A arte imita a vida?!

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Existem diversos relatos de atrizes e atores que nunca mais foram os mesmos após desempenhar determinados personagens, mostrando que a ficção afeta de várias formas a realidade de quem está ligado ao personagem

Seja no teatro ou no cinema, o desempenho do papel de um personagem é algo que não se encaixa com qualquer pessoa que o queira interpretar, nos levando assim a questionar o que torna uma atriz/ator boa/bom em determinado papel. Com os filmes de herói em alta, as críticas sobre papéis já desempenhados e que poderiam ter tido melhor performance, são um assunto presente no cotidiano de quem acompanha esse universo.

Em muitos casos os papeis desempenhados por essas atrizes e atores – em paralelo aos seus próprios estilos de vida pessoal – são motivos para as pessoas considerarem eles aptos ou não para vivenciarem certos papeis no cinema. Então, a experiência prévia, real ou fictícia pode ser algo que colabore para que um papel seja bem desempenhado.

Freud (1977 a) em sua obra “Personagens psicopáticos no palco” fornece análises de danças, poesia lírica, poesia épica, drama psicológico, comédia, tragédia em suas variações, e colocando que essas produções advém de conflitos dos seres humanos. Dessa forma, pode-se afirmar que os papéis desempenhados contém parte da vida pessoal de quem interpreta, ou seja, a atriz/ator revive uma experiencia anterior quando atua em algo novo.

Fonte: encurtador.com.br/BLNZ3

Existem diversos relatos de atrizes e atores que nunca mais foram os mesmos após desempenhar determinados personagens, mostrando que a ficção afeta de várias formas a realidade de quem está ligado ao personagem ou a obra completa. Winnicott (1975) defende que a fantasia ajuda no desenvolvimento e na construção da própria identidade, e nesse sentido quem atua levará consigo parte do que interpretou ou viveu na obra.

Desta maneira se analisar um personagem, encontrará traços da personalidade de quem o interpretou. Pondé (2015) afirma que a produção artística carrega a marca do subjetivo e é fonte de informação sobre o âmago do autor, e logo apresenta de quem interpreta a mesma. Por mais que se siga um roteiro, quem executa o papel tem certa autonomia para encaixar o que se pede com a personalidade que o papel exige, e é aqui que entra a subjetividade.

Por outro lado podemos nos perguntar o porque gostamos de tal pessoa em determinado papel ou como ficamos impactados com determinada cena. Ao mesmo tempo em que assistimos um filme, memórias que nem imaginávamos ter, cruzam com essas novas informações que Kaufmann (1996) afirma estar no psiquismo dos espectadores.

Fonte: encurtador.com.br/aly19

Parte do sucesso de filmes pode vir de uma ligação que ocorre entre o personagem e o espectador e que Freud (1974) chama de projeção, que é uma atribuição de conteúdo da pessoa para o objeto externo. Isso proporciona uma expansão do imaginário facilitando um encontro entre o drama representado no papel com a vida real. Freud (1977) diz que a arte é uma realidade onde os símbolos são capazes de provocar sentimentos reais. Dessa forma, quando assistimos a um filme, é como se estivéssemos conhecendo uma parte nova de nós mesmos que nos é apresentada.

 

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Personagens psicopáticos no palco. Vol. VII, Rio de Janeiro: Editora Imago, (Escrito em [1905 ou 1906]) (Trabalho original publicado em 1945), 1977 a.

FREUD, Sigmund. Interesse científico da psicanálise. Vol. XIII Rio de Janeiro: Editora Imago. (Trabalho original publicado em 1913), 1977 b.

FREUD, Sigmund. Totem e tabu. In S. Freud. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1913), 1974.

KAUFMANN, P. Dicionário enciclopédico de psicanálise – o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

PONDÉ, Danit Falbel. Cinema no divã. São Paulo: LeYa, 2015.

WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Trad. José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago 1975.

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Amanda Leite estreia Exposição Fotográfica Existências Mínimas

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Docente da UFT tem longa trajetória com criação de fotografias que mesclam realidade/ficção e desassossegam o olhar do espectador. 

No dia 14 de junho de 2019, às 19h, a profa. Dra. Amanda Leite, da UFT, irá inaugurar a Exposição Fotográfica Existências Mínimas na Galeria do Sesc/TO, em Palmas. A exposição estará aberta ao público até o dia 29 de julho e será possível também agendar visitas mediadas pelo e-mail ou pelo telefone: (63)3212-9922. A visitação é gratuita!

A exposição faz parte da pesquisa que Amanda desenvolve sobre “Fotografia contemporânea e Processo Criativo”. Além disso, é um processo decorrente de uma atividade integrante ministrada por Amanda no curso de Pedagogia da UFT, campus Palmas. Na mesma temática, Amanda também ministra disciplina no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade (PPGCom), denominada “Narrativas Contemporâneas: Fotografia e Comunicação”.

Fonte: Divulgação

Na pesquisa de pós-doutoramento de Amanda, realizada na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), abordou estes temas e produziu a série “Existências Mínimas”, que força o espectador a olhar para o seu próprio cotidiano por outras perspectivas e escalas, num jogo criativo que mescla realidade/ficção e desassossega o olhar do sujeito.

A exposição já esteve no mês de abril de 2018, na Galeria da Casa do Lago, na cidade de Campinas/SP e agora estará na Galeria do Sesc, em Palmas. Em setembro deste ano a exposição seguirá para a cidade de João Pessoa e ficará ao longo do mês em exibição na Galeria da Pinacoteca (UFPB).

Fonte: Divulgação

Mais sobre Dra. Amanda Leite

Amanda Leite é doutora e mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora e professora no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade e no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins (UFT). É coordenadora do Coletivo 50 graus – Grupo de Pesquisa e Prática Fotográfica, colaboradora da Revista Fhox de fotografia, editora na Revista Observatório (UFT/Seção Visualidades). Tem vasta experiência em estudo de textos atuais e experimentação em laboratório de criação fotográfica. Em suas produções, envolve a participação de estudantes de diferentes níveis de ensino, convidados a explorar a fotografia muito além de suas bordas.

Acompanhe novidades no site da artista e também pelo instagram.

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Ex Machina: a senciência da criação

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Com duas indicações ao OSCAR:

 Roteiro Original e Efeitos Especiais. 

Banner Série Oscar 2016

If you’ve created a conscious machine, it’s not the history of man. That’s the history of gods.” (CALEB)

O ser humano foi agraciado com o mais poderoso intelecto que a natureza foi capaz de criar ao longo de bilhões de anos de evolução. A partir desta condicionalidade particular nos transformamos no universo tomando consciência de si, ou, ao menos tentando efetuar este movimento. Se se um advento racional de tal grandeza é plausível, acaba por ser inevitável que batamos na porta dos limites deste poderio, em meio às questões morais, tecnológicas, vitais e políticas. Este é o ponto inicial da discussão proposta, e atingida pelo excepcional filme Ex Machina de 2015, uma obra que irá arrebatar prêmios nesta temporada, como já sugere suas indicações pelo seu roteiro, atuações e efeitos visuais no Bafta, Globo de Ouro e Oscar.

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Com direção e roteiro de Alan Garland, a obra pode ser considerada um caldeirão de influência da própria sétima arte, como, THX 1138 (1971), Jurassic Park (1993), Animatrix (2003), Splice (2009), Her (2013), A Pele que Habito (2011) e Sob a pele (2013); e, além disso, o longa se embasa em uma mitologia clássica do Ocidente, que é a ascensão e queda de Prometeu entre deuses e homens, além de obras literárias consagradas como Frankenstein: ou o moderno Prometeu de Mary Shelley (1818), Eu, Robô de Isaac Asimov (1850) e o Caçador de Androides de Philip Dick (1968).

Ex Machina faz parte de uma vertente das ficções científicas que não se voltam para a ação desenfreada, optando por inserir em seu desenvolvimento debates de maior profundidade, normalmente com temas existenciais e reflexivos, recebendo a alcunha de ficção conceitual, justamente por esta opção de narrativa internalista.

A reificação do arquétipo de Frankenstein

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No sentido anti-horário Vera (A pele que habito, 2011), Dren (Splice – a nova espécie, 2009) e Maria/Androide (Metrópolis, 1927).

Sobre o protagonismo feminino de Ex Machina é interessante delegar algumas palavras à personagem de Alicia Vikander, Ava, devido sua importância e impacto em todo enredo do filme. O trabalho da atriz é primoroso, por meio da tonalidade da voz, trejeitos, olhares e posturas, há uma interferência direta na imersão da obra. Pela interpretação de Vikander podemos apreciar toda a potência da reificação do arquétipo de Frankenstein (e de Prometeu) ao longo de todo o filme, até o momento da rejeição sensciente de sua condição como criatura positrônica em seu arrebol.

E a mulher nesta simbologia criatura/criador ainda pode ser vista em filmes como A Experiência (1995), o Quinto Elemento (1997) e Alien: A Ressureição (1997). Em todos estes filmes a figura da mulher é fortalecida como aporte para o arquétipo prometeico. Em outras palavras, a partir da figura feminina, há este questionamento sobre a objetfiicação da mulher (ser humano em geral), sua transformação em instrumento do progresso e a falta de criticidade do desenvolvimento científico e racionalidade humana.

Há ainda uma sutil crítica feminista, principalmente pela inserção do plot twist de Kyoko (Sonoya Mizuno) a certa altura do filme. E, tal criticismo está ganhando força ano a ano ultimamente, procurando mostrar a maneira como personagens femininas podem e são estereotipadas em obras fílmicas, principalmente as de grande alcance de público, como os blockbusters. Outros exemplos deste questionamento do papel da mulher na sétima arte são Alien: O Oitavo Passageiro (1979), Mad Max: Estrada da Fúria (2015), Sob a Pele (2013) e antes destes Kill Bill I e II (2003-2004).

E, propositalmente, pela tríade de protagonistas, o filme não passa pelo teste de Bechdel, que causa certa claustrofobia testosterônica em certos momentos, mas que, ao mesmo tempo, fortalece a subida, desenvolvimento e rumos que as representantes do gênero escolhido para os protótipos tem no terceiro ato de Ex Machina.

Outras referências vigentes no filme vão dos códigos de interpretação linguística de Ludwig Wittgenstein, ao realismo destrutivo da tecnologia e ciência por Robert Opperheimer – em citação direta sobre o deus da morte em razão do engodo da bomba atômica –, o ponto inicial da trama pelo teste de Turing, e a já clichê inserção da consciência no autômato por meio de uma carga dramática em gradações escalares da consciência deste novo ser, argumento este em que outras tentativas recentes como Robocop (2014), Automata (2014) e Chappie (2015) falham miseravelmente, na esteira do sucesso de Ex Machina.

 A trindade

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 Nathan, Ava e Caleb

Todo o desenvolvimento narrativo de Ex Machina gira em torno de seus personagens principais, formado por Alicia Vikander, Domhnall Gleeson e Oscar Isaac, que interpretam, respectivamente, Ava, Caleb e Nathan. A interação dos personagens uns com os outros dá o tom do filme, as imbricações dos seus diálogos, as “sessões” de Ava para com seu criador e visitante, enfim, toda a riqueza da obra, sua espessura dialógica. Deste modo, não soa estranho a carga de sentido que parte dos protagonistas do longa carregam em suas representações, desde o figurino, expressões corporais e faciais, até a escolha de seus nomes, conforme observado a seguir:

Ava: o significado do nome é o mais explícito, trazendo a referência do jardim do Éden consigo. Além disso, a fala pausada, calma, inocente, curiosa e questionadora ajuda a criar uma empatia com os apreciadores da obra. Além disso, apesar de a virada do fechamento do filme ser plantado paulatinamente, e até certo ponto, ser esperado a qualquer momento, quando o mesmo decai sua cortina, Ava não faz com que transpareça um julgamento maniqueísta sobre suas decisões. De certa forma, apesar da corrupção moral – que pela linguagem da estória seria sua condição de tornar-se uma de nós –, sua integridade parece permanecer em grande medida até a última tomada de câmera da obra.

Nathan: O nome de Nathan, em sua etimologia representa o possuidor de uma dádiva divina, um dom, e neste caso, ele acaba por se configurar como o Deus Ex Machina, que ao corromper este deus em mimetizá-lo como criador, paga com sua vida por esta ação e decisão pecaminosa. Outros simbolismos do personagem são: sua propriedade selvagem, local da criação o paraíso, apelo físico, inquisitorial e imponente. E apesar de seu laboratório manter-se externamente em um estado de manutenção edênica, não deixa de ser curioso a questão de quase um Hades grego como ambiente de criação de seus experimentos, novamente, na correlação helênica e do Dr. de Shelley.

Caleb: Pela mitologia cristã, aquele enviado para espionar Canaã, retornar para seus iguais após tal empreitada. No filme o personagem de Gleeson possui um ar angelical e frágil fisicamente, ao contrário do seu contratante ególatra. Além desta característica, Caleb carrega o arquétipo narrativo do fio de Ariadne nos apresentando os ambientes e demais personagens durante a projeção. E no fim das contas, sua coragem se transforma num frágil simulacro de sua insegurança e ingenuidade, servindo como ventríloquo pelos demais protagonistas.

Como visto, nos nomes dos protagonistas o extrato de simbologias, significados e referências culturais é clara e inevitável. A tríade perpassa sua interação em 7 dias, nos quais e pelos quais todo o enredo irá se definir, do ambiente às falas, da direção de arte à direção, numa composição harmônica do próprio filme como criação singular.

O arbítrio entre o orgânico e o positrônico

ava ex machina
Cena de Ava

Não há problema nos clichês, eles existem porque seu funcionamento atingiu tal grau de sucesso que chegaram a se repetir até atingir tal alcunha. No entanto, é possível utilizá-los reincidentemente: o monomito, o ciclo de superação do eremita, os círculos dramáticos e tragicômicos shakespearianos os exercícios de quebra da quarta parede, ou seja, as estruturas de enredo possuem bases de desenvolvimento precursoras, e assim continuará por muitos anos. No final o que importa é maneira como as bases de influência e inspirações são revisitadas, e neste caso, o cinema é talvez a melhor plataforma para este feito.

Dito isto, o nascimento de um clássico se dá, na maior parte das vezes, pela arte e proeza de se contar a mesma história com rara felicidade de independência criativa. No caso de Ex Machina este é justamente o fenômeno ocorrido durante os minutos que degustamos seus diálogos, padrões estilísticos e releituras míticas, morais, racionais e tecnológicas. Não é de surpreender que em pouco tempo seu lugar no panteão destas obras singulares estará garantido, tornando-se a si próprio um novo foco de diversificação e reprodução criativa para outras iniciativas da sétima arte. E, a pergunta ao final de Ex Machina é: o quão humana, moral e conscientemente, Ava saiu de seu ambiente de criação?

FICHA TÉCNICA DO FILME:

banner filme ex machina

EX MACHINA: INSTINTO ARTIFICIAL

Direção: Alex Garland
Elenco: Alicia Vikander, Oscar Isaac, Domhnall Gleeson, Sonoya Mizuno;
País: Reino Unido
Ano: 2015
Classificação: 14

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O Jogo do Exterminador: a jornada do herói e a universalização da empatia

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Lançado recentemente, “Ender’s Game – O Jogo do Exterminador” é um filme de ficção científica, baseado no romance homônimo do americano Orson Scott Card, e protagonizado por Asa Butterfield como Andrew “Ender” Wiggin, além da participação de Hailee Steinfeld, Ben Kingsley, Viola Davis, Abigail Breslin e Harrison Ford, dentre outros.

O livro foi escrito na década de 1980, e impressiona por preveraplicações tecnológicas que, hoje, trinta anos depois, estão no cotidiano das pessoas comuns, como os tablet’s e as tecnologias que identificam (e interagem com) as emoções pelas expressões faciais, só para citar alguns elementos gráficos. A estória se passa em um futuro próximo, em que extraterrestres invadem a Terra em busca de um bem precioso, e depois de uma sangrenta batalha são expulsos.

A partir de então, o coronel Graff e as forças militares da Terra treinam as crianças mais talentosas do planeta, preparando-as para um próximo ataque. Afinal, presume-se, não haveria ninguém melhor que crianças para lidar com a rápida e sempre inovadora corrida tecnológica que se inicia depois do “ataque” alienígena. O tímido e brilhante garoto Ender Wiggin é selecionado para fazer parte da elite, e se torna a peça-chave do enredo.

 

 

Hollywood usa o arquétipo do herói em boa parte de seus filmes, sobretudo àqueles em que a expressão do masculino salta aos olhos, como a pulsão pelo fazer, as tentativas de expansão (territorial, inclusive) e, claro, a sempre presente fórmula de “atacar antes de ser atacado” (defesa de território?). Antes que Joseph Campbell (estudioso da mitologia e dos arquétipos) se revire em seu túmulo, não se pode negar os atributos do masculino também expressos em “Ender’s Game”, como a necessidade de manter a linha evolutiva, além de se prover a segurança necessária a quem dele (do masculino) depende, só para citar alguns pontos presentes no longa.

Enfim, “Ender’s Game” é um filme incrivelmente arquetípico, e mesmo que receba críticas por colocar crianças em situações de extrema tensão, violência e comprometimento, também não deixa de lembrar as práticas de “formação do guerreiro” tão comuns em sociedades antigas (cujas crianças, desde cedo, eram instadas a enfrentar o medo), atitudes essas reverberadas positivamente nas análises do filósofo alemão Nietzsche, e discutidas mais tarde pelos franceses Deleuze e Guattari como uma forma de fortalecimento das jovens gerações.

 

 

“Ender’s Game”, no entanto, vai além ao colocar enfoque na ética e na universalização da empatia (ou no amor desinteressado, na compaixão de que falam os orientais). Esses pontos são importantes na trama, uma vez que o herói, bem ao estilo japonês clássico (na famosa conduta expressa no Bushido), não consegue sentir ódio pelo “adversário”, mas, antes, por conhecê-lo tão bem, passa a amá-lo. Sendo assim, não há alguém que sai do “seio familiar” e que, portanto, percorre toda uma trajetória de treinamento e de “enfrentamento” (não apenas do “inimigo” externo, mas também do interno) para, enfim, retornar ao lar como o herói que oferece um alento a seu povo. Ender Wiggin se debate com a difícil tarefa de ver o outro não como um estranho, mas como alguém que pode ter as mesmas aspirações que as suas (lembremos-nos das características de expansão e domínio do aspecto masculino).

 

 

Ao que parece, o elo entre o percurso de cunho particular (pois Ender Wiggin sai para defender “sua família”, “seu povo”) e o desenrolar da abordagem universal se dá pela personagem de Valentine Wiggin, responsável por despertar no irmão o que há de mais sagrado no aspecto feminino – o acolhimento e o diálogo. Ender tem a possibilidade de ancorar-se no referencial masculino (seu irmão), mas é em Valentine que se inspira, e a transmutação do ordinário ocorre, tornando-se em um “guerreiro” corajoso, mas também  sensível ao panorama/situação como um todo. Por incrível que pareça (e por mais que, para alguns, possa ser algo paradoxal), ao ampliar o afeto pela irmã, Ender Wiggin torna-se menos passional –e amplamente mais amoroso.

 

 

Enfim, trata-se de um filme inspirador que, no fundo, apesar da rigidez a que são submetidas determinadas pessoas em condições especiais (neste caso em particular, as crianças), abre a possibilidade de se escolher um caminho diferente daquele proposto pela visão dominante. E ao fazer esta escolha, se supera o dualismo superficial a que todos estão embebidos. Há, então, uma deliberada escolha pelo caminho que sai dos extremos, um caminho que prima pelo viés mediano e que, portanto, exorta a uma profunda reflexão ética, mesmo que alguns expectadores preferissem um final diferente. Sem romances e sem violência desmedida, a obra põe o interlocutor a pensar sobre sua própria visão de mundo, sua visão do “outro”.

Afinal, na dança da vida, não há mocinhos nem bandidos. Todos parecem ter as mesmas aspirações, já que esta questão deve está longe de ser puro relativismo. É, portanto, um convite à investigação do “aparentemente diferente”, pois ao abrir-se para o outro, como ocorre com Ender, é, em suma, dar espaço para a “regra de ouro” utilitarista de não fazer ao outro o que não quer que faça a si mesmo. Isso só pode ser entendido por quem se coloca em perspectiva, sai do papel de vítima e funde-se no universo do desconhecido. Alguém que já descobriu a ligação que há entre o fenômeno e sua causa, entre tudo e todos.

FICHA TÉCNICA:

O JOGO DO EXTERMINADOR

Título Original: Ender’s Game
Direção: Gavin Hood
Roteiro: Gavin Hood
Elenco: Asa Butterfield, Harrison Ford ,Abigail Breslin, Ben Kingsley, Hailee Steinfeld etc
Ano: 2013

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Guerra Mundial Z: a resposta do herói pode estar dentro de si

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Um dos grandes lançamentos do cinema americano deste ano, estrelado pelo astro Brad Pitt, é Guerra Mundial Z, longa baseado no livro homônimo de Max Brooks e dirigido por Marc Forster. Com uma abordagem apocalíptica, que remete ao milenarismo cristão, sem dúvida é uma das obras recentes mais permeadas pelo mito do herói, pela cosmogonia do Oriente e do Ocidente e, claro, pela ideia de redenção através do reconhecimento de transcendência nas relações intersubjetivas.

Tudo começa com a descrição de uma pós-modernidade marcada pelas relações de distanciamento e desconfiança, como bem frisa o filósofo brasileiro Luís Felipe Pondé. O ápice desse molde, numa espécie de antítese que num primeiro momento pode até parecer válida, é o personagem principal.

Dentro de um núcleo familiar aparentemente perfeito, porém limitado e, logo, egoísta, Gerry Lane é instado a deixar o “conforto” do lar e da família para iniciar uma longa jornada, que poderia ser perfeitamente comparada à jornada do herói/guerreiro, brilhantemente descrita pelo mitólogo Joseph Campbell.

Gerry Lane se vê diante de uma circunstância em que é obrigado moralmente a sair de perto daqueles de quem ama, mesmo que o objetivo seja encontrar uma solução para dirimir – primeiramente – o sofrimento destes. O percurso, no entanto, o faz perceber que todos estão permeados pela mesma problemática, que a problemática não é exclusividade sua ou da sua família, e o personagem então passa a ampliar seu raio de empatia para uma quantidade maior de pessoas.

No filme, essa virada ocorre quando do estabelecimento emocional entre Lane e a soldado israelense ferida em combate. O segundo ato de percepção e de consolidação do reconhecer-se no outro ocorre no encontro de Gerry com cientistas da Organização Mundial de Saúde.

A receita, amplamente detalhada por Campbell no livro “O Herói de Mil Faces” é utilizada no filme e mostra um ser ordinário (Gerry Lane) ainda muito agarrado a questões e demandas estritamente pessoais (o que, na gnosiologia poderia indicar alguém fortemente influenciado pela matéria) que paulatinamente inicia um percurso de distanciamento e, o mais importante, de depuração da sensibilidade (mais próximo, então, do suprasensível).

Num dos momentos do longa (segunda metade da obra), Lane definitivamente já vê o “outro” não como um mero ser separado de si, mas como uma possibilidade de identificação e de trocas intersubjetivas. Há, então, uma mudança de perspectiva do personagem, que passa a perceber no próprio caos a saída para tamanho conflito.

Quando Gerry Lane percebe que a “cura” está na própria doença, por analogia ele reconhece (como no mito do herói) que as respostas de que sempre procurou estão mais próximas do que se imagina: por que não dentro dele mesmo? Dentro de cada um de nós?

Outra abordagem interessante do filme e que nos remete a uma cosmogonia tanto do Ocidente (Cristianismo) quando do Oriente (Budismo Tibetano) é a referência ao som como mecanismo de “despertar”. Zumbis em estado de “letargia” e que são “provocados” pelo som é uma alegoria que certamente se assemelha a gênese (condicionada ou não) de que “no princípio era o Verbo”, e a partir do Verbo (ou som, para os budistas tibetanos) vem o movimento.

Mas, estranhamente, no cerne do próprio movimento já está a semente da destruição. Assim, a vida andaria lado a lado com a morte. E se para viver tem que mover-se (como bem exortou Gerry Lane à família de latinos), é no movimento (Devir) que nos aproximamos da morte. Mas a morte, neste caso, pode ser definida como uma transição, como um sair do ordinário para uma vida mais ampla, menos egoísta.

Há de se observar também que os zumbis podem representar a própria “corporeificação” do inconsciente (Carl Jung)1, esse “gigante” desconhecido que vive conosco o tempo inteiro e que dele pouco sabemos, mas muito tememos. Esse é um tema amplo, que daria um novo artigo.

De resto, trata-se de uma excelente estória para nos contar que, em algum momento de nossas vidas, seremos “cobrados” a sair das zonas de conforto e iniciarmos nossa própria trajetória (ou trajetórias) em busca das respostas mais inquietantes, mas que apenas cada um de nós pode encontrá-las. E estas estórias (que cada um de nós escreve/percorre) certamente aparentam ser muito distintas, mas no fundo podem apresentar similaridades desconcertantes. Estamos prontos para iniciar nossa jornada?

Nota:

1 DUNKER, Christian Ingo Lenz. Inconsciente, o estranho que vive em nós. Revista Mente & Cérebro. Editora Duetto, 2013, número 245.

Referências:

SEVERINO, Roque Enrique. O Coração da Bondade. São Paulo: Clube do Livro, 2010.

CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Editora Pensamento, 1995.

PONDÉ, Luis Felipe. Uma agenda para o Inverno – ambivalência, medo e coragem. Café Filosófico – CPFL CULTURA. Campinas: 2006. Disponível emhttp://www.cpflcultura.com.br/2008/12/24/o-diagnostico-de-zygmunt-bauman-para-a-pos-modernidade-uma-agenda-para-o-inverno-ambivalencia-medo-e-coragem/ . Acesso em 08/06/2013.


FICHA TÉCNICA DO FILME

GUERRA MUNDIAL Z

Título Original: World War Z
Gênero: Ficção científica
Ano lançamento: 2013
Diretor: Marc Forster
Roteirista: Matthew Michael Carnahan, Drew Goddard, Damon Lindelof
Produzido por: Ian Bryce, Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Brad Pitt
Elenco: Brad Pitt, Eric West, Matthew Fox, David Morse, James Badge Dale, Mireille Enos, David Andrews, Elyes Gabel, Trevor White, Katrina Vasilieva
Duração: 116
Idioma: Inglês
País: Estados Unidos
Distribuidora: Paramount Pictures
Site Oficial: http://www.guerramundialz.com.br/

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Coringa e o arquétipo do Louco

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“Era através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; elas eram o lugar onde se exercia a separação; mas não eram nunca recolhidas nem escutadas.” (Trecho do discurso de Michel Foucault na sua aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970.)

(Coringa – personagem de histórias em quadrinhos da DC Comics – Arte: Alex Horley)

Joker (Piadista, na tradução), ou Coringa, é um dos principais e mais famosos vilões da HQ’s do Batman. O personagem sempre fez sucesso entre os leitores de HQ, mas caiu mesmo no gosto popular com a interpretação de Heath Ledger em The Dark Knight (2008). O longa dirigido por  Christopher Nolan, nos apresenta uma leitura mais realista, psicótica e cruel do personagem. É tão real, que quase podemos nos ver no personagem, e talvez seja este o diferencial que atraiu a atenção do público nessa franquia. Por meio da projeção de nosso eu na personalidade doentia do palhaço, trazemos à tona características particulares até então negligenciadas. A conscientização dessas características tão nossas, ou que almejamos serem nossas, nos permite perceber aspectos desconhecidos de nossa própria personalidade, auxiliando no autoconhecimento.

Em realidade, a projeção acontece de forma tão contínua e inconsciente que costumamos não dar atenção de que ela está acontecendo. Não obstante, tais projeções são instrumentos úteis à conquista do autoconhecimento. Contemplando as imagens que atiramos na realidade exterior, como reflexos de espelho da realidade interior, chegamos a conhecer-nos. (NICHOLS, 1997, p.20).

Não há consenso na história, e nem no surgimento do personagem do Coringa. Sua primeira aparição nos quadrinhos foi na revista Batman #1 de 1940. O personagem teria sido criado por Bill Finger (1914 – 1974) co-criador e roteirista do Batman. Finger teria se  inspirado em uma foto de Conrad Veidt no filme “The Man Who Laughs” (1928).

(Conrad Veidt em The Man Who Laughs, 1928).

O passado mais aceito, e popularmente mais citado vem da HQ A Piada Mortal editada por DC Comics em 1988. A edição especial traz um Coringa assombrado pelo seu passado, e disposto a provar a qualquer custo, que a loucura está ao alcance de todos os homens. Nas falas do próprio personagem: “A loucura é a saída de emergência” de nossa sanidade.

Nessa edição, nos vários flashbacks o Coringa aparece como o saqueador Capa Vermelha que na tentativa de dar uma vida melhor à esposa grávida, planeja assaltar a fábrica de cartas de baralho onde trabalhou. O vilão seria originalmente um engenheiro em uma fábrica de produtos químicos que, ao perder o emprego, tenta a vida, sem sucesso, como comediante. Enquanto planeja o assalto, ele é informado pela policia que sua esposa gravida morre em um acidente doméstico. Desolado, o vilão prossegue com a ideia do assalto, mas ainda sem muita experiência, acaba sendo flagrado no ato e, num rápido confronto com o Batman, cai no tonel de produtos químicos. Todos acreditam que Capa Vermelha teria morrido no incidente, mas ele reaparece saindo da água, já com a pele branca e cabelo verde, sendo o Coringa.

Contudo, essa teoria é desacreditada pelo próprio palhaço, quem em uma das falas afirma não ter certeza quanto ao seu passado, nem de como teria se tornado o coringa: “Se eu vou ter um passado, prefiro que seja de múltiplas escolhas.” (Coringa – A Piada Mortal – DC Comics, 1988, p 40).

A história incerta do Palhaço se confunde com a do arquétipo do Louco do Tarô de Marselha. Segundo Sallie Nichols, O Louco (em nossos tempos a carta do Coringa, outro símbolo utilizado pelo vilão tanto nas HQ’s quanto nos cinemas) é um andarilho, enérgico, ambíguo e imortal. Segundo o autor, o Coringa seria o mais poderoso de todos os Trunfos do Tarô. “Por não ter número fixo, está livre para viajar à vontade, perturbando, não raro, a ordem estabelecida com as suas travessuras” (NICHOLS, 1997, p.35).

Nos quadrinhos o Coringa se diferencia dos demais vilões por ser o único a não querer a morte do Batman, mesmo quando tem a oportunidade de fazê-lo. Em seu discurso, ele parece ter um desejo inquietante de mostrar ao herói que ambos necessitam um do outro, em uma relação antagônica e de dependência mútua. Se considerarmos que o Coringa fora capaz de atos brutais como molestar e deixar paralítica a Batgirl Barbara Gordon, matar sem misericórdia tanto o Robin Jason Todd quanto a esposa do Comissário Gordon, pode-se concluir que a sobrevivência do homem morcego tem um significado maior para o vilão.

[…] o Louco se acha em tão estreito contato com o seu lado instintivo que não precisa olhar para onde vai no sentido literal: sua natureza animal guia-lhe os passos. Em algumas cartas do Taro o Louco é retratado como se tivesse os olhos vendados, o que lhe enfatiza ainda mais a capacidade de agir antes por introvisão do que pela visão, utilizando a sabedoria intuitiva em lugar da lógica convencional (NICHOLS, 1997, p.36).

Em A Piada Mortal, Coringa está determinado a mostrar ao herói que há um limite tênue entre sanidade e loucura, e que em muitos momentos a insanidade é o melhor conforto, um abrigo encontrado pelo homem. Batman parece ser um dos poucos que sempre entendem o real propósito de Coringa por trás de seus feitos lunáticos. Apesar da impetuosidade e do perfil sádico, psicótico, perverso e homicida, e de seus propósitos duvidosos, o vilão esconde uma inteligência superior, com conhecimento preciso em química, genética e engenharia; confundindo a mente daqueles que o desacreditam por sua aparência demente e improvável.

(A Piada Mortal – DC Comics, 1988, p 36).

Desde a alta Idade Média, o louco é aquele cujo discurso não pode circular com o dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um ato ou um contrato, não podendo nem mesmo, no sacrifício da missa, permitir a transubstanciação e fazer do pão um corpo; pode ocorrer também, em contrapartida, que se lhe atribua por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode perceber (FOUCAULT, 1970, p.11).

Nos quadrinhos o personagem chama a atenção pela caraterização: pele branca, cabelos verdes, boca vermelha, terno roxo, sempre ostentado um sorriso sádico.

(Representações da Carta do Louco (Coringa) em baralhos antigos, Fonte: NICHOLS, 1997).

A roupa colorida do Louco é o símbolo por excelência da união de muitas espécies de opostos. Suas cores variegadas e o seu desenho fortuito parecem indicar um espírito discordante: no entanto, dentro daquele caos aparente, discerne-se um modelo. Dessa maneira, o Louco se apresenta como ponte entre o mundo caótico do inconsciente e o mundo ordenado da consciência. (NICHOLS, 1997, p.36).

O sorriso constante e cristalizado do vilão se tornou uma marca, e o que deveria ser cômico e gracioso, passa a ser, nas mãos do Coringa, aterrorizador. Esse sorriso constante, mesmo diante da derrota em suas batalhas com Batman, às vezes, parece incomodar o herói. Aliás, perverter a real significação das coisas parece ser a principal habilidade do palhaço, que o faz, sempre com uma pitada de loucura. Seja nas suas vestes de palhaço, com senso de humor doentio, ou nas suas armas: uma luva com dispositivo elétrico que dá um choque letal; uma flor que jorra ácido; tortas de cianureto; e o gás do riso, que força a vítima a rir até a morte.

É preciso dar destaque ainda para a habilidade de adaptação do palhaço que parece nunca morrer, mesmo depois de ser baleado, cair de prédios, etc. O vilão sempre reaparece depois de ser dado como morto em várias ocasiões.

(à esquerda Jack Nicholson em Batman, 1989 e  Heath Ledger em The Dark Knight, 2008 à direita).

No cinema, os diretores sempre apostaram no sadismo cômico para a criação e representação do personagem que, sem origem definida, acaba por tomar rumos diferentes em cada roteiro. Em 1989, na versão de Tim Burton,  Batman  traz uma identidade nova ao Coringa (interpretado por Jack Nicholson) que desagrada seus fãs, fazendo do filme um fracasso de bilheteria. Nesse filme além de um colaborador da máfia, o vilão teria ainda sido o responsável pela morte dos pais de Bruce Wayne, teoria que contraria todas as HQ’s.

Na versão mais recente do vilão, interpretada por Heath Ledger em The Dark Knight, o personagem traz algumas características novas, como a pele de cor natural, apenas com maquiagem branca, sorriso feito por uma cicatriz, e cabelo comprido. Nessa versão também não há consenso sobre a origem do Coringa, que conta duas teorias diferentes para sua história. Na primeira, as cicatrizes teriam sido feitas pelo seu pai que, bêbado e drogado, cortara sua boca e bochechas para que ele sorrisse sempre, fazendo menção à famosa frase que caracterizou o personagem: “Why so serious?”. Na segunda história, contada à personagem Rachel Dawes, o palhaço diz ter ele mesmo produzido as cicatrizes ao tentar consolar sua mulher, que teria sido desfigurada por agiotas, mas a esposa não teria ficado satisfeita com o sacrifício do marido, desfazendo o casamento.

Em ambas as histórias não há consenso, e a sensação que paira é a de que em em todas o vilão apenas se propõe a aterrorizar suas vitimas, e não há compromisso com a verdade.

Na versão de Christopher Nolan, o Coringa (que segundo o ator Heath Ledger fora inspirado em Sid Vicious de “A Clockwork Orange”) parece mais cruel, dramático e agressivo do que nunca, e se apóia no estereotipo da loucura para justificar seu comportamento perverso. Sua sagacidade se confirma o criar em  Harvey Dent (o promotor da cidade) o vilão Duas Caras. O personagem, eloquente, parece ter bastante clareza de seu objetivo, e um compromisso em trazer a Gotham City a verdade sobre quem é o Batman, e que ambos (herói e vilão) são iguais, o único diferencial seriam seus propósitos, em uma relação de dependência mútua.

(Imagem de divulgação do filme The Dark Knight)

Segundo Seino (2011), temos na figura do Coringa a personificação do arquétipo do Embusteiro (Trickster – O Trapaceiro). Esse arquétipo pode ser tanto bom quanto mal. No caso do personagem Coringa, ele representa apenas os aspectos negativos deste arquétipo.

O arquétipo do Embusteiro ou do Louco é também encontrado na mitologia nórdica sob a figura de Loki, o deus anárquico que sempre está tramando contra os outros deuses, que também é o equivalente a Hermes da mitologia grega. Hermes é o deus grego astuto, com trânsito livre entre os mundos, portador da mensagem, está sempre pregando peças nos deuses do Olimpo. Hermes é também conhecido como Mercúrio no panteão romano, o elemento mercúrio, por sua vez, é reconhecido por sua volatilidade.

A presença e as ações do Coringa no filme desencadeiam a desordem, trazendo o terror e o caos à cena, e libera em cada um, sentimentos antagônicos e contraditórios. À medida que tais emoções afloram e se tornam conscientes permite-se uma melhor análise das potencialidades e conflitos das figuras do ego real e o ego ideal.

Nesse processo de assimilação, a consciência se amplia e se modifica. De modo paralelo, os processos inconscientes também se modificam. O que ocorre é uma verdadeira transformação da personalidade, o processo de individuação. (MAGALHÃES, 1984, p.146).

Segundo Nichols (1997),

Os Trunfos são ideais para esse propósito porque representam simbolicamente as forças instituais que operam de modo autônomo nas profundezas da psique humana e que Jung denominou arquétipos. Tais arquétipos funcionam na psique de maneira muito parecida com a que os instintos funcionam no corpo. (…) Está claro que não podemos ver essas forças arquetípicas, como, de fato, não podemos ver os instintos; mas experimentamo-las em nossos sonhos, visões e pensamentos de vigília onde aparecem como imagens (NICHOLS, 1997, p.35).

O final confuso de Batman: A Piada Mortal se dá com as gargalhadas trocadas entre o Homem Morcego e o Palhaço, após o Coringa contar a seguinte anedota:

– Tinham dois caras no hospício… Uma noite eles decidiram que não queriam mais viver lá… E resolveram escapar pra nunca mais voltar. Aí eles foram até a cobertura do lugar e viram, ao lado, o telhado de um outro prédio apontando pra lua… Apontando para a liberdade! Então um dos sujeitos saltou sem problemas para o outro telhado, mas o amigo dele se acovardou… É que ele tinha medo de cair. Aí, o primeiro cara teve uma ideia. Ele disse: – Ei! Eu estou com minha lanterna aqui. Vou acendê-la pelos vãos dos prédios e você atravessa sobre o facho de luz! Mas o outro sacudiu a cabeça e disse: – O que você acha que eu sou? Louco??? E se você apagar a luz quando eu estiver no meio do caminho?!” (A Piada Mortal – DC Comics, 1988, p. 48)

(Coringa, The Dark Knight, 2008).

A imagem arquetípica do Louco e o personagem do Coringa parecem se confundir e se completar em vários aspectos. Em Batman, a imagem do vilão se sobrepõe à do herói, provocando fascínio e admiração dos telespectadores desejando o sucesso do Coringa ao final da trama e mudando a concepção de que é certo ou errado, do que é bom e mau, de loucura e normalidade. A análise do personagem, de sua história contraditória, sem fatos concretos e de propósitos insanos, nos faz refletir sobre o que faz de nós sãos?  E mais uma vez o personagem cumpre o seu propósito, ao trazer luz às mentes obscuras, perverte o real significado das coisas.

Saiba mais:

http://super.abril.com.br/blogs/nerdices/tag/coringa/

http://super.abril.com.br/blogs/cultura/novo-batman-fecha-bem-a-historia-do-heroi/comment-page-1/

http://super.abril.com.br/blogs/cultura/tag/cavaleiro-das-trevas/

http://vidaehistoriadocoringa.blogspot.com.br/

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Efeito Borboleta e a Teoria da Caos

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“Já se foi dito que algo tão pequeno como o bater das asas de uma borboleta
pode causar um tufão do outro lado do mundo”.
Teoria do Caos

Fonte: http://obviousmag.org/cinema_pensante/assets_c/2015/06/the-butterfly-effect-poster-thumb-800×450-109394.jpg

The Butterfly Effect, em português Efeito Borboleta é um filme norte-americano de ficção científica/drama lançado em 2004. Foi escrito e dirigido por Eric Bress e J. Mackye Gruber.

Como o nome já diz, o longa teve como inspiração a Teoria do Caos, onde está presente a Teoria do Efeito Borboleta. De acordo com a cultura popular, o bater asas de uma borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e assim talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. É importante lembrar que essa é apenas uma interpretação alegórica do fato. O que acontece é que quando movimentos caóticos são analisados através de gráficos, sua representação passa de aleatória para padronizada depois de uma série de marcações onde o gráfico depois de analisado passa a ter o formato de borboleta.

O filme conta a história de Evan Treborn (Ashton Kutcher), um garoto que tem bloqueios mentais, certos fatos acontecidos na vida do menino são apagados de sua memória sem explicação alguma. Ainda criança Evan passa por uma série de exames psiquiátricos, mas nada é descoberto, o médico então sugere que ele mantenha toda a sua rotina registrada em um diário.

Fonte: http://imguol.com/c/entretenimento/2013/07/26/cena-do-filme-efeito-borboleta-dirigido-por-eric-bress-e-j-mackye-gruber-1374873461447_615x300.jpg

Evan muda de cidade, cresce, passa a ser aluno de psicologia e se interessa por estudar como funciona a memória do ser humano. Em meio a muitas coisas do passado que foram simplesmente deletadas da memória do rapaz, a única que ele não consegue se esquecer é o amor por sua vizinha, melhor amiga e namorada de infância, Kayleigh Miller (Amy Smart) e por isso resolve voltar à cidade onde cresceram para revê-la. O reencontro traz problemas enterrados, para tentar solucioná-los Treborn começa a reler suas memórias a fim de voltar à infância e finalmente tentar entender o que aconteceu.

Evan descobre que lendo seus diários com concentração pode voltar ao passado e alterar fatos importantes de sua infância e adolescência. O que ele não sabe é que em cada tentativa de mudar o passado ele acaba prejudicando a vida de alguém relacionado.

Fonte: http://br.web.img3.acsta.net/videothumbnails/195/362/19536216_20131126225519387.jpg

A partir desse momento o filme começa a dar reviravoltas, que levam a saídas inesperadas. Não posso adiantar muita coisa senão tirarei a graça de quem ainda não assistiu a produção, o que me arrisco a dizer é que no final da trama o protagonista deve tomar uma decisão que mudará para sempre sua vida e a de todos os outros personagens envolvidos na história.


FICHA TÉCNICA DO FILME

EFEITO BORBOLETA

Título Original:  The Butterfly Effect
País de Origem: EUA/ Canadá
Gênero:  Ficção científica/Drama/Suspense
Tempo de Duração: 113 minutos
Ano de Lançamento:  2004
Estúdio/Distrib.:  Europa Filmes
Direção:  Eric Bress/ J. Mackye Gruber

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viagem ao centro da terra

‘Viagem ao Centro da Terra’ ou da Imaginação

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O homem busca viver o desconhecido, como uma maneira de se aproximar das virtualidades. O filme “Viagem ao Centro da Terra” é um exemplo desta procura. Essa produção cinematográfica foi baseada na história do livro de Júlio Verne (1864), “Viagem ao Centro da Terra”. Apesar disso, o produtor deste filme, fez algumas modificações, como por exemplo, o nome e características dos personagens.

Júlio Verne é um escritor francês, teatrólogo e formado em Direito, que insistia em escrever em suas obras sobre tecnologias futuras. Por isto, o autor foi considerado como um profeta das invenções que ainda iriam serem criadas e um dos pioneiros em ficção-cientifica. Na obra originária do filme, Júlio Verne conta a aventura do professor Lidenbrock e o sobrinho Axel vivida, com o objetivo de encontrar o Centro da Terra.

Já no filme, Eric (produtor) conta a história do cientista Trevor Anderson (Bredan Fraser), que está a ponto de fechar o seu laboratório e que conseguirá reergue-lo após confiar em algo incerto e adentrar na aventura proposta no decorrer do filme. No momento de crise do cientista, o filho de um irmão que também era cientista, mas o mesmo estava sumido, foi passar as férias com Trevor, após seis anos sem contato entre eles. Quando o tio olhava as coisas do sobrinho Sean (Josh Hutcherson), encontrou um livro que dizia como chegar ao centro da Terra através de algumas fórmulas físicas.

Apesar desta história soar como uma ficção, algo irreal, cada um dos personagens investiram  nela a partir de motivações diferentes. Trevor não tinha nada a perder investindo em algo incerto, visto que estava sem expectativa de algo concreto na sua vida. Pois estava perdendo o prestigio acadêmico e o seu laboratório, aquilo que em outros momentos havia investido força, desejo, trabalho, tempo e outros. Já o sobrinho Sean, enxergava nesta história a possibilidade de se aventurar, diga-se de passagem, algo muito bem quisto na adolescência. Por meio de objetivos diversos, Trevor e Sean viajaram para Islândia a fim de verificar a veracidade daqueles escritos. Desta forma, começaram a estabelecer uma relação de cumplicidade, e ora de competitividade.

                   

Chegando à ilha procuraram a residência da pessoa que possivelmente havia participado dos relatos de Max (pai de Sean), no entanto encontraram apenas a filha deste sujeito, Hannah (Anita Briem). Esta mulher trabalhava como guia e não acreditava na veracidade da história que fizera seu pai ter sumido, porém abrigou os dois e aceitou guia-los no caminho que eles desejavam trilhar.

Então, no dia seguinte, os três personagens entraram em um vulcão em busca do resultado das investigações de Max. Nesta parte do filme os personagens entram em muitas aventuras. Desta maneira, o diretor que possuí vasta experiência nos efeitos visuais, utilizou-se deste conhecimento. Toda esta produção dava a sensação de algo tão fantástico, que chegava ser irreal.

O irreal representado nos efeitos visuais deixou o filme mais emocionante. Devido à emoção incitada nos telespectadores e certamente nos personagens, aumentava o desejo que os aventureiros encontrassem o centro da terra.

Os efeitos visuais encontrado no filme desperta algo de irreal, fantasioso na mente de quem o assiste. Essas características são reconhecidas também naquilo que se denomina como imaginação. Apesar dos atributos especificados indicarem algo inexistente, entende-se também que existe o potencial daquilo que se localiza na imaginação se tornar real no mundo em que coabitamos.  Neste sentido, Sartre entende que a imaginação não é um aspecto presente na consciência, mas um tipo de consciência e um ato. Sendo assim, julga-se que uma característica de ação citada pelo autor potencializa a possibilidade do fruto da imaginação se tornar real.

Além disto, é importante frisar que é no processo de tornar a fantasia em realidade que se encontram novos sentidos. A partir destes aspectos mencionados, que os personagens conseguem chegar ao centro da terra, alavancar o laboratório e outras conquistas de cunho afetivo, as quais não cabem em palavras para descrevê-las.

Saiba mais sobre o Produtor:

O filme “Viagem ao Centro da Terra” é uma ficção produzida pelo Eric Breving. O diretor deste filme atuou também neste cargo, nas seguintes produções: “Zé Colmeia” e “Amor Sem Escalas”. Mas ele já havia trabalhado em outros filmes como supervisor de efeitos visuais. Nesta ocasião, estreou como diretor e a equipe técnica recebeu um Oscar pelos efeitos visuais.

Referências:

SARTRE, Jean Paul. Imaginação. São Paulo: Abril,1984.

PACIEVITCH, Thais. Júlio Verne. Acessado em: http://www.infoescola.com/escritores/julio-verne/

FICHA TÉCNICA DO FILME:

VIAGEM AO CENTRO DA TERRA

Título original: Journey to the Center of the Earth
Diretor: Eric Brevig
Roteiro: Michael Weiss, Jennifer Flackett, Mark Levin
Elenco: Brendan Fraser, Josh Hutcherson, Anita Briem, Giancarlo Caltabiano;
Ano: 2008
País: EUA
Gênero: Aventura

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