Luca: lições entre a razão e a amizade

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Luca é um filme produzido pela Pixar em parceria com a Disney, lançado em 18 de junho de 2021, disponível na plataforma de streaming Disney. Nesse filme acompanhamos a história de dois seres marinhos, Luca e Alberto, que resolvem se aventurar além do fundo do mar. Ao encontrarem uma riviera italiana (cidade costeira) passam a viver diversas aventuras, juntamente com sua nova amiga humana Guilia e seu pai Massimo. O filme além de encantar pelas cores, a ótima animação e uma imersão turística, também nos faz pensar o quanto as diferenças de personalidades podem ser potencializadoras, se unidas da melhor forma possível. Vemos isso através dos personagens principais, enquanto Luca é inteligente e cauteloso, Alberto é um espírito livre, que não mede as consequências de suas ações, à junção improvável desses dois amigos, nos leva a entender o poder das relações e como podemos aprender com isso.

A transformação começa de dentro para fora

Fonte: encurtador.com.br/jzGN0

Ao sair da água Luca assume uma forma humana e ao ser molhado suas escamas começam a aparecer se voltando novamente para sua forma marinha. Muito além de uma transformação física, podemos enxergar aqui um simbolismo sobre a transformação da mente. Quando Luca é apenas um monstro marinho ele se limita a vida com seus pais na fazenda, tendo pouco contato com pessoas da sua idade, se vê preso a uma rotina. Ao conhecer Alberto, passa a virar humano mais vezes, quebrando aos poucos as barreiras de seu inconsciente, começando então a vivenciar novas experiências.  O que nos leva a uma segunda lição:

É bom para o cérebro experimentar coisas novas

Fonte: encurtador.com.br/xAGM2

Luca sob a influência de Alberto resolve romper os limites impostos pelo país, indo até a cidade dos humanos, chegando lá se depara com um trânsito caótico, faz uma nova amizade e passa a experimentar diversas coisas como; macarrão, sorvete, melancia e andar de bicicleta. Passa a vivenciar uma cultura totalmente diferente da sua, e chega até mesmo a fazer comparações de como moedas são coisas inúteis e como os humanos nadam de um jeito constrangedor.  Mas é através dessas experiências que Luca vai se desvinculando dos seus medos e receios, e enxergando o mundo por uma nova perspectiva, vivenciando coisas que só existiam no mundo das ideias e das suas perguntas sem respostas.

“A cognição se constitui pelas experiências sociais, e a importância do ambiente nesse enfoque é fundamental”. À medida que aprende, a criança – e seu cérebro – se desenvolve’’ Vygotsky

O poder da amizade

Segundo a revista Perspectives on Psychological Science, manter uma rede de amizades proporciona a redução do estresse, aumenta as defesas do corpo e prolonga a vida, podendo proporcionar hábitos melhores, afugentando depressões e ajudando com doenças.  Lucas e Alberto, são como a metade de dois quebras cabeças que se encaixam, completando um ao outro com que tem em si, Lucas possui uma educação rigorosa dos pais, enquanto Alberto lida com a falta de paternidade. Luca possui uma inteligência culta, enquanto Alberto uma inteligência prática ao se considerar especialista no mundo dos humanos. Enquanto um é a emoção o outro é a razão, assim fazem da amizade uma força mantenedora para caminharem para frente, enfrentando os medos e vivenciado as dificuldades. Quando os dois encontram Giulia, se tornam ainda mais fortes, a mesma traz os ingredientes que faltavam, a delicadeza e a estratégia.

Fonte: encurtador.com.br/fkHOT

A partir daqui contém Spoilers.

Silêncio, Bruno!

Um ponto importante dessa amizade, é como Alberto incentiva Luca a superar seus medos, em uma cena do filme, vemos os dois juntos tentando montar uma vespa, logo depois de juntarem as peça decidem descer uma colina, Luca fica muito inseguro e com medo do resultado. Logo então Alberto grita pra ele ‘’silêncio bruno!’’ Quando Luca questiona quem é Bruno, Alberto diz que é aquela voz na cabeça que fica dizendo que as coisas não vão dar certo. ‘’Bruno’’ seria então a própria revelação do medo inconsciente a qual carregamos.  Embora não seja uma tarefa fácil, calar nossos medos requer um passo de ação e coragem, e muito além disso um autoconhecimento sobre nossos limites. Luca estava limitado a pensar que não chegaria tão longe, Alberto enxerga nele um potencial e o incentiva. Às vezes tudo que precisamos é de um incentivo, não só de terceiros mas de nós mesmos, e entender que no meio do caminho podemos cair porém sem deixar de tentar.

Aceitar as diferenças

O Filme nos mostra como a falta de conhecimento pode ocasionar coisas terríveis, a população da riviera é totalmente contra monstros marinhos, eles acreditam que são criaturas terríveis que causam destruição e que provocam medo, os moradores até mesmo chegam a caçar esses monstros e a terem isso como um troféu. Luca e Alberto têm que se esconder ao máximo para que ninguém descubra sua verdadeira face, pois correm risco de vida. Mas com o passar do filme, ambos vão vencendo os obstáculos e conquistando as pessoas, mostrando sua verdadeira identidade, indo além da aparência, fazendo com que as pessoas passem a compreender melhor que o verdadeiro monstro é a ignorância.

Ir em busca dos seus objetivos é como voar

Luca e Alberto, decidem participar de uma maratona local para concorrer a uma vespa, já que na cabeça de Luca quem tem uma vespa pode voar, ambos juntamente com Giulia se esforçam muito em busca desse objetivo, treinam sem parar, buscar manter o foco e vencer seus obstáculos. Obstáculos esses que se dão até mesmo entre os dois e suas diferenças. A vespa representa um simbolismo de liberdade, não só fisicamente, mas libertação da mente, dos propósitos e das amarras, nesse momento de clímax Luca expõem mais suas ideias tentando se desvincular apenas daquilo que aprendeu com Alberto, buscando experiências que passa a experimentar sozinho, descobrindo coisas por si só.  O que de início abala a amizade dos dois. Logo depois dos dois conseguirem fazer essa separação e se entenderem conseguem mostrar para a cidade sua real identidade.

Fonte: encurtador.com.br/xAGM2

O conhecimento abre portas

Fonte: encurtador.com.br/jwJ48

Luca sempre se mostra muito curioso, se vislumbrando a cada descoberta, ao se deparar com os livros de ciência de Giulia decide que precisa ir além, emergindo ainda mais no conhecimento sobre o mundo humano, e numa simbologia de que devemos sempre caminhar pra frente, Luca parte em um trem rumo a novos acontecimentos e novas descobertas.

“O conhecimento emerge apenas através da invenção e da reinvenção, através da inquietante, impaciente, contínua e esperançosa investigação que os seres humanos buscam no mundo, com o mundo e uns com os outros. O conhecimento é um processo que transforma tanto aquilo que se conhece, como também transforma o conhecedor’’ Paulo   freire

Assim como Luca devemos manter por perto boas amizades, fortalecer nossa identidade, sempre indo em busca do conhecimento, seja ele o conhecimento sobre si próprio ou sobre as diversas coisas do mundo. Devemos manter a curiosidade, vencer os obstáculos através da motivação e a coragem. SILÊNCIO BRUNO!

 

Ficha técnica

Data de lançamento: 18 de junho de 2021 Disney +

Duração: 1h 36min

Gênero: Animação, Família

Disponível em: Disney+

Direção: Enrico Casarosa

Roteiro Jesse Andrews, Mike Jones

Elenco: Jacob Tremblay, Jack Dylan Grazer, Emma Berman

Referências

BOTELHO, Bruno. Luca filme 2021. AdoroCinema, 2021. Disponível em:https://www.adorocinema.com/filmes/filme-285584/ > acesso em 20 de fevereiro de 2022

COELHO, Andressa.5 lições de vida para aprender com Luca

turmundonerd, 2021  Disponível em: <https://turnmundonerd.com.br/licoes-para-aprender-com-luca/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

Luca  Direção: Enrico Casarosa Produção: Pixar . Disney+ 18 de junho de 2021 duração 1h35 Disponível em: <https://www.disneyplus.com/home>. Acesso em: 24 de junho de 2021.

LUCAS.  Monstros marinhos e terrestres: conheça os personagens de luca. ocamundongo 2021. Disponível em < https://www.ocamundongo.com.br/luca-personagens/> Acesso em 20 de fevereiro de 2022

SALLA, Fernanda. Neurociência: como ela ajuda na aprendizagem. novaescola 2012. Disponivel em <https://novaescola.org.br/conteudo/217/neurociencia-aprendizagem> aacesso em 20 de fevereiro de 2022.

VACCARI, Beatriz. crítica luca/uma Ode as amizades de infância. canaltech, 2021. Disponível em https://www.google.com/amp/s/canaltech.com.br/amp/entretenimento/luca-disney-plus-critica-187158/> acesso em 20 de fevereiro de 2022.

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A família Mitchell e a revolta das máquinas: o uso desenfreado de psicofármacos no trânsito

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O filme nos apresenta de uma maneira extremamente original a maneira como lidamos com o mundo que nos cerca quase que propriamente acelerado e avassalador. A medicalização no trânsito reflete parte desse processo, ao analisarmos os avanços científicos das indústrias farmacêuticas na estabilização emocional, desde aspectos de ansiedade, estresse e insegurança à aspectos relacionados à agressividade humana.

Os aspectos sociais no mundo moderno envolvem inclusive a utilização de psicofármacos na busca por estimularem positivamente suas condutas, desde o seio familiar ao âmbito social. O ser humano no mundo moderno está cada vez mais sujeito ao uso de psicofármacos, sendo que para muitos, estas tidos como problemáticos são acometidos por transtornos que são descritos a partir das suas atitudes ou rendimento pessoal e social.

Fonte: encurtador.com.br/swY89

O filme traz uma revolta de máquinas, mas assimila-se à revolta medicamentosa que vivemos atualmente. Xavier et al (2014) destaca que:

O uso racional de medicamentos permite aos pacientes receber a medicação adequada às suas necessidades clínicas, nas doses correspondentes aos seus requisitos individuais, durante período e tempo adequados, ao menor custo possível para eles e para a comunidade. Ainda menciona que a utilização regular dos psicofármacos representa um dos maiores desafios no tratamento das pessoas com transtornos mentais, as causas da rejeição à medicação variam de acordo com as singularidades dos indivíduos, mas, frequentemente, devem-se aos efeitos colaterais desagradáveis, que afetam vários aspectos da vida pessoal, ou a não aceitação do uso diário destes fármacos, por um período prolongado de tempo.

Rocha e Werlang (2013) ressaltam que a utilização de psicofármacos tem aumentado nas últimas décadas, e este crescimento pode ser atribuído à maior frequência de diagnósticos de transtornos psiquiátricos na população, à introdução de novos medicamentos no mercado farmacêutico e às novas indicações terapêuticas dos psicofármacos já existentes.

Fonte: encurtador.com.br/dyMW5

O crescente uso de psicofármacos no mundo moderno está ligado diretamente aos diversos diagnósticos de transtornos psiquiátricos criados na atualidade, objetivando compreender e explicar parte dos comportamentos tidos como inadequados pela sociedade. Ambos ainda citam que os psicofármacos, assim como todos os medicamentos, devem ser utilizados de uma forma racional, tendo em vista que podem produzir diversos efeitos adversos, causar dependência e o seu uso prolongado pode gerar diversos problemas à saúde da população.

Rosa e Winograd (2011, p.2) mencionam em seus achados que a medicalização do mal-estar é uma realidade efetiva, atual e crescente, que se expande, inclusive, para campos diversos do médico-científico. Ao oferecerem produtos que prometem alívio ou melhoramento de estilo ou condição de vida, diversos meios de comunicação, tais como a literatura e os programas de televisão, funcionam como verdadeiros manuais de autoajuda, atendendo a uma crescente demanda de cuidado para cada sofrimento ao qual podemos estar submetidos.

A medicalização no mundo moderno está inserida em um contexto amplamente capitalista onde a singularidade do indivíduo é deixada em segundo plano, relevando-se a necessidade de expandir ligeiramente a indústria farmacêutica, tornando o indivíduo um ser dependente da medicalização, consequentemente, de uma forma quase irônica, gerando uma receita financeira dentro do quadro de conduta e sanidade humana.

Referências:

Rocha, B.S; Werlang, M.C (2013). Psicofármacos na estratégia saúde da família: Perfil de utilização, acesso e estratégias para a promoção do uso racional. Porto Alegre- RS

Rosa, B.P.G.D; Winograd, M.(2011). Palavras e Pílulas: Sobre a medicalização do mal estar psíquico na atualidade. Rio de Janeiro-RJ.

Xavier, L.; Galera, S.A.F (2014). Adesão ao tratamento psicofarmacológico. Ribeirão Preto- Sp.

FICHA TÉCNICA:

A FAMÍLIA MITCHELL E A REVOLTA DAS MÁQUINAS

Título: The Mitchells vs. The Machines

Distribuidora Original Netflix

Ano produção: 2021

Dirigido por: Jeff Rowe – Michael Rianda

Gênero: Animação – Aventura

País de Origem: Estados Unidos da América

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As lições de vida de Anne Shirley

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“Grandes palavras são necessárias para expressar grandes ideias”

A série canadense Anne with an E é baseada no livro Anne of Green Gables de L.M. Montgomery e se tornou um grande sucesso por abordar temas atuais em um contexto onde pouco era discutido sobre empatia, direitos humanos, respeito às diferenças e empoderamento feminino. A série é ambientada no século XIX, na década de 1890 e é protagonizada por uma menina órfã chamada Anne Shirley que com sua história e personalidade conquistou o coração de leitores e telespectadores da respectiva série. Neste trabalho serão abordadas três lições de vida que podemos aprender com Anne: a empatia, a quebra de preconceitos e a resiliência.

A história conta que Anne após a morte de seus pais, vai para um orfanato e que já foi adotada por outras famílias, mas que depois é devolvida para o orfanato. Lá ela sofre com o bullying das colegas por ser apaixonada por histórias que envolvem a imaginação e a poesia. Até que um dia ela é adotada por engano por um casal de irmãos idosos chamados Matthew e Marilla Cuthbert. Eles pensavam que estavam adotando um menino.

À primeira vista, Mattew ao conhecer Anne decide levá-la para casa, mas Marilla não a aceita pois queria que fosse um menino, para ajudar na produtividade da fazenda. Anne sofre, pois não quer ser rejeitada novamente e faz de tudo para que seja adotada pelos irmãos.

Osório (1996) ressalta que a família tem um papel muito importante na vida do indivíduo, sendo um modelo de referência que uma pessoa pode ter, além de exercer influência cultural, social, e no desenvolvimento em diferentes aspectos. Ter uma família, além de representar os papéis de pai e mãe, para Anne era uma forma de se sentir amada e acolhida.

Após ser aceita pelos irmãos Cuthbert, ela começa a frequentar a escola e faz uma amiga: Diana Barry e juntas fazem um juramento de amizade eterna. Na escola, Anne sofre preconceitos por ser órfã, ruiva e com sardas. Ela acreditava que essas características a deixavam mais feia que as outras meninas.

A primeira lição que podemos citar é a resiliência. Pois diante do preconceito por ser órfã e da rejeição das colegas, Anne teve que ter forças para prosseguir com seu sonho de frequentar a escola. Com o tempo, Marilla e Anne se tornam muito mais próximas fazendo com que ela se sinta mais segura para voltar a escola e seguir com sua vida.

Segundo Yunes (2001), a resiliência se refere a voltar ao seu estado de saúde mental ou de espírito após doenças, deficiências ou problemas. Também chamada de flexibilidade, pois fala sobre até que ponto um material ou uma pessoa podem suportar impactos e não sofrerem deformações.

Fonte: Imagem Divulgação Netflix

A empatia esteve presente em toda a história de Anne, podemos ver que ela nunca enxergou as outras pessoas como menores que ela ou piores, todos mereciam respeito e para ela, todos poderiam ser ótimos amigos. Com o tempo ela descobriu que as diferenças de gostos e sonhos faziam com que aproximasse ou afastasse as pessoas. Disputas amorosas também aconteceram, pois Ruby, uma garota apaixonada por Gilbert, percebe que ele trata Anne diferente e faz com que inicialmente sejam inimigas. Anne não se deixa abalar por isso e não trata Ruby diferente, pelo contrário ela tenta ser amiga. Anne também pratica a empatia quando ajuda Josie a se livrar do assédio de Billy. Mas sofre, pois foi apontada como culpada por Josie se tornar mal falada na ilha.

Em algumas situações, Anne se deixa levar pela sua revolta pessoal e impulsividade, tomava atitudes que para ela, beneficiaria a todos. Por mais que sua intenção fosse boa, afetou principalmente Josie que se sentiu exposta por um problema que era motivo de vergonha para a reputação dela.

Outro exemplo de empatia é quando ela faz amizade com Cole, um garoto que é homossexual e que se vê sem liberdade pois as pessoas não o aceitavam como ele era. Anne o entende e não o rejeita, e se emociona por saber que Cole encontrou um lugar onde pode viver sendo ele mesmo, após desistir de ir à escola devido ao preconceito das pessoas.

A empatia segundo Koss (2006) apresenta um significado que é “sentir de dentro de si”. Ales Bello (2004,2006) e Manganaro (2002), relatam que empatizar é se colocar no lugar do outro, simpatizar é compreender a vivência do outro como sendo sua. E que do ponto de vista fenomenológico, são reações do ânimo, portanto é um processo psíquico.

A quebra de preconceitos e a luta pelos direitos de liberdade de expressão são mais algumas das lições aprendidas com Anne. Enquanto ela acolheu Cole que lutava para encontrar seu lugar de aceitação, a chegada da professora que queria trabalhar, usar calças e andar de bicicleta, eram motivos de estranhamento para a época. Pois para a maioria das pessoas da época, as mulheres precisavam cuidar da casa, da família e ter aulas de etiqueta. Anne não deixou de sonhar com sua família, mas também não queria ficar refém de uma cultura padrão que em nada ajudava as mulheres.

Anne with an E — dailyawae: We are not here to provoke! We are...
Fonte: Imagem Divulgação Netflix

Anne e a turma da escola também lutaram contra a opressão que sofreram, pois, a educação que estavam tendo na escola, segundo os maiorais da cidade não era adequada. E por isso, a escola foi queimada e a professora foi praticamente expulsa e proibida de dar aulas. A turma conseguiu fazer um protesto para que as aulas voltassem e apresentaram para todos da ilha o que haviam aprendido com a professora. Por fim, conseguiram ter aulas novamente, e voltarem às atividades. Estes exemplos são de lutas que por anos foram necessárias para que nos dias de hoje tenhamos o direito à educação e liberdade de expressão na nossa democracia atual.

As autoras França, Santos e Sousa (2019), apontam que situações de preconceito são corriqueiras na nossa sociedade e que estão presentes em diversas áreas como as mídias sociais, instituições de ensino, nas famílias e nos demais grupos sociais. Dessa forma, o preconceito configura-se como um grande problema da sociedade. Faz-se necessário, cada vez mais, a compreensão e combate deste problema.

O combate se dá pelas estratégias de enfrentamento, como nas escolas onde pode ser trabalhada a superação das situações vividas pelas classes que mais sofrem, como por exemplo, as pessoas pretas, LGBTQIA + e as mulheres. Como também a conscientização de todos, principalmente daqueles que praticam o preconceito. Estas estratégias podem ser ampliadas para os grupos familiares também, onde dentro de casa as pessoas podem discutir e ensinar que somos diferentes e que cada um merece ser compreendido da forma que é, sem precisar ter que explicar o porquê de ser diferente (FRANÇA; SANTOS; SOUSA, 2019).

Ressalto que, a série nos mostra muitos valores que hoje em dia ainda integram nossas lutas, o preconceito sempre existirá na sociedade, e diante da modernidade líquida, que é a fragilidade das relações sociais (Bauman, 1999), a empatia com o outro e a resiliência para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia se fazem muito importantes. Anne teve que vencer muitos obstáculos para que conseguisse realizar cada um dos seus sonhos. Sabemos que não são todas as pessoas que têm os mesmos privilégios. Muitos não têm acesso à educação, saúde básica, alimentação, e por isso não conseguem uma chance de realizar o que sonha.

Esta história nos inspira a lutar pelo que acreditamos, tudo o que sentimos e pensamos é importante, não podemos deixar de acreditar que iremos conseguir e que somos capazes de fazer acontecer o que tanto almejamos.

“Não é o que o mundo reserva para você, mas o que você traz para o mundo”

FICHA TÉCNICA

Anne with an E - Série 2017 - AdoroCinema

Título: Anne With An E (Anne com E)

Intérprete: Amybeth McNulty

Ano: 2017-2020

País: Canadá

3 temporadas

Gênero: Romance, Drama, Aventura

Duração dos episódios: 89 min.

REFERÊNCIAS:

Ales  Bello,  A.  (2004). Fenomenologia  e  ciências  humanas:  psicologia,  história  e religião(M. Mahfoud  &  M.  Massimi,  Orgs.  e Trads.). Bauru,  SP:  EDUSC.(Original  publicado  em 2004).

Ales  Bello,  A. (2006). Introdução  à  fenomenologia(J.  T.  Garcia  & M. Mahfoud,  Trads.). Bauru, SP: EDUSC.(Original publicado em 2006).

Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Brasil: Zahar.

Koss, J. (2006). On the limits of empathy. The Art Bulletin, 88(1), 139-157

OSÓRIO, L. C. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

Yunes, M. A. M. (2001). A questão triplamente controvertida da resiliência em famílias de baixa renda. Tese de Doutorado Não-Publicada, Programa de Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Sessão de Terapia – Nando: impotência sexual como inibição

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Sessão de Terapia é uma série brasileira, um drama televisivo original da Globo Play, dirigida e estrelada por Selton Melo. A produção lançada em 2012, ilustra bem o que seria um consultório de psicanálise e acompanha a rotina de um analista e seus analisandos.

A série tem relevante valor pedagógico para os estudantes de psicologia e psicanálise pois as histórias descritas descrevem, muitas vezes, os abstratos e desafiadores conceitos e institutos da obra freudiana entre os quais: transferência; complexo de édipo; inibição sintoma e angústia.

No presente texto apresentaremos uma proposta de como o caso Nando, retratado na 4ª temporada da série, pode ser utilizado para facilitar a compreensão da inibição sexual em Freud.

Nando é um personagem complexo que traz ao telespectador diversos conteúdos relevantes para o estudo e o tratamento dos sofrimentos emocionais na atualidade.

O analisando/paciente é apresentado como sendo um executivo de multinacional, muito bem-sucedido na carreira, que vem apresentando um curioso problema de disfunção erétil, impotência sexual, que por meses o impedira de manter relações sexuais com sua esposa Maria Lúcia.

Para esclarecer a queixa ilustrada, a série indica que as dificuldades de ereção estariam limitadas à específica relação com a esposa, apontando que Nando haveria afastado sintomas físicos após consulta a um urologista, bem como, que este estava apto para outras formas de satisfação sexual (masturbação e até sexo com outras mulheres).

Fonte: encurtador.com.br/cpCH6

Não havendo causas físicas, ou patológicas, coube a ele buscar apoio profissional para um possível sofrimento psicológico que levava a uma limitação na sua função sexual.

O caso Nando ilustra o conceito freudiano de inibição e, ainda, a distinção proposta pelo autor entre inibição, sintoma e angústia no seu texto de 1926.

Ao propor a psicanálise como cura pela fala, Freud, tinha a linguagem como instrumento e a livre associação como metodologia. Para o autor, deste modo, era relevante indicar as distinções conceituais entre significantes próximos que pudessem gerar confusão acerca de fenômenos parecidos, porém distintos.

Deste modo, a teoria freudiana trata a inibição como a restrição de uma função do corpo, mas que não significa necessariamente algo patológico. Deixando os conteúdos patológicos ligados ao conceito de sintoma (FREUD, p.14).

No texto de 1926, Freud esclarece que “a função sexual está sujeita a muitos transtornos, a maioria dos quais tem o caráter de inibições simples”. (FREUD, p.14). Estas inibições são classificadas como impotência psíquica e, no homem, seria possível identificar os seguintes estágios, além dos distúrbios de natureza perversa ou fetichista:

O afastamento da libido no início do processo (desprazer psíquico), a ausência da preparação física (falta de ereção), a abreviação do ato (ejaculatio praecox), que também pode ser descrita como sintoma, a interrupção do mesmo antes do desfecho natural (ausência de ejaculação), a não ocorrência do efeito psíquico (da sensação de prazer do orgasmo) (FREUD, p.14).

Fonte: encurtador.com.br/bcfFI

O pai da psicanálise inova ao apontar a ligação entre a inibição, falha da função e a angústia, sofrimento emocional de ordem inconsciente. Para ele, “várias inibições são claramente renúncias à função, pois o exercício desta produziria angústia”.

No seu texto, Freud nota que procedimentos bastante diversos podem perturbar a função, inclusive a função sexual e destaca dentre eles: o afastamento da libido; a piora no cumprimento da função; a dificuldade desta pelo desvio para outras metas; sua prevenção através de medidas de segurança; sua interrupção mediante o desenvolvimento da angústia, quando seu começo não pode mais ser impedido; e, por fim, uma reação a posteriori, que protesta e busca desfazer o acontecido, se a função foi mesmo realizada (FREUD, p.16).

No caso do personagem Nando, em Sessão de Terapia, o desenrolar dos episódios leva a audiência a constatar que uma causa inconsciente para a queixa inicial. A mudança de status de Maria Lúcia no contexto do casamento, que deixou de ocupar o ideal de esposa e mãe submissa muito associada à memória que Nando tinha da própria mãe dele, passando a ganhar mais do que ele, tornando-se uma palestrante e escritora famosa internacionalmente e, ainda, respeitada militante pelo direito das pessoas negras, haveria dado causa a um desejo inconsciente de não fazer sexo com ela e, com isso puni-la, além de ter provocado crise de masculinidade.

Durante as 6 sessões programadas para o personagem, o público vai acompanhando os esforços do analista de promover espaços de fala e livre associação que oportunizassem a Nando reconhecer sua angústia de ser superado por sua esposa em termos profissionais e ressignificar sua posição de masculino construída à luz dos exemplos obtidos ao observar a relação conjugal dos pais na infância, para, com isso, recuperar a funcionalidade plena da sua atividade sexual.

Por fim, vale destacar a relevância deste personagem para os estudos da influência de questões raciais na prática da psicologia e psicanálise. Isso porque, Nando é um homem negro cuja angústia passa pela necessidade de ressignificar o que é ser homem, revisando conceitos machistas, e o que é ser negro, revisando a reverberação inconsciente de experiências de racismo na psique do sujeito e, na construção da sua expressão de masculinidade.

Fonte: encurtador.com.br/cpCH6

FICHA TÉCNICA

Sessão de Terapia

Ano produção: 2012
Dirigido por: Selton Melo
Gênero: Drama

Referência:

FREUD, Sigmund. Obras Completas Volume 17, Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos. (1926/1929). Tradução Paulo Cesar de Souza. 1ª Edição. Companhia das Letras. 2014.

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Elena: devir-vida e os (in)finitos estares do ser

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Dedico este texto à memória de Vivaldo Oliveira Cerqueira e Marina Kohler Harkot

O contato com a morte nos cala ou leva a falar em compulsão, silencia e faz bradar, a morte prematura por suicídio fez com que Petra Costa se inspira-se na realização do longa-metragem Elena, de 2012, também por ela roteirizado. Nesse percurso da ausência que a diretora nos leva a contemplar o seu mergulho pelo seu semi-documentário, trabalhando fragmentos do imagético, imaginário e memórias de sua irmã Elena, que abreviou a própria vida depois de partir para construir sua carreira de atriz nos Estados Unidos.

Em Elena, Petra Costa nos oferece seu in-finitizar-se pela busca por um sentido, em todos os lugares, ou quantos forem possíveis ela conseguir (re)encontrar nos estares do ser de sua irmã. Da rua um dia atravessada, o aniversário ocorrido em festa, cartas e datas perdidas, o brincar recorrente, o preocupar-se nas partidas e chegadas, fatos e relatos, imagens e movimento, inscrições, falares e (in)quietudes.

O que Petra Costa explora com maestria é o contato com o ser, esse ser, que está na cercania do fim da vida, o devir-vida que nos preenche e nos conecta ao outro que também é existência. Há, em Elena, como obra fílmica a exposição de verbalizações discursivas pelo falado e retratado pelas espacialidades de um cotidiano não mais habitado, agora abandonado e uma (re)descoberta de si da diretora a partir do que pode (des)encontrar no silêncio existencial da sua irmã, para ir ao encontro de sua própria (in)compreensão.

O devir-vida e o ser-se (in)finito

Fonte: encurtador.com.br/CQX03

O ser-para-a-morte em nossa majoritária cultura cristã está cerrado como uma das intersecções do não-ser da sociedade ocidental (BUBER, 2001; CAMUS, 2010; SCHUMACHER, 2009). A resolução ontológica deste encerramento da passagem finita da existência ocorre de pronto, na projeção transcendental do reino do porvir mantido pela fé cristã, particularmente, em um pêndulo vívido entre o temor e o amor. Em Elena há uma quebra nesse padrão, na estruturação movimento-imagética para uma representação do durar-eterno, pela memória e saudade como (re)construção biográfica de Si e do Outro.

Esta (re)construção de Si e do Outro pelo ser-para-a-morte ocorre em meio a duração do agora e extensão do habitado, ambos não mais existentes como ocasião crontópica da existência não mais presente de Elena, como cotidiano devir-vida. Vivemos cotidianamente em (des)encontros com a efemeridade do instante, e a falta de alguém que já esteve tão perto, na qual e pela qual cultivado estavam sentimentos tão profundos, nos deslocam ainda mais da duração do presente, em reminiscência ao anterior ou posterior da existência, no silêncio primal do ser em potência, o entre-Nada do qual viemos e para o qual voltamos ou, de igual modo, ao nebuloso ulterior do que já, neste momento, deixou de sê-lo como futuro.

Por entre estes lugares-momentos do devir-vida, hoje silenciosos, nos (re)encontramos com o além-intervalo da existência em sua finitude, o caprichoso novelo das experiências, situações e uni-diversidade da existência. O memorial que ali foi vivido assim foi por conter a in-completude da experiência, lembrança, devaneio ou sonho, êmulos agridoces do ser em todos seus estares. Cada gesto, pensamento, mirada, toque, ação, mudez ou diálogo, em enlace ou efemeridade pulsam o sentido do guardado e fugidio do vivido, aquele cotidiano que escapa, em kairologia irrepreendida e não registrada. No entremear das teorizações possíveis e intermináveis, Elena nos expõem uma geoestética da perda do Eu-no-mundo com o Outro-no-mundo, desencontrados pelo ser-para-a-morte mas (re)encontrados como uma utopia imagético-memorial realizada por Petra Costa.

Curiosamente, é a metáfora da água que o semi-documentário mais utiliza, em uma rima sígnica com o mergulho, o profundo, ao mesmo tempo em que há sinalização do caminhar, de um sentir e viver-mundo no agora pelos sentidos e emoções da diretora em diálogos pela topologia dos estares do ser de Elena, em um exercício fílmico sensível e quase impalatável entre sombras, cores, dizeres e presentificações reais ou imaginadas do outrora foram lugares-momentos do existir.

Fonte: encurtador.com.br/CQX03

Como (re)contar tamanha história? Invólucro de um sem-número de experiências, referentes ao Outro-no-mundo Elena com o Eu-no-mundo Petra, perante rastros e registros desencontrados, falas dispersas e lugares passados, talvez já não mais materialmente alcançáveis? A diretora sabe que está numa encruzilhada narrativa, entre os 12 anos de filmagens de Richard Linklater, as milhares de páginas do tempo perdido de Marcel Proust e o Idiota da família de Sartre, ou ainda a deidade das pequenas coisas, como trabalhado por Arundhati Roy.

A pergunta epicêntrica, retorna como o que se pode saber sobre alguém em seu ser-se (in)finito? Petra Costa, em dado momento, percebe este entre-meio que se encontra como artista, realizadora cinematográfica e (re)escreve a si mesma pela trilha da irmã: “Acabei com mais de 200 horas de material. Como resultado disso, a primeira versão editada tinha três horas, porque inicialmente eu estava tentando capturar a história da minha irmã em sua totalidade.” (COSTA, s/d, p. 3). A diretora, ao final do processo de edição, já se misturava com sua própria obra, e o corpo e espírito de sua irmã: “ No final, acabei usando poucas dessas filmagens.” (COSTA, s/d, p. 10).

A partir desta sua condição, no limiar Eu-Outro, Petra Costa embarca em uma viagem empírico-real e imaginário-memorial entre os lugares e paisagens vazias, vividas por Elena, e transpassadas em seu próprio existir. O mudo devanear conecta-se aos objetos, relatos, coisas a formar uma epifania ôntica, sim, mas que transcende-se, em um polifônico enunciar-se de sentido do que outrora fora o pulsar do viver-Outro Elena. O tempo do instante vivido não mais atende a angústia de Petra Costa, entre Kairós e Cronos, é no segundo que a diretora desafia sua obra, na topologia do ser-no-mundo de Elena em uma nova significação do seu ser-para-a-morte, mesmo agora, novamente (des)velado no silêncio-potência como res-istência diante do jogo metafísico que vence o corpo.

Mesmo que tenha havido um afastamento da ontologia ocidental às membranas da metafísica o soslaio do (in)finito permanece, nos inquieta, questiona, habita espasmos e sonhos, despercebimntos e efemeridades cotidianas. A topologia do ser, como devir-vida, retorna a cada nova inscrição de nossos estares, o sabemos e sentimos, mesmo que muitas vezes o esqueçamos. Nos escrevemos, inscrevemos, grafamo-nos em e por nós mesmos, no Outro e no mundo (DUQUE-ESTRADA, 2006; HADDOCK-LOBO, 2008). O material, imaterial, espesso, singelo, bruto, efusivo, colossal, delicado ou instantâneo, vívido ou pálido. A experiência passa, as marcas ficam, acumulam-se, avolumam as tessituras do sobrepor-se em cascas sem fim.

Os estares do ser, em todos os lugares

Fonte: encurtador.com.br/CQX03

Esses estares da existência estão manifestados em bricolagem única efetuada por Petra Costa, em rimas sensoriais de sonho e imaginação, vivido em lugares, estares memoriais. As grafias da existência de Elena são-nos apresentadas com uma delicadeza ímpar, nos fazendo sentir com a diretora o devir-vida de sua irmã. Este grafar-se se dá material e imaterialmente, nas imagens, sons e emoções e a busca, não mais do tempo perdido mas, agora, encontrado pela efemeridade do habitar este mundo efetuado por Elena. Mãe e irmã nos guiam por entre os lugares-memória vividos por Elena, no Brasil e Estados Unidos. Evidencia-se uma atividade epopeica de (re)constituição do corpo e alma do ente querido não mais existente, como existência.

A opção escolhida pela diretoria de um documentário performático oferece ao espectador um estudo e reflexão, tanto da própria Petra Costa como de sua irmã. O trabalho de montagem das cenas é sensível, concatenado à trilha sonora e os momentos certos de utilização da voz narrativa e diferentes elementos que compõem a memória de Elena como fitas, cartas, filmagens caseiras, fotografias, relatos de amigos e justaposição de visitações aos lugares por onde a atriz passou e vivenciou suas últimas experiências em vida. O desenvolvimento do filme permeia esta escrita da vida de Elena, do escrever-a-si-mesma como (in)compreensão de Petra Costa, sua identidade e diferença para consigo e o (re)encontro com sua falecida irmã:

Eu não conhecia e sequer tinha noção dos seus tumultos internos. Mas, quando encontrei seu diário, tinha a mesma idade dela quando o escreveu. Ler suas palavras me trouxe um sentimento diferente de intimidade: era como se eu estivesse conversando comigo mesma através dela, ou tendo uma conversa com ela, canalizada por algum profundo recanto de mim. Cada palavra dela me fazia sentir como se estivesse vivendo uma vida já vivida por outra pessoa. Estávamos fadadas ao mesmo destino? O pensamento tanto me incomodou quanto me intrigou. Eu me vi presa a uma espécie de vertigem: uma mistura de sentimentos, um borrão, uma confusão entre mim e esse duplo. E, embora estivesse de certa forma assustada com essa duplicidade, eu queria explorá-la artisticamente, mergulhar nela e extrair dela uma história. (COSTA, s/d, p. 3).

O devir-vida é um infinito de inscrições que nos marca e marcamos nos estares do ser pelos lugares que habitamos. Nos bio-grafamos, incessantemente, em cada gesto, pensamento, memória, fazer, sonho, ida, volta, estadia, decisão e insegurança, laços construídos e distanciamentos decorridos, a cada instante, em todos os lugares, mais estamos que somos (HADDOCK-LOBO, 2008; LEVINAS, 2009). Os estares do devir-vida de Elena tornam-se visualizáveis, próximos experienciáveis, pelas imagens, memórias e narração de Petra Costa, seu curta-metragem transforma-se em um duplo convite ao espectador, a caminhar pela contemplação da artisticidade do ser de si própria e sua irmã.

Pela arte Elena viveu seu sonho, e seu pesadelo, experimentou o êxtase e o desespero, colocou-se em (des)limitações, deslocou-se no grafar-se de si por sua topologia do ser em sentidos outros. Na mirada do abismo, em seu (des)encontro com a experiência do Nada, não resiste, e seu estar finito encerra em um novo momento, agora composto pela silhueta dos estares do seu ser-no-mundo, um conjunto de dimensões da perda dos que a amavam, conviveram com ela ou presenciaram sua existência. Petra Costa perfaz este caminho das circunstâncias da (in)finitude de sua irmã, a reencontra nas (des)situações que um dia ela viveu, sentiu, descreveu ou calou-se, vai ao ser-Outro para compreender parte das lacunas de sua própria bio-grafia dos estares do seu ser em diferentes lugares, agora partilhados com sua irmã ausente há anos.

O ser-Outro é uma totalidade, é o rosto do (in)finito, podemos ter uma vida partilhada com outrem, mas esse ser-outro que também é mundo, outro-mundo, sempre terá picos, vales, sua própria topologia dos estares do seu ser pelo devir-vida. O aprender e viver-com, ter a vivência conjunta, em presença ou ausência, é mais importante do que uma busca desenfreada por respostas, geometrismos do sentir, fadados ao desterro em meio aos mais leves tremores ou ranhuras no tegumento onto-ontológico dos estares de nosso ser.

Entre o sido e vivido, há ainda o constante movimento, do é que segue sendo. Nesse ser que preenche-se por si e os outros viventes e todas as coisas possíveis nos questionamos, em propósito, transcendência, sentido, ser. O devir-vida, em escolha de des-limite comporta nossas angústias, momentos de felicidade, emoções e pulsões, vivências, laços, instantes, dizeres e quietudes. Compomos uma constelação de sentidos profundas a nós mesmos, e aos outros que nos cerca, estamos no Ser, mas recuamos ou sentimos o tremor pelo além-ser, o sem sentido ou essência, a pergunta para a qual a resposta não virá. Em Elena acompanhamos uma dessas perguntas, uma das nossas tantas faces do Nada, pela máscara da morte, que não devem ser reduzidas a uma contraposição simples dos estares do Ser, da existência mas sim sua (in)completude e uma trilha pela qual é possível e visível momentos de deslumbre de si, fugidios e elementares.

[…] ela aparecia em sonhos. No primeiro foi a imagem de sua morte. No segundo, Elena se cortava e eu começava a entender sua dor. No terceiro, eu cozinhava sua dor numa panela até ela evaporar. No quarto, eu sobrevoava uma floresta e, num cantinho de mata, via a alegria de Elena, que era laranja, da cor das árvores no outono. No quinto e último sonho, eu, menina, dançava em volta de sua cintura.

Elena é uma obra pensada na e para a irrupção do silêncio, uma auscúltica in-tensamente imersiva no que outrora fora o existente convivido entre Petra e sua irmã. A verbalização efetuada por Petra Costa é textual, imagética, emocional e memorial. As grafias de Elena são retratadas ou reconstruídas na esteira do invólucro ôntico deixado após sua morte, no concurso do ente-Outro em que estivera em manifestação em sua breve vida, por muito permanecida apenas na lembrança, nostalgia e dor dos familiares e amigos mais próximos e queridos por ela. Elena, filme e Outro-no-mundo, formam um calidoscópio de lugares-momentos, devires-vida, tão despercebidos como únicos, detentores da nostalgia que (im)permite a captação do claro-escuro da memória, no ser-se (in)finito.

“Já faz um ano que não sonho com Elena. Sinto, hoje, que, por meio do tempo e da alquimia entre imagem e som, as dores viraram água, viraram memória… viraram cinema. Na tela, Elena descansa. E dança.”

(Elena, Petra Costa).

Referências

BUBER, Martin. Eu e Tu. Trad. Newton Aquiles. São Paulo: Centauro, 2001.

CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

COSTA, Petra. Roteiro do Filme Elena. Disponível em: <http://www.elenafilme.com/roteiro/> Acesso em 19 de jun de 2021.

COSTA, Petra. Carta da Diretora. Disponível em: <http://www.elenafilme.com/ELENA%20-%20carta%20da%20diretora.pdf> Acesso em 19 de jun de 2021.

DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. A questão da alteridade na recepção levinasiana de Heidegger. Veritas (Porto Alegre), v. 51, n. 2, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-6746.2006.2.1842 Acesso em 19 de jun de 2021.

ELENA. Direção de Petra Costa. 82 min. Busca Vida Filmes. 2012.

HADDOCK-LOBO, Rafael. Derrida e o labirinto de inscrições. 1. ed. Porto Alegre: Zouk, 2008.

LEVINAS, Emmanuel. Entre nós. Ensaios sobre a alteridade. Tradução de Pergentino Pivatto et al. (Coord.). 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

SCHUMACHER, Bernard N. Confrontos com a morte: a filosofia contemporânea e a questão da morte. Tradução: Lúcia Pereira de Souza. São Paulo. Edições Loyola, 2009.

STEIN, Edith. Ser Finito e Ser Eterno. Trad. Zaíra Célia Crepaldi. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2019.

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O que o filme “Se enlouquecer, não se apaixone” nos ensina sobre a luta antimanicomial?

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O filme ‘Se enlouquecer, não se apaixone’ conta a história de Craig, um garoto de 16 anos que sofre com as difíceis decisões e situações da adolescência. Ao perceber que é um paciente com ideação suicida, decide se internar na ala psiquiátrica de um hospital, lá que se aproxima de Bobby um novo amigo que ajudará a compreender suas angustias e a conquistar Noelle que também está internada.

Essa trama leva a refletir que muitos conflitos internos, quando não resolvidos ou minimizados, podem prejudicar a saúde mental e reduzir a qualidade de vida não só de adolescente, mas em qualquer pessoa que não encontre recursos para elaborar suas demandas subjetivas. Apesar de tratar sobre o assunto de doenças mentais e internações psiquiátricas, o filme mostra que mesmo com diversos diagnósticos encontrados, ainda sim existe identidade, perspectivas de sonhos e desejos a serem conquistados.

A partir dos principais sintomas de cada colega do hospital, o adolescente passa a refletir e questionar, juntamente com a psiquiatra responsável pelos pacientes, quais recursos poderiam ser utilizados para resolver ou compreender os problemas de cada um deles. Então, o garoto também passa a analisar a real importância e influência das coisas que antes o perturbavam.

Entende-se que isso foi resultado de uma pressão e angústia intensificadas pelas decisões que precisavam ser tomadas em relação a sua vida, seus estudos, seus amigos e a sua paixão. Ao longo dos atendimentos com a psiquiatra, percebe quais eram seus verdadeiros sonhos, e a partir dessas identificações é que passa a planejar como alcançá-las. O principal ensinamento que o filme deixa é a sensibilidade e respeito com que são tratados o sofrimento e cada sintoma dos pacientes.

Fonte: encurtador.com.br/DRW25

Mas afinal, o que realmente o filme vem nos mostrar nos tempos atuais?

Foi por volta de 1970 que o Brasil começou a perceber mudanças no cenário psiquiátrico, assim como um novo olhar para as pessoas em sofrimento mental. Foram diversas modificações ao longo do tempo que atingia a toda sociedade (PORTELA, 2005). O autor ainda cita que:

Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços de saúde e saúde mental e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (POPRTELA, 2005, p. 5).

Denunciava além do preconceito e da cristalização dos corpos das pessoas com transtornos mentais, mas também aos maus tratos, muitas vezes, sofridos durante a internação, que eram medidas comumente tomadas naquela época, aos valores limitantes e anuladores aos pacientes psiquiátricos, entre outros. Esse movimento no Brasil teve grande inspiração aos acontecimentos vindos da Itália, que enfrentava um episódio que passou por uma revolução antimanicomial. E a primeira vitória brasileira foi por meio do II Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) quando houve a criação do CAPS em São Paulo em 1987 (PORTELA, 2005).

Fonte: encurtador.com.br/zBJ12

Atualmente, sob fortes influências da Reforma Psiquiátrica, a partir da criação de Centro de Atenção Psicossocial, CAPS, apoio aos familiares e cuidados dos pacientes, foi possível recuperar de forma mais harmônica a identidade e qualidade de vida dos usuários dos serviços de saúde mental oferecidos de forma privada e pública (PORTELA, 2005).

Conquistar espaço para valorização à saúde mental nem sempre foi prioridade para sociedade. E para tratar da de saúde mental, não basta apenas uma área do conhecimento, pois abrange a psiquiatria, psicologia, enfermagem, assistência social, técnico em enfermagem, entre outros profissionais, além da colaboração dos amigos e familiares, bem como o meio social em que o paciente vive. Pois um transtorno psiquiátrico vai além de um diagnóstico, é preciso compreender que em primeiro lugar existe uma pessoa com sua personalidade, seus valores, desejos e sentimentos, que posteriormente, possui psicopatologia (AMARANTO, 2007).

A partir das conquistas ao longo do tempo, que foi e continua sendo permitido a modificação dos padrões de comportamento, julgamento e percepção sobre o saber psiquiátrico. Assim como no filme demonstra claramente que para além de uma doença, existe uma potência de conquistas e mudanças a serem alcançadas. Para que essa luta continue sendo conquistada a cada dia, é fundamental a participação de todos, para que em conjunto com políticas públicas e serviços oferecidos possam alcançar ainda mais visibilidade a causa.

Fonte: encurtador.com.br/EQRT3

FICHA TÉCNICA DO FILME

Direção: Ryan Fleck, Anna Boden

Roteiro: Ryan Fleck, Anna Boden

Elenco: Keir Gilchrist, Zach Galifianakis, Emma Roberts

Título original: It’s Kind of a Funny Story

REFERÊNCIAS

AMARANTO, Paulo. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.

PORTELA, Pietro Navarro. A Reforma Psiquiátrica no Brasil sua história e impactos na saúde brasileira. Centro Educacional Novas abordagens terapêuticas. 2005.

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“This Is Us”: conteúdos psicológicos da premiada série americana

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A série americana “This Is Us”, de Dan Fogelman, disponível no Brasil pela Amazon Prime Video e preimada com o Emmy de 2017, é um drama adulto melancólico focado, especialmente, nos sintomas psicológicos e nas relações intersubjetivas da família Pearson.

No elenco estão Mandy Moore (Red Band Society), Milo Ventimiglia (Gilmore Girls), Sterling K. Brown (Pantera Negra), Justin Hartley (Revenge), Chrissy Metz (Superação: O Milagre da Fé), Susan Kelechi Watson (Louie), Chris Sullivan (The Knick) e Ron Cephas Jones (Luke Cage).

Os protagonistas são três irmãos de 36 anos, dentre eles dois gêmeos (Keven e Kate) e um adotivo (Randall) nascidos em Pitsburg, na mesma data do aniversário do pai (Jack). Além deles, destacam-se a mãe da família Rebecca, seu segundo marido Miguel, os cônjuges e filhos dos irmãos Pearson: Tobe (marido de Kate); Sophie e Madison (ligadas a Keven) e Beth, Tess, Annie e Deja (esposa e filhas de Randall).

A série apresenta a história da família em épocas diferentes, alternando entre o presente e a infância dos três irmãos. No curso das temporadas, o público assiste o bem-sucedido empresário e pai Randall buscar informações sobre seus pais biológicos, Kate encontrar amor e a autoaceitação enquanto luta contra a obesidade, e Kevin enfrentar o alcoolismo e tentar seguir uma carreira mais significativa para ele.

Em This Is US, os personagens lidam com problemas realistas ligados a temas de família, paternidade, autoimagem, saúde mental e encontrar um propósito na vida de meia-idade. E, ainda, ilustram o casos de sofrimento emocional e os problemas de ordem psicológica decorrentes: de interações familiares, do lugar das pessoas na família, de questões intergeracionais e de conteúdos inicialmente inconscientes aos personagens que depois vão sendo esclarecidos ao longo do ir e vir da série.

Fonte: encurtador.com.br/kmFS5

Como exemplo, tem-se o sofrimento intergeracional causado pelo alcoolismo na família Pearson. Como o uso abusivo de álcool, o pai de Jack torna-se uma pessoa de comportamento grosseiro e violento, o que torna difícil a vida da esposa e dos filhos. Apesar do esforço que faz para adotar comportamento distinto do pai, nas relações familiares, o alcoolismo do pai, negado por Jack, acaba reaparecendo como sintoma de angústia nele mesmo, quando adulto, do irmão dele Nick, que torna-se adicto durante a guerra do Vietnã e do filho Keven que usa compulsivamente bebidas e medicamentos para dor como apoio emocional.

Um outro exemplo interessante das repercussões psicológicas das relações de família, são as constantes brigas entre a mãe (Rebecca) e a filha (Kate), a partir do início da adolescência da garota. Por ter uma relação muito próxima ao pai, Kate disputava com a mãe a atenção dele e, por não conseguir, ser parecida fisicamente com ela projeta sua raiva de modo a fazer o espectador acreditar, por bastante tempo, que era a mãe que não gostava dela. Nesse sentido, vale lembrar que a mesma Rebecca Pearson, enquanto filha, enfrentava grandes dificuldades com a própria mãe, super rígida e controladora e que, por outro lado, também assumia o papel de Kate ao ser sempre superprotegida pelo pai.

Fonte: encurtador.com.br/iluR0

Ainda falando sobre Kate, desde criança a personagem apresenta sinais de compulsão alimentar, tendo seu comportamento repreendido pela mãe e incentivado pelo pai. Ela associava o prazer de comer guloseimas, como sorvete e pudim de banana, aos longos passeios em que tinha toda a atenção do pai para si. Com isso, no futuro como adulta, enfrenta problemas de saúde e dificuldades para engravidar e manter a gestação decorrentes do excesso de peso.

Destaque-se que, Kate só conseguiu iniciar um namoro saudável e conseguiu começar a agir para minimizar os efeitos da compulsão alimentar, quando pôde associar os conteúdos inconscientes que colaboravam para a formação do sintoma: a relação com o pai e a culpa pela morte dele. Jack havia falecido 19 anos antes por parada cardíaca após ter inalado muita fumaça tentando salvar o cachorro da filha num incêndio na casa da família.

A morte de Jack e os diferentes olhares sobre este luto são conteúdo presente em praticamente todos os episódios da série a partir da segunda temporada.

Fonte: encurtador.com.br/ouIX3

Sobre o terceiro filho, Randall, a série oferece conteúdo para diversas análises à luz da psicologia. Inicialmente, é preciso destacar o trauma do menino abandonado ao nascer na porta do Corpo de Bombeiros que passa a vida toda procurando os pais biológicos e tem o bombeiro como grande herói. A devoção pelo “bombeiro” que o resgatou leva Randall a assumir por muitos anos a postura de “salvar” as pessoas de seus problemas.

Além disso, a história de Randall apresenta alguns pontos do sofrimento emocional vivido por pessoas discriminadas por racismo nos Estados Unidos.  Isso porque, ele é uma criança negra criada por pais brancos, numa comunidade majoritariamente branca e de cultura separatista.

A soma de situações tais como ser a única criança negra na escola ou o único negro da família Pearson, o reaparecimento e a morte prematura do seu pai biológico (Willian Hill) colaboraram para deixar o personagem confuso quanto a sua identidade, gerando a necessidade de ele aprender e experiencia mais a cultura afro-americana.

Isso se verifica, também, quando a personagem, deixa a terapia que estava desenvolvendo com êxito alegando que precisava de um analista que fosse negro para que este pudesse compreender determinados aspectos do seu sofrimento.

Fonte: encurtador.com.br/FIOZ6

O tema da adoção é amplamente abordado na série. Desde a experiência inicial com Randall, adotado no hospital no dia do nascimento dos irmãos gêmeos, com função inicial de tamponar a falta do terceiro gêmeo (Kyle) que morreu durante o parto.

Passando por Deja, a garota que foi adotada com 12 anos, vinda de uma família com problemas financeiros e de relacionamento e acumulando várias passagens por lares de curta permanência. A adoção tardia ilustrada na série trazia os episódios de revolta e ataques de raiva por parte da adolescente, que indicaria as dificuldades de lidar com adaptação à nova família e, especialmente, o sofrimento gerado pelo luto da perda de suas expectativas pela idealização da sua família de origem.

Fonte: encurtador.com.br/FHU09

Por fim, na última temporada, é possível acompanhar o esforço dos personagens Tobe e Kate para lidar com a ansiedade de acompanhar a gravidez de uma criança que poderia ser dada a eles em adoção.

Durante todo o percurso da série o olhar atento do espectador interessado em psicologia, verá por várias vezes as histórias de vida dos personagens se cruzarem e apresentarem maneiras distintas de percepção do mesmo fato ou momento de vida. Com esta proposta o público consegue identificar sob os diferentes pontos de vista de cada personagem as dores subjetivas causadas a cada um deles, as quais seguiriam imperceptíveis na visão dos demais.

Outro ponto interessante da série, em termos psicológicos, é que a temporada 5 se passa durante a pandemia. Nela é possível encontrar os personagens usando máscaras, mantendo cuidados de higiene, distanciamento social, lidando com as consequências emocionais do medo e da angústia trazidos pela calamidade da COVID 19.

Fonte: encurtador.com.br/vAH49

Ficha Técnica

Título: This Is Us (Season 2) (Original)

Ano produção: 2017

Dirigido por Glenn Ficarra John Requa Rebecca Asher Regina King

Classificação 14 – Não recomendado para menores de 14 anos

Gênero: Drama

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A vivência da pessoa com deficiência visual durante a adolescência: Hoje eu quero voltar sozinho

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O filme retrata a vivência do jovem Leonardo, quem tem cegueira desde a infância, e sua forte ligação afetiva com Gabriel, seu colega de classe recém-chegado à escola. Com leveza e sensibilidade, a trama retrata os desafios de viver com a cegueira, o preconceito contra demonstração de afetos homoafetivos, e também contra a possibilidade de que uma pessoa com deficiência possa ter um relacionamento afetivo e, por regra, seja assexual.

Antes da chegada de Gabriel, Leonardo era muito apegado à Giovana, sua colega de classe e melhor amiga. Na verdade, ela era sua única parceira na escola, além de ajudá-lo no caminho de volta para casa.

Apesar de não ter outras ligações sociais importantes – excetuando sua família – Leonardo vê na sua colega um acolhimento mais que suficiente. Isso vai muito além do que oferecer suporte no caminho de volta para casa, ou ser colega de grupo para fazer trabalhos escolares, está no modo como ela o trata como alguém autônomo na medida do possível.

Na verdade, Giovana demonstra querer que seu relacionamento com Leonardo vá além da amizade. Quando ela pensa em levar a relação de ambos a outro patamar, demonstra que vê Leonardo como alguém capaz de dar amor, independentemente de sua cegueira, capaz de amar como todo ser humano, então, quer buscar nele tal amor, viver com ele uma experiência romântica, embora para muitos seja absurdo alguém com deficiência amar e ser amado.

Obviamente, o forte vínculo que ela tem com ele, as experiências escolares e sociais, é a base desse desejo. Não as experiências em si, mas os sentimentos envolvidos que tornam maiores as vivências interpessoais, para não serem meros encontros frios e superficiais. Isso mostra que os relacionamentos e afetos envolvidos nascem das experiências entre pessoas, e não necessariamente se devem a aspectos como cor da pele ou condições médicas de uma das partes.

Fonte: encurtador.com.br/fHNZ5

Mas, Giovana tem dificuldade em revelar o que sente pelo amigo, o que torna mais difícil para ela é o fato de que ele não poderá ver seus sinais de interesse. A jovem vê seu desejo mais distante da realidade quando o novo aluno chega, e Leonardo passa a gastar mais tempo com Gabriel, tanto para atividades escolares quanto para momentos de lazer. Ressentida, sentindo-se trocada e preterida, Giovana se afasta do velho amigo, sem imaginar que o que está germinando entre os dois vai mais além da amizade.

Gabriel é importante para Leonardo desde o momento em que ele ouviu a voz dele pela primeira vez, na sala de aula. As vivências entre ambos se tornam mais complexas no decorrer do tempo, das obrigações escolares, dos momentos de lazer. A cegueira do colega parecer não ter relevância para Gabriel. Na verdade, este às vezes esquece que Leonardo é cego, quando lhe pergunta se ele viu um vídeo da internet e outros lapsos do tipo.

No entanto, ambos vão ao cinema, onde Gabriel descreve as cenas de um filme para Leonardo na melhor forma possível. A essa altura da história é visível que a deficiência, embora seja reconhecida como tal, não é importante o suficiente para causar embaraços e desconforto para nenhuma das partes. Leonardo, obviamente, já conhece sua falta de visão. Gabriel, por sua vez, mal a percebe, enquanto volta-se para o amigo em sua totalidade.

Ambos nutrem sentimentos recíprocos, contudo, não sabem disso. Gabriel, ao mesmo tempo em que investe em tempo com Leonardo, parece muito ligado às garotas da escola, o que confunde o protagonista. Assim, descobrir a verdade só é possível com o tempo e o rumo que a relação toma.

Além da tensão sexual, Leonardo lida com o bullying na escola e uma mãe superprotetora. Ele está bem integrado na escola, tem ferramentas assistivas que lhe dão suporte, mas isso irrita alguns colegas, os quais o ridicularizam abertamente. Isso prova como a integração isoladamente não basta, e que grande parte do problema reside numa opinião tortuosa, generalizada, sobre o que é ter deficiência. Tal preconceito existe mesmo dentro de sua própria família. Na verdade, é o no seio familiar que isso parece mais forte, graças à mãe que teme pelo filho, dando à cegueira um drama exacerbado e até mesmo fatalista.

Fonte: encurtador.com.br/eiyM9

A inclusão envolve um pleno acolhimento da pessoa com deficiência, em sua plenitude, indo além de prédios adequados, envolvendo uma mudança de cunho social, onde o preconceito e o bullying não têm vez. Chega a parecer utopia um mundo melhor, e ao mesmo tempo algo desesperador, se for levado em conta que até numa escola de alto padrão, onde a educação implicaria em respeito às diferenças, haja formas tão desumanas de tratar o outro. O que pensar, então, das escolas precárias onde a desordem e violência parecem regra do dia?

O tratamento social dispensado às pessoas com deficiência, geralmente, tem sido movido por desconfiança e chacota, e muitas vezes indignação contra os direitos dessas pessoas, os quais são vistos como privilégios.

Se para uns as pessoas com deficiência são privilegiadas, para outros eles são absurdamente incapazes, e quanto mais grande for o desejo dessas pessoas, maior ainda é o senso de que elas não conseguem o que querem. Quando Leonardo conta aos pais sobre sua vontade de fazer intercâmbio, é frustrado pela reação negativa da mãe com relação a tal ideia.

Segundo Vigo (2015) os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado, e manter tal conclusão mesmo que haja provas contrárias, sendo, portanto, juízo parcial, obstinado e geralmente desfavorável a quem é julgado. A genitora não vê possibilidade de o filho cego estudar fora do país, e mesmo após ele provar que havia intercâmbio disponível para pessoas cegas, ela se mostra determinadamente contrária a isso.

Enquanto isso, o personagem principal lida com as incertezas quanto a Gabriel, ao mesmo tempo em que o tesão mostra quão claro e indubitável é o desejo. Não tem sua amiga por perto para revelar-lhe o segredo. Aparentemente Leonardo não tem receio com relação ao que os outros acharão de sua homossexualidade, mas muito mais sofre por não saber se o que sente é recíproco, e desconhecer qual seria a reação de Gabriel.

Fonte: encurtador.com.br/fnBLQ

Leonardo parece ter uma cegueira simbólica quando ele, consciente ou inconscientemente, seja por não contemplar cenas de intolerância ou por ser alguém de mente aberta, ignora os tabus e a aversão social às relações homoafetivas. Assim, com paz e inquietação, seguro do que sente, mas confuso quanto ao outro, nutre o desejo através das memórias, fantasias e masturbação.

Em alguns aspectos o filme parece um ponto fora da curva, se considerado o contexto social onde os preconceitos e estereótipos, a superproteção familiar, a educação sexual incompleta e as barreiras arquitetônicas são as principais condições que impedem o desenvolvimento e exercícios da sexualidade das pessoas com deficiência (CARVALHO; SILVA, 2018).

Além disso, há uma perspectiva cultural e histórica de pensar a deficiência não somente como uma marca corporal ou um diagnóstico, mas também como uma identidade política e social, uma identificação burocrática, administrativa e também um termo em disputa (GAVÉRIO, 2019).

Assim sendo, muitas famílias mantêm trancafiadas pessoas com deficiência ou em constante vigília. Isso oferece à família maior segurança, embora não necessariamente implique em segurança para os indivíduos com deficiência. É comum o tabu quando a família lida com um membro com deficiência, no que tange à possibilidade dessa pessoa manter relações sexuais saudáveis, inclusive há tabu quanto a educa-la a usar métodos contraceptivos e contra doenças sexualmente transmissíveis (GAVÉRIO, 2019).

Dutra (2019) cita a importância de saber que “deficiência” e “sexualidade” são construções sociopolíticas. Embora o senso comum considere que a deficiência e a sexualidade sejam coisas orgânicas e naturais aos humanos, tais categorias não vêm dos próprios sujeitos, mas são construídas na sua sociedade.

Fonte: encurtador.com.br/fivEP

Há um conceito, “looping”, que explica como uma prática social, que é nomeada cientificamente depois de muito tempo, torna-se categoria científica que passa a ser absorvida pelos indivíduos aos quais as práticas foram nomeadas. Os sujeitos se apropriam do termo e o transformam. Depois a Ciência se volta a esse termo transformando, o que resulta em tensão entre as práticas sociais e os saberes sociais dessas práticas (GAVÉRIO, 2019).

Há necessidade de uma educação sexual por parte de pais e professores, para que compreendam a sexualidade de crianças com deficiência, quem, na puberdade, terão desejos e curiosidades semelhantes aos das outras crianças da mesma idade, as quais não possuam deficiência. A diferença é que as com deficiência costumam ser mais vigiadas, e têm sua sexualidade abordada por muitos mitos. Em síntese, essas pessoas são tidas como naturalmente hipossexuais ou hipersexuais, ou mesmo assexuais.

Dutra (2019) sugere que, ao tratar da sexualidade e deficiência, propositalmente usar termos como “foder”, “trepar” ou qualquer outra equivalência em Português, para tirar a carga de inocência e infantilidade que frequentemente é lançada sobre pessoas com deficiência. Pois, ao tirar esse véu, todos se tornam somente humanos que fodem, que se masturbam e se relacionam amorosamente com outras pessoas. Afinal, como diz Centeno (2019), estar vivo é estar atravessado pela disposição ao prazer.

No que tange a Hoje quero voltar sozinho, é um mérito do filme o fato de ele, além de não romantizar a deficiência nem a dotar de drama excessivo, explorar com maior complexidade a vida do jovem protagonista. O foco não é o fato de ter ou não ter visão, pois isso é apenas detalhe de uma vida, mas a obra se debruça em um ser humano e tudo que lhe diga respeito, isto é, suas ansiedades, alegrias, sua vida erótica e as formas que usa para lidar com a tensão sexual, seu papel como amigo e colega de aula, de pessoa autônoma não apesar da deficiência, mas com a deficiência.

Independentemente de qualquer deficiência, é possível amar e ser amado, querer e ser querido, é possível estar excitado e provocar tesão, é possível explorar o novo, ter experiências raras, ter noção de um filme mesmo sem vê-lo, é possível mesmo ir para o exterior. É possível voltar sozinho para casa, ou mesmo acompanhado de um amor.

Fonte: encurtador.com.br/iqtX8

FICHA TÉCNICA DO FILME

Direção e Roteiro: Daniel Ribeiro

Produção: Daniel Ribeiro e Diana Almeida

Produção Executiva: Diana Almeida

Direção de Fotografia: Pierre de Kerchove

Direção de Arte: Olivia Helena Sanches

Montagem: Cristian Chinen

Produção: Lacuna Filmes

Elenco: Ghilherme Lobo, Fabio Audi e Tess Amorim

REFERÊNCIAS

CARVALHO; Alana Nagai Lins de; SILVA, Joilson Pereira da. Sexualidade das pessoas com deficiência: uma revisão sistemática. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/20.pdf>. Acesso em 18 de maio de 2021.

CENTENO, Antonio. Estar vivo es estar atravessado pela disposição ao prazer. [Entrevista concedida a] Víctor M. Amela. Disponível em <https://www.lavanguardia.com/lacontra/20170501/422188080583/estar-vivo-es-estar-atravesado-por-la-disposicion-al-placer.html>. Acesso em 18 de maio de 2021.

DUTRA, Mari. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência ainda é tabu. Disponível em: < https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.

GAVÉRIO, Marco Antonio. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência é tabu. [Entrevista concedida a] Mari Dutra. Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.

VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 17 de maio de 2021.

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Intocáveis: desdramatizando limitações

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O filme “Intocáveis” retrata como Philippe, um homem endinheirado, após sofrer um acidente que o deixou tetraplégico, se relaciona com Driss, um jovem problemático,  sem experiência em cuidar de pessoas, mas que é contratado para ser seu assistente. Envolvendo drama e comédia, a obra é um retrato sensível da vida com deficiência, além de ressaltar a importância das relações que envolvam sinceridade e empatia, deixando de lado a pena pelo outro.

Os opostos são evidentes no filme. Um casmurro homem na meia idade e um jovem folgazão. Um milionário e seu cuidador cuja família vive em um reduto miserável da França. Contudo, dessas aparentes contradições e mundos opostos o filme absorve diversas lições, sem deixar de lado a leveza ao tratar os dramas. Se a diversidade é algo natural, o fato desses opostos torna-se um detalhe belo das diferenças humanas, as quais, não obstante, resultam na união entre esses polos distintos.

O que parece desgastado clichê, a ideia de que todos os seres humanos são sociais, e têm necessidades uns dos outros para as mais variadas situações, é retratada como amostra na história desses dois homens, e serve como premissa ao longo do filme, sem ênfase excessiva na tetraplegia do personagem central, pois ele, mais que tetraplégico, é pai de uma adolescente conturbada, tem apreço pela arte, tem tido aproximações com uma mulher, ainda preza pela aventura apesar do acidente que marcou o resto de sua vida, entre outros aspectos que seriam ignorados por uma perspectiva enviesada e reducionista.

A enorme diferença entre os dois personagens principais faz com que ambos aprendam um do outro, apoiando-se para superar os obstáculos de cada um. Em um mundo onde sujeitos com certas deficiências são rotulados a ponto de sofrerem exclusão, onde as pessoas são separadas por “aqueles sim, aqueles não”, o filme relembra que as aparências não importam – ou não deveriam importar – Driss, o cuidador, não julga Philipe por sua deficiência, nem Philipe julga seu cuidador por um histórico supostamente perigoso.

Fonte: encurtador.com.br/uvzFQ

O preconceito é derrubado quando as partes envolvidas se permitem conhecer e serem conhecidas, ainda que no fundo existam pequenas desconfianças, sobretudo por parte da família de Philipe. A grande questão é não permitir que essas suspeitas se tornem gritantes a ponto de determinarem o comportamento que leva à exclusão e intolerância.

Certamente com frequência somos, em alguma medida, movidos por estereótipos, que são crenças sobre outros grupos, as quais são generalizadas, num mecanismo usado para simplificar o mundo e dirigir nossa atenção ao que é relevante. Tais convicções podem estar corretas, equivocadas ou exageradas (VIGO, 2015). Os estereótipos podem ser mais ou menos certeiros, mas há problema quando são generalizados e tomados como verdades absolutas.

Segundo Vigo (2015), os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado, e manter tal conclusão mesmo que haja provas contrárias, sendo, portanto, juízo parcial, obstinado e geralmente desfavorável a quem é julgado. Assim, os preconceitos nos coagem contra certas pessoas, simplesmente porque as identificamos com um grupo em particular. Isso é refletido como atitude através de sentimentos, predisposições, cognições e crenças. Em síntese, os estereótipos são as crenças que temos sobre um grupo, e os preconceitos são as atitudes, geralmente negativas, as quais levamos a cabo com relação a dado grupo social.

Vale ressaltar que, devido a um mundo complexo, onde recebemos grandes quantidades de informação de diversas fontes, que nos implicam na necessidade de tomar decisões, tais decisões precisamos tomá-las sem tempo suficiente para analisar tudo que é recebido. Assim, é necessário algum mecanismo para simplificar a realidade, sendo a categorização um desses mecanismos, com a qual organizamos o mundo classificando objetos e pessoas em grupos. Se classificamos as pessoas em grupos, podemos conseguir informação relevante e útil sem demasiado esforço (VIGO, 2015). O problema é que os preconceitos e estereótipos sirvam, não apenas como método rápido de obter informação, para usarmos essas informações de forma maléfica e injusta com outras pessoas.

Fonte: encurtador.com.br/hxX24

Driss nunca sentiu pena de Philipe, contudo, com seu carisma exacerbado, demonstrou empatia. – Na verdade, por justamente perceber que não era visto como coitado pelo rapaz, que o homem o contrata. Numa cena simbólica, após ouvir acerca do fato de Driss ser uma pessoa suspeita, negro, de uma “gente que não tem pena de ninguém”, Philippe responde que quer alguém sem piedade de sua condição.

É dito que sentir empatia pelos outros resulta na percepção de ver capacidades, e não as deficiências. Pelo contrário, sentir pena é portar-se como superior com relação à pessoa que supostamente provoca pena. Nesse caso, uma suposta compaixão tem na base um senso de ter tido sorte, ao contrário do outro que padeceu um infortúnio e é incapaz de muita coisa. Philippe percebia que seus parentes o tratavam como uma criança fragílima, digna de proteção e misericórdia, ao contrário de Driss, quem chegava a parecer indiferente à condição daquele sob seu cuidado.

No trato com pessoas com deficiência, é importante ter o cuidado de que as palavras e atitudes não denotem um paternalismo frio ou dramático, nem um senso de superioridade com relação ao outro. Afinal, indo além da mobilidade reduzida, todos têm algum tipo de deficiência ainda que mínima, razão pela qual recorremos a técnicas e ferramentas assistivas – como, além de cadeiras de rodas, os óculos etc. – que nos permitam uma melhor vida.

É preciso considerar que as habilidades funcionais das pessoas variam muito. A visão e audição variam de perfeita a nenhuma, os níveis de alfabetização e memória variam conforme as condições como dislexia, autismo, demência e estresse. Também as habilidades físicas das pessoas variam conforme as diferenças de mobilidade, destreza, força e níveis de dor (DUGGIN, 2016).

Fonte: encurtador.com.br/cvxF3

Contudo, reconhecer isso é um desafio numa sociedade capacitista, que não enxerga uma pessoa com deficiência como um ser humano “normal”, mas como indivíduo inferior, de menor valor, que não deve ser tratado da mesma forma. É preciso reconhecer que, no contexto brasileiro, em 2018 havia 14 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (DIAZ, 2021).

Por fim, cabe citar que o filme também mostra como levar a vida com humor a torna maravilhosa. Todos têm defeito, às vezes rir deles pode fazer bem. Driss e Philipe têm uma vida repleta de ironias e dificuldades, mas eles não ficam estagnados nisso. Assim sendo, a principal lição do filme nos mostra que a deficiência não deve causar piedade na sociedade, mas ser tida como parte do que é ser humano, logo, não provocando surpresa ou desconfiança nos que não apresentam aparente condição médica. Quando se tem essa perspectiva, o sujeito é considerado mais além de sua deficiência, tido como alguém com potencialidades e que tem algo a oferecer, como qualquer pessoa.

Ficou evidente como as relações são importantes no processo de inclusão, indo além das meras mudanças de infraestruturas em prol da acessibilidade. Quando as relações são genuínas e marcadas pela conscientização, longe dos preconceitos, a deficiência torna-se apenas um detalhe, porque o sujeito, apesar de suas limitações, tem consigo mais do que possa sugerir seus aspectos externos.

Fonte: encurtador.com.br/djkOV

FICHA TÉCNICA DO FILME

Título Original: Intouchables

Duração: 112 minutos

Ano produção: 2011

Estreia: 31 de agosto de 2012

Distribuidora: California Filmes

Dirigido por: Eric Toledano, Olivier Nakache

Orçamento: € 9 500 000 milhões

Classificação: 14 anos

Gênero: Drama

Países de Origem: França

Referências

DIAZ, Luccas. O que é capacitismo e por que todos deveriam saber. Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/o-que-e-capacitismo-e-por-que-todos-deveriam-saber/>. Acesso em 17 de maio de 2021.

DUGGIN, Alistair. What we mean when we talk about accessibility. Disponível em: <https://accessibility.blog.gov.uk/2016/05/16/what-we-mean-when-we-talk-about-accessibility-2>. Acesso em 17 de maio de 2021.

VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 17 de maio de 2021.

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