Um corpo que sente e é sentido: a experiência de transitar a vida durante e depois de um transtorno alimentar

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Um relato do começo da minha adolescência com anorexia.
Atenção: esse texto contém relatos sensíveis sobre transtornos alimentares.
Autoria anônima

A adolescência é marcada por diversas mudanças fisiológicas e psicológicas, além de ser uma fase em que a influência das redes sociais é notável. Tendo isso em vista, muitas meninas adolescentes são atingidas pelas demandas da sociedade com relação ao corpo. Neste contexto, o desenvolvimento de transtornos alimentares pode ser um risco, uma vez que a cultura da magreza é posta como algo essencial para o valor feminino e isso é acentuado durante a adolescência.
Segundo Silva e Daniel (2020) os transtornos alimentares (TAs) são condições psiquiátricas determinadas por uma alteração crítica do comportamento alimentar, o que pode comprometer a saúde física e psicossocial. O transtorno que será tratado aqui é a Anorexia Nervosa (AN), que pode ser descrita como um distúrbio no qual o indivíduo faz uma restrição na ingestão calórica em relação às suas necessidades diárias, chegando até a parar de comer completamente. O temor persistente com o ganho de peso e a desordem na percepção do próprio corpo é uma característica observada em pessoas que apresentam esse transtorno.

Também existe a bulimia nervosa, que é caracterizada quando o indivíduo tem episódios regulares de compulsão alimentar, desordem na percepção do corpo e comportamentos de compensação pelo alimento ingerido durante a compulsão alimentar. Esses transtornos podem se tornar mais evidentes durante a adolescência devido às mudanças citadas.

Eu fui uma das adolescentes atingidas pela anorexia nervosa, me vi envolvida em demandas que nem sempre foram minhas e recorri ao que estava mais próximo de mim , ou seja, as redes sociais. Quando eu estava no auge dos meus 12 anos comecei a encontrar defeitos no meu corpo e não sabia o que fazer com eles, pra onde levar, como resolver? Vi no Tumblr a saída ideal: parar de comer. Claro que não consegui parar totalmente de um dia para o outro, mas fui aos poucos.

Comecei a não tomar café da manhã, algo que eu gostava tanto, para um sacrifício maior. Tudo o que eu estava fazendo fazia sentido na minha cabeça, se eu não tomar café meu corpo vai ficar com o aspecto mais magro por mais tempo, mas logo isso não foi o suficiente. Depois disso fui procurar dicas em site da internet de como poderia emagrecer mais rápido e encontrei páginas, perfis que além de dar essas dicas postavam fotos de meninas magérrimas (anoréxicas) e de como elas estavam felizes pois conseguiram atingir o objetivo maior, o único que importava, que era o de ser magra.

Parti de não tomar café da manhã para tomar somente água com gelo quando sentia fome e a almoçar sozinha, para que tivesse a cozinha somente para mim e pudesse jogar a maior parte da comida que estava no prato fora. Isso tudo trouxe consequências, me sentia fraca o tempo inteiro, estava irritada, dormia muito e me sentia terrivelmente triste, claro que eu achava que era porque eu não estava magra ainda mas era por falta de nutrientes. Isso não passou despercebido pela minha família.

Meus pais estavam preocupados comigo porque além de estar irritada o tempo inteiro eu estava engordando. Na época isso foi um dos motivos de ter continuado porque pensei como assim não está funcionando? Ficar sem comer por horas e saciar minha fome em “besteiras” parecia o caminho certo, o que mais eu precisava fazer? Recorri novamente à minha fiel plataforma social e procurei mais afundo dicas, formas, jeitos milagrosos de não sentir fome e finalmente emagrecer.

Nisso encontrei novos objetivos para mim que eram como metas, primeiro eu preciso que os ossos da minha clavícula estejam à mostra, depois que minhas pernas não encostem uma na outra, que os ossos das minhas mãos estejam mais acentuados e assim vai. Criei essa rotina de fantasiar meu corpo ideal constantemente quando estava com fome e comer muito pouco quando era obrigada. 

Para as anoréxicas, os limites do corpo quase se apagam diante das circunstâncias em que vivem, do cotidiano de seus relacionamentos, dessa rede de relações concretas e afetivas em que estão submersas. Toda condição e situação que a rigor está matizada nessa imagem disforme que a anoréxica tem de si mesma e que se expressa pela insatisfação com o tamanho do seu corpo e a perda de peso (GIORDANI, 2006).

Depois de um tempo passei a notar pequenas mudanças, meu anel que usava todos os dias não ficava mais no meu dedo, meu cabelo começou a cair, se eu me machucava a ferida demorava o dobro do tempo para cicatrizar, meus ossos da clavícula finalmente começaram a aparecer e o pior de tudo, não conseguia dormir durante a noite. Em meio a essas mudanças, eu sentia vontade constante de não estar viva e não ter que lidar com meu próprio corpo, não queria mais ter os braços que eu tinha, o rosto que eu tinha e os peitos que eu tinha.

Quando aqueles ao meu redor notaram que eu estava mais magra me elogiavam e aquilo alimentava a minha fome, eu pensava que precisava ficar mais magra ainda porque só assim eu seria feliz, eu teria notas boas, eu teria mais atenção dos amigos e vestiria roupas mais bonitas. Além de notar minha nem tão repentina magreza, minha família notou a irritação, os fios de cabelo que eu deixava para trás e a tristeza aos poucos me consumindo.

Em um dia que eu guardei comigo eu fui passear na chácara do meu tio e não tinha me sentido bem daquela forma em muito tempo, peguei sol, tomei banho no lago e fiquei longe do celular. Na volta fui olhando a natureza e sentindo o vento no rosto pensei que talvez a vida não fosse somente sobre o nosso corpo, sobre ser magra, talvez eu poderia pensar em outras coisas. Quando voltei para casa a realidade bateu no peito e senti que estava traindo tudo aquilo que “acreditava” e todas aquelas pessoas que eram da minha comunidade de anoréxicas. 

Enquanto tudo isso acontecia eu já estava mais velha, com 14/15 anos e sentia que estava entrando em um buraco sem fundo, o sentimento de não me encaixar e de ter que emagrecer diminuiu e a tristeza tomou conta. Talvez foi uma consequência do que eu fazia antes ou de onde eu navegava pela internet mas me vi nesse lugar diferente mas muito parecido com antes. 

Minha recuperação só começou porque enquanto eu estava pesquisando sobre como emagrecer ou como não existir mais de forma menos dolorosa eu também encontrava posts que diziam que eu poderia melhorar, que eu precisava de ajuda e que ser magra não é tudo. Procurei ajuda profissional quando senti que não aguentava mais, ou era isso ou não era mais nada. 

Enquanto ia melhorando com a ajuda de medicação, psicóloga e dos meus amigos foi caindo a ficha do dano que eu tinha feito no meu próprio corpo, eu não lembrava de coisas que tinha estudado, não lembrava de acontecimentos importantes e menos cabelo e mais cicatrizes. Apesar de me sentir melhor, ainda existia uma voz na minha cabeça que dizia que eu precisava emagrecer, não era o suficiente ser feliz e me sentir bem, eu precisava daquilo para a minha vida fluir melhor.

Fui crescendo, melhorando, comendo e consequentemente engordando, era uma sensação estranha estar bem e ainda assim não ser magra. Atribui meu peso novo a minha felicidade e ao estar bem com o meu corpo e cheguei a conclusão que quanto mais magra eu era mais triste eu estava e vice versa, isso ia contra tudo o que as pessoas na minha comunidade acreditavam então larguei de vez o aplicativo, exclui todas as fotos de corpos magros que tinham no meu celular e segui a vida. 

Hoje enquanto adulta vejo o real dano que tudo isso fez na minha vida, passei por coisas que ninguém deveria passar e pensei em diversas formas de destruir o meu corpo pouco a pouco, mas ao mesmo tempo me perdoei, porque eu não sabia pra onde jogar a cobrança da sociedade e era muito nova para entender completamente o que estava acontecendo.

A voz que diz que preciso ser magra ainda ecoa dentro de mim, ainda me pego com hábitos alimentares péssimos, me pergunto de onde eles vem e encontro a resposta na adolescente de 15 anos que absorveu tudo o que a cultura da magreza tinha para dar para ela. Mas encontrei pessoas que passaram pelas mesmas dificuldades, aos trancos e barrancos também se recuperaram e hoje temos o que pode ser chamado de rede de apoio para quando tudo isso voltar. 

A influência que as redes sociais tinham sobre mim era imensa, eu estava me vendo como alguém no mundo e me deparei com defeitos e erros que nem sequer existiam visto que eu estava mudando e passando por um processo natural dos seres humanos. Eu me alimentava de ódio pelo meu corpo e por todos aqueles que se pareciam comigo, sem ver o que estava perdendo do começo da adolescência e comprometendo o futuro.

Se você se identificou com esse relato, saiba que é possível se sentir melhor. Busque ajuda e se acolha junto aos seus… você não está só. Abaixo estão as informações sobre como buscar ajuda. Acesse: https://www.wannatalkaboutit.com/br/ e busque por ajuda <3 

Referências

DA-SILVA, Giulia Gomez; DANIEL, Natália Vilela Silva. Relação do uso de redes sociais com risco de transtorno alimentar e insatisfação corporal em adolescentes escolares. Artigo Original,[s. l], p. 1-9, 2020.

GIORDANI, R. C. F.. A auto-imagem corporal na anorexia nervosa: uma abordagem sociológica. Psicologia & Sociedade, v. 18, n. 2, p. 81–88, maio 2006.

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Maisa Carvalho: os impactos da Pandemia do Covid-19 e a atuação do Consultório na Rua de Palmas-TO

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“É preciso dar visibilidade ao nosso trabalho, porque isso é importante, não só o fazer, mas também é necessário visibilidade” – Maisa Carvalho Moreira

A pandemia do novo Coronavírus gerou impacto em todos os contextos vivenciados pelos brasileiros, inclusive os que estão em situação de rua, alguns órgãos públicos de alguns municípios levantaram medidas para evitar uma possível infecção nas pessoas que permaneceram nas ruas, sem uma forma eficaz de isolamento.

Nesta entrevista para o (En)Cena, a Assistente Social Maisa Carvalho nos traz um conteúdo muito enriquecedor acerca do trabalho com as pessoas em situação de rua e os desafios para atuar nesse contexto na pandemia. Ela é graduada pela Universidade Federal do Tocantins – UFT (2016), especialista em Gestão de Redes de Atenção à Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ (2018), especialista em Saúde Mental pelo Centro Universitário Luterano de Palmas e Fundação Escola de Saúde Pública, através do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental – ULBRA/FESP (2020), Responsável Técnica do Programa Piloto de Justiça Terapêutica do Tribunal de Justiça do Tocantins, atualmente atua na equipe de saúde Consultório na Rua e é pesquisadora nas temáticas voltadas para Saúde e Direitos Humanos: saúde mental, população em situação de rua e feminização de substâncias psicoativas.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena: Durante a pandemia como está sendo trabalhar com essas pessoas? Houve um isolamento inicial no Brasil inteiro, alguns municípios adotaram algumas estratégias para também evitar essa contaminação na população em situação de rua, como está sendo isso em Palmas?

A equipe faz orientações quanto as formas de prevenção além de articular com a rede quando surgem casos positivos para acompanhamento, além de haver propostas de um local de acolhimento que não sei exatamente como está o andamento.

Atualmente o atendimento continua in loco, com administração de medicação via oral ou intravenosa, avaliações clinicas pelo enfermeiro, atividades de promoção e prevenção em saúde, discussões de casos, articulações, visitas, acompanhamento em consultas, pedido de exames, etc. A mudança, porém é que não conseguimos estar transportando todos os pacientes devido ao risco mesmo, tanto para a gente como para eles. Não deixamos de transportar, no entanto se o paciente tem uma certa autonomia, se tiver passe livre, a gente prioriza encontrar no local do atendimento, mas sempre tem aqueles necessitam de um apoio maior.

Fazemos distribuição de máscaras de tecido seguido de orientações a respeito da transmissão e os serviços que devem buscar.

Basicamente o nosso trabalho em si ele não muda muito, muda nos serviços que são da saúde ou por serviços da rede intersetorial que atendem por agendamento, pois estão trabalhando com o número reduzido de profissionais em decorrência da Covid19, o que automaticamente também os números de pessoas atendidas reduzem. Aí dentro desse contexto a gente se adapta, liga, discute o caso, faz agendamento. Mas, não parou o funcionamento, não teve nenhum momento que esse atendimento parou devido a pandemia.

Fonte: encurtador.com.br/hwQ16

(En)Cena: Uma questão na qual muito tem se falado é sobre as pessoas em situação de rua que são imigrantes, como os venezuelanos; tem se visto muito nos sinais de trânsito da cidade, eles ficam com placas, geralmente levam crianças etc. Como funciona o atendimento a essas pessoas? O que se sabe sobre essas pessoas nesse momento em Palmas?

Os venezuelanos a princípio eram um público bem flutuante, eles iam e vinham. Não só em Palmas, mas no Brasil inteiro teve essa onda de imigração, e várias cidades receberam, vários estados receberam um número muito grande de pessoas da Venezuela. Aqui em Palmas agora tem um grupo fixo que já está morando, possivelmente vão continuar, próximo de 30 pessoas mais ou menos. Elas são assistidas também, pelo Consultório na Rua, pelos serviços de atenção básica, unidade de saúde… de que forma? Vacinação, consultas, disponibilização de insumos de higiene, máscara, álcool, sabonetes, pasta de dente. O acompanhamento depende da demanda, por exemplo, quando realizamos as visitas, a enfermagem observa as demandas de saúde e a partir daí nós articulamos com as unidades de saúde mais próximas. Uma vez, tinha uma criança com um furúnculo e nós levamos o caso para a unidade de saúde para realizarem uma visita com médico e/ou agendar consulta.

Eles estão ficando numa residência com propostas de ir para um outro local ofertado pelo município. Eles estão sendo assistidos pela saúde. Já foi realizado cadastramento de todos eles na unidade de saúde, todos têm cartão SUS. Todos eles têm CPF que foi um apoio do CREAS. Quanto as ações assistências não estou por dentro, mas quanto a saúde, não estão desassistidos.

 Quanto a questão de eles estarem nos semáforos com as crianças, pensa comigo, se você tivesse um filho e tivesse na situação deles, e fosse para a rua pedir algum dinheiro ou qualquer ajuda, sem ter onde deixá-los, o que você faria? Levaria com você né? Embora seja chocante ver essas pessoas com criança na rua, em pontos às vezes até em risco de atropelamento, que é uma realidade, é uma situação complicada. Inclusive, já discutimos isso em equipe sobre possíveis intervenções. A oferta de atendimento em saúde está acontecendo, quando eles precisam de qualquer demanda de saúde a gente pergunta, articula, fazemos o que está ao nosso alcance.

Fonte: encurtador.com.br/ryAVY

(En)Cena: Na equipe que trabalha com o consultório na rua não tem um Psicólogo.  Como é feito se eles precisam de um atendimento psicológico? A equipe já tem um preparo maior para as situações ali na hora e depois é feito encaminhamento? Como funciona?

Atendimento psicológico acontece nos demais serviços da rede, se for um caso mais leve o encaminhamento é para o NASF-AB, caso seja um caso mais complexo articulamos com os CAPS, visto que a equipe não dispõe de psicólogo. Há um acompanhamento mais de perto, quando os residentes passam pelo consultório na rua, pois consegue dar continuidade, visto que geralmente eles passam em torno de 4 à 8 meses, depende de como está a organização do Programa no momento. Mas é um profissional, que somaria muito se tivesse compondo a equipe, é uma categoria, que faz falta no nosso serviço.

(En) Cena: É um trabalho difícil nesse sentido, de articular muito, há um gasto de muita energia e tempo?

É desafiador, além de competência, o profissional precisa ter perfil

 (En) Cena: Poderia nos relatar alguma experiência, ou mais de uma, que tenha gerado um grande impacto em você, durante a atuação nesse campo?

Teve uma situação em que eu abordei um paciente que ele tem formação superior e ele está em situação de rua há muitos anos, e aí a gente o conheceu. Observei que ele tinha a escrita muito boa, conversava bem, muito esclarecido, um discurso muito bem organizado. Daí, conversando com ele em um acolhimento, tentando entender um pouco do histórico dele, perguntei porque que ele não voltava para casa, qual que era o motivo dele não retornar, talvez tentar reestabelecer essa vida que ele tinha. Ele olhou para mim e falou que ele tinha perdido a dignidade, se eu sabia o que que era perder a dignidade. Quando você perde a dignidade é algo que você não consegue acabar como se fosse a fome, “eu estou com fome, comi e voltou” e isso me marcou muito porque eu nunca tinha parado para pensar nisso. Às vezes, tem um problema você olha e você resolve, tipo, se eu estou desempregada eu vou trabalhar, é como se meu problema tivesse resolvido, eu estou doente eu vou cuidar da saúde, vou resolver. Mas quando eu me olho enquanto ser humano e vejo que eu perdi minha dignidade, por isso eu não consigo alçar voos maiores, isso é muito impactante. Esse paciente está em situação de rua por uma questão familiar. Ele não conseguiu se reestabelecer, está na rua e faz uso abusivo de álcool. Mesmo tendo formação, mesmo tendo todo um contexto, poderia estar em uma situação melhor do que está hoje. Mas que por diversos fatores, e segundo ele a da perda da dignidade, não se enxergava mais como um ser humano, isso é uma coisa que me marcou e eu segurei para não chorar, de verdade!

Fonte: encurtador.com.br/jvzN7

(En) Cena: Se você pudesse deixar algum recado, para profissionais e futuros profissionais, ou para a população em si qual seria?

Primeiramente eu convido os estudantes e acadêmicos, quem estiver finalizando para fazer a residência, em saúde mental especificamente, para passar pela gente, pelo Consultório na Rua, porquê é somente esse programa que permite viver essa experiência. A residência me abriu muito a mente, me permitiu me despir de muitos conceitos e muitos pré-conceitos. Quando você lida com outro em sofrimento psíquico, porque o uso de álcool e outras drogas traz também sofrimento psíquico… foi quando eu me tornei uma pessoa melhor de verdade. Não existe uma regra, mas para mim foi uma experiência muito positiva. Então, a primeira coisa é isso, faça uma residência, façam para saúde mental, conheçam os CAPS, conheçam o Consultório na Rua que vocês vão ter experiências ótimas, acredito que vão crescer muito profissionalmente e humanamente também.

Para os profissionais eu diria que a gente tem que ter muita empatia para trabalhar com os públicos vulneráveis. Eu trabalho com os moradores de rua, mas tem vários públicos vulneráveis. Acredito que quando a gente trabalha com eles precisamos nos despir, para entrar no mundo do outro. A saúde é isso, é tentar não medir a vida do outro com a minha régua, essa régua eu utilizo para medir a minha vida, nunca a do outro. Isso é a primeira coisa que a gente tem que pensar e colocar em prática, falar isso me emociona.

É preciso ter força, ter garra, porque não é fácil, o trabalho no SUS é lindo, mas ele é muito desafiador. A gente tem que ter muita força de vontade, precisa ter muita garra pra poder enfrentar e tentar desvendar e superar os desafios e os obstáculos que nos apresentam. Eu procuro sempre fazer isso em todos os locais que eu passo, tentar superar esses obstáculos. Não utilizar deles para estacionar, “não tem como, eu não vou fazer isso porque é muito burocrático”. Vamos superar, vamos tentar dar acesso. Porque se eu burocratizo aqui o meu trabalho, eu vou estar dificultando a vida de alguém, estar dificultando para que essa pessoa tenha uma qualidade de vida, tenha mais saúde, tenha mais acesso. É algo que é simples para a gente mas o pouco que fazemos faz muita diferença na vida do outro que a gente está atendendo ali.

Em relação à população e os serviços é preciso dar visibilidade ao nosso trabalho, porque isso é importante, não só o fazer, mas também é necessária visibilidade. Isso é importante tanto para as articulações em rede, quanto para o conhecimento do público que necessita do nosso trabalho.

REFERÊNCIA

SILVA, Tatiana Dias; NATALINO, Marco Antonio Carvalho; PINHEIRO, Marina Brito. População em situação de rua em tempos de pandemia: um levantamento de medidas municipais emergenciais. 2020.

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Estudo aponta importância do bem-estar mental nas viagens pós-pandemia

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Pesquisa da Collinson traz dados exclusivos do Brasil e mostra quais propostas de bem-estar mental serão essenciais para ajudar os passageiros a voltarem a voar

Nova pesquisa revela que os passageiros tendem a considerar o bem-estar mental tão importante quanto o físico em um cenário de viagens pós-pandemia. O estudo “Jornada de Retorno” foi realizado pela Collinson, especialista global em fidelização de clientes e experiências dos viajantes, e traz dados inéditos de dois levantamentos feitos pela empresa em 13 países, incluindo um recorte dedicado ao Brasil.

A conscientização da sociedade e a importância da saúde mental aumentaram drasticamente nos últimos anos, e não é diferente quando se trata de viagens. No âmbito global, a pesquisa mostra que, a partir de agora, 73% dos passageiros vão priorizar mais seu bem-estar mental quando viajarem do que antes da Covid-19. No Brasil, esse percentual chegou a 90%.

O estudo demonstrou que os entrevistados do Brasil foram os mais preocupados com a saúde, os tornando mais propensos do que os dos outros países a pagar por serviços adicionais para melhorar seu bem-estar no aeroporto – quase metade (44%) disseram que pagariam por espaço extra para as pernas no avião, enquanto 41% pagariam por embarque prioritário. Os serviços pelos quais os brasileiros teriam mais probabilidade de pagar, em função da Covid-19, seriam os testes no embarque e desembarque no aeroporto. Quarenta e sete por cento relataram que pagariam pelo teste no desembarque, enquanto 53% disseram que o fariam no embarque. Mais pessoas no Brasil pagariam por testes no aeroporto do que em qualquer outro país, indicando uma demanda reprimida por viagens internacionais dos consumidores brasileiros.

Fonte: encurtador.com.br/kmwDL

Para Henrique Donnabella, Diretor Geral da Collinson Brasil, os dados demonstram que os brasileiros foram os mais preocupados em ter os protocolos de saúde e distanciamento social corretos antes de se sentirem confortáveis em viajar novamente. “Esses percentuais, provavelmente, decorrem de dois importantes fatores que estão diretamente relacionados a pandemia: 1) o medo da contaminação, tendo em vista que o Brasil foi severamente impactado pelo Covid 2) o medo da não aceitação, tendo em vista que o brasileiro está sofrendo restrições importantes para entrada em outros países. Os resultados mostram o que os passageiros procuram para ter confiança neste momento, além de fornecer uma visão dos problemas que já enfrentavam em suas viagens, antes da pandemia. Ambos os conjuntos de descobertas são necessários para se obter o panorama mais completo para ajudar o setor a se recuperar”, enfatiza.

Embora já houvesse uma preocupação entre os viajantes sobre o impacto que as viagens estavam tendo sobre seu bem-estar físico, 81% disseram que a pandemia aumentou essas preocupações. Apesar de haver uma demanda reprimida por viagens em todo o mundo, mais de dois terços (67%) dos viajantes globais acham que as viagens pós-pandemia serão mais estressantes no clima atual. Quando questionados sobre o que as empresas do setor de viagens poderiam fazer para ajudar nessa situação, 42% dos passageiros disseram que valorizam propostas que demonstrem consideração por sua saúde mental em suas viagens. Metade também afirmou desejar a mesma consideração por sua saúde física.

“A importância da saúde mental ao viajar talvez seja surpreendente, mas também é uma informação bem-vinda sobre o que os viajantes procuram conforme a recuperação do setor continua a ganhar terreno com novos testes e programas de vacinação”, explica David Evans, CEO da Collinson. “Esta é uma maneira de o setor de viagens olhar para sua oferta aos consumidores, permitindo que as empresas entendam o que os consumidores desejam e onde o setor precisa agir para reconstruir a confiança do viajante.”

Fonte: encurtador.com.br/eBGNT

Medidas a serem consideradas

A pesquisa também mostra que 88% dos passageiros em todo o mundo afirmaram que medidas visíveis de saúde e higiene no aeroporto são importantes para que se sintam seguros ao viajar em meio à pandemia, como álcool em gel para as mãos em todo o aeroporto (63%) e a exigência do uso de máscara (66%). Essas iniciativas são mais importantes para os viajantes brasileiros do que para os de qualquer outro país, representando 95% do total. O Brasil também liderou o percentual do levantamento em relação aos que mais tinham probabilidade de querer garantias ligadas a medidas de distanciamento social, totalizando 95%.

Quando questionadas sobre por que poderiam hesitar em viajar devido à Covid-19, o principal motivo alegado foi o temor de precisar ficar em quarentena na chegada ou no retorno (51%). O desejo de evitar longos períodos de quarentena provavelmente é um dos motivos pelos quais os passageiros consideram a realização de um teste na chegada um ingrediente importante para sua experiência de viagem (83%). Mas, curiosamente, quase o mesmo número de pessoas (82%) disse que o teste antes da partida também era importante, o que indica que o teste de Covid-19 já deixou de ser apenas um pré-requisito governamental para viajar para certos destinos e passou a ser um elemento desejado pelas pessoas, a fim de lhes dar a confiança necessária para voltar a voar.

Em última análise, os passageiros procuram uma experiência tranquila e sem estresse, com medidas de distanciamento social em vigor desde o check-in até a chegada, juntamente com uma jornada rápida e eficiente. Nesse sentido, mais de um terço (36%) afirmou estar disposto a pagar pelo fast track (não pegar fila no raio X), enquanto 38% pagariam mais por um assento livre ao seu lado no avião e 30% pagariam mais por espaço extra para as pernas.

Enquanto 87% das pessoas disseram que o distanciamento social era importante para elas ao se deslocar pelo aeroporto, a mesma proporção (87%) disse especificamente que deseja acesso a espaços socialmente mais tranquilos onde possam “desestressar” e “relaxar longe das multidões”. Na verdade, em alguns países, incluindo Reino Unido, EUA, Rússia e Austrália, mais pessoas disseram que queriam ter acesso a um lugar para relaxar do que ter um lugar para se distanciar. No entanto, a associação entre estresse e viagens não está, de modo algum, ligada exclusivamente à pandemia. Antes mesmo da COVID-19, quase metade (43%) dos viajantes relatou sentir estresse em pelo menos um momento durante a viagem, e um número semelhante (45%) admitiu telefonar ao trabalho no dia seguinte alegando doença para se recuperar de uma viagem.

Fonte: encurtador.com.br/rFQX7

Sobre a pesquisa

A pesquisa da Collinson foi realizada com 18,5 mil pessoas em 2019 e 12,6 mil em 2020. A primeira rodada buscou obter percepções sobre as atitudes dos viajantes de lazer e negócios em relação às viagens e a segunda teve o objetivo de atualizar esse levantamento à luz da pandemia. A empresa trabalha com parceiros de todo o ecossistema de viagens, incluindo companhias aéreas, aeroportos e grupos hoteleiros, bem como empresas com programas de fidelidade e cartões de crédito premium que oferecem benefícios de viagens.

Para a Collinson, é mais importante do que nunca que todas as partes do ecossistema se unam para ajudar a restaurar a confiança nas viagens. Todas as empresas que fazem parte da jornada de viagens e dependem do setor devem se unir para resolver alguns desafios críticos e criar uma experiência de viagem cada vez mais disruptiva.

“Está bem claro que o setor de viagens foi devastado pela pandemia, afetando desde o comércio e o crescimento econômico até centenas de milhares de empregos no setor em todo o mundo. Embora haja alguns sinais positivos para a recuperação do setor de viagens, a única maneira de torná-la um sucesso é compreender as necessidades e os temores existentes dos viajantes e como eles foram agravados pela pandemia”, continua David Evans. “É muito importante que o setor de viagens se recupere e é ainda mais importante que ele seja capaz de fazê-lo de forma colaborativa e bem-informada”.

“A pesquisa mostra que acalmar as preocupações das pessoas em relação ao seu bem-estar mental pode ser a chave para reconstruir a confiança do viajante. Embora, é claro, as preocupações com a saúde física estejam maiores durante este período, o mesmo ocorre com o impacto das viagens sobre a saúde mental – e é preciso responder a ambos. Trabalhando juntos nas questões salientadas neste estudo, todos aqueles que têm interesses no ramo de viagens podem ajudar a fazer mudanças agora para garantir que o setor volte a prosperar no futuro”, finaliza Evans.

Fonte: encurtador.com.br/pBH47

Sobre os dados

Em 2019, foram coletados dados de um total de 18,5 mil viajantes, sendo 17 mil deles a lazer e 9 mil a negócios (alguns entrevistados responderam em ambas as perspectivas). A pesquisa foi realizada na Austrália, Brasil, China, Índia, Japão, Rússia, Reino da Arábia Saudita, Coreia do Sul, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e EUA. Em média, os viajantes a lazer faziam 2,24 viagens por ano e os viajantes a negócio, 2,34.

Os dados de 2020 foram coletados de um total de 12.607 viajantes, sendo 11.159 viajantes a lazer e 7.904 a negócio. A pesquisa foi realizada na Austrália, Brasil, China, Hong Kong, Índia, Japão, Rússia, Reino da Arábia Saudita, Coreia do Sul, Singapura, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e EUA.

Sobre a Collinson

A Collinson é líder global em fornecer experiências para viajantes, incluindo acesso a salas VIP de aeroportos, assistência médica e de segurança e serviços médicos em viagens. As iniciativas da Collinson neste setor incluem a gestão do maior programa de experiências e salas VIP de aeroportos do mundo, o Priority Pass, bem como soluções de seguro de viagem, assistência de identidade, atrasos de voos, saúde internacional e gestão de riscos de viagens.

A Collinson conta com mais de 2.000 funcionários atuando a partir de 20 localidades globalmente, todos trabalhando para oferecer uma ampla variedade de experiências de viagem que garantem a segurança, o bem-estar e o conforto de 55 milhões de viajantes de negócios e lazer ao redor do mundo. Sua unidade de negócios de assistência médica e de segurança em viagens tem mais de 55 anos de experiência no fornecimento de assistência médica e atendimento de emergência internacional, incluindo o manejo de pandemias como ebola, zika e coronavírus. Só no ano passado, a Collinson respondeu a mais de 95.000 chamadas de emergência, administrou mais de 40.000 casos médicos e conduziu mais de 3.000 evacuações aeromédicas nos 170 países que atende. Entre os principais clientes do Brasil, estão: Latam Airlines, Azul e Accor Hotels.

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A aprendizagem também é possível para jovens e adultos

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Entre os requisitos básicos para o desenvolvimento do ser humano, a educação ganha destaque. Entretanto (sabemos), ela não é privilégio de todos. A realidade muitas vezes leva muitas pessoas a abandonarem os estudos, principalmente em decorrência da necessidade de trabalhar em tempo integral. Felizmente, desde o início da década de 40, temos no Brasil a EJA (Educação de Jovens e Adultos), que busca reintegrar esses no processo de ensino-aprendizagem, promovendo educação e desenvolvimento para aqueles que assim desejam, considerando a carga que esses indivíduos já trazem consigo.

Já inseridos na EJA, esses jovens e adultos se encontram frente à necessidade de adaptação ao ambiente já conhecido, porém novo e à integração aos colegas e professores de turma. Vargas e Cardoso (2013) apontam para questões importantes acerca do processo de socialização e como esse auxilia na educação de jovens e adultos. Citam Lev Vygotsky e Paulo Freire, em que ambos concordam que o ser humano é social, histórico e ativo na construção do seu próprio ser, tal como de seu conhecimento e aprendizado.

Fonte: https://goo.gl/kMZbNQ

Segundo Vargas e Gomes (2013), essas perspectivas levam a compreender os jovens e adultos analfabetos e/ou não escolarizados como sujeitos históricos, sociais e culturais, dotados de conhecimentos e experiências acumulados ao longo da vida, e que necessitam da intervenção de instituições culturais capazes de desencadear o desenvolvimento de suas potencialidades. São, portanto, não objetos depositários de conhecimentos, mas sujeitos capazes de construir conhecimento e aprendizado.

A instituição que dispõe o ensino a jovens e adultos, como qualquer outra, possui normas e regras que devem ser cumpridas pelos alunos para que estes concluam o aprendizado. No entanto, tais alunos, por serem jovens e/ou adultos, já possuem uma carga de experiências que, certamente, envolve tudo o que é visto em sala de aula. Portanto, estão ali somente para sistematizar o ensino de modo a tornar conhecido os métodos científicos desse.

Fonte: https://goo.gl/CcKq7V

Mais do que promover o ensino pedagógico, a EJA acaba por promover o uso do conhecimento de vida, em que os indivíduos participantes do processo, através do diálogo, compartilham seus próprios conhecimentos uns com os outros e, dessa forma, cada qual vai formulando sua própria conceituação de mundo e do meio em que se está inserido.

Em uma pesquisa realizada em uma sala de aula de alfabetização de EJA, dando ênfase à história de Antônio, um dos estudantes, buscou-se observar como se dá o processo de interação dos alunos e dos professores. A investigação ocorreu em torno da linguagem, verbal e não verbal, e se ela oferece o suporte necessário para o desenvolvimento do conhecimento acadêmico. Os resultados da pesquisa mostram que Antônio reconhecia a necessidade do conhecimento teórico para o desenvolvimento de suas capacidades e até mesmo de sua identidade, aprimorando seu modo de refletir e pensar sobre problemas e buscar solucioná-los.

Fonte: https://goo.gl/RqiDM8

Fazendo um diálogo desta pesquisa com o pensamento do psicólogo Kurt Lewin de que uma teoria só é boa quando se pode colocá-la na prática, percebe-se que a EJA tem dado muito certo, haja visto que o programa iniciou pela necessidade de conciliar a vida acadêmica com o trabalho de jovens e adultos que abandonaram os estudos antes de concluí-los.

Portanto, sendo colocada em prática essa ideia, é fornecida aos alunos a oportunidade de resgatar seus potenciais e desenvolvê-los, levando em conta não apenas o conhecimento teórico, científico e/ou acadêmico adquirido em sala de aula, mas também valorizando o seu histórico de vida e o conhecimento adquirido por suas experiências, através da convivência e interação com outros sujeitos e o mundo a sua volta, dando maior autonomia para os indivíduos envolvidos no processo.

Referência

VARGAS, Patrícia Guimarães; GOMES, Maria de Fátima Cardoso. Aprendizagem e desenvolvimento de jovens e adultos: novas práticas sociais, novos sentidos. Educ. Pesqui. vol.39 no.2 São Paulo April/June 2013 Epub May 10, 2013. Artigo disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151797022013000200011#. Data de acesso: 13/05/16.

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Experiências Culturais: os instrumentos e instituições da cultura

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Em relação ao texto “Pensando com os instrumentos e com as instituições da cultura” de Barbara Rogoff (2005), reflete-se a respeito da constituição do pensamento, ressaltando que o pensar é um processo interpessoal no qual envolve muito mais do que ações privadas e individuais, pois de acordo com a pesquisa voltada para o desenvolvimento cognitivo, as pessoas constroem seus pensamentos e entende seu mundo a partir da interação com o meio participando de atividades socioculturais (ROGOFF, 2005, p.196).

Pesquisadores debruçaram-se em aportes teóricos, para compreender a relação existente entre a formação do pensamento das pessoas decorrentes das suas experiências culturais. Assim, muitos deles consideraram os estudos de Vygotsky, pois este considera que as habilidades cognitivas individuais são constituídas diante do auxílio de outras pessoas, ou seja, “o desenvolvimento cognitivo ocorre à medida que as pessoas aprendem a usar instrumentos culturais do pensamento (como alfabetização e a matemática) com a ajuda de outras, mais experientes com tais instrumentos e instituições” (ROGOFF, 2005, p.196).

Fonte: http://zip.net/bvtHDX

O ponto de vista sócio histórico contribui para um novo entendimento da cognição, sendo visto agora como processo ativo das pessoas e não mais individual e passivo. Jean Piaget, na sua teoria, também estudou aspectos cognitivos, porém ele analisava o processo de desenvolvimento intelectual da criança a partir dos estágios, desconsiderando as variâncias culturais. Pesquisadores, então, realizaram estudos aplicando as técnicas de Piaget em diferentes contextos culturais, e com isso, observaram que de acordo com a comunidade e cultura em que se vivem as pessoas apresentaram desempenho diferente na realização da atividade.

Diante desta situação, estudiosos começaram a perceber algumas questões, como a conceituação do objetivo e a familiaridade com o mesmo, conforme a localidade pode influenciar no resultado do teste, assim, os pesquisadores estudavam os tipos de atividades realizadas na comunidade e com isso adaptava-se as atividades para que avaliassem o desempenho da pessoa. Rogoff (2005) traz um exemplo de estudos realizado com crianças que demonstra essa experiência:

As crianças zambienses tiveram bom desempenho quando modelaram com pedaços de arame, uma atividade conhecida em sua comunidade, mas um desempenho ruim com os desconhecidos lápis e papel. Em comparação, crianças inglesas se saíam bem com lápis e papel, um meio conhecido para reproduzir padrões em sua comunidade, mas não com pedaços de arame (p.197).

A partir desses estudos, Piaget revisou seus conceitos, percebendo que os estágios de desenvolvimento cognitivo (principalmente o operatório-formal) dependiam da experiência pessoal de cada sujeito, conforme o seu contexto, e domínio.

Fonte: http://zip.net/bstHv0

Outro aspecto observado pelos pesquisadores em relação ao processo do pensamento era os testes cognitivos em similaridade com a formação escolar, percebendo a influência dos valores culturais na definição de inteligência considerando a situação em que este era analisado. Antigamente os testes eram usados para medir a cognição de forma muito crua, não havia um olhar humano que levasse em conta a experiência de vida da pessoa. Os pesquisadores então começaram a ver por outro ângulo e afirmaram que a testagem poderia ser vinculada aos valores e a experiência cotidiana. Os valores que se vinculam com os relacionamentos sociais, têm grandes influências nas respostas das pessoas quando submetidas a perguntas cognitivas (ROGOFF, 2005).

É importante ressaltar a relação entre o testador e a pessoa que será testada, “os modelos culturais de relações sociais, que fornecem, implícita ou explicitamente, a base para os comportamentos apropriados e formas de se relacionar de adultos e crianças não são suspensos em testes cognitivos” (SUPER e HARKNESS, 1977, apud ROGOFF, 2005, p.205). Isso está totalmente relacionado com o significado de maturidade e inteligência de cada cultura/comunidade. Cada cultura tem uma definição diferente do que seja inteligência e maturidade, enquanto que, para uma cultura inteligência seja definida como lento, cuidadoso e ativo, para outra cultura tem outro sentido e valor.

Fonte: http://zip.net/bytHD2

Em se tratando de generalização, a autora Rogoff (2005) retrata que nem sempre será uma coisa boa, e que executar no automático a mesma ação pode ou não ser apropriado a uma nova situação, o objetivo seria uma generalização adequada e para que este conhecimento (desenvolvido em uma situação quando se enfrenta uma nova) seja adequado Hatano (1988) apud Rogoff (2005) diz que tem de haver o entendimento conceitual, e, para que as pessoas e grupos façam uma generalização adequada entre as experiências/situações é importante o que foi chamado por alguns autores de capacidade adaptativa.

O desenvolvimento da capacidade adaptativa é apoiado pelo grau no qual as pessoas entendem os princípios e objetivos das atividades relevantes e ganham experiência ao variar os meios para atingi-los. As práticas culturais e a interação social sustentam a aprendizagem de quais circunstâncias estão relacionadas entre si e quais posturas são adequadas a diferentes circunstâncias. (ROGOFF, 2005, p.209).

No que diz respeito à visão da cognição, “vai muito além da ideia de que o desenvolvimento consiste em adquirir conhecimento e habilidades” (Rogoff, 2005, p.208), a pessoa cresce por intermédio da participação em uma atividade que traz transformação para assim ele se envolver em outras mais. Rogoff (2005) argumenta que o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos acontece no espaço de comunidades com o interesse de que as pessoas trabalhem em determinados lugares, como seres civilizados. Nós não somos donos do nosso próprio pensamento a respeito do mundo, mas é assim que acontece o início das habilidades nas parcerias desses diálogos. A partir disso percebe-se a importância dos aspectos históricos e culturais dessa conversação para cada pensador, influenciando outras pessoas a começarem novas linhas de pensamentos.

Fonte: http://zip.net/bwtGJ6

Em seus estudos com marinheiros, Ed Hutchins (1991) apud Rogoff (2005), o autor percebeu que eles trabalham em conjunto nos cálculos e nos planejamentos necessários para orientar a navegação de grandes navios. Diante disso é importante ressaltar que a cognição é distribuída na medida em que as pessoas colaboram e ajudam umas as outras, não apenas pensando em si próprio, mas, no que o outro pode está acrescentando com os instrumentos projetados para auxiliar no trabalho cognitivo. O processo coletivo mostra para o indivíduo que produzir em conjunto proporciona uma qualidade na produção tornando as informações claras e trazendo um conhecimento mais rico.

Arievitch (1995) et al. apud Rogoff (2005) enfatiza que o foco está na transformação ativa do conhecimento por parte das pessoas e em seu relacionamento com atividades que dinamizam. Levando-se em consideração esses aspectos, aprender e adequar com flexibilidade as posturas às circunstâncias é um fator importante para o desenvolvimento cognitivo que é imprescindível para tomada de decisão em várias áreas da inteligência. Muitas famílias ensinam suas crianças formas mais abertas de agirem e falarem, formas essas que se adequam a papéis e diversas situações. Percebe se em outras culturas que os adultos dão maior ênfase neste aspecto. Se as crianças souberem distinguir as posturas adequadas para cada ambiente evitarão problemas de comunicação.

Aprender a diferenciar as formas adequadas de agir em diferentes situações é uma conquista importante em todas as comunidades, seja para crianças, seja para adultos. Saber qual postura adotar na escola e em casa, junto com a determinação de qual estratégia usar em testes cognitivos e em outras situações de solução de problemas, equivale a aprender a fazer generalizações adequadas de uma situação para outra (ROGOFF, 2005, p. 211).

De acordo com Rogoff (2005), a teoria de Vygotsky redirecionou os estudos científicos sobre a cognição, visto que as funções mentais estão associadas à maneira como utilizam os instrumentos cognitivos na própria comunidade. Diante disso, percebe-se a extrema importância da empregabilidade de certas ferramentas culturais para o pensamento, tais como, a alfabetização, a matemática e a linguagem. A alfabetização está interligada às competências cognitivas por intermédio de aplicações peculiares comprometidas em seu uso. O aprendizado da leitura oferece várias habilidades dos processos mentais distintos de tal forma que, essas diversidades nos objetivos e nas aplicações da alfabetização parecem estar intrinsecamente interligadas as habilidades que as pessoas utilizam (ROGOFF, 2005).

Fonte: http://zip.net/bgtG9R

Ainda em concordância com a autora Rogoff (2005), no que consiste à alfabetização utilizada como instrumento, esta colabora com certos tipos de pensamentos, seja no contexto social, local, seja no contexto histórico. Como exemplo, no século XVIII nos Estados Unidos, a alfabetização era entendida como a habilidade de escrever o seu próprio nome em documentos legais. Já, no século XIX, a alfabetização estava relacionada com a capacidade de ler; mas sem a compreensão de leitura. Já, durante o século XX, a leitura estava associada com a funcionalidade dela, ou seja, a importância dela para eficiência da indústria.

Diante deste contexto, é notório que a utilização de instrumentos culturais como a matemática está profundamente associada às diversas características e aos princípios das comunidades. O manuseamento dessas ferramentas na matemática está interligado nas especificidades dos próprios utensílios, às atitudes das comunidades referentes à utilização desse instrumento e como este pode ser compreendido nas interações sociais. Esse instrumento também serve para o fortalecimento das relações sociais.

No que diz respeito à linguagem, este serve como instrumento cultural para o pensamento, uma vez que a língua conduz o modo de atuar e de pensar da comunidade, como por exemplo: ideias que são manifestadas no campo da linguagem de uma comunidade, de maneira que o sistema linguístico contribui com os pensamentos, como também, a utilização desses instrumentos pelos indivíduos e pelas gerações. Enfim colaboram com a organização narrativa, estruturas de cálculos matemáticos, isso de tal forma que os pensamentos interagem com os processos interpessoais e de comunidade.

Fonte: http://zip.net/bftG7Y

A alfabetização e a matemática são importantes instrumentos culturais do pensamento, logo, estudos sobre a matemática identificam como estas ferramentas são essenciais, como exemplo, o ábaco, as formas de cálculo ensinadas na escola, à formação dos preços de vendas dos utensílios. Os indivíduos utilizam esses dispositivos para facilitar o trabalho e a diminuição do esforço mental como uma maneira de se adequarem no contexto cotidiano.

Perante o exposto, foi possível perceber que as teorias socioculturais crescem constantemente por terem a compreensão de que o pensar está diretamente entrelaçada a situações específicas, essa relação não é automática, bem como a autora demonstrou, “em lugar disso, os indivíduos determinam suas posturas diante de certas situações com referência nas práticas culturais de que participaram anteriormente”. (ROGOFF, 2005. p.211). Cada ser humano tem uma visão diferente das coisas, esse processo faz com que tenhamos atividades socioculturais. Em concordância com o raciocínio de Rogoff (2005), entende se que, no momento que existem limites obrigatórios entre o indivíduo e o todo, se faz surgir complicações para melhor compreender, tanto os processos individuais, interpessoais e da comunidade.

REFERÊNCIAS:

ROGOFF, Barbara. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Ed.1.Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2005.

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(En)Cena ganha destaque em caderno do Ministério da Saúde

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Texto sobre o portal do Ceulp/Ulbra foi publicado no Caderno HumanizaSUS


O trabalho desenvolvido pelo portal (En)Cena: a saúde mental em movimento mais uma vez ganhou reconhecimento nacional. Desta vez, o projeto que é idealizado pelos cursos de Psicologia, Comunicação Social e Sistemas de Informação do Centro Universitário Luterano de Palmas (Ceulp/Ulbra), desde 2011, foi publicado na 5ª edição do Caderno HumanizaSUS, produzido pelo Ministério da Saúde por meio do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde.O texto reproduzido pelo caderno originalmente foi publicado pela revista Polise Psique, de Porto Alegre, em 2012. O artigo, que apresenta os objetivos do portal (En) Cena, logo após a sua criação, foi produzido pelos autores César Gustavo Moraes Ramos, Irenides Teixeira, Jonatha Rospide Nunes, Mardônio Parente de Menezes e Victor Meneses de Melo.

“O (En) Cena é um espaço de troca de experiências e também de divulgação do que acontece no campo da saúde mental. O portal já nasceu sob o viés da cultura da colaboração e do compartilhamento que ganha potência com o trabalho que fazemos nos serviços de saúde, nas redes sociais. Ter publicado a nossa experiência no caderno HumanizaSUS nos dá indícios que estamos no caminho certo”, comenta a coordenadora do portal, Irenides Teixeira. “Estar a frente da coordenação do projeto me faz perceber cada vez mais a responsabilidade que temos diante das pessoas que confiam suas experiências ao nosso portal”, finaliza.

Lançado em maio de 2011, o portal (En) Cena tem por objetivo intervir na cultura e divulgar material referente ao campo da Saúde, em especial, o da Saúde Mental. Se você não conhece o trabalho, vale a pena conferir (www.ulbra-to.br/encena). Já o texto publicado pelo Caderno HumanizaSUS está disponível no seguinte link http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_mental_volume_5.pdf

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Cartas a um amigo

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Alano de Freitas, aos sessenta anos, é – em minha opinião – um menino que brinca com letras, sons e imagens. De cabelos alvos e desgrenhados, carrega mais livros em sua inseparável bolsa a tiracolo do que quilos em seu corpo. Ácido de superfície e doce de coração, freqüentou e freqüenta quase diariamente as tardes e as noites da Praia de Iracema, em Fortaleza, bairro em que mora há décadas. Em tempos outros, podia ser encontrado, quase sempre, em algum ponto do curto trajeto entre a tabacaria, o bar e seu apartamento. Na tabacaria, conversas requentadas a cigarros e cafés; no bar (onde pagava a conta com desenhos em guardanapos), papos gelados a Coca-Cola; em seu apartamento,  discussões ilustradas com inúmeras obras suas (que se acumulam em pilhas ou se dependuram nas paredes). É com prazer que o (En)Cena apresenta abaixo um pouco de Alano por ele mesmo.

Mardônio Parente

Alano de Freitas por ele mesmo

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