Sala vazia

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Espero que você sentada nessa sala vazia, perceba o que sente seu coração.
E se pergunte o que sente, e se permita a encontrar as respostas no decorrer dos dias, por enquanto que nada muda, você possa se ajustar e tentar enxergar o que está bem em frente do seu nariz.

Que você olhe para trás e se questione mesmo, o que quer fazer da vida, e que alcance tudo o que almeja.

As dúvidas são necessárias para nosso próprio entendimento dentro da fé que você tem dentro de você.

E que não exista uma única certeza, que mesmo sangrando você possa estancar essa ferida para que assim continue trilhando o seu caminho.

Espero que daqui a uns dias você leia essa mensagem e perceba que realmente você mudou e que esse processo foi necessário para o seu crescimento como pessoa.

Confiar no destino é quase incerto, porém dentro das suas possibilidades e mesmo nas dificuldades é possível fazer seu próprio destino. Calar nem sempre significa à espera, mas a reorganização dos sentimentos que estão presentes. A resposta é só uma questão de ter autoconhecimento de si mesmo diante da sua infinita ânsia de viver, e tudo bem se não tivermos todas as respostas.

Viver o aqui e o agora é a coisa mais sensata, pois a vida é um balanço de alegrias e tristezas e nas alegrias é preciso viver com mais intensidade. É se ajustar, desajustar e reajustar.

“Isso é ter fé.”

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A reverenda Lusmarina e a defesa da descriminalização do aborto a partir da exegese bíblica

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A 2ª etapa da Audiência Pública da ADPF442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana no Brasil,  nesta segunda feira (06 de Agosto) realizada no Supremo Tribunal Federal, contou com a participação da Reverenda Lusmarina Campos Garcia. Sua fala evidencia a possibilidade da convivência pacífica e harmoniosa da profissão de fé religiosa e o respeito integral aos direitos humanos.

Se contrapondo aos pastores que fizeram uso da palavra antes dela, a Dra. Lusmarina faz uso da exegese bíblica para emancipar as mulheres e defender os seus direitos reprodutivos. A posição argumentativa da reverenda se baseia, segundo suas próprias palavras,  “em argumentos bíblico pastorais que não colocam em oposição a não descriminalização do aborto e à tradição religiosa”.

Com um olhar apurado sobre os principais argumentos que se contrapõem à descriminalização do aborto, a reverenda avalia que estes são em sua grande parte, religiosos, e frutos de um cristianismo “patriarcalizado”.  De acordo com ela, este exercício irresponsável do cristianismo é responsável pela morte de milhares de mulheres.

Valendo-se de honestidade interpretativa, ela pontua que os argumentos bíblicos devem ser avaliados a partir do contexto histórico, sob a pena de se penalizar injustamente as mulheres por interpretações não válidas neste tempo e espaço. Além disso, defende a laicidade do estado como fundamental para a garantia da igualdade de direitos em todos os seus aspectos.

Desafiando a máxima proferida por religiosos cristãos, Lusmarina afirma que a Bíblia não condena o aborto, justificando sua fala ao expor que há apenas dois textos no Antigo Testamento que mencionam o aborto (Êxodo 21; Números 5), nenhum deles condenando o aborto induzido. Já no Novo Testamento, há apenas uma menção à palavra aborto, em I aos Coríntios 13:8, também sem implicação proibitiva.

Além disso, a reverenda segue argumentando que não há referência bíblica que determina o início da vida, e o mandamento “Não matarás”, utilizado por grande parte dos que se contrapõem à descriminalização do aborto, observado dentro do contexto em que foi criado,  também não tinha aplicação universal. No tempo da lei Mosaica, a Bíblia não só permitia, como ordenava em alguns casos, a morte de estrangeiros,  mulheres adúlteras e inimigos de Israel.

Com base nestes fatos bíblicos, a reverenda afirma que a vinculação do quinto mandamento (Não matarás) e o aborto “é uma flagrante manipulação do texto bíblico”.  Dessa forma, Lusmarina expõe a constante exclusão das mulheres de decisões importantes da comunidade cristã. Além de excluídas, as mulheres cristãs permanecem culpabilizadas, demonizadas e esvaziadas de sua condição de ser autônomo.

Por fim, a reverenda lamenta que os sacerdotes atuais tomem um posicionamento distante de Cristo, que em sua vida na Terra, defendeu os direitos das mulheres, inclusive impedindo o assassinato de uma mulher; assassinato este que estava previsto na bíblia e nas leis de Deus.

Sua participação e sua fala consistentes comprovam a possibilidade do exercício da fé sem a supressão de direitos humanos e reprodutivos das mulheres. Lusmarina se contrapõe ao fundamentalismo religioso e manifesta seu apreço pela igualdade, sem distinção de classe, raça e principalmente, neste caso: de gênero.

É impossível levar adiante uma constituição que não observa o direito reprodutivo das mulheres, levando em conta que mulheres são maioria na população brasileira. Observando-se também a profissão de fé religiosa das mulheres que abortam, de acordo com o estudo Aborto e Saúde Pública, a maioria das mulheres que já abortaram são católicas.

Cabe, portanto, repensar as estruturas de fé que ainda regem os espaços de discussão sobre o tema, observando as  demandas atuais. O estado é laico, portanto, os credos religiosos, sejam eles cristãos, budistas, umbandistas ou de qualquer outra religião, não devem ser usados como fundamento para a criação ou não de leis. Estas devem ser pautadas no conhecimento científico e sempre embasadas na observação dos direitos humanos.

A participação de Lusmarina na audiência pública, utilizando argumentos bíblicos, serviu unicamente para se contrapor ao uso da fé para termos de opressão de gênero. Ao fim, ela defende avidamente a laicidade do estado, o direito de decisão das mulheres e o fim da institucionalização do corpo de mulheres, seja pela Igreja, seja pelo Estado.

Referências

http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/03/mulheres-sao-maioria-da-populacao-e-ocupam-mais-espaco-no-mercado-de-trabalho

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR83220-6014,00.html

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O Auto da Compadecida: a resiliência do sertanejo em meio às tribulações

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Provavelmente você já assistiu ou pelo menos ouviu falar do filme “O Auto da Compadecida”. Também não é de se surpreender que você tenha dado gargalhadas e se emocionado ao mesmo tempo com a trama. Isso porquê a obra traz aspectos de uma vida rodeada pela miséria e pobreza de João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello), que exige de ambos o uso da esperteza para conseguirem sobreviver, o que acaba os colocando sempre em algumas confusões, dando o tom de comédia ao filme.

O filme (dirigido por Guel Arraes, em 2000) é baseado na obra teatral de Ariano Suassuna, escrito em 1955. De forma fiel à peça, o filme mostra a marca indelével do autor, que consiste em apresentar de forma satírica o cenário nordestino e seus desafios. Prova disso se dá na forma como João Grilo, com a ajuda do atrapalhado Chicó, provoca seus superiores, como seus patrões Dora (Denise Fraga) e Eurico (Diogo Vilela), o Major Antônio Morais (Paulo Goulart), o clero, representado pelo Padre João (Rogério Cardoso) e pelo Bispo (Lima Duarte), o capitão do cangaço Severino de Aracaju (Marco Nanini), o valentão Vicentão (Bruno Garcia), o cabo Setenta (Aramis Trindade) e até mesmo o diabo (Luís Melo).

Fonte: https://goo.gl/cs4Rkt

As peripécias feitas por esses dois matreiros, no sertão da Paraíba, consistem em enganar todos aqueles que podem lhes servir de alguma forma. Há de perceber-se que seus planos sempre envolvem a avareza dos enganados, cujos representam a minoria que possui algum bem material no Nordeste. Essa forma de agir mostra uma realidade presente no sertão nordestino, profundamente marcada pela seca, pela fome, por diversos problemas sociais, como falta de educação, saúde e saneamento básico, caracterizando, assim, uma região pouco desenvolvida. Logo, a falta de oportunidades e até mesmo outras habilidades e faculdades, levam João Grilo e Chicó a colocarem em prática suas artimanhas.

Segundo Angst (2009), a resiliência pode ser definida como uma capacidade universal que possibilita a pessoa, grupo ou comunidade prevenir, minimizar ou superar os efeitos nocivos das adversidades, inclusive saindo dessas situações fortalecida ou até mesmo transformada, porém não ilesa. Essa capacidade se apresenta claramente em João Grilo e Chicó, uma vez que sempre ao serem frustrados com os resultados de seus planos, não conseguindo sair da pobreza que assola suas vidas, conseguem se recuperar rapidamente, já com novas ideias para o próximo “ataque”. Essa capacidade se evidencia em uma das falas de João Grilo:

—- Eu estive pensando se não é melhor assim. Quem sabe se eu ficando rico não terminava como o padeiro? E depois com a desgraça, a gente tá acostumado!

Fonte: https://goo.gl/XunfzS

De fato, com a desgraça eles já estavam acostumados. Em uma cena marcante do filme, a compadecida (Fernanda Montenegro) começa a falar das mazelas enfrentadas por João Grilo desde sua infância, enquanto, genialmente, surgem imagens reais de sertanejos nordestinos enfrentando os desafios a eles impostos. Juntamente com a narrativa da compadecida, a emoção se torna iminente:

—- João acostumou-se a pouco pão e muito suor. Passava fome e quando não podia mais rezar, quando a reza não dava jeito, ia se juntar a um grupo de retirantes que ia tentar sobreviver no litoral, humilhado, derrotado, cheio de saudade. E logo que tinha notícia da chuva, pegava o caminho de volta, animava-se de novo, como se a esperança fosse uma planta que crescesse com a chuva. E quando revia sua terra, dava graças a Deus por ser um sertanejo pobre, mas corajoso e cheio de fé.

Fonte: https://goo.gl/9hG63U

Assim, em meio a tantas tribulações, a vida do sertanejo nordestino vai se formando, moldando figuras tão resilientes que a dor e o sofrimento já quase não são mais pedras no caminho, mas um aprender de novo, um levantar-se de novo, um impulso para seguir tentando sobreviver nesse cenário em tons pasteis, mas com corações regrado da cor verde, de esperança e de vermelho, do amor sentido pela terra onde nasceu e floresceu.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

O AUTO DA COMPADECIDA

Diretor: Guel Arraes
Elenco: Fernanda Montenegro, Matheus Nachtergaele, Selton Melo
País: Brasil
Ano: 2000
Classificação: Livre

REFERÊNCIAS:

ANGST, R. (2009). Psicologia e Resiliência: uma revisão de literatura. Psicologia argumento. Curitiba: v. 27, n. 58, p. 253-260, jul./set.

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Madre Teresa de Calcutá: um sopro de esperança aos sem vida

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“O senhor não daria banho a um leproso nem por um milhão de dólares?
Eu também não. Só por amor se pode dar banho a um leproso.”

Um exemplo notável de caridade, devoção, voluntariedade e, principalmente, humanidade em toda a história se encontra em um ser humano do sexo feminino, chamada Gonxhe Agnes Bojaxhiu. Provavelmente poucos já ouviram esse nome, mas saberão imediatamente de quem se trata ao descobrirem que é a mesma Madre Teresa de Calcutá. Nascida em 26 de agosto de 1910, em uma família albanesa em Skopje, capital da atual república da Macedônia – que na época pertencia à Albânia [1], Gonxhe demonstra muito bem o amor à vida e a dignidade que todos merecem e deveriam receber.

Fonte: http://migre.me/wbL1x
Fonte: http://migre.me/wbL1x

Desde jovem, a Madre parecia conhecer a sua vocação missionária, ingressando na Congregação Mariana, em seguida (setembro de 1928), na Casa das Irmãs de Nossa Senhora do Loreto, em Dublin, na Irlanda. Essas irmãs possuíam um colégio em Darjeeling, na Índia, onde, em 1931, tomando o nome de Teresa, a Madre fez noviciado, os votos de obediência, pobreza e castidade, dando início a uma jornada de devoção e cuidado para com o próximo.

Essa jornada ganha força quando Teresa parte para Calcutá, também na Índia, para dar aula para as meninas ricas da cidade. Entretanto, ela abandona essa função e também o colégio das irmãs de Loreto em 1948 (depois de sua profissão perpétua, em 1937) para viver entre os pobres, cujos formavam a maior parte daquela cidade e causavam comoção na Madre.

Fonte: http://migre.me/wbL2Q
Fonte: http://migre.me/wbL2Q

Percebendo a situação em que muitas pessoas ali viviam (ou apenas sobreviviam), Madre Teresa passou a pedir ajuda nas ruas e a auxiliar quem necessitava. Não demorou muito para que ganhasse adeptas ao seu movimento, entre elas, algumas de suas antigas alunas. Em 1950, funda uma congregação de religiosas, que gera várias casas de religiosas por toda a Índia e depois no exterior. Seu trabalho se torna visível, recebendo uma casa, cedida pelo Papa João Paulo II, para recolher os pobres. A casa se chama “Dom de Maria” [2].

Seu trabalho ganha ainda mais reconhecimento em 1979, quando Madre Teresa recebe o prêmio Nobel da Paz, pelos serviços prestados à humanidade. Tendo sua missão completada, Madre Teresa de Calcutá morre aos 87 anos, de parada cardíaca, deixando a tarefa de humanizar e cuidar mais da vida para todos que tomam sua atitude como exemplo. Foi beatificada em outubro de 2003, pelo Papa João Paulo II e canonizada em 2016, pelo Papa Francisco [2].

Fonte: http://migre.me/wbL3X
Fonte: http://migre.me/wbL3X

Ícone do trabalho voluntário e do amor ao próximo, Madre Teresa de Calcutá ainda vive nas ações de quem busca promover o bem e a ajuda, se preocupando com quem está ao redor. Além do mais, é um exemplo de/para muitas mulheres, representando essa massa que luta diariamente por melhorias, por igualdade, por respeito e por dignidade.

Referências:

[1] Portal G1, 2016. Quem foi Madre Teresa de Calcutá. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/09/quem-foi-madre-teresa-de-calcuta.html>. Acesso em: 04 mar 2017.

[2] Portal Uol, 2017. Biografia de Madre Teresa de Calcutá. Disponível em: <https://pensador.uol.com.br/autor/madre_teresa_de_calcuta/biografia/>. Acesso em: 04 mar 2017.

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Não Esqueça!

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Ilustração: Hudson Eygo

 


Nota: Homenagem a Baggio, o belo cão que por sete anos só nos fez encher de alegria, demonstrando em gestos um amor enorme. Assim como muitos outros cães, foi ceifado pela Leishmaniose. 

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Kierkegaard – A severidade do Deus que promete e cumpre

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Kierkegaard é um autor que suscita muitas interpretações. Uns dizem que seus escritos2 não são reflexo da sua vida, e outros acreditam o contrário, que sua historicidade está ali colocada mesmo que com uso de pseudônimos. O uso desses nomes fictícios aumenta a dificuldade, ora em saber se fala de sua própria vida, ora com relação ao que é mesmo dito. Há ainda uma dúvida com relação à pronúncia de seu nome, em sua maioria se lê Kierkegaard, mas o professor e conferencista Emmanuel Carneiro Leão3 levanta um questionamento sobre isso, afirmando ser Kierkegoord, e não como a maioria costuma pronunciar. Há também algumas leituras e confusões com respeito a palavra ‘estádio,’ que para alguns deveria ser estágio, e vice-versa. Este problema é o mesmo do nome, uma barreira linguística.

A filosofia costuma “desbanalizar” conceitos que perduram, embora me pareça convincente seu argumento, me prenderei à maioria, não por covardia, mas por falta de conhecimento a respeito, haja vista que aprender dinamarquês em pouco tempo é inviável para mim, assim como quando aparecer a palavra ‘estádio’ me refiro à versão que li, embora alguns comentadores prefiram usar a palavra ‘estágio’. A barreira linguística denuncia mais do que uma dificuldade do autor, o que é intrigante, pois o mesmo Kierkegaard destaca este mesmo problema sobre quem procura entender, e diz que a falta do conhecimento do idioma original o impossibilita de entender mais, a recíproca é verdadeira. Traduzir obras é sempre difícil, pois fazê-lo no literal pode não representar a ideia real do autor, e por outro lado, saber qual é realmente a ideia pode ser mais complexo do que simplesmente traduzir.

A ideia principal aqui concatenada é levantar questionamentos e hipóteses seguindo o mesmo estilo que o interpretado. Talvez a própria palavra ‘estádio’ seja um desses problemas, onde a tradução é essa, mas talvez o sentido pudesse ser outro. Segundo a professora Guiomar de Grammont o estágio pressupõe uma passagem de um ponto a outro, onde se dá o nome de ‘estágio,’ o que não acontece com ‘estádio’ onde um sujeito pode permanecer a vida inteira em um, sem passar para outro. O lugar onde ele menciona que há pessoas que não chegam, pode ser este, o estádio, mas não qualquer um, o religioso, que está no grau mais alto. que o cavaleiro da resignação infinita. Talvez seja isso, é o que me parece. Geralmente menciona-se três estádios, mas para mim todos os outros são importantes.

O valor da dúvida cartesiana e da fé são meios pelos quais o homem segue crescendo e vai longe, é nesse método investigativo que se segue o pensamento dele. Mas isso não significa que ele venha a duvidar, nem tampouco Descartes, coisa que ele mesmo diz. A certeza que se tem em relação a fé deles é interessante. Também penso que Descartes não tenha duvidado de nada, usou a dúvida para enfatizar suas crenças, e este caminho é perigoso. Todo aquele que acredita em algo “prova” a seu modo, e tudo lhe parece ser favorável. Aí o perigo da boa argumentação almejada por muitos, pois acaba-se por conseguir “provar” o que se quer, como acreditavam os sofistas, e como diz Pascal sobre a causa “justa” ao advogado que ganha bem e antecipadamente, ou do necessitado.

A leitura nos intriga na medida em que pensamos na realidade do escrevente, e em nossa própria existência, já que um dos temas, o ‘desespero’, está diretamente ligado com o estádio religioso, e envolve a todos.

Um homem com especial admiração por Abraão desejava ter participado da viagem de Abraão, e quem sabe assim poder entender o fato, coisa que quanto mais reflete menos consegue. Ele busca capturar a essência do fato e tudo que o envolve.  Este homem reconhece sua fraqueza intelectual e a impossibilidade de se conhecer a verdadeira história de Abraão. A via mais interessante de suas suposições é a de Abraão preferir ser visto como monstro do que sem fé.

Pensar a existência é pensar o desespero humano. Este ponto é importante porque logo que se pensa na falta de existência divina, está instalado o desespero no homem. Se nós estivéssemos sós no mundo, no universo, e nossa existência se resumisse ao acaso, isso seria desesperador.

A comparação entre o herói e o poeta tem relação direta com quem escreve e sobre quem escreve, sendo o escritor um poeta, e o herói aquele de quem se escreve. O herói é Abraão, mas pode fazer alusão à seu próprio pai também. Se o professor Emmanuel estiver certo o pai de Kierkegaard pode estar sendo mencionado junto, ou na figura de Abraão. Emmanuel não diz isso, ele fala que Kierkegaard se coloca como Isaac, daí faço uma ligação entre os personagens.

O maior herói para ele é aquele que amou a Deus, não importa exatamente quem seja, lembrando que cada qual que feito grande por seus feitos, o foi por meio daquilo no qual almejava. Quando a esperança está no impossível de ser alcançado então se faz a maior grandeza do homem. Abraão foi o maior de todos os heróis, pois depositou sua esperança em Deus, embora Este seja cheio de paradoxos. Segundo Kierkegaard a fé de Abraão o fez grande, pois acreditando no impossível de ter uma geração mesmo em idade avançada o torna um herói maior do que aqueles que conquistam terrenos vencendo grandes batalhas. Veja só, primeiro ele crê em um Deus que não se conhece, em uma sociedade onde haviam Especialistas, ele aparece e diz que há Um só para tudo. Isso é interessante, pois não se tem todo o fato descrito na bíblia, que é uma junção de livros históricos a respeito de um povo, sua cultura e principalmente, sua fé. O motivo pelo qual o herói não será esquecido jamais, é simplesmente o fato dele ter vencido todos os seus temores sem nunca duvidar de sua fé. Crer é melhor do que admirar o crente, e é por isso que o herói sempre é maior que o poeta, este último apenas pode admirar o feito heroico sem nada poder oferecer.

Para ele Abraão nunca envelheceu, pois o que mantém sua fé não envelhece, apenas os que esperam sempre o melhor, mas estes chegam a senilidade quando lhes ocorre a decepção, e os que partem da visão contrária se gastam mais rápido. Obviamente essa juventude não se refere aos anos que se passam, pois é humanamente impossível que os anos passem e o homem permaneça jovem biologicamente, pelo menos até os dias atuais. Embora essa juventude seja também objeto de dúvida, minha opinião é que isso não se encontre apenas no desejo de ser pai e mãe, mas no desejo sexual que se perde naturalmente com o tempo, bem como seu vigor físico para o ato. Abraão mesmo em avançada idade contra todas as expectativas consegue não somente lograr o ato, mas gerar um filho, e não é qualquer um, é o da promessa, e é aí onde a felicidade bate, não só pela chegada do filho, pois já tinha um com Hagar, e sim pela promessa cumprida por Deus, caso isso não acontecesse, esse Deus não seria 4coerente, e ele haveria crido em outro deus.  Kierkegaard diz que foi a fé que manteve neles o desejo e por sua vez a juventude, embora Sara tenha rido e oferecido Hagar a Abraão, eles ainda creram no impossível, tanto que realizaram o ato, mesmo que o organismo já não respondesse tão bem para isso. Agora fazendo uso de uma boa ironia, digo que ele faz o enorme esforço de se deitar com Hagar, que devia ser cheia de juventude em sentido temporal, ao contrário de Sara quando da geração de Isaac. Deixemos isso de lado.

A vida de Abraão não foi fácil, mas ele consegue o tão sonhado filho da promessa, e imagine só o desespero dele, esperar por décadas, lutar, conseguir o que se almejou, e pouco tempo depois ter que desfazer-se, e ainda mais matando aquele que ama. A desgraça de se matar seu próprio filho, o da promessa, é maior que o desejo que não se realiza. Até então não se havia negociado com Deus, ele simplesmente cumpria o que era mandado, talvez fosse o objeto de desejo de Deus a todo momento, mostrar ao homem que ele tinha como dialogar com Deus e não apenas obedecê-lo. Se fosse o caso ele seria um Deus autoritário e cruel, que manda e desmanda, sem se importar com os sentimentos do humano.

A princípio parece que Deus se diverte com Abraão, primeiro o faz ter um filho na velhice, para depois mandar matá-lo. Honrar4 suas próprias palavras é ser coerente consigo mesmo, se falamos uma coisa e fazemos outra, então não estamos sendo coerentes conosco. Se pensarmos precipitadamente conforme a razão, este é o Deus de Abraão. Paradoxalmente se trabalharmos a própria razão com mais detalhes podemos notar algo mais. Só o fato de Deus falar com ele já lhe impõe uma situação de fé quase que imponderável, pois até então nenhum outro o havia feito, mas não é só isso que acontece. Ele ainda cumpre as promessas que faz, mesmo que isso seja impossível. Se Ele faz o impossível, mandar matar o filho da promessa não está fora de cogitação. Talvez Abraão não tivesse dúvida de que isso não aconteceria, ou tenha ficado na dúvida sobre o que Deus faria, mas com certeza não descumpriria sua promessa, embora aqui a angústia estivesse presente. Se Ele faz um homem velho ficar novo, e vai mais além, fazendo com que uma mulher também idosa tenha um filho, então ele pode perfeitamente lograr qualquer impossibilidade, inclusive a de mandar matá-lo sem que isso aconteça. E é o que acontece, Abraão recebe a Isaac novamente como se fora a primeira vez, pois é como um novo nascimento.

Se  Abraão sabia que estava em prova constante, ele sabia que qualquer coisa poderia acontecer, mesmo que fosse impossível. Mas não é de se descartar a possibilidade dele ter se enfurecido ou se entristecido com a ordem, não somente por ele, mas por ser ícone em uma nova sociedade, que seria mais uma a tê-lo por louco, ou algo do tipo. Em uma sociedade politeísta, este seria facilmente o Deus da loucura e da insanidade, que quando promete, cumpre, mas quando cumpre, tira. E tirando a promessa descumpre, pois a promessa não era somente de ter o filho, mas de posteridade sanguínea. O Deus de Abraão poderia ser também o “Deus da Brincadeira” e de mau gosto.Mas isso não aconteceu, e Abraão não estava regido por pensamento politeísta.

Curiosamente o prazer se segue após a dor, parecendo até que para a existência de um, há a necessidade do outro, o que não seria absurdo se notarmos a dualidade da vida, esse é um pensamento que Sócrates expõe quando retira os grilhões que lhe machucavam momentos antes de tomar a cicuta. Imagine a alegria de Abraão quando o anjo aparece pondo fim à provação, isto inclusive poderia ser mais um dos títulos divinos, “O Deus da Prova”, o que o faz com severidade. Não se sabe os motivos divinos, mas provar parece uma burla com o ser humano que já sofre tanto, mas também pode ser uma forma de tirá-lo da zona de conforto, e reviver momentos de alegria no lugar de ficar na felicidade almejada. Isso faz sentido, já que tudo está em movimento, mas a prova então viria apenas para os que creem, pois os que não tem esta fé parecem conseguir seus objetivos sem elas, não que não tenham dificuldades, mas ser provado é diferente de passar dificuldades.

Na dificuldade sabe-se que se pode superar a qualquer momento, a prova não, só passa quando Quem prova determina, e esta diferença faz quem tem fé ter também temor, este Deus determina isso. Como toda lapidação, Este provador põe a dualidade humana a seus limites, talvez ‘limite’ seja uma palavra importante para este Deus, já que Ele gosta de sempre aparecer no último instante, isso em relação à prova, e não à dificuldade, mas somente para quem crê. Coloca seus crentes às mais extremas situações, isso é contraditório, mas essa parece ser a maneira que Ele tem de melhorar o ser humano em seu processo de lapidação, mas só passa pelo processo de lapidação divina, quem crê. Quem não crê pode também lapidar-se, porém por meios próprios, e aí Kierkegaard diria que este não chegaria muito longe, ou a lugar nenhum, pois para isso precisaria crer. O estádio religioso parece ser a máxima humana para Kierkegaard sobrepondo os outros, ou seja, o estádio ideal é o que se está em Deus. Para quem não crê pode ser mais difícil lapidar-se por conta do estádio desesperador da solidão existencial.

Uma coisa é saber que há alguém por perto, ou pelo menos que aparecerá, outra coisa é saber que está só em meio ao vazio do universo imenso, frio, e desconhecido. Aqui o cavaleiro da resignação pode se confundir com o da fé, mas um é carnal, e o outro tem fé, mas no Deus de Abraão, já que a crença em Deus exclui qualquer outro que se creia, dessa forma ele não fala de qualquer tipo de fé, mas aquele que ama a Deus, a Quem Abraão creu e amou. Excluir qualquer outro Deus ou forma de crença no divino não é difícil de deduzir, haja vista que Ele é único, e se o é, não pode existir outro.

Costuma-se ouvir que Deus nunca chega atrasado, mas para o quê? A resposta não é tão óbvia, já que o homem passa por muita dificuldade antes dele aparecer, a dificuldade aqui gerada pela prova. Ele não chega atrasado para o fim da prova, ou seja, Ele sempre chega na hora certa para dar fim à provação, e assim refrescar um pouco a alma, pelo menos até que venha a próxima, e chega na hora que quer, não adianta murmurar, se quem prova é Ele, é Ele quem dá fim à prova, e se Ele acaba a prova quando quer, quer dizer que aparece quando quer. Escolher ter fé nesse Deus, é ter a dúvida de quando sessará uma prova e começara a outra. O que não quer dizer que não se possa negociar com Ele, pois Abraão fez isso e salvou seu sobrinho e família.

Se Isaac era o filho da promessa, Cristo também. O sacrifício que Abraão quase realiza é além de uma prova extrema do limite humano, um ensaio para o de Cristo, como Quem diz: “Você acha isso absurdo, mas eu mesmo o farei, e por você.” E por que não? Quem disser que sabe o que Deus pensa é sem dúvida um ignorante maior do que esse que vos escreve. Se Deus submete seu único filho à morte de cruz, então prepare-se crente, pois este Deus é severo.

Seja no tempo dele ou no meu, qualquer pessoa que “ouve” a voz de Deus,é duvidoso, mas se ouve, sabe que não terá vida fácil, pois é crente, e se não era, passa a ser, pois ouvir Deus e não crer é loucura. E todo aquele que crê, será provado, pelo menos parece ser esse o meio que Deus encontra para lapidar o homem, ou para outros fins que fogem a meu entendimento.

O desespero humano apresenta-se como outro grande mistério do ser. O desespero vem da existência corporal acabar aqui mesmo e a qualquer momento. O desespero existencial desaparece quando há Deus, mas a investigação continua, e a falta de conhecimento dá lugar a conforto na continuidade da existência, mesmo que não humana, pois buscar o conhecimento também é desesperador, porque há o risco de se perder nesta senda.

Acreditando que Abraão sabe o motivo da prova diz que o mesmo sabe que nenhuma prova é dura demais quando Deus pede. Tenho certeza de que Kierkegaard se equivoca muito nisto, a severidade da prova não tem outra visão, senão a de um pai que mata o próprio filho e de vontade própria. Ele não é obrigado a isso, Deus pede, ou manda, não sei bem qual a relação que Abraão tinha com Deus, nem exatamente a diferença de um pedido divino e uma ordem. Nos dias de hoje não é muito difícil de se ver esse tipo de notícia, mas naqueles dias isso parecia ser um absurdo. Percebe-se claramente o uso do estádio religioso neste argumento, em apoio à crença, quando diz que nenhuma prova é dura demais quando Deus pede.

Sabia que o Todo-poderoso o punha à prova,
sabia que este era o sacrifício mais duro que se lhe podia exigir, mas
sabia também que nenhum sacrifício é demasiadamente pesado
quando Deus o pede — por isso puxou da faca.”

Não sabemos de fato se Abraão sabia que estava sendo provado, segundo diz a bíblia sabe-se que empunhou a faca, e que realmente ia matar a Isaac. Aqui quem fala é o poeta em um estádio religioso, pois é movido por concatenações emotivas enquanto não começa a fazer comparações sobre o ponto de vista ético, porém seu cunho filosófico aparece quando observa o homem religioso fazendo comparações com outro homem. Não tenho dúvida de que seria um assassino, e Abraão também seria, mesmo tendo sido a mando de Deus, se tivesse chegado a matar Isaac seria um assassino.

Na verdade se não era, acabou sendo, pois é muito difícil que ele tenha ido livrar a seu sobrinho, e não tenha matado ninguém, assassino agora é, se não era. Mas em situação de guerra esse termo não costuma ser empregado. Creio que tanto naquela época como nessa, ouvir a voz de Deus já era duvidoso, se cria por meio do estádio religioso. Mas se ele chega a matar seu filho, em qualquer época isso não seria visto com bons olhos, ainda que o próprio Deus tivesse mandado, só e somente só, se Ele o fizesse na frente de toda a humanidade, mas neste caso acho que Deus mesmo seria o não bem visto, e as pessoas buscariam outro, pois a dedução é rápida, “terei um filho e Deus pode a qualquer momento mandar matá-lo.”

A complexidade do autor não foi completamente abordada aqui, Kierkegaard trata também de outros assuntos em “Tremor e Tremor”, fiquei na esfera religiosa, abordando algumas coisas de outros temas, que são mais abrangentes.

Então os estádios não são etapas, parecem ser um lugar onde se pode permanecer, ou sair dele. Abraão é um herói porque amou a Deus sobre tudo, inclusive sobre quem mais amava, a Isaac. O poeta nada faz de grandioso, apenas admira o herói, que faz grandes feitos, e o maior deles, é amar a Deus dando seu melhor, esperando o impossível, e este herói o cavaleiro da fé. Qualquer um pode ser um cavaleiro  da fé. O Deus de Abraão é severo, pois submete o crente a duras penas, fazendo promessas, e cumprindo. O importante é a escolha subjetiva.

Bibliografia:

Kierkegaard, Søren Aabye, 1813-1855. ‘Temor e Tremor’, Coleção os Pensadores.

Notas:

1)  < http://www.librosmaravillosos.com/metodo/parte02.html>

2) Profa. Guiomar de Grammont em: “As figuras estéticas em Kierkegaard” Disponível em:<http://www.youtube.com/watch?v=74iUvu-9wQc> Acesso em: 09/01/2014.

3) Emmanuel Carneiro Leão, conferencista em: “Existência e alternativas, um olhar sobre Kierkegaard” – 1° Ciclo de conferências. Disponível em:<http://www.youtube.com/watch?v=KbEQxPHjaas> Acesso em: 09/01/2014.

4) Sabiduría Tolteca. Disponível em:<http://nuestraedad.com.mx/sabiduriatolteca.htm> Acesso em: 02/01/2014.

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Vamos falar da maldade?

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Dante e Virgílio no inferno, óleo de Delacroix

 

Com a vinda do papa Francisco ao Brasil, durante a Jornada Mundial da Juventude, uma avalanche de “sentimentos nobres” tomou conta de boa parte da população brasileira. O evento, nutrido pela fé católica no poder e na santidade do padre, exorta a perceber um típico exemplo de “contágio positivo”1, em que as expectativas e representações individuais se diluem diante de uma perspectiva comum mais abrangente e menos egoísta.

No entanto, esse “momento mágico” de “devoção”, afeto e entrega parece não ser a tônica dominante na maior parte da existência humana, particularmente na história do povo brasileiro, que apesar de ser retratado como calmo e ordeiro, notadamente vem escrevendo uma história marcada por conflitos (“Revolução” de Pernambuco, Conjuração Baiana e “Revolução” de 30, por exemplo), desunião (Guerra dos Farrapos e Guerra do Contestado, no Sul, e o recente Movimento São Paulo Independente) e maldades (quase 3 séculos de escravidão), como defende alguns dos grandes pensadores nacionais, a exemplo do historiador gaúcho Leandro Karnal (professor da Unicamp).

Afinal de contas, o ser humano em geral e o brasileiro em particular é essencialmente bom, faltando-lhes apenas reconhecer sua verdadeira natureza “iluminada”, ou ele é basicamente mal, tendo que ser constantemente “podado” pelas convenções sociais e pelas autoridades constituídas, para que seu lado grotesco não se aflore? Esse é um embate que há séculos divide as opiniões dos mais célebres filósofos. E além destes dois pontos de vista, há ainda o de que o homem é uma “folha em branco”, uma “tabula rasa”, sendo, portanto, fruto de suas experiências (ambientais, inclusive). Aristóteles (e mais tarde os empiristas) foi um dos maiores defensores desta tese.

No livro Leviatã, o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), descreveu o homem como alguém completamente inclinado para o mau. Sendo assim, o desenvolvimento de ódio geraria mais prazer que desenvolver virtudes. Afinal, “os homens apressam-se mais em retribuir um dano que um benefício, porque a gratidão é um peso e a vingança um prazer”, como bem falou Tácito, na Roma Clássica, ao se referir à gratidão como o mecanismo que revela uma natureza frágil do homem. Se há gratidão por alguém, é porque este alguém fez um favor para “outro” em situação desfavorável. Na mesma linha, Leandro Karnal, ao comentar sobre o Leviatã, também discorre que “não optamos por um time por amar ele, mas por odiar outro [time]”.

Ou seja, em linhas gerais, o que esses pensadores falam é que o homem não se regozija com as práticas virtuosas mas, antes, deleitam-se com a derrota dos outros. Este ponto de vista não é compactuado pelos renascentistas, como Rousseau (1712-1778) que percebem o homem como um ser natural, cuja convivência deve ser balizada pela razão. E o homem natural de Rousseau não é um “lobo” para seus companheiros, ao contrário da concepção hobbesiana.

Diante destes pontos de vista antagônicos, e sem levar em conta a posição dos empiristas, é interessante ver o assunto “maldade” do ser humano sob o prisma da história. Com uma abordagem alinhada aos conceitos de Hobbes, Karnal diz que “se tivéssemos com nós o mesmo rigor que queremos do outro, o mundo seria outro”. Esta é uma crítica a um caráter supostamente autocentrado do homem, o que na visão do historiador, é um dos componentes que desencadeiam o ódio e a indiferença nas relações corriqueiras. “De forma geral, eu não sou um racista odioso, mas também não me oponho a uma piada contra nordestinos, gays e negros. Esse silêncio é pior que se posicionar”, denuncia Karnal.

O historiador fala que há uma espécie de pavor dos brasileiros em reconhecer a maldade e a inveja, e não encarar esses sentimentos de desprezo e ódio só faz com que velemos uma circunstância que acaba por “explodir” sob diversas facetas de violência, como as atuais e epidêmicas mortes no trânsito, só para dar um exemplo. “O trânsito no Brasil mata o equivalente a uma Guerra do Vietnã por ano”, alerta Karnal, para em seguida dizer que dificilmente alguém reconhece que é impaciente e violento no trânsito. “Afinal, tratamos a violência como um problema do outro, do desconhecido”, denuncia o historiador, que vê nesta espécie de “hipocrisia” o combustível para a cada vez mais crescente onda de brutalidade no país.

Essa “maldade” humana, para Karnal, está intimamente relacionada a um estilo de sociedade que ele denomina de “falocêntrica”. Ou seja, o povo brasileiro (e aí se inclui não apenas os homens e mulheres heterossexuais, mas também homossexuais, transexuais e transgêneros) cultuam (provavelmente de forma inconsciente) os aspectos do gênero masculino (força, brutalidade, movimento) em detrimento dos aspectos femininos (receptividade, complacência, perdão). Uma pessoa para ser considerada vitoriosa, no imaginário dominante, tem que “brigar”, “tomar à frente (satisfação)” e “fazer acontecer”. “O diálogo e a negociação são totalmente desencorajados”, diz Karnal, ao complementar que é a “força e o dinamismo” que seduzem a todos, em detrimento da “mansidão” e da “observação”.

No entanto, apesar de a maioria agir sob a égide citada acima, poucos são os que realmente se veem desta forma. O ódio, a inveja e a agressão são assuntos que não se discutem nos círculos de conversas, porque causam mal-estar. Karnal diz que isso vem das raízes cristãs do brasileiro, afinal “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!” (Sermão da Montanha). Também vale lembrar que a Ira é um dos sete pecados capitais.

Por tudo, a melhor alternativa para quem não quer se dar ao trabalho de se autoavaliar é jogar a culpa sempre no outro, ou em fenômenos externos. É criar mentalmente os “bodes expiatórios”. Assim, o mal e o inferno existem apenas “fora de mim”. Agir desta forma mantém as pessoas numa zona de conforto, impelindo-as de amadurecerem psicologicamente. O resultado disso é viver “eternamente” à procura de algo ou alguém a quem lançar o furor pelos sonhos não conquistados e pelas mais diversas frustrações da vida. E como bem pontuou Leandro Karnal, “acabamos por praticar tipos de violência que, nas relações cotidianas, passam despercebidas”. O desafio: olhar o/a outro/a apenas como diferente, nem como melhor, nem como pior.

Assim, a paciência e a gratidão, elementos que são amplamente exortados em momentos peculiares, como a vinda do papa Francisco ao Brasil (tirando os arroubos de emoção, que podem denotar mais histeria do que devoção), devem voltar a obter um lugar de destaque no “panteão” simbólico do imaginário coletivo. Um árduo objetivo, mas que se alcançado pode mudar completamente a vida das pessoas de corações “disfarçadamente” (e não reconhecidamente) amargurados – e violentos.

Nota
1 – A Felicidade é contagiosa – Revista Saúde é Vital – Editora Abril, disponível em http://saude.abril.com.br/edicoes/0311/bem_estar/conteudo_472117.shtml
Acesso em 17/07/2013

Referências:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011.

SEVERINO, Roque Enrique. O Coração da Bondade. São Paulo: Clube do Livro, 2010.

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martins Claret, 2008.

ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edipro, 2012.

KARNAL, Leando. O ódio no Brasil – palestra veiculada no programa Café Filosófico (TV Cultura) http://www.cpflcultura.com.br/2011/09/24/o-odio-no-brasil-leandro-karnal-2/ – Acesso em 16/07/2013

Jean Jacques Rousseau – Wikipédia –  https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Jacques_Rousseau Acesso em 18/08/2013

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