fato, são (MARTINS-SILVA, TRINDADE, SILVA JÚNIOR, 2003, s/p).

Foram essas as três proposições que deram início aos estudos referentes ao tema Amor, no campo da Psicologia, embora existam diversos estudos que possuem outras denominações do que é o amor.

Em seu trabalho, Martins-Silva, Trindade, Silva Júnior (2003) apresentam um ensaio teórico, aprofundando na ótica da Psicologia Social, sobre o amor. Nele, encontramos alguns pontos importantes que merecem complementar este discurso. Segundo os autores citados acima, a primeira proposta teórica que abordou o amor romântico na Psicologia Social propôs elaborar uma distinção entre amar e gostar. Martins-Silva, Trindade, Silva-Júnior (2003) citam Rubin (1970) como precursor nesta discussão, segundo ele o amor é uma atitude em relação a uma pessoa alheia e particular, envolvendo a predisposição de pensar, sentir e agir de certa forma em relação a essa pessoa. Foi seguindo esta proposta que diversas teorias surgiram com o mesmo intuito; definir o amor.

Há também as definições dadas por Walster e Walster (MARTINS-SILVA, TRINDADE, SILVA-JÚNIOR, 2003 apud WALSTER E WALSTER, 1978), sendo elas divididas em dois tipos: o amor companheiro e o amor apaixonado. Tal teoria diz que o amor possui dois estágios; primeiro surge uma atração apaixonada e logo depois se transforma em amor companheiro, isso acorre apenas se o relacionamento sobreviver ao primeiro estágio; paixão. Em contrapartida Clark e Mills (1979) focaram seus estudos na atração interpessoal em relacionamentos de troca e propuseram que tais relacionamentos são baseados em questões econômicas, ao passo que em relacionamentos cuja a base é o amor estão baseados em motivos altruístas.

Mais adiante o Behaviorismo, defende que existe um mundo privado de sentimentos e estados da mente, mas este está totalmente fora do alcance de uma segunda pessoa, logo assim sendo distante, também, da ciência. Ainda que esta não seja uma posição satisfatória.  Segundo a corrente behaviorista o sentimento é um tipo de ação sensorial, Wiliam James diz que aquilo que sentimos é uma condição do nosso corpo.

 

“O que é o Amor se não outro nome para reforçamento positivo?” Não há frase melhor que embase a teoria de Skinner (1978) sobre o Amor. Segundo Skinner (2000) existem dois tipos de eventos reforçadores; apresentação de estímulos e remoção de algo contingente à resposta. O efeito é o mesmo, em ambos os casos, o reforço será responsável pelo aumento da probabilidade de respostas. Por que Skinner faria tal comparação, entre Amor e reforçadores positivos? Porque tal topografia apresenta grandes proporções em relação com a adição de eventos.

Existem, ainda, inúmeras discussões de diversas abordagens que conceituam o amor de formas distintas. A Psicologia, no todo, define o amor como sendo um estado psicológico qualitativamente diferente. Além de incluir uma gama de outros elementos que intensificam este sentimento (paixão, desejo, proximidade, exclusividade, preocupação intensa, dentre outros).

E para os amantes da literatura? O amor não cientificado, não resumido ou reduzido. O quê, para os “meros mortais”, seria?

Este é o tema principal por detrás do filme Ruby Sparks – A namorada perfeita. Obra escrita por Jonathan Dayton e Valerie Faris, autores de “Pequena Miss Sunshine”. Embora tenha em sua descrição como sendo um filme de comédia-romântica, pouco se tem, realmente, de comédia. Há certo toque de drama que por vezes deixa a trama carregada, principalmente quando próximo do fim, como se o desfecho fosse um choque de realidade e até mesmo um “sermão” sobre o que as pessoas, ou pelo o menos a maioria delas, entendem sobre o amor.

Não faço uma crítica referente a roteiro, trilha sonora ou atuação dos atores, o intuito principal desta análise está realmente no que o filme traz além das aparências.  Temos uma história pouco convencional, que não existiria em nossa realidade, mas a história possui, quem sabe, personagens quase que reais, a julgar por suas personalidades e conflitos.

Calvin (Paul Dano, que também estrelou em Pequena Miss Sunshine) é um jovem romancista que alcançou sucesso repentinamente e muito cedo, apesar da fama e do reconhecimento, está passando por uma crise que o atrapalha no desenvolvimento do seu novo romance. Mas este não é o estopim de toda a crise, na verdade o escritor passa por crises em todos os campos da sua vida; afetivo, social, profissional e existencial. Em suas sessões de terapia demonstra ser uma pessoa dependente e com dificuldades de se relacionar. Como sua principal queixa é a falta de inspiração para escrever, seu psicólogo elabora uma tarefa simples mas que permite a Calvin uma melhora excelente.

 

 

A tarefa é escrever. Mas, ele não é um romancista que está sofrendo por não conseguir escrever um novo romance? Sim, mas a questão está na diferença do trabalho. Agora ele não escreverá para os outros e sim para si. Finalmente o jovem escritor cria um personagem totalmente inspirador: Ruby, a mulher ideal. Tão perfeita para ele que seria incapaz de existir. Engano de Calvin, engano nosso.

 

 

Ruby aparece, em questão de um piscar de olhos, na frente de Calvin. Atordoado e culpando-se, se auto afirmando como louco e portador da “síndrome da imaginação hiperativa”, o escritor foge da garota, como se estivesse querendo fugir do próprio pensamento.

 

 

Surge então as questões essenciais do filme. Calvin tem o privilégio de inserir em Ruby, através do que escreve, características que o satisfaz. Apesar disso o jovem prefere ter uma vida normal com a garota, esquivando-se da vantagem de transformá-la no que ele deseja. Calvin, no entanto, ao deparar-se com a possibilidade de separar-se de Ruby, e com medo de perdê-la, decide então começar a escrevê-la.

 

Todo esse poder, de tornar sua parceira perfeita, traz também grandes responsabilidades. Antes de tudo devemos lembrar que Ruby é um personagem real, ela existe, é um ser humano complexo, cheia de problemas e dona de uma personalidade forte, tornando a vida de Calvin um pouco mais complicada, portanto ele tem que aprender como lidar com sua própria criação, pois embora real ela sofre alterações devido ao “poder” do romancista.

 

Calvin projeta em Ruby todos os seus gostos, sentimentos e ações, Ruby por sua vez o confunde, manipulando-o, com seus comportamentos, com suas vontades próprias, fazendo com que o escritor se confunda com seus próprios desejos. Calvin deixa de ser para ela e tornar-se uma espécie de criador. É ela quem precisa de “reparos”?

 

 

O privilégio de Calvin é o desejo de muitas pessoas, tornar-se escritor da vida do outro, ter total controle sobre o companheiro. Poder escolher desde o tipo de roupa, gosto musical até a própria personalidade. Entra aqui a questão do idealismo. Idealizar alguém perfeito para nós. Tornar o outro aquilo que nos agrada. Mas, até onde estamos cientes daquilo que desejamos e do que queremos? Buscamos no outro o que não encontramos em nós mesmos?

 

 

Seria isso o Amor? A satisfação total de ter alguém ao lado, capaz de sanar as nossas inquietudes como indivíduos e de possuir características que julgamos serem essenciais para nós, parece tornar-se um manual que programa a vida humana, deixando o indivíduo reduzido à um querer programado; transformar o outro no que queremos. Por quê essa dificuldade de aceitarmos o outro como ele nos vê?

 

A trama, além de tudo, traz questões éticas (o livre arbítrio de transformar Ruby no que Calvin deseja), relações familiares e relacionamentos afetivos. As discussões podem tomar proporções bem maiores e mais detalhadas, se escolhermos basearmos em um único ponto, tal como nesta análise, focada em relacionamento afetivo.

Mas afinal, o que é o amor?

REFERÊNCIAS:

SKINNER, B. F.. O lugar do sentimento na análise do comportamento. Disponível  em: <http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/skinner/lugar_sentimento.pdf>.

¹MARTINS-SILVA, Priscilla de Oliveira; TRINDADE, Zeidi Araujo and  SILVA JUNIOR, Annor da.Teorias sobre o amor no campo da Psicologia Social. Psicol. cienc. prof. [online]. 2013, vol.33, n.1, pp. 16-31. ISSN 1414-9893.  Disponível  em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932013000100003>.

SAIBA MAIS:

O amor do Behaviorismo radical: http://psicologia-ro.blogspot.com.br/2012/08/o-amor-do-behaviorismo-radical.html

O Amor e a Psicologia:http://psicob.blogspot.com.br/2009/02/o-que-e-o-amor.html

 

FICHA TÉCNICA:

RUBY SPARKS: A NAMORADA PERFEITA

Gênero: Comédia, Fantasia, Romance
Direção: Jonathan Dayton, Valerie Faris
Elenco Principal: Paul Dano, Zoe Kazan, Chris Messina, Antonio Banderas
Origem: EUA
Ano: 2012

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Tiana: a magia e a realidade da quebra de preconceitos

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A Princesa e O Sapo, a produção norte-americana dos estúdios Walt Disney, lançada em 2009, conta a história de uma moça negra que vive na Nova Orleans dos anos 1920, nos Estados Unidos, e representa a mais contemporânea das histórias das princesas em termos de animação. Tiana é a única princesa que tem vínculos empregatícios e precisa se sustentar a partir do uso da sua força de trabalho, mostrando em parte como se deu a inserção da mulher negra no mundo do trabalho – antes mesmo que a mulher branca pudesse ser inserida nesse. Tiana faz dupla jornada e não é de verdade uma princesa, mas se torna uma quando encontra o príncipe.

Ainda que exista uma leve referência para nós brasileiros, poucos sabem que essa região dos EUA era no final do século XIX o grande mercado negreiro americano, sendo um dos últimos estados onde a abolição da escravatura aconteceu no país, e a história de Tiana ilustra o cotidiano de muitas moças da época, cumprindo longas jornadas de trabalho para poder levar uma vida minimamente confortável. Mais um caso aqui de mulher que precisa se resgatar por si mesma, uma vez que o príncipe é imperfeito e muito mais humano do que a maioria dos personagens que costumamos ver nos contos de fada. Ao invés de salvar Tiana, o príncipe de seu conto a coloca em diversas situações complicadas, como por exemplo, transformá-la em sapo e quase arruinar a possibilidade de que ela consiga seu restaurante.

O filme vai se desenvolvendo a partir da história da família de Tiana, em que sua mãe trabalha assim como o seu pai. Nesse primeiro momento da trama, já se percebe o contraste com a realidade da Charlotte, a “princesinha do papai”. Depois de algum tempo vemos uma Tiana crescida e que se torna endurecida pelo trabalho, uma moça que passa tanto tempo em atividade que não tem tempo para o lazer ou amigos, sempre em contraste com Charlotte, jovem rica e mimada, cuja maior preocupação é conseguir conquistar um príncipe.

Enquanto isso, Tiana tem tempo apenas para “se focar” em realizar seus sonhos: abrir um restaurante glamouroso e de sucesso.

Em outras palavras, sua personagem tem sonhos de construir um patrimônio seu e de ser bem-sucedida a partir de seu próprio trabalho. O príncipe pouco ou nada tem a ver com isso, e é assim que ele permanece na história, sem financeiramente contribuir para a abertura do restaurante, e se caracteriza como um personagem que tem defeitos, sentimentos e sonhos.

O casal não se apaixona à primeira vista, e o príncipe busca relações por interesse, pedindo um beijo à Tiana para que ele volte à forma humana, e em troca promete a ela dinheiro para o seu restaurante.

O filme mostra como a relação entre os dois vai se construindo, e como ambos, Tiana e o príncipe, precisam rever seus valores de felicidade para que possam se engajar em uma relação amorosa. Nesse aspecto, o amor aparece também como parte da magia responsável pela transformação da vida das pessoas.

O amor e a magia são sempre elementos essenciais dos contos de fada, histórias essas que no último século começaram a ser predominantemente feito para meninas, mostrando mulheres frágeis e que necessitam de alguém que as resgate dos apuros que sua condição feminina as colocou.  Contudo, alguns dos filmes de princesas produzidos na última década trazem não só o amor e a magia como elementos para que seus personagens se salvem das adversidades exteriores, mas a determinação e a ação concreta para que se salvem de si mesmos.

Surpreendida por um príncipe que não esperava, Tiana se depara com um homem atrapalhado, infantil e confuso, e que em consequência a coloca em diversas situações que a convida a entrar em ação.

Novas possibilidades de relacionamento também se descortinam com as tramas, e agora a mulher aparece constituindo e se constituindo nessa relação de outra forma, sendo também autora dos destinos desse relacionamento e de suas vidas. A princesa Tiana escolhe os rumos de sua vida, e ao invés de ser escolhida prioritariamente por sua aparência ou por predileção do destino, o é por suas características e pela maneira como se coloca no mundo.

Contudo, se por um lado vemos uma nova representação de mulher, forte, ativa, determinada e que usa esses recursos em detrimento da magia, o que vemos é a extensão dos valores do self-mademan também para as protagonistas de contos de fada: uma mulher que faz e não só acontece. Especialmente em A Princesa e o Sapo, que ao não explorar a questão racial – que é essencialmente social – com uma visão social e crítica sobre as consequências do racismo na vida das mulheres negras, tenta apresentar uma solução para superar a discriminação pela via do individual: Tiana é a típica mulher que precisa ir e fazer ela mesma, apresentando o sujeito do ideário neoliberal em que cada um deve estar por si.

Tiana é uma princesa que rompe com o ideário da típica princesa: é negra. Representando o que as mulheres já fazem e os dramas que vivem há décadas, os novos filmes trazem mulheres que precisam não só cuidar de seus homens, filhos e famílias, mas também de si, em duplas, triplas ou sabe-se-lá quantas jornadas. O que se pode dizer, ao final, é que a história contada através de Tiana traz novos valores nas telas que já são antigos conhecidos de todas nós mulheres da modernidade.

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