Patriarcado e sexualidade na meia idade: os conflitos de gênero femininos

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A meia idade para as mulheres é frequentemente marcada por uma complexa interação de expectativas sociais e pressões culturais, moldadas por um sistema patriarcal que historicamente as inibe e estereotipa. Nessa fase da vida, as mulheres enfrentam desafios únicos em seus relacionamentos, onde os interesses em comum podem se chocar com as normas de gênero internalizadas. A busca por harmonia e satisfação mútua, seja em viagens, culinária, educação dos filhos ou expressão da fé muitas vezes é ofuscada por conflitos que refletem as desigualdades de gênero arraigadas em nossa sociedade. Neste texto, vamos explorar como essas dinâmicas afetam especificamente as mulheres de meia idade, focando na queixa recorrente da discrepância entre o interesse e a frequência sexual. Embora a pesquisa sobre a saúde mental feminina sob a perspectiva de gênero ainda seja incipiente, estudos já apontam a importância de analisar como a experiência do sofrimento psíquico é construída socialmente, especialmente para mulheres que vivenciam as transformações da meia idade (Zanello; Silva, 2012; Santos, 2009; Andrade, 2014). Vamos destacar algumas das facetas que distanciam mulheres e homens, em algo que deveria ser de interesse mútuo: a sexualidade.

No que tange às mulheres de meia idade, em nossa cultura, a imagem se confunde com a da beleza, marcada sobretudo por um modelo lipofóbico (Novaes, 2006). Veicula-se a noção de que esse padrão ideal é acessível a todas as mulheres e que, portanto, aquela que não se encontra dentro dele é julgada por um crivo moral, considerada inferior, “menos mulher”: “Ela pode ser bonita, deve ser bonita, do contrário não será totalmente mulher” (Novaes, 2006; p. 85). Esse ideal de beleza necessita ser destacado. Geralmente, ele é marcado por uma ruptura em relação ao ideal estético no qual a mulher já se encaixou em algum momento e já foi desejada. O sofrimento ocorre quando a mulher deixa de atender a esse ideal, porque de certa maneira revela um lugar que ela não mais ocupa: a posição de ser valorizada pelo olhar do outro, e o quanto não ocupar mais este lugar a faz sofrer.

À respeito da renúncia sexual e dos traços de caráter relacionais, a ideia de “verdadeira mulher” é perpassada pelo valor da contenção/recato da sexualidade e o exercício de cuidados (amor) ao outro (Bordo, 1997; Perrot, 2003; Swain, 2006; Zanello; Romero, 2012) expressos no desempenho dos papéis de esposa, dona de casa e, principalmente, mãe (Swain, 2011). A esfera que cabe à mulher é a da família, onde o ideal de existência que encontra é o viver para os outros, se sacrificar, viver no esquecimento de si por amor ao outro. Estar fora deste espaço não é somente considerado uma violação social, mas é visto como uma “desnaturalização”. Nas fendas do dispositivo da sexualidade, as mulheres são “diferentes”, isto é, sua construção em prática e representações sociais sofre a interferência de um outro dispositivo: o amoroso. O amor está para as mulheres o que o sexo está para os homens: necessidade, razão de viver, razão de ser, fundamento identitário (Swain, 2006, online). 

Fonte: https://shre.ink/e43g

Em consequência de tanta repressão em conformidade com os valores de nossa sociedade patriarcal que subjuga o corpo da mulher ao status de objeto do homem, o sexo foi apontado como sinônimo de cumprir deveres matrimoniais e como valor simbólico de troca para conseguir algo sobre o poder dos homens. Como salienta Zanello (2014b), a conformidade naturalizou e legitimou a coerção sexual em nossa cultura, de modo a invisibilizar seu caráter de violência. A autora destaca que a vivência do sexo no casamento pela mulher se dá, muitas vezes, como débito conjugal, no qual a mulher experimenta sentimentos antagônicos de servidão e repulsa, se auto violentando, numa lógica onde o dispositivo amoroso se faz imperativo.   

Outra categoria evidente que distancia homens e mulheres é o desprezo masculino pela dialética, ignorando o pensar da mulher. Essa passa a procurar a posição de silenciamento. A socialização feminina privilegia este lugar de silêncio (Perrot, 2003; Garcia, 1995), no qual a mulher deve estar atenta e tomar cuidado com o que diz e a maneira como age, mostrando-se recatada, polida, contida e calada. O silêncio apareceu como: 1) mecanismo de defesa, a fim de evitar brigas; 2) religião como forma de apaziguamento e silenciamento – função domesticadora; e, por fim, 3) condição de existência e consequente caminho privilegiado de adoecimento – depressão.  

Segundo a autora, a ausência de alternativas e de dialética para o “ser mulher” aprisiona sua vida “num estado de impotência lamuriosa” (Garcia, 1995), no qual a única saída encontrada pelas mulheres à restrição de sua existência é mergulhar em uma profunda depressão. Essa nos diz respeito da autoanulação das expressões de toda uma vida, inclusive sexual. Assim, simultaneamente essa mulher objetificada vive uma vida de conformismo, violência e silenciamento, como evidencia a singularidade de gênero na nossa cultura em pleno século XXI: para as mulheres, é permitido o desejo sexual, desde que este seja chancelado por um casamento, e o sexo vivenciado fora da instituição do matrimônio é visto como algo desmoralizante.

Essa mesma mulher que desde muito cedo foi reprimida a não pensar e desejar o ato sexual, agora sofre forte pressão para ter energia psíquica para o ato sexual.

Parece um tanto antagônico que a sociedade ainda não tenha se dado conta de tamanha discrepância, enquanto para os homens o ideal hegemônico de masculinidade em nossa cultura é marcado pela virilidade sexual (Welzer-Lang, 2004; Zanello; Gomes, 2010), que se firma e é validada mediante a fabricação/demonstração de uma excelência de desempenho (Badinter, 1992; Azize; Araújo, 2003), enquanto as mulheres que apresentam atitudes de autonomia e posicionamento ainda hoje sofrem julgamentos de mulher adiantada ou transtornada.  

Em suma, as mulheres de meia idade se encontram em uma encruzilhada complexa, onde as expectativas sociais e as pressões culturais moldam sua experiência sexual e seu bem-estar psíquico. A discrepância entre a permissão condicionada do desejo sexual feminino e a valorização da virilidade masculina perpetua desigualdades e sofrimento. Romper com esses padrões exige uma reflexão crítica sobre as construções de gênero e um esforço coletivo para promover relações mais equitativas e saudáveis, reconhecendo e valorizando a singularidade e a autonomia das mulheres de meia idade.

Referências:

Saúde mental e gênero: facetas gendradas do sofrimento psíquico Valeska Zanello, H Gabriela Fiuza, Humberto Soares Costa Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

Fractal: Revista de Psicologia, v. 27, n. 3, p. 238-246, set.-dez. 2015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1483

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Olympia de Guedes: uma das pioneiras no movimento feminista

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Por Arthur Gabriel Franca Sarmento (Acadêmico de Psicologia) 

O iluminismo foi um movimento político filosófico e intelectual, onde a razão que estava em foco naquele momento, e a ideia de que a igreja que era o centro de tudo estava para cair por terra, pois os iluministas defendiam a razão acima da fé, porque acreditavam que o uso da razão poderia explicar os fenômenos da natureza e guiar a humanidade para o progresso e a liberdade. Eles criticavam a influência da Igreja e do cristianismo, que impunham dogmas e limitavam o conhecimento científico.

Em oposição ao Mercantilismo praticado durante o Antigo Regime, os iluministas afirmavam que o Estado deveria praticar o liberalismo. Ao invés do estado interferir na economia, o estado deveria deixar que o mercado a guiasse, levando em consideração as demandas de oferta e procura, e sem a imposição de barreiras tarifárias ou não tarifárias, como impostos, quotas, subsídios. O objetivo do livre comércio era estimular o comércio internacional, aumentando a competitividade, reduzindo os custos e ampliando as opções de consumo. Favorecendo o desenvolvimento econômico, a cooperação e a paz entre os países.

 Além disso, eles afirmavam que o poder do rei deveria ser limitado por intermédio de uma constituição. Esse movimento trouxe consigo uma nova visão politica, econômica, e sociais, tendo como lema liberdade, igualdade e fraternidade, e foi nesse contexto que surgiu a tripartição do poder, sendo eles o legislativo o executivo e o judiciário.

Nesse período lutava-se muito pelos direitos dos indivíduos, essa luta era regida pelos denominados filósofos do iluminismo, entre eles estão Rosseau e Montesquieu, que influenciaram a população através de seus pensamentos contra o absolutismo, que seria todo o poder concentrado em cima de uma única pessoa, não dando nenhum direito de escolha para a sociedade, foi assim que em 1789 criaram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, estabelecida pela Assembleia Nacional Constituinte da França, essa declaração estabelece os princípios fundamentais de liberdade, igualdade e fraternidade, baseados nos direitos naturais e universais dos seres humanos. Ela também reconhece a soberania da nação, a separação dos poderes e o direito à resistência à opressão.

Com todo esse movimento surgiu uma mulher chamada Marie Gouze, que foi uma escritora e ativista francesa que usou o pseudônimo de Olympe de Gouges. Ela nasceu em 1748 em Montauban, no sudoeste da França, em uma família de classe média, se casou aos 17 anos com Louis Aubry, mas ficou viúva logo depois e se mudou para Paris com seu filho Pierre. Lá, ela se envolveu com a cena literária e política, escrevendo peças de teatro, ensaios e panfletos sobre temas como a abolição da escravidão, o divórcio, os direitos das mulheres e a democracia, ela foi responsável por criar “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, que por sua vez reconhecia as mulheres como seres livres, racionais e morais, que tinham os mesmos direitos naturais, dos homens. Ela também defendeu o direito das mulheres ao voto, à propriedade, à educação, ao divórcio, à abolição da escravidão e à resistência à opressão. Ela enviou sua declaração à rainha Maria Antonieta, mas não obteve nenhuma resposta. Sua declaração foi rejeitada pela Convenção Nacional, e permaneceu assim por muito tempo, apenas no século XX foi vista como um marco do feminismo e dos direitos humanos. Foi perseguida, julgada e guilhotinada em 1793, por suas “ideias radicais”. Sua vida, com certeza, foi um marco na história tendo por consequência os direitos que seguimos até hoje, sendo também um símbolo pioneiro do feminismo no mundo.

A seguir uma parte de sua declaração:

 “Preâmbulo As mães, as filhas, as irmãs, representantes da nação, reivindicam constituírem-se em Assembleia Nacional. Considerando que a ignorância, o esquecimento ou o menosprezo dos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolveram expor, em uma declaração solene, os direitos naturais inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta declaração, constantemente presente a todos os membros do corpo social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres; que, sendo mais respeitados, os atos do poder das mulheres e os atos do poder dos homens possam ser a cada instante comparados com o objetivo de toda instituição política; e que as reivindicações das cidadãs, fundamentadas doravante em princípios simples e incontestáveis, sempre respeitem a constituição, os bons costumes e a felicidade de todos.”

                                                                                          Fonte: nuevamujer.com

Referências:

Diana Rocha. Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de Olympia Gurdes. seer.ufrgs. Publicado em 2020/06/30. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/translatio/article/view/104834. Acessado em: 18/10/2023.

Declaração dos direitos da mulher e da cidadã – 1791 Olympe de Gouges. historia.seed. Disponível em: www.historia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/fontes%20historicas/declaracao_direitos_mulher_cidada.pdf. Acesso em: 18/10/2023.

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Glória Maria: um exemplo de representatividade para além do que podemos enxergar

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Ela foi a primeira mulher preta a ser jornalista em uma TV nacional, deixando um legado que jamais poderá ser apagado. 

Glória Maria Matta da Silva foi uma das maiores protagonistas do jornalismo brasileiro. Nascida no dia 15 de Agosto de 1949, Rio de Janeiro, Glória foi a primeira jornalista a apresentar uma matéria ao vivo e a cores na Televisão do Brasil em 1977, época em que o jornalismo era majoritariamente dominado por homens. Segundo Ribeiro (1998), existia uma época em que as empresas jornalísticas pareciam ser feitas para serem ocupadas apenas por homens. Não havia banheiro feminino, as mulheres trabalhavam para servir os homens que ocupavam aquele espaço, sendo faxineira, atendendo telefone ou para fazer café. 

Glória começou sua carreira na faculdade Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), sendo graduanda de jornalismo e em conjunto com os estudos, trabalhava como telefonista na Embratel. Na década de 60 foi princesa do bloco carnavalesco Cacique de Ramos e na década de 70 entrou na Rede Globo como estagiária de jornalismo.

A apresentadora estudou em colégios públicos, onde era destaque, pois vencia os concursos de redação da escola. Também estudou inglês, francês e latim. Em 1971, quando cobriu o desabamento do Elevador Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, o seu trabalho de telefonista a ajudou no apuramento da veracidade da notícia e foi neste contexto que ganhou uma posição de destaque. Ela foi a primeira mulher, e não apenas mulher, uma mulher preta a conseguir um papel importante na sociedade, e em uma época em que a mulher e mulher negra era (e não deixam de ser nos tempos de hoje) um sujeito descartável.

No Brasil, as mulheres negras estão dentro de duas vulnerabilidades sistemáticas:  gênero feminino e raça. Podemos verificar essa vulnerabilidade no mercado de trabalho, por exemplo, contexto em que ocupações consideradas subalternas são socialmente associadas com mulheres negras. Ao longo dos anos 1970 e 1980, o trabalho doméstico feito por donas de casa não era caracterizado como atividade econômica (BRUSHCHINI, 2007). E na vivência das mulheres negras, a aniquilação de sua identidade profissional, de sujeito e indivíduo ainda é presente, por razões de estruturas hierárquicas de classe que ainda lhes são incumbido espaços e papéis quais são advindos da escravidão (NASCIMENTO, 2019). 

O feminismo enquanto um movimento político e social traz reflexões sobre essas categorias, mas apresenta algumas lacunas importantes a serem abordadas. Segundo Carneiro (2013) o feminismo brasileiro vem de um viés eurocêntrico, podendo apagar o caráter central da raça, as hierarquias de gênero e a universalização vindo de uma cultura particular (a ocidental, branca e europeia) para o grupo de mulheres. Assim, é passível a invisibilização da realidade da mulher negra e o apagamento do seu protagonismo na construção sócio-histórica do Brasil, que é carregada de lutas. O feminismo negro é contribuinte para essas mulheres que são enxergadas como objeto dentro de uma sociedade comandada por homens brancos. 

A sociedade estabeleceu a ideia de que mulheres negras existem apenas para servir aos outros, em decorrência da escravidão e exploração sexual que sofriam na “época” da escravidão (SILVA, 2014). As mulheres negras também sofrem invisibilidade em seus trabalhos, uma vez que não são vistas como referências nos trabalhos que ocupam (HOOKS, 1995). Na construção de um ideal, a branquitude, o corpo branco é idealizado, aquele que pode ser pertencente, atribuído a aristocracia, ao elitismo, o ser letrado e bem sucedido, o branco é o modelo que merece e deve ser contemplado. Diferente dos corpos negros, que são inapropriados, que não são pertencentes a algo ou lugar, existem para não pertencer, são corpos  descartáveis (MARTINS, 2021).

Fonte: Gabo Morales/Folhapress

Sendo pivô do seu protagonismo no jornalismo, em 1977 fez sua primeira, de muitas viagens internacionais para trabalho. Ela quem cobriu a posse do presidente estadunidense Jimmy Carter. Também foi repórter política em Brasília, cobriu a posse do último presidente da Ditadura Militar, em um período onde o jornalismo sofreu censura e as minorias eram atacadas, Glória Maria conseguiu levar essa cobertura para a íntegra. Visitou mais de 120 países e mais de 70 milhões de lares de todo Brasil. Entrevistou grandes celebridades como, Madonna, Freddie Mercury, Mick Jagger, Michael Jackson com direito a beijo e entre outras muitas. Glória trouxe autenticidade para a televisão brasileira.

É notório que a presença de profissionais negros e negras na televisão é pouco existente. O indivíduo de pele escura, quando são empregados na televisão, mesmo que com sua competência, são colocados para ocupar funções de bastidores longe da visibilidade pública (SODRÉ, 2014). Em uma entrevista, para a também jornalista Marília Gabriela, em 2002, Glória Maria declara que “(…) dizem que na televisão não há lugar para preto. Não existe mesmo. É real”. Glória Maria ocupa um lugar de representatividade, até de forma inconsciente, pois pouco se era falado sobre representatividade e lugar de fala quando a mesma começou a trabalhar. Ela se ambientou em um “lugar para homens” e de pessoas brancas, foi e é um exemplo visível para todos que chegar onde ela chegou não é crédito apenas do seu inegável talento, mas também de uma luta constante para ocupar o  aquilo que diziam nãos ser para ela, e essa, infelizmente, ainda é uma luta muito atual. 

Fonte: Globo/Raquel Cunha

Em 02 de fevereiro de 2023, o Brasil foi abruptamente tomado pela notícia do falecimento de Glória Maria, vítima de um câncer metastático, deixando o jornalismo e a TV brasileira órfãos, pois ela foi a mãe desses veículos. Sendo mãe solo, de duas adolescentes, as mesmas também se despediram de sua mãe, possivelmente com a certeza de que tiveram/tem uma mãe que abriu caminhos e portas para muitas mulheres e mulheres negras. Glória Maria foi um grande pilar em tudo que se propôs a fazer, foi figura de representação para aqueles, assim como ela, tem o sonho de pertencer a algum lugar. E, também, através da sua história, é possível ver a luta diária da mulher negra para conquistar seu espaço que lhe é seu por direito. 

REFERÊNCIAS

BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de pesquisa, v. 37, p. 537-572, 2007. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/cp/a/KybtYCJQvGnnFWWjcyWKQrc/abstract/?lang=pt>. Acesso em 19 de abril, 2023.

CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, v. 49, p. 48-59, 2003.

CLEMENTE, Ana Tereza. Marília Gabriela Entrevista – 10 Anos de GNT. Globo: São Paulo, 2006.

HOOKS, Bell. Intelectuais negras. Estudos feministas, v. 3, n. 2, p. 464, 1995.

MARTINS, Etiene. Vivenciamentos corpóreos produzidos e sentidos na interação comunicativa. ORIENTAÇÃO AFIRMATIVA, p. 97. 2021. 

NASCIMENTO, Beatriz. A mulher negra no mercado de trabalho. Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 259-263, 2019. 

RIBEIRO, José Hamilton. Jornalistas: 1937 a 1997. Imprensa Oficial do Estado. São Paulo. 1998. 

SILVA, Tauana Gomes. A participação política das mulheres negras comunistas durante a ditadura militar no Brasil (1964-1984). In: II Seminário Internacional História do Tempo Presente-ISSN 2237 4078. 2014. Disponível em: <https://eventos.udesc.br/ocs/index.php/STPII/tempopresente/paper/view/181>. Acesso em 19 de abril, 2023. 

SODRÉ, Muniz. A Ciência do Comum: notas para o método comunicacional. Petropólis: Vozes, 2014. 

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Barbie: uma jornada pelo padrão de beleza, feminismo e a diversidade

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“Eu… eu… nem eu mesmo sei, nesse momento… eu… enfim, sei quem eu era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então”— Lewis Carroll, no livro Alice no País das Maravilhas.

Ana Paula Abreu Dos Anjos – anapaulaabreu@rede.ulbra.br

Bárbara Millicent Roberts, mundialmente conhecida como Barbie, a boneca criada pela co-fundadora da empresa norte americana Mattel, Ruth Handler, veio ao mundo como a representação de uma jovem modelo fashionista, alcançando o posto de boneca mais vendida do mundo, Ruth, teve sua inspiração ao observar sua filha Bárbara brincar, já na adolescência, com bonecas, demonstrando mais interesse por suas bonecas de papel, que tinha a estrutura similar a de uma mulher adulta, além de uma variedade de roupas para trocar, uma vez que naquela época as bonecas produzidas nos EUA representavam bebês, e durante uma viagem em família à Europa, Ruth presenteou sua filha com a boneca Lilli, a personagem criada pelo autor Reinhard Beuthien para o jornal alemão Bild, que devido ao seu sucesso virou boneca em 1955, visualizando assim a criação da Barbie.

Oficialmente lançada durante a Feira Anual de Brinquedos de Nova Iorque, no dia 9 de março de 1959, a boneca que possuía trinta centímetros de altura, uma cintura acentuada, em um corpo de proporções sem muitas curvas, usando um maiô listrado em preto e branco, com salto alto e maquiagem, em pouco tempo a Barbie foi transformada em uma personagem glamorosa, com uma vida perfeita, e ainda que as primeiras Barbies tivessem opções disponíveis com cabelos castanhos, a boneca de longos cabelos loiros e medidas corporais impossíveis, se estabeleceu no imaginário popular, o que contribuiu na construção de um inalcançável padrão de beleza, as imagens publicitárias da Barbie estavam intrinsecamente associada a juventude, moda e beleza, em um perfeito mundo cor de rosa.

Fonte:Pixabay 

Ao longo de sua jornada, Barbie deixou de ser apenas um simples brinquedo, se transformando em um modelo que inspirava. No entanto, nem sempre positivamente, um exemplo a ser observado seria as denominadas “Barbies humanas”, pessoas que buscam por meio de inúmeras cirurgias plásticas, procedimentos estéticos e dietas mirabolantes, transfigurando o corpo de forma obsessiva, com o objetivo de ser uma versão da vida real da boneca, o que por vezes se constitui em uma busca incansável por um ideal de perfeição que não existe, ainda que o padrão de beleza seja anterior a criação da Barbie, ela acabou por se um fruto desse meio, além de ferramenta desse mecanismo de idealização.

Para além de questões relacionadas a perpetuação de um padrão hegemônico de beleza, o empoderamento feminino sempre esteve associado a Barbie em seu marketing, com o clássico slogan “you can be anything” (você pode ser tudo que quiser), e inúmeras animações protagonizadas por personagens femininas no papel de heroínas que salvam o dia. Outro fator relevante é, poucos anos após seu lançamento, durante a década de 70 foram disponibilizadas no mercado bonecas Barbies como a representação de inúmeras profissões, como astronauta, médica e professora, já tendo atualmente mais de 200 carreiras, personificando um modelo de independência feminina.

A Barbie pode ser considerada como um fenômeno cultural que “atuou” e acompanhou vários momentos da história. No que concerne ao feminismo, Barbie esteve ao lado de causas feministas, surgiu em um período pós guerra exercendo uma profissão, totalmente o oposto das mulheres daquele período que eram “adestradas” a cuidar do lar. (SILVA, 2014).

No ano de 1980 foi lançada a primeira boneca “Barbie” negra, e ao longo dos anos a diversidade foi crescendo na linha de bonecas, em 2019 e 2020, com a coleção “Barbie Fashionista” foram incluídas na linha bonecas Barbies de pessoas com deficiência, vitiligo e sem cabelo, além de proporções corporais diversificadas, se alinhado a busca por inclusão social, e a conexão por intermédio da representatividade com o consumidor, mudanças como essas podem ser um forte sinal de que atualmente existe um crescente movimento por identificação em andamento na sociedade.

A publicidade não inventa coisas; seu discurso, suas representações estão sempre relacionados com o conhecimento que circula na sociedade. Suas imagens trazem sempre signos, significantes e significados que nos são familiares. A representação é um dos processos sociais por meio dos quais diferenças são construídas ou modificadas. As representações são produzidas com base em características específicas a cada grupo social, e sua materialização vem de fora. Elas têm um papel ativo na produção de categorias sociais, tais como gênero, raça/etnia, classe, sexualidade, geração. (TEIXEIRA, 2009).

O aguardado filme “Barbie” dirigido por Greta Gerwig, com lançamento no Brasil previsto para 20 de Julho de 2023, vem mantendo seu enredo em segredo, porém em sua divulgação através de pôsteres e o teaser do trailer, o que pode ser vislumbrado é uma diversidade de Barbies, interpretadas por diferentes atrizes, trazendo também o personagem Ken (o namorado da Barbie) com a mesma proposta; nas imagens individuais dos personagens, além da diversidade, o que chama a atenção é o humor ácido, ao apresentar cada Barbie como “essa Barbie tem um prêmio Nobel de física”, “essa Barbie é presidente”, as imagens contento os personagens Kens tem frases como, por exemplo, “ele é só o Ken” e “ele é outro Ken”, aparentemente invertendo o papel de esposa troféu, comumente associado às mulheres.

Fonte: Warner Bros/divulgação.

Os pôsteres do filme Barbie (2023) apresentam diversas versões do personagem Barbie.

Bárbara Millicent Roberts, mais conhecida como Barbie, trilhou uma longa jornada, se constituindo em um complexo personagem, com camadas, caminhando entre, o estereótipo de beleza estabelecido pela sociedade, um ícone feminista, a diversidade, inclusão e representatividade, atualmente a personagem parece inclinada a modificar sua imagem, ainda fortemente associada a manutenção de um padrão social de beleza, para algo que abrace, valorize e respeite a diversidade, inspirando seus fãs, e sua pluralidade, a serem o que quiserem ser.

 

 

Referências:

GERBER. Barbie e Ruth: a história da mulher que criou a boneca mais famosa do mundo e fundou a maior empresa de brinquedos do século XX. São Paulo: Ediouro, 2009.

SILVA, Rosângela Barbosa da. Boneca Barbie: apocalíptica ou integrada. Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 11, n. 2, p. 39-46, jul./dez. 2014. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/arqcom/article/view/2779. Acesso em: 13 de Abr. 2023.

TEIXEIRA, Níncia Cecília Ribas Borges. Discurso publicitário e a pedagogia do gênero:

representações do feminino. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, v. 6, n. 17, p.37-

48, nov. 2009.

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Mika Etchebéhère, personagem esquecida: da América Latina à Europa em busca da Igualdade de Gênero

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Giselle Carolina Thron: giselle.thron@ceulp.edu.br 

Ao pensarmos na conturbada história dos conflitos mundiais que ocorreram no século XX, temos nomes formados em nossas memórias, sobretudo nomes masculinos, que sempre estão presentes na literatura sobre o assunto. Pensando também na hierarquia destes conflitos, sempre nos lembramos de determinados eventos sendo alguns deixados à revelia, entendemos que é de suma importância conhecer personagens novos, sobretudo de conflitos que não estão no topo do interesse comum mas que, no contexto destes conflitos, são de grande relevância para o entendimento do conturbado período a que estamos nos referindo. 

Durante os agitados anos da década de 1930 as mulheres espanholas viveram várias fases: queda da monarquia, instauração da república, revolução, repressão stalinista, ditadura franquista. Cada uma destas fases provocou muitas mudanças no seu modo de vida, novas experiências, algumas boas, outras nem tanto. Mas, destas, a Revolução de 1936 foi, sem dúvida, o ápice das conquistas e de experiências transformadoras. Na madrugada de 18 para 19 de julho de 1936, um golpe militar marcaria para sempre a história da Espanha e do mundo. Apesar de considerado o marco inicial da Guerra Civil Espanhola, na realidade marca o ápice de um processo revolucionário anterior, irrompida pelas massas operárias e camponesas. 

Deflagrada a revolução, as mulheres foram aceitas para servir nas milícias revolucionárias combatendo de igual para igual com seus companheiros. Nos primeiros combates não era uma imagem tão impressionante, mas elas estavam lá para defender os direitos da classe operária como um todo e o seu especificamente. Nas milícias revolucionárias não havia hierarquia militar e imperava a ausência dos privilégios do antigo Exército fazia da milícia uma de muitas concretizações do ideal revolucionário perseguido pela classe operária. E, entre tantas desigualdades, a milícia punha fim àquela de natureza sexual.

Poderíamos falar sobre centenas de mulheres que participaram destes combates, e foram muitas, mas neste momento, resgataremos a história da miliciana Mika Etchebéhère que participou desde os primeiros combates na defesa de Madri, quando inicialmente os franquistas tentaram tomar a capital castelhana e teve início a batalha – seguida do cerco em Madri, onde participaram na sua defesa as milícias dos vários partidos e organizações sindicais lutando juntas na defesa da capital.

Micaela Feldman era filha de judeus russos que fugiram para a Argentina antes de seu nascimento em 14 de março de 1912. Ainda na infância, Micaela se encantou com a revolução social. Seus pais possuíam um restaurante na colônia judaica em que habitavam na Província de Santa Fé. Lá ouvia os relatos de fuga de revolucionários das prisões da Sibéria. Ainda na adolescência juntou-se a algumas colegas para formar a agrupação de mulheres “Luísa Michel” de inspiração anarquista.

Em 1920, com 18 anos, já em Buenos Aires cursando Odontologia, conheceu Hipólito Etchebéhère. A partir daquele momento os dois formariam uma parceria que duraria até a morte de Hipólito no início da Revolução Espanhola. Micaela foi apresentada a Hipólito Etchebéhère e a mais dois amigos que queriam sua adesão ao grupo Insurrexit. Inicialmente ela ficou reticente por se tratar de jovens provenientes da burguesia, mas Hipólito a convenceu.

As lutas operárias, a Revolução Russa e o antissemitismo mexeram com os sentimentos de Mika, tanto que, em 1924, filiou-se ao Partido Comunista da Argentina trabalhando para a sua implantação definitiva. Ela trabalhava em prol da seção feminina do partido, promovendo encontros e reuniões, panfletagem e discursos nas ruas e em portas de fábricas. Por não concordar com as novas diretrizes do partido – essa é a época da burocratização – se distancia do Partido Comunista e, devido às discordâncias que sempre expressaram publicamente, é expulsa e se aproxima do trotskismo.

Em virtude da fraca saúde de Hipólito, causada pela tuberculose, eles resolvem ir para a Patagônia onde trabalhavam no consultório odontológico que Mika montou com o intuito de juntar dinheiro para a viagem para a Europa. Naquele momento não tinham esperanças no movimento revolucionário argentino ou mesmo latino-americano, o que sentiam muito.

O país escolhido inicialmente fora a Alemanha, no momento da Revolução Alemã. Acreditavam que em um país com uma classe operária tão forte e organizada como era o caso alemão, a revolução social teria sucesso. Passaram antes por Madri, desembarcaram em junho de 1931, dois meses após a queda da monarquia e a instauração da República. O clima revolucionário em que vivia a Espanha a deixou com grandes expectativas: “exigiam a separação da Igreja e o Estado… aprendemos a querer o povo espanhol”. Nutria o desejo de voltar à Espanha para participar das grandes transformações que certamente aconteceriam. Da Espanha partiu para Paris para preparava-se intelectualmente para a revolução, trabalhando em jornais da esquerda comunista, acreditando que assim poderia se aproximar mais da classe operária alemã. 

Em outubro de 1932 chegou à Alemanha, acreditando na vitória da revolução, procurou se aproximar do Partido Comunista, mas com a derrota da classe operária, a ascensão de Hitler e a passividade do Komintern decepcionaram-se ainda mais com o comunismo.

Em maio de 1936 Hipólito vai para um sanatório em Madri devido à tuberculose. Ela continua em Paris trabalhando para prover sustento do casal. Em 12 de julho, Mika Etchebéhère chegou a Madri, apenas seis dias após o golpe liderado pelo general Franco. A resistência da classe operária reacende a esperança de uma revolução vitoriosa. A derrota da Alemanha tão presente em sua memória não poderia se repetir. 

Mika e Hipólito Etchebéhère logo se incorporam ao POUM – Partido Operário de Unificação Marxista. Não era o seu partido, mas era o que mais se assemelhava ao grupo de oposição comunista. Hipólito foi requisitado para ser capitão da Coluna Motorizada do POUM. Inicialmente Mika ficou na retaguarda, cuidando dos feridos, junto a outras mulheres por ordens de Hipólito. Mesmo para ele, homem culto e consciente das suas capacidades, não lhe agradava ver as mulheres de sua milícia na frente de batalha, principalmente sua companheira. Assim, por sua ordem, ela ficou na organização da retaguarda, responsável pelos cuidados médicos, limitada à prática do assistencialismo.

Fonte: commons.wikimedia.org

Com o apoio dos milicianos e milicianas, Mika decidiu assumir a milícia após a morte de Hipólito em 16 de agosto de 1936 (ferido no coração na batalha de Atienza), mas a situação era desesperadora. Ao contrário do marido, descrito por ela como um eterno otimista, Mika mostrava-se mais realista perante a situação. No entanto, acreditava que ali tinham a responsabilidade de frear o avanço dos fascistas e levar adiante a revolução social. A falta de armamento adequado, a responsabilidade pela integridade física e de manter acesas as esperanças daqueles milicianos tão jovens, alguns meninos e meninas de apenas 14 anos, era uma constante preocupação para ela.

Além das vitórias conseguidas pela “Coluna Motorizada do POUM” sob o comando de Mika, as notícias corriam também sobre o modo como sua capitã se comportava diante das situações de perigo e sobre o modo como ela dirigia sua coluna promovendo a igualdade entre homens e mulheres, seguindo as diretrizes do POUM – e suas próprias. Este comportamento levou muitas milicianas que estavam em outras colunas, sabendo da igualdade de direitos que promovia a capitã Etchebéhère, a se ofereceram como voluntárias na milícia de Mika, por saber que lá as mulheres teriam o direito de lutar.

Após o combate de Siguenza e o cerco à catedral, Mika passou um tempo em Madri e depois em Paris. Devido ao casamento com Hipólito, que era filho de franceses, ela obtém a cidadania francesa, o que futuramente a salvaria das prisões stalinistas e fascistas. Enquanto estava em Paris, continuou trabalhando pela revolução organizando reuniões para a apresentação de filmes, sobretudo dos combates de Siguenza. Mika fez palestras explicativas aos cidadãos franceses buscando apoio da classe operária para a união em defesa da revolução. Mas o que chega da Espanha desanima, as notícias recebidas da imprensa a deixam preocupada: “As notícias sobre a guerra na Espanha são doídas”. As milícias continuam fugindo diante do avanço franquista.

Ao voltar de Paris, no início de novembro, desta vez para Barcelona, Mika confirma as notícias anteriormente recebidas: a situação está cada vez mais difícil para o lado republicano, “não há esperança para Madri,” a capital já havia sido transferida para Valência. Neste período, a milícia do POUM foi dividida em duas companhias e o comando de uma delas composta, na maioria, por sobreviventes de madrilenos – que, por sua vez, sobreviveram ao cerco da catedral foi entregue à Capitã Etchebéhère.

Mesmo com a militarização das milícias e posterior volta das mulheres para a retaguarda, Mika Etchebéhère continua no comando, sendo a única mulher a ter o comando de tropas do Exército republicano. Mesmo que não soubesse sobre táticas de guerra, nem tampouco ler mapas militares, o fato não assustava os homens e mulheres que ela comandou, estes sempre demonstraram confiança e orgulho em combater sob suas ordens. Na verdade, nem mandar sabia, afirmou certa vez que não necessitava mandar, já que os homens tinham total confiança em seu poder de decisão e não contestavam suas ordens. Mesmo com todos os problemas enfrentados, a fama da Capitã Etchebéhère chegou ao Alto Comando da República.

O respeito que os homens sentiam por ela crescia ainda mais. Os milicianos sob seu comando também se preocupavam com ela, em muitos momentos achavam incrível que uma mulher pudesse resistir às durezas das trincheiras. A maioria dos seus comandados eram espanhóis e para eles era estranho ver mulheres em situações como esta, conhecendo todas as situações difíceis e a dificuldade da vida que sempre levavam as mulheres. Além desse, outro ponto chamava a atenção deles: Mika era estrangeira. Tanto ela como seu marido, além de tantos outros homens e mulheres estrangeiros que lutaram e morreram em várias frentes de batalha, despertaram a admiração dos operários e camponeses espanhóis. Outro ponto de admiração era que Mika não se preocupava apenas com a saúde física da milícia, preocupava-se também com o conhecimento. Organizou uma escola e uma biblioteca com doações de livros obtidos em Madri e, quando a situação se mostrava calma, dava aulas para os integrantes da milícia e os incentivava a ler.

Mesmo com todos os esforços da coluna da Capitã Etchebéhère, assim como de tantas outras que combateram pela revolução social e todos os benefícios que traria para a classe operária e camponesa, a contrarrevolução venceu. Após isso a derrota para o fascismo, cujo resultado foram prisões lotadas, centenas de torturados, milhares de mortos e feridos, centenas de exilados. Durante a perseguição stalinista, Mika foi presa, mas por poucos dias. Seu passaporte francês a salvou de uma nova prisão, quando os franquistas tomaram Madri, depois disso refugiou-se em Paris e de lá voltou para a Argentina. Em 1976, ao escrever sua autobiografia recordou-se de todos aqueles meninos e meninas que, em muitas situações, depositaram suas vidas nas mãos dela. Continuou a defender sempre seus ideais revolucionários até sua morte em 1992. Mika Etchebéhère nunca voltou a se casar e, até seu falecimento, conservou o capote e a arma de Hipólito como um troféu, a lembrança mais viva de suas paixões, Hipólito e a revolução 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Ângela Mendes de. Revolução e Guerra Civil na Espanha. 2 ed. São Paulo: Brasiliense. 1987. (Tudo é História)

ETCHEBÉHÈRE, Mika. Mi Gerra de Espana. Barcelona: Alikornio Ediciones. 1984. 

FERNANDEZ, Adriana Martinez. Rojas: La Construcción de la Mujer Republicana en la Memoria de España. Revista Eletrônica ALPHA, n. 22. jul. 2006. Disponível em: https://revistas.ucm.es/index.php/CHCO/article/view/CHCO0707220035A/6747  Acesso em: 24/03/2023.

MARTÍNEZ, Rosa Maria Capel. De Protagonistas a Represaliadas: la Experiencia de las Mujeres Republicanas. Cuadernos de Historia Contemporánea, 2007. Disponível em: https://www.revistaalpha.com/index.php/alpha/article/view/538/537. Acesso em: 24/03/2023

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A cientista e psicóloga que negou a teoria de superioridade masculina

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Leta hollingworth

fonte: arquivo pessoal

Nascida em maio de 1886, no oeste de Nebraska. Sua história de vida já começa marcada pelos paradigmas do patriarcado. A história conta que sua mãe  Margaret Danley Stetter, enviou várias cartas ao seu pai, que estava trabalhando longe, tentando fazer com que ele voltasse para casa, para ver seu nascimento e ao chegar e vê-lá  sua primeira reação foi dizer: ‘’ Eu daria US$1.000 se fosse um menino’’. infelizmente era algo comum na época em que acreditava-se que mulheres eram fisicamente e mentalmente inferiores a homens.

Anos mais tarde  isso pareceria como o destino, pois as visões de Leta  passariam a desafiar os paradigmas da época. Por séculos homens mistificaram os ciclos menstruais, alegando que mulheres não deveriam fazer parte do ensino superior ou do trabalho, por sua instabilidade durante a menstruação. Médicos identificaram  essas condições com causas físicas e mentais, pois consideravam mulheres como ‘’excessivamente emocionais’’ surgindo então o termo histeria.’A causa da histeria era atribuída ao útero, que teria o poder de se movimentar dentro da mulher, por ser um ser vivo autônomo, podendo ocorrer então a sufocação da matriz, do útero – origem da palavra histeria (Ávila & Terra, 2010; Leite, 2012). O diagnóstico era sério, levando a tratamentos duvidosos e até a internação.

fonte:http://encurtador.com.br/bdBMR

A fim de refutar a fragilidade feminina, Leta conduziu vários testes diários em seis mulheres e dois homens durante meses, que avaliavam agilidade física e habilidades escritas. O resultado foi um desempenho igualitário entre homens e mulheres, inclusive no período de  menstruação. Baseando-se nesses teste e em seu conhecimento publicou no seu artigo em 1914 ‘’ “homens que escreveram com autoridade sobre qualquer assunto sem que possuíssem conhecimento confiável ou especializado” não hesitaram em fazer afirmações não comprovadas sobre as habilidades intelectuais e físicas das mulheres durante seus ciclos menstruais.

Por meio de seu trabalho, também  se envolveu na luta pelo voto feminino, que resultou na  ratificação da 19ª Emenda nos Estados Unidos, que assegurou a participação de algumas mulheres na eleição de 1920. Ela acreditava que os poderes da sugestão social e da opinião pública eram umas das muitas maneiras em que homens exerciam poder sobre as mulheres. De acordo com pesquisas feitas atráves do artigo da revista forbes(2020): Em um artigo publicado no “American Journal of Sociology”, em 1916, a cientista sugeriu que o governo norte-americano obrigava as mulheres a terem filhos, tornado ilegal a divulgação de informações sobre controle de natalidade: “Enquanto apontam que o objetivo da natureza feminina é a maternidade e o cumprimento dos deveres maternos”, escreveu Leta, “a sociedade restringe as possibilidades para as mulheres”.

Leta, assim como outras mulheres, encontrou na ciência sua forma de lutar. Sua carreira profissional começou como professora, depois de se formar na universidade de Nebraska em 1906. Prosperando nesse emprego, se mudou para Nova York juntamente com seu noivo Harry Hollingworth, em 31 de dezembro de 1908 . Leta pretendia dar aulas em Nova York, mas descobriu que a cidade tinha uma política em que mulheres casadas não tinham permissão de ensinar. Ela então continuou  escrevendo e ocupando-se de tarefas domésticas, mas com o tempo vendo que não conseguia contribuir financeiramente começou  a se sentir entediada, frustrada, começando então a desenvolver depressão. Tentou então ir à pós-graduação, mas foi impedida pela descriminação de gênero da época, o que fez ela começar a questionar o papel da sociedade em relação às mulheres e a desigualdade de oportunidades.

Em 1911 ela pode começar a sua pós graduação, devido a uma bolsa de pesquisa que seu marido conseguiu pela coca-cola, ele a contratou como assistente de direção dos estudos, além de arcar com partes dos custos. Durante a pós-graduação ela passou a se concentrar em aspectos femininos. Nos anos seguintes publicou a série de estudos que questionaram a diversidade intelectual masculina. Para Leta, as mulheres eram tão inteligentes (e ignorantes) quanto os homens. Segundo a revista forbes(2020)  Em 1914 juntamente com Henrietta e membros da aliança feminista, enviaram uma carta ao presidente norte americano Woodrow Wilson, pedindo apoio para uma emenda constitucional determinando que “nenhum direito civil ou político deve ser negado a qualquer pessoa por causa do sexo”, de acordo com para o jornal “The Sun”.

Alguns feitos de Leta foram: a primeira a escrever um livro sobre crianças superdotadas, bem como dar um curso sobre crianças superdotadas. Foi a primeira a estudar crianças com quocientes de inteligência (QI) acima de 180. Publicou mais de 30 estudos sobre pesquisas e desenvolvimento talentosos e pioneiros em ambientes naturais. Desenvolveu terapia de centro infantil e treinou Carl Rogers . 

Hollingworth afirma em seu artigo,  “Sem dúvida, um dos problemas mais difíceis e fundamentais que hoje enfrentam as mulheres pensantes é como garantir para si mesmas a chance de variar de seu modo de vida. sexo e, ao mesmo tempo, procriar, em uma ordem social que foi construída sobre a suposição de que há pouca ou nenhuma variação de gostos, interesses e habilidades dentro do sexo feminino. É um problema que nunca me confrontou . ” [15] Embora seja algo escrito em 1914 podemos olhar frente a isso como um paradigma atual, mulheres ganham cada vez o seu espaço, mas ainda não são valorizadas pela variação de seus gostos, ainda existindo espaços em que ‘’não são para mulheres’’.

Leta morreu em 27 de novembro de  1939, aos 53 anos, deixando um legado de contribuição  para a eugenia na educação americana que foram fundamentais para a fundação e disseminação de programas para superdotados e talentoso, além de contribuir de uma pequena forma para mudar as visões em relação às mulheres levando as mulheres a terem o direito de votar em uma nação que por muito tempo as negou esse direito. Hoje, assim como muitas mulheres da ciência, sua história nos inspira e nos motiva mulheres a buscar seu lugar de igualdade.

 

 

REFERÊNCIAS

JENNINGS,Katie. Leta Hollingworth: a cientista do século 19 que refutou as teorias de superioridade masculina.Forbes, 2020 . Disponível em: <https://www.google.com/amp/s/forbes.com.br/colunas/2020/08/conheca-a-cientista-do-seculo-19-que-refutou-as-teorias-de-superioridade-masculina/%3famp>. Acesso em: 15 de abr de 2022.

Leta Stetter Hollingworth. Stringfixer. Disponível em <https://stringfixer.com/pt/Leta_Stetter_Hollingworth> acesso em 15 de abr de 2022.

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Dormindo Com o Inimigo: uma análise acerca dos aspectos sociais e psicológicos na violência doméstica

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Sara e Martin aparentemente vivem um casamento harmonioso e cercado de laços afetivos, todavia ela sofre agressões constantes do mesmo, fator esse que levanta o questionamento cada vez mais constante da responsabilidade profissional e social nesse contexto. A princípio percebe-se a relevância de se discutir a violência doméstica no contexto das políticas públicas, frente à necessidade de que façamos uma análise do contexto histórico brasileiro, especialmente no que se refere entre os períodos de 1960 e 1980, dando maiores significados para as políticas sociais, em principal o olhar da Psicologia e a inserção de novos elementos na profissão que são de suma importância para a atualidade.

Assim sendo, faz se necessário traçar historicamente os caminhos da profissão no Brasil, neste sentido de reconstruir os laços, compromissos, tendências e vínculos estabelecidos com as classes sociais que explicam as marcas e desafios que a profissão enfrenta atualmente no que tange às demandas de violência doméstica contra a mulher. Observa-se aqui a data de 8 de março, juntos aos achados históricos:

O dia 8 de março é o resultado de uma série de fatos, lutas e reivindicações das mulheres (principalmente nos EUA e Europa) por melhores condições de trabalho e direitos sociais e políticos, que tiveram início na segunda metade do século XIX e se estenderam até as primeiras décadas do XX (Queiroz, 2000).

Fonte: https://url.gratis/FSInTK

Os serviços ofertados indiscutivelmente são imprescindíveis para que se obtenha êxito no atendimento às vítimas, inclusive pode-se destacar que a Psicologia no Brasil também surgiu a partir da questão social onde a sociedade passa a ser base de estudo, inclusive os seus comportamentos e aspectos cognitivos.

A importância da Psicologia no decorrer do seu contexto histórico, teve o intuito de atender as exigências postas aos profissionais, bem como atender às requisições do Estado, que visavam construir seu suporte teórico e ampliar seus referenciais técnicos, se distanciando da igreja que aparentava ser contra.

A Política Pública de Assistência Social está estabelecida nos direitos sociais da população em situação de risco social segundo definição da Política pública de Assistência Social. De acordo com o artigo primeiro das LOAS, a Assistência Social, direito do cidadão e dever do estado é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos, realizada por intermédio de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento ás necessidades básicas

Interessante ressaltar que se nota, que é no mesmo período que acontece a maturidade da profissão, onde se tem centros de formação e pós-graduação que amplia o conhecimento dos estudantes e dos profissionais e quando decorre também a organização política da profissão.

FICHA TÉCNICA

Título original: Sleeping with the enemy

Ano produção: 1991

Dirigido por: Joseph Ruben

Gênero: Drama, Suspense

País de Origem: Estados Unidos da América

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. LOAS/1993 Lei orgânica da Assistência Social. Brasília, MPAS/ Secretaria do Estado de Assistência Social, 1999.

Ministério da Saúde. (2002). Violência intrafamiliar: orientações para a prática em serviço Secretaria de Políticas de Saúde. Brasília, DF.

QUEIROZ, Fernanda Marques e DINIZ, Maria Ilidia-a, SERVIÇO SOCIAL, LUTAS FEMINISTAS E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER em Temporais: Revista da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em serviço Social (ABPESS) / associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. – Ano 1, n. 1 (jan.jun.2000) – Brasília: ABEPSS, 2000.

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Para todas as heroínas em busca da própria jornada

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Em novo livro, escritora Elizabeth Cronise McLaughlin, ex-advogada do Wall Street redesenha paradigmas tradicionais da liderança feminina em combate às estruturas opressoras.

Somos todas heroínas: uma ferramenta de luta contra a opressão sistêmica, institucional, interpessoal e internalizada do patriarcado supremacista branco. O lançamento da VR Editora, pelo selo Latitude, é uma novidade da escritora Elizabeth Cronise MCLaughlin. Advogada por 15 anos do Wall Street, ela largou a carreira jurídica e fundou a Gaia Project for Women’s Leadership – Projeto Gaia para Liderança das Mulheres, em português – fundação reconhecida por personalidades como Arianna Huffington, cofundadora do site de notícias The Huffington Post.

Para contribuir na jornada das leitoras heroínas contra cada uma das estruturas opressoras, a escritora apresenta quatro estágios para seguir durante o processo. Reconhecimento, reconciliação, revolução e renascimento, são instrumentos para a construção da liberdade e igualdade de gênero. “O que escolhemos fazer juntas agora vai nos levar ao mundo no qual viveremos pelos próximos séculos. Esse futuro depende da cura e do renascimento das heroínas em todos os lugares, de dentro para fora”, explica Elizabeth.

Aos que questionam a diferença da jornada do herói para a jornada da heroína, a escritora destaca que a primeira é normalmente originada por uma razão individual, como uma guerra ou uma mulher, ao exemplo da mitologia grega, com o objetivo da glória e prestígio. No entanto, a jornada para a qual o sexo feminino é chamado busca um benefício coletivo, em que cada indivíduo é tomado por um espírito de resistência.

Somos todas heroínas é um convite para que cada leitora encontre a própria jornada a partir do pensamento e vivências de grandes mulheres. Conforme afirmou LaTosha Brown, cofundadora da Black Voters Matter, no prefácio da obra, “este livro fala diretamente com nós, mulheres, que precisamos colaborar e conspirar para fazermos um futuro melhor juntas, pois nenhuma será livre enquanto todas não formos”.

Ficha técnica:

Título: Somos todas heroínas
Autora: Elizabeth Cronise MCLaughlin
Número de páginas: 262
ISBN: 978-65-89275-19-0
Editora: VR Editora, selo Latitude
Formato: 16 x 23 cm
Preço: R$ 59,90
Link de venda

Sobre a autora: Elizabeth Cronise McLaughlin é doutora em Direito pela George Washington University Law School, Estados Unidos. Foi uma advogada de sucesso em Wall Street e após uma carreira de 15 anos fundou a Gaia Project Consulting, LLC, empresa de consultoria executiva. Cinco anos depois criou o Gaia Project for Women’s Leadership – Projeto Gaia para Liderança das Mulheres. Seu trabalho foi reconhecido por mulheres como Arianna Huffington, cofundadora do site de notícias The Huffington Post; Amanda Steinberg, fundadora do DailyWorth, plataforma de mídia financeira para mulheres; Chantal Pierrat, fundadora do Emerging Women Live, projeto de liderança feminina. Palestrante em corporações sem fins lucrativos, pretende transformar os paradigmas tradicionais de liderança.

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As lições de vida de Anne Shirley

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“Grandes palavras são necessárias para expressar grandes ideias”

A série canadense Anne with an E é baseada no livro Anne of Green Gables de L.M. Montgomery e se tornou um grande sucesso por abordar temas atuais em um contexto onde pouco era discutido sobre empatia, direitos humanos, respeito às diferenças e empoderamento feminino. A série é ambientada no século XIX, na década de 1890 e é protagonizada por uma menina órfã chamada Anne Shirley que com sua história e personalidade conquistou o coração de leitores e telespectadores da respectiva série. Neste trabalho serão abordadas três lições de vida que podemos aprender com Anne: a empatia, a quebra de preconceitos e a resiliência.

A história conta que Anne após a morte de seus pais, vai para um orfanato e que já foi adotada por outras famílias, mas que depois é devolvida para o orfanato. Lá ela sofre com o bullying das colegas por ser apaixonada por histórias que envolvem a imaginação e a poesia. Até que um dia ela é adotada por engano por um casal de irmãos idosos chamados Matthew e Marilla Cuthbert. Eles pensavam que estavam adotando um menino.

À primeira vista, Mattew ao conhecer Anne decide levá-la para casa, mas Marilla não a aceita pois queria que fosse um menino, para ajudar na produtividade da fazenda. Anne sofre, pois não quer ser rejeitada novamente e faz de tudo para que seja adotada pelos irmãos.

Osório (1996) ressalta que a família tem um papel muito importante na vida do indivíduo, sendo um modelo de referência que uma pessoa pode ter, além de exercer influência cultural, social, e no desenvolvimento em diferentes aspectos. Ter uma família, além de representar os papéis de pai e mãe, para Anne era uma forma de se sentir amada e acolhida.

Após ser aceita pelos irmãos Cuthbert, ela começa a frequentar a escola e faz uma amiga: Diana Barry e juntas fazem um juramento de amizade eterna. Na escola, Anne sofre preconceitos por ser órfã, ruiva e com sardas. Ela acreditava que essas características a deixavam mais feia que as outras meninas.

A primeira lição que podemos citar é a resiliência. Pois diante do preconceito por ser órfã e da rejeição das colegas, Anne teve que ter forças para prosseguir com seu sonho de frequentar a escola. Com o tempo, Marilla e Anne se tornam muito mais próximas fazendo com que ela se sinta mais segura para voltar a escola e seguir com sua vida.

Segundo Yunes (2001), a resiliência se refere a voltar ao seu estado de saúde mental ou de espírito após doenças, deficiências ou problemas. Também chamada de flexibilidade, pois fala sobre até que ponto um material ou uma pessoa podem suportar impactos e não sofrerem deformações.

Fonte: Imagem Divulgação Netflix

A empatia esteve presente em toda a história de Anne, podemos ver que ela nunca enxergou as outras pessoas como menores que ela ou piores, todos mereciam respeito e para ela, todos poderiam ser ótimos amigos. Com o tempo ela descobriu que as diferenças de gostos e sonhos faziam com que aproximasse ou afastasse as pessoas. Disputas amorosas também aconteceram, pois Ruby, uma garota apaixonada por Gilbert, percebe que ele trata Anne diferente e faz com que inicialmente sejam inimigas. Anne não se deixa abalar por isso e não trata Ruby diferente, pelo contrário ela tenta ser amiga. Anne também pratica a empatia quando ajuda Josie a se livrar do assédio de Billy. Mas sofre, pois foi apontada como culpada por Josie se tornar mal falada na ilha.

Em algumas situações, Anne se deixa levar pela sua revolta pessoal e impulsividade, tomava atitudes que para ela, beneficiaria a todos. Por mais que sua intenção fosse boa, afetou principalmente Josie que se sentiu exposta por um problema que era motivo de vergonha para a reputação dela.

Outro exemplo de empatia é quando ela faz amizade com Cole, um garoto que é homossexual e que se vê sem liberdade pois as pessoas não o aceitavam como ele era. Anne o entende e não o rejeita, e se emociona por saber que Cole encontrou um lugar onde pode viver sendo ele mesmo, após desistir de ir à escola devido ao preconceito das pessoas.

A empatia segundo Koss (2006) apresenta um significado que é “sentir de dentro de si”. Ales Bello (2004,2006) e Manganaro (2002), relatam que empatizar é se colocar no lugar do outro, simpatizar é compreender a vivência do outro como sendo sua. E que do ponto de vista fenomenológico, são reações do ânimo, portanto é um processo psíquico.

A quebra de preconceitos e a luta pelos direitos de liberdade de expressão são mais algumas das lições aprendidas com Anne. Enquanto ela acolheu Cole que lutava para encontrar seu lugar de aceitação, a chegada da professora que queria trabalhar, usar calças e andar de bicicleta, eram motivos de estranhamento para a época. Pois para a maioria das pessoas da época, as mulheres precisavam cuidar da casa, da família e ter aulas de etiqueta. Anne não deixou de sonhar com sua família, mas também não queria ficar refém de uma cultura padrão que em nada ajudava as mulheres.

Anne with an E — dailyawae: We are not here to provoke! We are...
Fonte: Imagem Divulgação Netflix

Anne e a turma da escola também lutaram contra a opressão que sofreram, pois, a educação que estavam tendo na escola, segundo os maiorais da cidade não era adequada. E por isso, a escola foi queimada e a professora foi praticamente expulsa e proibida de dar aulas. A turma conseguiu fazer um protesto para que as aulas voltassem e apresentaram para todos da ilha o que haviam aprendido com a professora. Por fim, conseguiram ter aulas novamente, e voltarem às atividades. Estes exemplos são de lutas que por anos foram necessárias para que nos dias de hoje tenhamos o direito à educação e liberdade de expressão na nossa democracia atual.

As autoras França, Santos e Sousa (2019), apontam que situações de preconceito são corriqueiras na nossa sociedade e que estão presentes em diversas áreas como as mídias sociais, instituições de ensino, nas famílias e nos demais grupos sociais. Dessa forma, o preconceito configura-se como um grande problema da sociedade. Faz-se necessário, cada vez mais, a compreensão e combate deste problema.

O combate se dá pelas estratégias de enfrentamento, como nas escolas onde pode ser trabalhada a superação das situações vividas pelas classes que mais sofrem, como por exemplo, as pessoas pretas, LGBTQIA + e as mulheres. Como também a conscientização de todos, principalmente daqueles que praticam o preconceito. Estas estratégias podem ser ampliadas para os grupos familiares também, onde dentro de casa as pessoas podem discutir e ensinar que somos diferentes e que cada um merece ser compreendido da forma que é, sem precisar ter que explicar o porquê de ser diferente (FRANÇA; SANTOS; SOUSA, 2019).

Ressalto que, a série nos mostra muitos valores que hoje em dia ainda integram nossas lutas, o preconceito sempre existirá na sociedade, e diante da modernidade líquida, que é a fragilidade das relações sociais (Bauman, 1999), a empatia com o outro e a resiliência para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia se fazem muito importantes. Anne teve que vencer muitos obstáculos para que conseguisse realizar cada um dos seus sonhos. Sabemos que não são todas as pessoas que têm os mesmos privilégios. Muitos não têm acesso à educação, saúde básica, alimentação, e por isso não conseguem uma chance de realizar o que sonha.

Esta história nos inspira a lutar pelo que acreditamos, tudo o que sentimos e pensamos é importante, não podemos deixar de acreditar que iremos conseguir e que somos capazes de fazer acontecer o que tanto almejamos.

“Não é o que o mundo reserva para você, mas o que você traz para o mundo”

FICHA TÉCNICA

Anne with an E - Série 2017 - AdoroCinema

Título: Anne With An E (Anne com E)

Intérprete: Amybeth McNulty

Ano: 2017-2020

País: Canadá

3 temporadas

Gênero: Romance, Drama, Aventura

Duração dos episódios: 89 min.

REFERÊNCIAS:

Ales  Bello,  A.  (2004). Fenomenologia  e  ciências  humanas:  psicologia,  história  e religião(M. Mahfoud  &  M.  Massimi,  Orgs.  e Trads.). Bauru,  SP:  EDUSC.(Original  publicado  em 2004).

Ales  Bello,  A. (2006). Introdução  à  fenomenologia(J.  T.  Garcia  & M. Mahfoud,  Trads.). Bauru, SP: EDUSC.(Original publicado em 2006).

Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Brasil: Zahar.

Koss, J. (2006). On the limits of empathy. The Art Bulletin, 88(1), 139-157

OSÓRIO, L. C. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

Yunes, M. A. M. (2001). A questão triplamente controvertida da resiliência em famílias de baixa renda. Tese de Doutorado Não-Publicada, Programa de Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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