Estigmas e bifobia: o apagamento bissexual dentro da própria comunidade

Compartilhe este conteúdo:

Para aquele que identifica-se como bissexual há sempre uma dupla jornada: a aceitação dentro da própria comunidade e a luta contra os estigmas sociais.

As orientações sexuais, conforme compreendidas na contemporaneidade, representam maneiras de viver através das quais buscamos compreender e explicar certos comportamentos, preferências e desejos (Simões; Facchini, 2009). Dominantemente, a compreensão das diversas sexualidades é influenciada por uma lógica que associa o sexo biológico, o gênero e o desejo, estabelecendo relações de oposição entre categorias binárias como feminino-masculino, homem-mulher e heterossexual-homossexual. Através dessa estrutura interpretativa, a norma heterossexual procura assegurar que as relações afetivo-sexuais dos indivíduos se baseiem em representações e papéis de gênero estritamente binários (Butler, 2018).

Quando se aborda práticas sexuais não alinhadas com a heteronormatividade, as bissexualidades e outras expressões sexuais fluidas ainda enfrentam desafios de compreensão. De fato, ao longo do tempo, as práticas bissexuais foram e continuam sendo frequentemente marginalizadas, associadas a estigmas como ilegitimidade sexual, não monogamia, infidelidade e transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). A bissexualidade, muitas vezes percebida como ambivalente, é por vezes invisibilizada na cultura que segue padrões heteronormativos e binários, sendo considerada uma orientação sexual questionável e controversa. Diante da dicotomia entre as categorias heterossexual e homossexual, a possibilidade de diversificar o objeto de desejo tem gerado tensões e conflitos dentro dos movimentos LGBTQIAP+ (Lewis, 2012).

Embora o termo “bissexual” tenha sido cunhado apenas no século XX para descrever a sexualidade de pessoas que sentem atração por mais de um gênero, as práticas que hoje identificamos como bissexuais já foram documentadas em épocas passadas e em diversas culturas. Exemplos incluem a antiguidade grega, japonesa e romana, bem como rituais de povos indígenas. Nas mitologias grega e romana, por exemplo, a “bissexualidade” era frequentemente atribuída à sexualidade de deusas e deuses (Lewis, 2012).

O termo “bifobia” está associado ao processo de invisibilidade e deslegitimação das experiências bissexuais, sendo utilizado para descrever reações negativas de pessoas heterossexuais, lésbicas e gays em relação à bissexualidade. Embora essa compreensão seja amplamente adotada por aqueles que se identificam como bissexuais, é comum que lésbicas e gays questionem sua legitimidade, argumentando que bissexuais só enfrentam discriminação quando estão em relacionamentos com pessoas do mesmo gênero. Nesse sentido, algumas pessoas lésbicas e gays sugerem que a discriminação enfrentada pelos bissexuais seja enquadrada nos termos da homofobia ou lesbofobia (Goob, 2008).

                                                                                        Fonte: Gerd Altmann por Pixabay

A deslegitimação da bissexualidade é um dos desafios enfrentados no autoconhecimento acerca da própria sexualidade

 

Além do conceito de bifobia, um termo cada vez mais proeminente na militância bissexual no Brasil e nas discussões acadêmicas internacionais é o “monossexismo”. Este termo é utilizado para descrever a crença social de que as orientações monossexuais (como heterossexualidade, homossexualidade e lesbianidade) são superiores e mais legítimas do que as orientações não monossexuais (como bissexualidade, pansexualidade, polissexualidade e sexualidades fluidas) (Ross, Dobinson, Eady, 2010). O monossexismo, conforme proposto por Shiri Eisner (2013), é concebido como uma estrutura social que pressupõe que todas as pessoas são monossexuais e considera desviantes as outras expressões e modulações da sexualidade.

Devido a uma percepção equivocada que as considera erroneamente como uma combinação de heterossexualidade e homossexualidade, as bissexualidades são frequentemente vistas como uma ameaça à coesão da identidade e do movimento homossexual. Como resultado, pessoas bissexuais frequentemente enfrentam marginalização dentro da comunidade LGBTQIAP+ (Lewis, 2012). É comum que pessoas bissexuais encontrem dificuldades em assumir sua sexualidade em ambientes predominantemente gays e lésbicos. Algumas afirmam que seria mais simples se conformar com a heterossexualidade ou até mesmo assumir uma identidade homossexual, em vez de sustentar abertamente uma identidade bissexual  (Gómez; Arenas, 2019).

No contexto de apagamento enfrentado pelas pessoas bissexuais, que envolve a negação de sua existência e a dificuldade em serem reconhecidas como bissexuais em contextos sociais, o processo de construção de suas identidades é frequentemente permeado por sentimentos como solidão e confusão. Esse cenário contribui para a vivência de vulnerabilidade, insegurança, arrependimento, frustração e impacta negativamente a qualidade de vida, a autoimagem e as relações interpessoais dos indivíduos. A bifobia é percebida como uma forma de violência silenciosa, manifestando-se em diversos contextos e tendo repercussões significativas na vida daqueles que a enfrentam diariamente  (Gómez, Arenas, 2019).

E diante dessas questões a bifobia é deslegitimada e colocada em cheque como algo superficial ou até mesmo inexistente. A minimização da bifobia como forma de preconceito é, em grande parte, decorrente da concepção equivocada de que pessoas bissexuais desfrutam da vantagem de evitar a discriminação ao se relacionarem com alguém de gênero diferente do seu. Essa percepção sugere que bissexuais seriam privilegiados em comparação com indivíduos homossexuais. A suposta proximidade dos bissexuais com a heterossexualidade levanta questionamentos sobre o potencial subversivo das bissexualidades em relação ao sistema heteronormativo (Caproni Neto, 2017).

Essa situação não apenas ameaça a expressão da sexualidade do indivíduo, mas também afeta a concepção pessoal de si mesmo, de quem é e do que sente. Paveltchuk, Borsa e Damásio (2019) destacam que a confrontação e a internalização de estigmas por pessoas bissexuais podem resultar em auto julgamentos negativos e questionamentos sobre sua sexualidade, levando a elevados níveis de confusão identitária e impactando adversamente a saúde mental desse grupo. Há uma pressão, tanto interna quanto externa, para que a experiência bissexual seja interpretada à luz da homossexualidade ou da heterossexualidade, uma vez que a bissexualidade, por si só, não é considerada uma opção válida.

Por fim, é claro que posicionar as bissexualidades como um dispositivo de subversão do sistema monossexista e binário, e como uma “categoria que desafia a categorização” (Caproni Neto, 2017), é crucial na construção do debate sobre os diversos mecanismos de opressão social. No entanto, é fundamental realizar um movimento de humanização das pessoas que vivem nessas áreas de tensão política e social, narrando diariamente as histórias que buscamos legitimar. No final do dia, são simplesmente indivíduos tentando viver – e sobreviver – em um mundo ainda fundamentado em um sistema heteronormativo, binário e monossexista.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

CAPRONI NETO, Henrique Luiz. A bissexualidade (des) organizada: desenhos, estigmas e subversões. SEMINÁRIOS EM ADMINISTRAÇÃO DA FEA-USP, v. 20, 2017. Disponível em: <

DE OLIVEIRA PAVELTCHUK, Fernanda; BORSA, Juliane Callegar; DAMÁSIO, Bruno Figueiredo. Indicadores de bem-estar subjetivo e saúde mental em mulheres de diferentes orientações sexuais. Psico, v. 50, n. 3, p. e31616-e31616, 2019. Disponível em: <https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/31616> Acesso em 15 de novem. 2023.

EISNER, Shiri. Bi: Notes for a bisexual revolution. Seal Press, 2013.

 

GOOß, Ulrich. Concepts of bisexuality. Journal of Bisexuality, v. 8, n. 1-2, p. 9-23, 2008. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15299710802142127> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

GÓMEZ, Juan Pablo Perera; ARENAS, Ysamary. Development of Bisexual identity. Ciencia & saude coletiva, v. 24, p. 1669-1678, 2019. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csc/a/VPxGFPV9CLHDtnDNMwBKr4w/?format=html&lang=en> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

LEWIS, Elizabeth Sara. Construções Identitárias em narrativas de ativistas LGBT que se identificam como bissexuais. 2012. Tese de Doutorado. PUC-Rio.

 

ROSS, Lori E.; DOBINSON, Cheryl; EADY, Allison. Perceived determinants of mental health for bisexual people: A qualitative examination. American journal of public health, v. 100, n. 3, p. 496-502, 2010. Disponível em: <https://ajph.aphapublications.org/doi/full/10.2105/AJPH.2008.156307> Acesso em 15 de novem. 2023.

 

SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. Editora Fundação Perseu Abramo, 200

Compartilhe este conteúdo:

BIFOBIA: Violência simbólica contra pessoas bissexuais

Compartilhe este conteúdo:

Maria Sueli de Souza Amaral Cury (Acadêmica de Psicologia) – suelicury@gmail.com

 

Bifobia, uma violência simbólica e genuína,  presente em nossa sociedade, cuja violência possui como berço o seio familiar, a qual de forma velada e por  não aceitar as diferenças ou por impor o padrão heteronormativo, agridem os seus familiares bissexuais em virtude de uma crença limitante que os indivíduos nascem bem definidos a partir do sexo biológico.

O tema em tela, é relevante e urgente para ser tratado na atual sociedade do conhecimento. Importante entender que as relações de gênero estão intrinsecamente ligadas ao preconceito em torno da bifobia. Às relações sociais de poder entre homens e mulheres, onde cada um tem seu papel social que é determinado pelas diferenças sexuais. Essa relação de desigualdade imposta pela sociedade que se dá muito antes da criança entrar na escola e é comum em espaços familiares e sociais onde o sujeito se desenvolve, pois reforça os preconceitos e privilégios do sexo masculino em detrimento do sexo feminino na construção da identidade sexual de homens e mulheres que tem a disciplina como instrumento para orientar a conduta das crianças segundo seu gênero.

Compreender o conceito de gênero possibilita identificar os valores atribuídos a homens e mulheres, bem como as regras de comportamento decorrentes desses valores. Pois, nesta lógica fica mais evidente a interferência desses valores e regras no funcionamento das instituições sociais, como a escola, a influência de todas essas questões na vida acadêmica, social e familiar o que possibilita entendimento com relação aos processos formativos de homens e mulheres na vivência individual e coletiva.

                                                                                    https://publicdomainvectors.org/

Símbolo da bissexualidade feminina

Partindo deste pressuposto, é importante entender o gênero como um conjunto de características sociais, culturais, políticas, psicológicas, jurídicas e econômicas atribuídas às pessoas de forma diferenciada de acordo com o sexo. É derivado de construções socioculturais que variam muito ao longo da história, se referindo ao papel psicológico, e evidentemente cultural, que o meio social atribui a cada ser, considerando-o “masculino” ou “feminino”, (Scott, 1995).

Segundo Joan Scott (1995) “gênero deve ser visto como elemento constitutivo das relações sociais, baseadas em diferenças percebidas entre os sexos, e como sendo um modo básico de significar relações de poder”.

Portanto, faz-se importante discutir o preconceito ligado a bifobia, termo este sofrido por pessoas que se veem como bissexuais, ou seja, sujeitos que se envolvem amorosamente com homens e mulheres. Esse preconceito está ligado a invisibilização e deslegitimação das experiências vividas por pessoas bissexuais, que tem como resultado ações e comentários maldosos, (BRASIL,2023).

A bifobia apresenta é multifacetária, e uma de suas faces está a hipersexualização que está ligada a uma sociedade hedonista e consumista com super valorização da imagem. E, com isso, cria – se estereótipos que afetam sobrenodo o sexo feminino, a hipersexualização é um fenômeno que foi constituído para atribuir caráter sexual a um determinado comportamento atribuindo o uso excessivo de estratégias centradas no corpo a fim de seduzir, (Teixeira,2015).

                                    Fonte: pixabay.com/pt/illustrations/corações-cor-rosa-entrelaçado

Nesse contexto, a hipersexualização de indivíduos bissexuais ainda está ligada preconceitos que dizem que essas pessoas são promiscuas e infiéis, reforçados pela crença de que bissexuais precisam estar o tempo todo se relacionado com os dois gêneros para se satisfazerem emocionalmente. Assim, quando são percebidas como ameaça ao bem estar afetivo dos seus parceiros/as, bissexuais encontram maior obstáculos para serem considerados como opção para relacionamentos estáveis e duradouros, taxados muitas vezes de superficiais, (Teixeira,2022).

Outra face da bifobia é a fetichização de mulheres bi que é demonstrado por meio dos convites ligados a práticas de ménage à trois, termo vindo do francês para se referir “moradia para três”, termo muito utilizado para relação sexual entre três pessoas de forma consensual ou seja por ser uma pessoa bi sexual acham que e este sujeito está aberto a qualquer convite. A popularização desse preconceitos e de outros biofóbicos tem causado dificuldades para esses pessoa se identificarem e ao mesmo tempo se aceitarem como bissexuais, com isso, configura-se ainda como determinante de sofrimento para aqueles que se atrevem a assumirem sua orientação sexual abertamente. Brasil (2022).

O debate sobre o tema bifobia tem ganhado relevância em razão do aumento nos casos de agressão nas suas mais diversas formas, nesse sentido, tem colaborado para a perda da qualidade de vida entre essas pessoas, contribuído com o aumento dos custos sociais relacionados aos cuidados em saúde, previdência, ausência acadêmicas e ao trabalho, entre outros.  A violência no contexto atual ainda é um dos maiores índices de desestruturação familiar e pessoal, e suas marcas, muitas vezes perpetuam-se entre as gerações futuras. (Neiva, 2010).

                                                                                Fonte: https://br.freepik.com/foto

Diante do contexto em voga, observa-se que a bifobia,tem que se tratada , também, como preconceito, considerado uma ideologia com vasta amplitude, complexa, sistêmica, violenta, que se mistura e participa da cultura, da política, da economia, da ética, enfim da vida subjetiva do sujeito vinculada aos meios sociais e institucionais. Para mais, é considerado uma estratégia de dominação que estrutura a nação e cada um de nós e tendo como base a presunção de que existe sujeitos superiores e inferiores. Outro ponto a ser considerado ligado a temática é o sexismo fundamenta-se no pressuposto ideológico de que há uma identidade de gênero superior, a do homem heterossexual, e que as demais são consideradas inferiores e o classismo crença de que os ricos são considerados superiores em relação aos pobres. Brasil (2022).

Outra face é a heterossexualidade compulsória, termo utilizado na concepção social que indica ser a heterossexualidade uma inclinação socialmente imposta nos indivíduos e que, por tanto, deve ser adotada de maneira livre da possível orientação sexual de cada pessoa. Consequentemente, quando uma pessoa se identifica de maneira diferente desta orientação é taxada de depravado/a ou um sujeito desviado.

Em síntese, as bissexualidades lutam por visibilidade social, desafiando/ afrontando as relações heteronormativas de oposição entre categorias de gênero, sexualidade, afetos e desejos e, por lutarem por visibilidade, acabam por terem que enfrentar instituições ou dispositivos que espalham estereótipos os quais  firmam que essas pessoas estão fora dos ditames normais de uma sociedade. Para tanto, defrontam com violências  simbólicas,  físicas e psicológicas.

 

 

 

REFERÊNCIA

NEIVA, K. M. C. Intervenção Psicossocial: aspectos teóricos, metodológicos e experiências práticas. São Paulo. Vetor. 2010.

SCOTT, J. W. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1995, pp. 71-99. apud SILVA, R. dos S.

SILVA, Q. da. SEXO, GÊNERO E PODER: UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NO COTIDIANO ESCOLAR. XII Seminário Nacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. 2016.

Sites consultados

https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/noticias/o-que-e-bifobia https://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/view/8718/6277

Compartilhe este conteúdo:

Como a bifobia pode repercutir na saúde mental do adolescente

Compartilhe este conteúdo:

A adolescência é uma fase crucial e especial no processo de desenvolvimento físico, psicológico e social do indivíduo. Ela é considerada uma transição entre a infância e a idade adulta e é caracterizada por intenso crescimento e mudanças que se manifesta por marcantes transformações anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais. É uma etapa na qual o indivíduo busca a identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações afetivas, já interiorizadas, que teve com seus familiares, ao observar a realidade que a sociedade lhe oferece.

É importante ressaltar que a identidade do adolescente ainda está em processo de construção. A identidade, segundo Erikson (1972), forma-se quando os jovens resolvem três questões importantes: a escolha de uma ocupação, a adoção de valores sob os quais vivem e o desenvolvimento de uma identidade sexual satisfatória. No entanto, a identidade sexual satisfatória é, às vezes, negligenciada pela família e pela sociedade que não aceita e nem acolhe a orientação sexual diferente daquela construída socialmente.

E quando o adolescente se apresenta como bissexual, surge um desafio ainda maior, porque, muitas vezes, enfrenta conflitos internos, especialmente as dificuldades familiares e sociais, quanto à aceitação de sua orientação sexual. Tal ponto pode traumatizar, adoecer e dificultar a transição do adolescente para a vida adulta.

Mas o que é a bifobia? É o ato de deslegitimar a sexualidade de alguém que é bissexual. É agredir verbalmente ou fisicamente por sua condição existencial de ser. É qualquer reação de ódio ou aversão contra a pessoa bissexual. É aquela pessoa que não sabe respeitar e acolher a orientação sexual de outrem.

Segundo alguns estudiosos, entre eles a sexóloga e psiquiatra, Dra. Carmita Abdo: a “sexualidade é o principal polo estruturante da personalidade e da identidade”. Dito isso, é oportuno diferenciar sexo de sexualidade. Ainda de acordo com a Dr. Carmita, sexo não necessariamente é atividade sexual, mas é libido. É a força que nos põe na cama e a energia que nos tira dela. A energia libidinal que nos faz ter interesse no sexo é a mesma que nos dá interesse pela vida. Tais referências são retiradas do livro “Sexualidade Humana e Seus Transtornos”.

Quando alguém age de forma desrespeitosa contra outra pessoa, em especial um adolescente, por causa de sua orientação sexual, como no caso em voga, os bissexuais, essa pessoa está corroborando com o adoecimento psíquico e ofuscando a identidade de daquele que está em processo de desenvolvimento psicossocial, trazendo consequências em sua autoestima, em sua autoconfiança. Em casos mais graves, tais atitudes desencadeiam depressão, ansiedade ou outros transtornos psiquiátricos, emocionais, psicológicos e até provocando o suicídio em alguém. Portanto, é grave o efeito do preconceito na vida de quem não enquadra nas crenças construídas culturalmente pela sociedade.

 E o que é o preconceito? É um pré-julgamento. Veja o prefixo “pré” que significa “antes de”. É um juízo de valor formulado de forma antecipada, baseando-se em estereótipos ou generalizações que podem resultar em atos de discriminação, agressões físicas ou verbais, psicológicas e emocionais. No caso em questão, a identidade do adolescente e sua personalidade também são afetadas por atitudes desrespeitosas. Há vários tipos de preconceitos em nossa sociedade como a condição social, nacionalidade ou de origem, orientação sexual, identidade de gênero, etnia, raça e sotaque.

A UNESCO em 2018 conceituou a sexualidade como uma dimensão do ser humano, incluindo: a compreensão do corpo e a relação com ele, além do apego emocional e amor, sexo, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, intimidade sexual, prazer e reprodução. Sua complexidade envolve dimensões de ordem biológica, social, psicológica, espiritual, religiosa, politica, legal, histórica, ética e cultural, que evoluem ao longo da vida. Por consequência, o adolescente em processo de desenvolvimento, ao se afastar de si, de sua essência, de um dos pilares de sua existência humana, dificilmente seguirá com a saúde mental saudável.

Na prática clínica, como estudante de psicologia, em período de estágio, escutei casos em que o pré-adolescente, de determinada idade, passou por fases confusas tentando se encaixar, pois a sociedade adulta exige que se escolha apenas um sexo. E depois passou a viver em um relacionamento hétero afetivo porque era o “certo”, mas com o tempo foi tendo clareza de sua orientação sexual homoafetiva, embora a família preferisse o seu envolvimento com o sexo oposto. Na escuta clínica, escutei, também, discursos de pacientes em que a família prefere o relacionamento afetivo com sexo oposto a se relacionar com alguém do mesmo sexo ou com ambos os sexos, no caso os bissexuais.

Acredita-se que a informação e a educação sejam uma forte “arma” para combater a bifobia ou qualquer outro tipo de preconceito. A educação sexual é algo que deveria ser incorporado na grade curricular das escolas e faculdades, tendo em vista que é um dos pilares da personalidade e na consolidação da identidade do ser humano em desenvolvimento. A educação sexual previne diversos abusos, educa a sociedade quanto à diversidade sexual e reforça a saúde mental, em especial daqueles que estão em desenvolvimento. O respeito é ensinado desde o núcleo familiar primário e repercute em todas as espera da sociedade, sendo a escola e a universidade complementares nessa tarefa de educar o ser humano.

A Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, estabelece que: “Art. 2º A criança e o adolescente gozam dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes asseguradas a proteção integral e as oportunidades e facilidades para viver sem violência e preservar sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social, e gozam de direitos específicos à sua condição de vítima ou testemunha. Art. 3º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, às quais o Estado, a família e a sociedade devem assegurar a fruição dos direitos fundamentais com absoluta prioridade”.

Portanto, o adolescente vive as mudanças e transformações que lhes são próprias da faixa etária, mas os bissexuais que, por vezes, não se encaixam dentro do que esperado pela sociedade ou pela família, passam por inúmeros sofrimentos ou prejuízos em todas as espera da vida. Assim, por preconceito social ou pela interpretação equivocada da família, que acreditam que a pessoa que se atrai por ambos os sexos é indecisa ou promíscua, estão potencializando os danos à saúde mental. Além dos fatores externos, alguns se recolhem em si, por vergonha ou até mesmo autopreconceito e não conseguem se expressar, de forma pública ou privada, a sua orientação sexual, necessitando assim, de auxílio especializado para tanto.

Referências:

Aspectos da sexualidade na adolescência – disponível em: .https://www.scielo.br/j/csc/a/frXq7n3jXMmhzSmJqRWPwnL/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 11 de outubro de 2023.

ERIKSON, Erik H. Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

PAPALIA, D. E. e FELDMAN, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano. Porto Alegre, Artmed, 12ª ed.

Compartilhe este conteúdo: