Guerra Mundial Z: a resposta do herói pode estar dentro de si

Um dos grandes lançamentos do cinema americano deste ano, estrelado pelo astro Brad Pitt, é Guerra Mundial Z, longa baseado no livro homônimo de Max Brooks e dirigido por Marc Forster. Com uma abordagem apocalíptica, que remete ao milenarismo cristão, sem dúvida é uma das obras recentes mais permeadas pelo mito do herói, pela cosmogonia do Oriente e do Ocidente e, claro, pela ideia de redenção através do reconhecimento de transcendência nas relações intersubjetivas.

Tudo começa com a descrição de uma pós-modernidade marcada pelas relações de distanciamento e desconfiança, como bem frisa o filósofo brasileiro Luís Felipe Pondé. O ápice desse molde, numa espécie de antítese que num primeiro momento pode até parecer válida, é o personagem principal.

Dentro de um núcleo familiar aparentemente perfeito, porém limitado e, logo, egoísta, Gerry Lane é instado a deixar o “conforto” do lar e da família para iniciar uma longa jornada, que poderia ser perfeitamente comparada à jornada do herói/guerreiro, brilhantemente descrita pelo mitólogo Joseph Campbell.

Gerry Lane se vê diante de uma circunstância em que é obrigado moralmente a sair de perto daqueles de quem ama, mesmo que o objetivo seja encontrar uma solução para dirimir – primeiramente – o sofrimento destes. O percurso, no entanto, o faz perceber que todos estão permeados pela mesma problemática, que a problemática não é exclusividade sua ou da sua família, e o personagem então passa a ampliar seu raio de empatia para uma quantidade maior de pessoas.

No filme, essa virada ocorre quando do estabelecimento emocional entre Lane e a soldado israelense ferida em combate. O segundo ato de percepção e de consolidação do reconhecer-se no outro ocorre no encontro de Gerry com cientistas da Organização Mundial de Saúde.

A receita, amplamente detalhada por Campbell no livro “O Herói de Mil Faces” é utilizada no filme e mostra um ser ordinário (Gerry Lane) ainda muito agarrado a questões e demandas estritamente pessoais (o que, na gnosiologia poderia indicar alguém fortemente influenciado pela matéria) que paulatinamente inicia um percurso de distanciamento e, o mais importante, de depuração da sensibilidade (mais próximo, então, do suprasensível).

Num dos momentos do longa (segunda metade da obra), Lane definitivamente já vê o “outro” não como um mero ser separado de si, mas como uma possibilidade de identificação e de trocas intersubjetivas. Há, então, uma mudança de perspectiva do personagem, que passa a perceber no próprio caos a saída para tamanho conflito.

Quando Gerry Lane percebe que a “cura” está na própria doença, por analogia ele reconhece (como no mito do herói) que as respostas de que sempre procurou estão mais próximas do que se imagina: por que não dentro dele mesmo? Dentro de cada um de nós?

Outra abordagem interessante do filme e que nos remete a uma cosmogonia tanto do Ocidente (Cristianismo) quando do Oriente (Budismo Tibetano) é a referência ao som como mecanismo de “despertar”. Zumbis em estado de “letargia” e que são “provocados” pelo som é uma alegoria que certamente se assemelha a gênese (condicionada ou não) de que “no princípio era o Verbo”, e a partir do Verbo (ou som, para os budistas tibetanos) vem o movimento.

Mas, estranhamente, no cerne do próprio movimento já está a semente da destruição. Assim, a vida andaria lado a lado com a morte. E se para viver tem que mover-se (como bem exortou Gerry Lane à família de latinos), é no movimento (Devir) que nos aproximamos da morte. Mas a morte, neste caso, pode ser definida como uma transição, como um sair do ordinário para uma vida mais ampla, menos egoísta.

Há de se observar também que os zumbis podem representar a própria “corporeificação” do inconsciente (Carl Jung)1, esse “gigante” desconhecido que vive conosco o tempo inteiro e que dele pouco sabemos, mas muito tememos. Esse é um tema amplo, que daria um novo artigo.

De resto, trata-se de uma excelente estória para nos contar que, em algum momento de nossas vidas, seremos “cobrados” a sair das zonas de conforto e iniciarmos nossa própria trajetória (ou trajetórias) em busca das respostas mais inquietantes, mas que apenas cada um de nós pode encontrá-las. E estas estórias (que cada um de nós escreve/percorre) certamente aparentam ser muito distintas, mas no fundo podem apresentar similaridades desconcertantes. Estamos prontos para iniciar nossa jornada?

Nota:

1 DUNKER, Christian Ingo Lenz. Inconsciente, o estranho que vive em nós. Revista Mente & Cérebro. Editora Duetto, 2013, número 245.

Referências:

SEVERINO, Roque Enrique. O Coração da Bondade. São Paulo: Clube do Livro, 2010.

CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Editora Pensamento, 1995.

PONDÉ, Luis Felipe. Uma agenda para o Inverno – ambivalência, medo e coragem. Café Filosófico – CPFL CULTURA. Campinas: 2006. Disponível emhttp://www.cpflcultura.com.br/2008/12/24/o-diagnostico-de-zygmunt-bauman-para-a-pos-modernidade-uma-agenda-para-o-inverno-ambivalencia-medo-e-coragem/ . Acesso em 08/06/2013.


FICHA TÉCNICA DO FILME

GUERRA MUNDIAL Z

Título Original: World War Z
Gênero: Ficção científica
Ano lançamento: 2013
Diretor: Marc Forster
Roteirista: Matthew Michael Carnahan, Drew Goddard, Damon Lindelof
Produzido por: Ian Bryce, Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Brad Pitt
Elenco: Brad Pitt, Eric West, Matthew Fox, David Morse, James Badge Dale, Mireille Enos, David Andrews, Elyes Gabel, Trevor White, Katrina Vasilieva
Duração: 116
Idioma: Inglês
País: Estados Unidos
Distribuidora: Paramount Pictures
Site Oficial: http://www.guerramundialz.com.br/

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.