Metaverso: fuga ou realidade alternativa?

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Um mundo virtual é um ambiente digital interativo projetado para simular a realidade ou criar uma realidade completamente nova. Nele, os usuários podem explorar e interagir com objetos, pessoas e ambientes virtuais por meio de avatares ou representações digitais de si mesmos.

Schlemmer, Backer (2015), citam que os mundos virtuais oferecem aos usuários a oportunidade de experimentar uma ampla gama de atividades, como explorar paisagens virtuais, interagir com outros usuários em tempo real, participar de jogos e desafios, construir e personalizar seu próprio espaço digital e até mesmo criar objetos e conteúdos digitais.

Esses ambientes virtuais são frequentemente acessados por meio de computadores, consoles de jogos ou dispositivos de realidade virtual. Além disso, com o avanço da tecnologia, como a realidade virtual e a realidade aumentada, a imersão e a interação nos mundos virtuais estão se tornando cada vez mais sofisticadas e envolventes. (FERNANDES, 2022).

Os mundos virtuais têm aplicações em diferentes setores, como entretenimento, educação, treinamento, colaboração empresarial e terapia. Eles oferecem possibilidades de interação social, aprendizado colaborativo, experiências imersivas e experimentação de cenários virtuais que podem complementar ou até substituir as atividades do mundo real.

No entanto, é importante lembrar que os mundos virtuais são construções digitais e não substituem completamente a vida real. Embora possam oferecer experiências emocionantes e oportunidades de conexão, é essencial manter um equilíbrio saudável entre o mundo virtual e as interações do mundo real. Um exemplo do que já está sendo falado é o metaverso. 

Segundo Basso (2021), o metaverso é um conceito que se refere a um espaço virtual tridimensional onde pessoas podem interagir e se conectar entre si, assim como com objetos e ambientes digitais. É um ambiente virtual imersivo que combina realidade virtual, realidade aumentada, internet das coisas e outras tecnologias.

No metaverso, os usuários podem criar avatares personalizados e explorar mundos virtuais, participar de eventos, jogar, socializar, fazer negócios e até mesmo realizar atividades do mundo real, como conferências, educação e comércio. Ele oferece uma experiência mais imersiva e interativa do que as plataformas digitais convencionais (SCHLEMMER, BACKES, 2015). 

Embora o conceito de metaverso tenha ganhado destaque recentemente, especialmente com grandes empresas de tecnologia mostrando interesse nesse campo, ainda está em desenvolvimento e não existe um metaverso totalmente estabelecido atualmente. Empresas como Facebook (agora Meta), Microsoft, Epic Games e outras estão investindo em tecnologias e infraestrutura relacionadas ao metaverso. 

Fonte: Pixabay

O objetivo do metaverso é criar um ambiente virtual compartilhado, acessível a pessoas de diferentes partes do mundo, permitindo a interação e colaboração em escala global. No entanto, questões como privacidade, segurança, acessibilidade e inclusão ainda precisam ser abordadas para que o metaverso possa ser uma realidade amplamente adotada e benéfica para a sociedade.

Embora o conceito de metaverso oferece várias possibilidades e potenciais benefícios, também existem preocupações e impactos negativos associados a ele. 

Assim como os jogos online, o metaverso pode levar ao vício e à dependência, resultando em problemas de saúde física e mental, além de prejudicar as relações pessoais e o desempenho acadêmico ou profissional. Existe o risco de que as pessoas se tornem isoladas do mundo real, substituindo relações e experiências reais por conexões virtuais. (GARCIA; BARBOSA, 2021). 

Fernandes (2022) aponta em seu trabalho que a participação plena no metaverso requer acesso a tecnologias avançadas, como dispositivos de realidade virtual ou realidade aumentada, que podem ser caros e inacessíveis para muitas pessoas. Isso pode criar uma divisão digital e ampliar a desigualdade entre os que têm acesso e os que não têm.

O metaverso pode levantar preocupações sobre privacidade e segurança dos dados pessoais. À medida que os usuários compartilham informações pessoais e interagem com outros no ambiente virtual, há o risco de violações de privacidade e exposição a fraudes ou ataques cibernéticos. (SABINO, 2020). 

O metaverso pode levar à confusão entre o que é real e o que é virtual, especialmente para os mais jovens. A imersão total em um ambiente virtual pode distorcer a percepção da realidade e dificultar a distinção entre a experiência virtual e o mundo real. O foco excessivo no metaverso e na vida virtual pode levar à negligência de questões do mundo real, como problemas sociais, ambientais e políticos, que exigem atenção e ação concreta. (FERNANDES, 2022). 

De acordo com Garcia e Barbosa (2021), é importante abordar essas preocupações e garantir que o desenvolvimento e a adoção do metaverso sejam guiados por considerações éticas, responsabilidade social e preocupações com o bem-estar das pessoas. A regulação adequada, a conscientização dos usuários e a promoção de um equilíbrio saudável entre a vida virtual e real são elementos essenciais para minimizar os impactos negativos do metaverso.

Diante destas questões podemos concluir que o objetivo pode ser realmente uma alternativa mais acessível para que todas as pessoas tenham mais acessos e relações mais próximas, no entanto no metaverso, assim como no mundo virtual, possibilita criarmos, editarmos ou apagarmos qualquer informação, da forma que nos tornamos perfeitos ou a nossa melhor versão, digamos assim. Então lanço novamente a pergunta: será mesmo que o metaverso é só uma realidade alternativa ou uma fuga de nós mesmos? 

Referências: 

BASSO, Letícia. O metaverso já está na nossa realidade. Você já sabe o que é?. Voitto, 2021. 

FERNANDES, P. Marquésia. Crimes Digitais na Era do Metaverso no Brasil, Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2022. 

GARCIA, L. Jardel; BARBOSA, V. Marcos. Presença e Virtualidade: dos espaços físicos aos metaversos. Porto Alegre: FACULDADE CMB, 2021. 

SCHLEMMER, Eliane; BACKES, Luciana. Aprender a ensinar em um contexto híbrido. São Leopoldo: UNISINOS, 2015. 

SABINO, Marco Antonio da Costa. Afinal, existe mesmo anonimato na internet. 2020. 

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E se a busca excessiva pela felicidade nos torna infelizes?

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Adotar pensamentos positivos de sucesso e felicidade, livrar-se dos negativos, esquecer-se de fracassos e viver sob a lógica de “você atrai o que você pensa” ou sob o culto ao “evangelho” do otimismo parece não chegar à solução desejada.

Pergunte a si próprio se você é feliz, e você deixa de sê-lo.
John Stuart Mill

Em uma sociedade obcecada pela busca da felicidade, somos paradoxalmente fracassados para encontrá-la. Ao contrário do que se imagina, a vida moderna pouco contribui para o aumento da felicidade da população. O acréscimo do capital das grandes nações e toda a facilidade advinda dos meios tecnológicos parece não ter ocorrido concomitante ao aumento do bem estar das pessoas. Talvez, sejamos a sociedade mais deprimida e cansada de todos os tempos.

Os adoecimentos psíquicos de hoje com alta prevalência tais como depressão, burnout, TDAH são, na perspectiva do filósofo contemporâneo Byung-chull Han, efeitos de uma sociedade da positividade, que se alimenta do excesso de tudo que maximize o desempenho das pessoas:  superprodução, superdesempenho e supercomunicação. Essa sociedade, na visão do filósofo, consequencia em uma geração vítima de infartos psíquicos: esgotamento e depressão. E este mesmo sujeito, esgotado e deprimido, encontra-se em uma busca desesperada por liberdade, maximização do desempenho, prazer e felicidade (HAN, 2017).

 Os livros de autoajuda, talvez a apoteose da sociedade pós-moderna na busca pela felicidade, são repletos de conteúdos tais como: 10 passos para a felicidade, 7 hábitos de pessoas de sucesso, como influenciar pessoas, como ter uma mente milionária e como desenvolver liderança etc. Eles demonstram que a busca por soluções simplistas para os problemas complexos dos homens é bastante rentável e popular. Alguns autores chamam de regra dos 18 meses para explicar que a pessoa mais inclinada para comprar um livro de autoajuda é a mesma que 18 meses antes comprou um livro deste gênero que, obviamente, não solucionou seus problemas e não trouxe a desejada felicidade. Não há pesquisas, de rigor científico, que comprovem a eficácia desses conteúdos.

Paradoxalmente,  as tentativas de eliminar tudo o que é negativo, como os  fracassos, as incertezas, tristezas, sofrimentos e a ansiedade não só não resolvem o problema, como podem torná-los mais poderosos, gerando vidas sufocantes e sem sentido. O fracasso dessas tentativas é exemplificado pelo psicólogo Daniel Wegner (1994) e a teoria do processo irônico: nosso esforço para evitar e eliminar pensamentos  e comportamentos negativos os tornam predominantes. Não existe abordagem simples para a felicidade. A imersão no positivismo e otimismo não nos deixa mais felizes.

Sem o propósito de demonizar a busca por soluções práticas aos incômodos da vida (eventualmente, elas são bem-vindas e necessárias), a intenção é estimular a reflexão que essa busca excessiva da felicidade, centrada no culto ao otimismo e anulação do negativo, é contraproducente! Isto porque as estratégias utilizadas são baseadas em soluções simplistas e universais que não comportam os problemas humanos complexos. Contraditoriamente, podem produzir resultados indesejados, ou seja, pode gerar mais infelicidade e insatisfação. Adotar pensamentos positivos de sucesso e felicidade, livrar-se dos negativos, esquecer-se de fracassos e viver sob a lógica de “você atrai o que você pensa” ou sob o culto ao “evangelho” do otimismo parece não chegar à solução desejada.

O psicólogo Steve Hayes tem uma abordagem interessante para explicar como a fuga de situações emocionalmente difíceis pode ser uma armadilha e acabar aumentando o problema. A linguagem teria um papel protagonista nesse cenário, isto porque somos ensinados, desde criancinhas, a discriminar e nomear não apenas componentes externos do mundo objetivo, mas também pensamentos, memórias, sentimentos e sensações corporais, os denominados eventos privados (SKINNER, 2003) ou subjetivos.  Nossa cultura e sociedade nos ensina que a felicidade é cotidiana e almejada e a tristeza é ruim e deve ser evitada, e se nos sentirmos tristes é porque temos um problema que deve ser encontrado e eliminado (SABAN, 2015).

Por meio da aprendizagem, somos instruídos  a atribuir o status de causalidade à sentimentos e pensamentos para explicar porque estamos em um determinado estado ou porque fizemos o que fizemos. Hayes denominou de “silogismo lógico” o sistema em que esse processo ocorre, que funcionaria sob cinco aspectos de raciocínio. 1) Todo comportamento é causado; 2) razões são causas; 3) pensamentos e sentimentos são boas razões; 4) os pensamentos e os sentimentos são causas e, finalmente, 5) para controlar o resultado devemos controlar as suas causas. Logo, por associação, acabamos chegando ao resultado de para controlar o resultado devemos controlar os sentimentos e pensamentos. (HAYES, 1987). Assim, trazendo esse raciocínio para nosso tema específico, a felicidade (um efeito) seria produto (causa) de pensamentos e sentimentos positivos. Talvez o mercado dos livros de autoajuda e o evangelho do otimismo  e da motivação sejam fundamentados nessa perspectiva.

Mas esse caminho é cheio de armadilhas! Sentimentos e outros estados privados não são passíveis de controle direto. Um exercício bobo, porém didático, para ilustrar esse pressuposto: experimente não pensar, durante um minuto, em urso polar. Conseguiu? Eu imagino que não. Vamos tentar mais uma vez: agora imagine que você está conectado a um detector de mentiras de excelente precisão  e que pode captar qualquer reação de ansiedade sua. Então, você recebe a instrução de que você não pode de maneira alguma sentir ansiedade e, caso você sinta, levará um tiro na cabeça. Advinha o que você sentirá?

Hayes (1987) assinala que não precisamos mudar sentimentos e pensamentos para modificar outros comportamentos ou ter uma vida bem sucedida. O problema, na verdade, não seriam os pensamentos e sentimentos, mas nossa tentativas de controle e nossa fugas que visam eliminar vivências subjetivas aprendidas como “negativas” tal como a tristeza, o oposto da felicidade.

Quantas decisões tomamos na tentativa de eliminar incômodos, desconfortos, incertezas?  Vivências subjetivas estas que aprendemos serem negativas e contraditórias à felicidade. É claro que fugir de eventos difíceis e dolorosos (os aversivos!) têm um valor importante para nossa sobrevivência. No entanto, se dependermos de eliminar tudo o que é negativo para sermos felizes, jamais seremos. E negar esse “lado” da experiência humana pode resultar em alívio imediato (um reforço negativo), mas em longo prazo produz vidas de desespero, medo, ansiedade e, conforme bem colocou Sidman (1995, p. 231) “esmaga a engenhosidade e a produtividade, transforma a alegria em sofrimento, confiança em si em medo e amor em ódio.” As coisas dão errado, relacionamentos acabam, demissões acontecem e as pessoas morrem! A vida não é um laboratório! Uma porção de eventos são incontroláveis e nos esquivar de tudo que é ruim e tentar cultivar sempre pensamentos positivos não parece produzir os resultados que são vendidos por aí.

Viver plenamente, na abordagem do psicólogo Hayes, não significa não vivenciar sentimentos, pensamentos, sensações corporais e memórias, mas vivenciá-los como de fato são: sentimentos, pensamentos, sensações corporais e memórias que se transformam em um fluxo contínuo de experiências e contextos. Ou seja, seus pensamentos e sentimentos fazem parte de você, mas  não são você.

 Precisamos superar a ruminação e planejar saídas reais para o que nos paralisa, para o que nos torna infelizes. Aprendemos a primeiro nos sentir motivados e com vontade de agir para, então, agir, mas que sentido tem esperar se sentir como se estivesse fazendo algo ANTES de fazê-lo? Somos tão incrivelmente dinâmicos e versáteis e temos a capacidade de coexistir com a “vontade de não fazer” e, ainda assim, fazer, por exemplo.

Para além do que já foi discutido, não podemos deixar de lado a existência de uma “indústria da felicidade” que associa o consumo de bens à experiências felizes e produz lucros gigantescos para o capitalismo. A Coca-Cola indica: abra a felicidade! O Magazine Luiza chama: vem ser feliz! E o Baú da Felicidade está há 50 anos associando produtos e dinheiro à felicidade. Através da mídia, somos bombardeados de narrativas e imagens de pessoas alegres, sorridentes e esteticamente consistentes com o padrão cultural vigente e suas histórias de sucesso e  felicidade emparelhadas a roupas, calçados, celulares, cerveja, carros, status social etc. Em contrapartida, a “felicidade” gerada pelo consumo de bens parece não ter duração e profundidade em sua natureza. Ao que é possível perceber, é, na verdade, instantânea,  frágil e fugaz. Pegando emprestado o termo de Bauman sobre a sociedade pós-moderna, é possível compreender que esse tipo de felicidade (se é que podemos denominar assim) é, na verdade, líquida: ela escorre pelas mãos e não tem durabilidade. Citando a psicóloga Lauriane Santos em seu post em uma rede social: sapatos novos calçam pés, roupas novas vestem corpos. Nenhum deles traz felicidade… talvez tragam uma euforia pontual, a qual é dissolvida na próxima coleção primavera-verão.

Ser feliz é uma meta? Certamente, muitas pessoas responderiam que sim. Quando somos questionados sobre o que desejamos da vida é comum a resposta: ser feliz! Ou mesmo, ter dinheiro e ser bem sucedido, muitas vezes concebidos como sinônimos de felicidade.

Metas são objetivos a serem alcançados e são planejadas com tempo pré-definido para ser operada e gerar os resultados. Mas se a felicidade é uma meta, e metas têm prazos de validade, estaria a felicidade condicionada ao eterno cumprimento de metas? Eleger a felicidade como meta talvez não seja efetivo. O filósofo Han é categórico ao afirmar que  “o sentimento de ter alcançado uma meta definitiva jamais se instaura […] não é capaz de chegar à conclusão. A coação do desempenho o força a produzir mais. Assim, jamais alcança um ponto de repouso da gratificação” (2015, p. 85). Nos aniversários, nas festas de réveillon, nas mudanças e conquistas, desejar felicidade ao outro faz parte de uma prática verbal culturalmente estabelecida e mantida.  E aqui cabe mais uma reflexão: a felicidade parece estar sempre em algum lugar que não seja o presente; parece que habita não o agora, mas um futuro que custa chegar (ou nunca chega). Parece que as coisas que mais tememos e desejamos se encontram em um lugar não vivido: o futuro.

Essa é mais uma armadilha da felicidade. É óbvio que podemos (e devemos) planejar e prever situações futuras que nos gerem boas vivências subjetivas. O problema reside no fato de estarmos demasiadamente presos às expectativas de felicidade futura e nos resignarmos do único momento que nos pertence: o agora.

Outra “face” da felicidade é a segurança, que seria consequência de controle, previsibilidade e rigidez. No entanto, há um erro importante já explorado anteriormente: o controle é frágil e a busca desenfreada por segurança pode até nos deixar mais inseguros. A única constante da vida é sua impermanência! E se viver é estar em um constante fluxo de experiências, interações com outrem e com coisas, alternâncias entre perdas e ganhos, dor e gozo… se a vida é, em uma inerência, finita, talvez o que nos paralisa, o que nos entristece não seja essa “sentença”, mas a tentativa contraproducente de eliminá-la e de fugir dela. Mais uma vez reitero que a busca por segurança também tem um valor importante para a sobrevivência, a questão discutida são os excessos do controle de processo naturais da vida, mas que são aprendidos como negativos e acabam se tornando alvos de esquivas, como as tristezas e ansiedades.

E então, o que deixa as pessoas felizes? A famosa pesquisa de Harvard do Departamento de Desenvolvimento Humano,  respondeu ao questionamento sobre o que faz as pessoas felizes e saudáveis.  Por 75 anos, monitoraram 724 homens. Dois grupos: secundaristas de Harvard e garotos de um dos bairros mais pobres de Boston. A abordagem da pesquisa envolveu desde questionários e conversas com familiares, a exames de sangue e tomografia dos  cérebros. Não é a fama, a riqueza, ou trabalhar mais e mais, a mensagem mais clara é: bons relacionamentos nos mantém felizes e saudáveis.  Conexões sociais com a família, comunidade e amigos são importantes e a solidão mata. Não se trata da quantidade de pessoas próximas e não é casual estar em um relacionamento amoroso ou casado produzir, necessariamente, felicidade. O importante é a qualidade dos relacionamentos de proximidade que as pessoas nutrem (MINEO, 2017).

No leito de morte, é provável que seja difícil encontrar alguém que deseja ter passado mais tempo trabalhando, por exemplo. Em síntese, relacionamentos íntimos de qualidade são melhores preditores de felicidade e saúde do que genes, QI, status social e dinheiro (MINEO, 2017). É uma conclusão que vai ao encontros de sabedorias antigas e confronta o culto vigente da felicidade condicionada a consumo de bens.

“O dinheiro não traz felicidade!” Talvez Bill Gates e um morador de rua tenham visões diferentes ante essa afirmativa. A questão que fica é: tendo suas necessidades básicas contempladas,  o dinheiro traz felicidade? No Japão, uma das maiores potências  do mundo, é um país rico, mas infeliz. A “obsessão “ dos japoneses pelo desenvolvimento econômico pode ter sua raiz na necessidade de reerguer o país após destruição da Segunda Guerra Mundial. A questão é que o índice de suicídio e overworking (morte por excesso de trabalho, originalmente conhecido lá como “karoshi”) são assustadores e ascendentes. As pessoas estão morrendo de tanto trabalhar! (GORVETT, 2016)

Paralelamente, o pequeno país Butão concebe a felicidade como responsabilidade do governo, que tem o dever de dispor condições favoráveis a ela para sua população. Lá foi criado a Felicidade Interna Bruta (FIB) como indicador de desenvolvimento da nação, pautada em valores de colaboração, convivência com a comunidade, respeito a natureza, espiritualidade. É um modelo alvo de algumas críticas, no entanto, apresenta parâmetros na direção de sérias pesquisas sobre a felicidade como sendo uma consequência não do consumo de coisas, mas de relações de qualidade.

A Dinamarca, nação com alto padrão de vida e igualdade social, com educação gratuita até a faculdade e saúde universal para toda a vida é um dos países mais felizes do mundo. Para além disso, o que deixa realmente os dinamarqueses felizes, de acordo com o economista Cristian Bjonrskov, é o alto nível de confiança que as pessoas têm entre si e nas instituições (PREVIDELLI, 2014).

Por fim, este texto não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre a felicidade nos tempos atuais e outras perspectivas, não abordadas aqui, podem dialogar e até mesmo apresentar posicionamentos contrários ao que foi exposto. O diálogo é bem vindo e deve acontecer. Mas por ora, é isto! E para finalizar, gostaria de levar o leitor a uma última reflexão: imagine a felicidade de algo muito bom te acontecer, como realizar um grande sonho…

Ainda terá sentido se você não tiver alguém importante para compartilhar?

Happiness only real when shared (Into the wild, 2008)

REFERÊNCIAS: 

GORVETT, Z. ‘Morrer de tanto trabalhar’ gera debate e onda de indenizações no Japão. BBC News, 2016. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-37463801>. Acesso em 01 dez. 2016.

HAN, B. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

HAYES. S. C. A Contextual approach to therapeutic change. In N. Jacobson (Ed.) Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and Behavioral Perspectives. New York: Guilford, 1987, p. 327-387. Tradução experimental Adriana C. B. Barcelos; Verônica Bender Haydu. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/analisedocomportamento/pages/arquivos/Hayes_%20Texto%20ACT.pdf>. Acesso em 20 mar. 2017.

MINEO, L. Goog genes are nice, but joy is better. The Harvard Gazette. Health & Medicine. 2017. Disponível em:<https://bsc.harvard.edu/links/good-genes-are-nice-joy-better>

SABAN, M. T. Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Belo Horizonte: Artesã. 2015.

SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SIDMAN, Murray. Coerção e suas Implicações. Campinas: Psy. 1995.

PREVIDELLI, A. O que torna a Dinamarca o país mais feliz do mundo. Abril, 2014. Disponível em:<https://exame.abril.com.br/mundo/o-que-torna-a-dinamarca-o-pais-mais-feliz-do-mundo/>. Acesso 01 dez. 2018.

WEGNER,  .D. M. Ironic processes of mental control. Psychol Rev. 1994 Jan;101(1):34-52. Disponível em:<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8121959>. Acesso em 02 dez. 2018.

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Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 2

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Com oito indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Barry Jenkins), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins), Melhor Fotografia (James Laxton), Melhor Edição ( Joi McMillon e Nat Sanders), Melhor Trilha Sonora (Nicholas Britell).

Banner Série Oscar 2017

Leia Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 1

O paradoxo espaço temporal [1] não existe no inconsciente, lá tudo é sempre presente. E é aí que os conflitos de Chiron se acumulam e seu mundo se torna ainda mais difícil de sustentar, tanto pelo que lhe pesa como pelo que lhe falta. Afinal, a estrutura egóica de Chiron não possui bases que suportem a realidade. Por isso, ele continua em fuga.

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Mergulhado em um profundo estado de desamparo, Chiron começa a sentir sua indiferença sendo transformada em uma angústia crescente, um sentimento que já não consegue ser represado no inconsciente, mas que se desloca lentamente rompendo as barreiras através dos sonhos e dos tímidos enfrentamentos seja quando ofendem suas “mães” Joana e Tereza, ou quando o chamam pelo apelido da infância, Little, nomeação que o coloca de frente com sua fragilidade narcísica. Entretanto, tão logo percebe a resistência do oponente Chiron volta a acomodar-se passivamente ao seu sentimento de inferioridade e impotência.

Em relação à mãe a situação é ainda pior já que, diante dela, ele não consegue fazer enfrentamento algum. Em casa é Chiron quem cuida de Joana. Esta, por sua vez, utiliza-se do filho como apoio para se manter em uma posição infantilizada, evitando encarar seus próprios problemas [2]. Ela coloca Chiron para fora a fim de receber outros homens, ela toma seu dinheiro para comprar drogas, e o chantageia dizendo que ele é tudo o que ela tem na vida, e ele a ela.

Ao mesmo tempo em que ama, Joana rejeita, ao mesmo tempo em que o busca com um sorriso sedutor, afasta-o pela impossibilidade de oferecer-lhe o cuidado e a provisão necessária, tanto física como emocional. A inconsistência entre discursos e ações são as bases para a insegurança do filho.

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Chiron, por sua vez, não reage, obedece resignadamente, dorme fora para ceder espaço a ela, permite que a mãe o assalte para manter seu vício e ainda demonstra amor e cuidado cobrindo-a enquanto dorme, amando-a ternamente como uma criança que ainda busca por um olhar que a corresponda, e lhe traga a necessária ilusão [3] da completude para que, finalmente, se sinta segura. Mas, na adolescência Chiron intensifica os problemas já experimentados na infância, com uma mãe cada dia mais afundada no vício e que lhe explora, exigindo dele o cuidado, o amor, a atenção e o sustento.

Abuso Emocional

Moura (2013) fala sobre os dois polos de manifestação da nocividade materna – a possessividade e o abandono –  e, este ultimo, não se refere propriamente ao abandono no nível da realidade corporal, mas a ausência de ocupação que deixa a criança sem recursos diante de seu poder de silêncio, não de fala, mas um silêncio de investimento subjetivo. Como vemos em Moonlight, Joana fala, mas sua falta de investimento afetivo fala ainda mais alto e tão poderosamente que silencia até a voz de Chiron.

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Utilizando-se de manipulações, Joana mantém o filho preso a um sentimento inconsciente de culpa por não conseguir completar a mãe, ou satisfazê-la de alguma forma que o torne merecedor de seu amor, por isso ele adota uma posição submissa, vivendo em função dessa que seria seu primeiro objeto possibilitador da transição do investimento de si mesmo para os objetos externos, conforme propõe Freud. Mas a mãe também não lhe pode investir, visto que busca nele a compensação para o seu próprio vazio existencial. E assim estabelece-se um ciclo geracional de transmissão de identidade.

Freud (1905/1996) aponta a ambiguidade dos cuidados maternos ao afirmar que quando a mãe afaga, acaricia o seu filho, ela o seduz colocando-o numa posição de substituto do objeto sexual completo [4]. Essa sedução fica explícita na relação manipuladora de Joana junto ao filho, revelando o abuso emocional incestuoso.

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A confusão de papeis dentro da família faz com que o filho assuma a função de cuidador de um adulto frágil a quem ele não pode contrariar sob a pena de não ser amado. Paradoxalmente à sua força e independência, esse filho guarda dentro de si a criança desnutrida de afeto, que não amadureceu para enfrentar a vida. Como a mãe frágil dentro de casa, ele se vê frágil diante do mundo, se não foi capaz de receber o amor dos próprios pais, por que o esperaria de outros? Nessa dinâmica, a pessoa volta todo o investimento libidinal para si mesma, a fim de se proteger da rejeição do outro. Ao abrir mão de si mesmo pelo outro (mãe), a criança “passa a desacreditar das próprias necessidades, julgando as ilegítimas, e o próprio desejo passa a ser considerado como vergonhoso.“ (Cukier, 1998) [5].

Sobre a gravidade do abuso emocional sobre os filhos podemos reportar o relatório da Associação Americana de Psicologia (APA) publicado em 2014:

As crianças que tinham sido psicologicamente abusadas sofriam de ansiedade, depressão, baixa autoestima, sintomas de estresse pós-traumático e suicídio no mesmo grau e, em alguns casos, a uma taxa maior do que as crianças que foram abusadas fisicamente ou sexualmente. Entre os três tipos de abuso, os maus tratos psicológicos foi mais fortemente associado com depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, problemas de ligação e abuso de substâncias químicas [6].

A história de Chiron revela, portanto, a formação de uma personalidade narcísica por meio de um abuso emocional e nos confronta com uma realidade social que vai além de um único indivíduo, se manifestando, às vezes, como característica de toda uma sociedade ou um grupo de pessoas, no qual os mesmos traços de inferioridade podem ser observados como elevados a um nível sócio cultural e político que rege toda a dinâmica social de um povo.

REFERÊNCIAS:

[1] GREENE, Brian. O universo elegante. Supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

A (a)temporalidade do Inconsciente. Disponível em < https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/19587/19587_5.PDF>.

FREUD, S. (1915). O Inconsciente. In: FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. v. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 13-74.

[2] KNAPP, Daniela. Inversão de papéis: 5 maneiras de evitar que seu filho assuma o lugar do seu marido. <https://www.realmentemulher.com.br/single-post/2016/06/09/Invers%C3%A3o-de-pap%C3%A9is-5-maneiras-de-evitar-que-seu-filho-assuma-o-lugar-do-seu-marido>.

Parentificação. Disponível em <https://abusoemocionalblog.wordpress.com/2016/05/10/parentificacao/>.

[3] ROCHA, Zeferino. O papel da ilusão na psicanálise Freudiana. Ágora (Rio J.),  Rio de Janeiro ,  v. 15, n. 2, p. 259-271,  Dec.  2012 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982012000200004&lng=en&nrm=iso>.

[4] MOURA, Danielle Ferreira Gomes. Maternidade e poder. Rev.Mal-Estar Subj,  Fortaleza ,  v. 13, n. 1-2, p. 387-404, jun.  2013.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482013000100015&lng=pt&nrm=iso>.

[5] CUKIER, R. Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama adulto. São Paulo: Ágora. 1998.

[6] Abuso emocional pode ser tão prejudicial quanto o abuso sexual. Disponível em < http://www.psiconlinews.com/2014/10/abuso-emocional-pode-ser-tao.html>.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR

Diretor: Barry Jenkins
Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

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O Homem de Aço: a face obscura do Superman

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O novo filme do Superman, intitulado O Homem de Aço, mescla cenas de ações com imagens eloquentes que deslizam lentamente sobre a tela dando ao contexto uma conotação quase espiritual.

Nesse filme, o Superman é um ser angustiado, em fuga, que não sabe o que ou quem é, nem de onde veio, e que está em constante retorno às suas memórias da infância, da adolescência e até daquelas que ele nem consegue identificar em qual tempo ou espaço existiram. Assim, o que diferencia esse Superman de tantos outros que já assistimos talvez sejam os sentimentos (tão humanos) de raiva, frustração e insegurança que o acompanham desde a infância.

Enquanto filmes como “Os vingadores” tinham nos elementos cômicos alguns dos seus melhores momentos, um recurso até mesmo usado no sombrio Batman (seja na comicidade mórbida do Coringa, ou no tom engraçado e paternal do seu fiel mordomo Alfred), em o Homem de Aço, a ausência desse tipo de recurso dá ao filme um diferencial ousado.

Nos outros filmes do Superman, aqueles em que o herói-alienígena ainda usava uma cueca sobre a calça colante, o personagem tinha um ar mais ingênuo, politicamente correto, com um senso moral irrepreensível, alguém que parecia ser um ideal humano. Talvez bem diferente do Super-Homem imaginado por Nietzsche em “Assim Falou Zaratustra”, um conceito que surgiu na medida em que “o homem se tornou uma coisa que tinha de ser superada”, pois este “é uma corda esticada entre o animal e o super-homem, uma corda por cima do abismo”.  Mas, do que estava falando mesmo? Ah, sim… dos outros filmes do Superman.

Pois bem, o novo filme tem lá suas mudanças, mas ainda assim é um filme do Superman. Logo, mesmo que ele já consiga admitir que tenha vontade de esmurrar os moleques que o tornaram o adolescente de Kansas que mais sofreu bullying, ou, em um dado momento, tenha estraçalhado – de fato – um pobre objeto inanimado (não estou nomeando-o aqui para não estragar a surpresa) evitando, com isso, machucar um bêbado insolente, ainda assim, é um jovem íntegro, com vários preceitos morais, criado por uma pacata família do Kansas.

Já tivemos uma apresentação magnífica do Jor-El, feita por Marlon Brando, em Superman – O filme (de 1978), mas nunca tivemos (já estou esperando um comentário dizendo: você esqueceu de…. ) uma reconstituição tão surpreendente do planeta Krypton. Um planeta mais avançado tecnologicamente que a Terra e que, por isso mesmo, sofreu algumas das nefastas consequências que acompanham determinadas inovações. A destruição de Krypton teve relação com duas situações: o excesso da extração de seus recursos naturais e a degeneração do meio social devido ao uso da engenharia genética para a criação de um novo modelo de vida.

Em Krypton, cada pessoa nasce com UM PROPÓSITO. E isso poderia ser uma coisa positiva, dado o fato de que a maioria de nós passa toda uma vida a procura de um propósito, de um sentido. Mas por que em Krypton, Jor-El (o eterno gladiador Russel Crowe) e sua esposa vão de encontro a essa premissa e dão ao seu filho, literalmente, um mundo de dúvidas? Sendo bem ingênua, diria que talvez seja porque não há ser humano (ou kryptoniano) que suporte viver num ambiente totalmente programado,  direcionado pelos preceitos de uma lógica que tem apenas doisstatus: zero ou um (verdadeiro ou falso, bom ou mau, professor ou médico etc ).

Então, nesse mundo de dúvidas que é a Terra, o Clark adulto, além da sua mãe Martha, pode contar com a Lois, que é apresentada nesse filme como uma mulher com a inquietação  e curiosidade peculiares desse personagem, porém mais proativa e independente.

Estamos no século XXI, logo seria complicado nos depararmos com uma Lois que não reconhecesse o Clark por causa dos óculos, ou que gritasse a cada cinco minutos para que ele viesse salvá-la do perigo (ops.. isso é o Super Mouse, mas está valendo). Lois, nesse filme, consegue interagir com um programa de computador com consciência (sem detalhes rs), guardar em sua memória fantástica um plano extraordinário e… Enfim, é um filme de superheróis, e isso não pode ser esquecido. Você só pode aceitar um alienígena que voa, que tenha visão de raio-x e entorta aço ou qualquer coisa que ele queira, se estiver embuído de um espírito imaginativo e permeado por licença poética rs.

Há no filme uma tentativa de aproximar a figura do Superman (cujo S significa Esperança no dialeto de Krypton) ao Messias do Cristianismo. O que é comum em muitas histórias de heróis da ficção científica. Talvez em O Homem de Aço essa proximidade ficou ainda mais evidente, pois há uma série de elementos na tela que remete a isso, seja nas constantes apresentações do Superman de braços abertos (como se estivesse na cruz), seja no fato de ter um pai que existe além desse universo.

Inclusive, em um dos momentos de decisão de Clark, no qual ele precisa ir contra o seu pai da Terra e atender a sua consciência, que é uma mescla da consciência de seu pai de Krypton, é mostrada na tela a clássica imagem de Jesus no Jardim de Getsêmani na noite que antecedeu a traição que ele sofreu por um dos seus discípulos.


Talvez, metaforicamente, o diretor quisesse transmitir a ideia de que ao colocar-se como um defensor da humanidade, o Superman também pudesse ser traído por ela. E é esse o embate principal do filme, o Clark que é tão humano, mas paradoxalmente, tão deus, para salvar a Terra, teria que ir contra aquele que era, de certa forma, seu semelhante, apresentado na figura do General Zod (um homem com um propósito).

O conjunto de elementos que permeia a personalidade do Superman fez nascer uma expressão, que parece ter sido introduzida em 1954 pelo Dr. Fredric Wertham em seu livro Seduction oft he Innocent: complexo de Superman. Tal complexo advém de um “sentimento doentio de responsabilidade, ou na crença de que todos os outros não têm a capacidade para executar com êxito uma ou mais tarefas” 1 . É como se a pessoa tivesse a necessidade constante de “salvar” os outros, já que tem os meios mais concretos para isso (ao menos, em sua concepção).

Um dos pontos mais bonitos do filme é a imagem do Superman a partir do olhar de Jonathan Kent (Kevin Costner). Como um pai amoroso, ele quis proteger seu filho da complexidade que seria revelar sua natureza tão diferente e, de certa forma, tão superior fisicamente à humana. Pela primeira vez em um filme do Superman, essa situação estranha de ter um homem em nosso meio que voa e que tem uma força descomunal é apresentada de forma tão sensível.  A existência de alguém assim poderia representar a ruptura dos mais profundos conceitos que sustentam e definem a humanidade.

Ao ver seu filho brincando de ser um herói, uma brincadeira que faz parte do universo de tantas crianças, ele começa a temer o inevitável, ou seja, parece que aquele indivíduo já nasceu com um propósito. Logo, não haveria meios capazes de provocar uma mudança em sua natureza, pois os poderes que ele possui não existem a partir de uma escolha, mas de uma condição. Não sei se essa conclusão é assustadora ou libertadora, mas, acredito que seja, ao menos, inquietante.

Nota:

1 http://en.wikipedia.org/wiki/Superman_complex


FICHA TÉCNICA DO FILME

O HOMEM DE AÇO

Título Original: “Man of Steel”
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer, Kurt Johnstad
Criadores do Superman:Jerry Siegel& Joe Shuste
Elenco Principal: Henry Cavill, Amy Adams, Russell Crowe, Michael Shannon, Diane Lane, Kevin Costner, Laurence Fishburne.
Produção: Charles Roven, Christopher Nolan, Deborah Snyder, Emma Thomas
Fotografia: Amir M. Mokri
Ano: 2013

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