Depois Daqueles Beijos

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Queria trabalhar umas ideias baseado na crueldade de alguns diretores-autores de filmes e seus roteiristas. A palavra crueldade não saía da cabeça, porque existem determinados filmes que nos rodopiam e cujos argumentos, direção e desfechos nos colocam em verdadeiros labirintos do Minotauro sem uma linha sequer para encontrar a saída.

Mudei a palavra crueldade para sacanagem. Prefiro a última pelo teor mais jocoso e ao mesmo tempo conservando minha ideia-trama inicial. Nos últimos dias, tive oportunidade para um encontro com situações e histórias de vidas nas quais a crueldade é uma constante. Não gostei.

Crueldade é desmedida do excesso, ultraja, viola e permite até mesmo um gozo para além de quem a pratica. Cruel, crudelis, cruor, crudus, aquilo que é cru sem possibilidade de digestão. Por exemplo, o sistema penitenciário brasileiro é resultante de uma política de gerenciamento extremamente cruel, não importa quem sejam os “hóspedes” das penitenciárias e seus crimes. Parece que a falsa retórica dos direitos fundamentais e crueldade se irmanam nessas situações. Sem falsos juízos para com os “hóspedes”, entretanto defrontar-se com ambientes, retornam à minha cabeça uma reflexão sobre a banalidade do mal e a desmesurada crueldade. Isso não passa pela discussão dos filmes que trago a baila.

Prefiro trazer a sacanagem, enquanto possibilidade do realizador do filme, que rompe com sentido comum da linguagem, deixa-nos a possibilidade de viver um turbilhão emocional e existencial na pós-projeção. Gosto de realizadores com essa natureza sacana porque eles intencional ou intuitivamente transgridem ao narrar histórias, gestos, atos, sons e luz. E quando querem nos deixam a ver navios, propondo-nos: – Resolvam o problema agora em suas vidas?

Existem alguns filmes, mesmo que não façam tanto barulho nomainstream que trazem essa presença de uma sacanagem paradoxal do realizador. Isso me recorda do quadro pintado por René Magritte, em 1935, “A ponte de Heráclito”.

A ficção se mostra tão real que nos questionamos sobre nossa existência no dia a dia. Quais são as fronteiras entre a realidade e a ficção? O que se vê é de fato o que se apresenta como real em sua totalidade? As fronteiras entre o filme a realidade são tênues ou modeladas com cercas de arame farpado. Alguns realizadores conseguem engendrar novelos que nos confundem e auxiliam a pensar de uma maneira melhor ou pelo menos, quebrar algumas ideias e fazer com que vejam o cru e o indigesto começando a pensar sobre ele.

Nesse caminho de argumentação é que me embarco, porque os realizadores (alguns filmes maquinal e financeiramente são “dirigidos” não por “caras” que curtem o cinema, mas por outros que ora deixaram de se comprometer com a sétima arte ora fizeram apenas uma obra e dela tentam sobreviver até hoje, poucos se permitiram inovar) sacanas são como agulhas no palheiro. Difíceis de encontrar e perigosas quando localizadas. Os roteiros também fazem parte desse agulheiro escasso. É triste roteiro sem bússola, mal ajambrado para midiatizar celebridades instantâneas ou que se esvai para o lugar comum.

Nesta difícil categoria de realizadores com seus roteiros respeitosos apresento alguns para deleite dos leitores em suas horas de filmes. O realizador sacana com sua obra consegue mesmo que reduzido aos planos dos aparelhos de TV domésticos, fora da grande telona do templo chamado cinema (que horror pensar sobre os cinemas que foram destroçados para virar outros templos!!!), com suas propostas de entretenimento nos fazem pensar e muito. Trago alguns deles, sem muito suspense, elaborei um elenco de parte dos filmes e dos seus “sacanas”. Os filmes poderão ser encontrados em videolocadoras e sites na internet. O critério de escolha foi “A ponte de Heráclito”. Vamos a eles, então.

  1. Para antes “Daqueles beijos”

Calma, de maneira alguma pretendo fazer apologética do primeiro beijo “gay” global no país continental em cadeia global-nacional, muito menos do segundo e do terceiro beijo, todos seguindo orientações sexuais e faixas etárias segmentadas. Novela é parecida com amor de estudante adolescente, as férias chegam e logo passa o sentimento, semestre novo… possíveis amores novos. A imitação da Bruxa de Oz casada com o carneirinho obeso vivendo numa casa ultrajantemente espetacular e a brincarem de superfamília homonormativa não fica na saudade, restarão em estudos acadêmicos daqui uns dias. Vai ficar saudade do beijo das senhoras? De forma positiva para o ainda conservador país pouca coisa resta.

Antes “Daqueles beijos” existem outros. Não apenas os beijos do mainstream de Brokeback Mountain, que somente fez Hollywood e seus chatos conservadores investidores aceitarem a temática GLS pelo ângulo da tragédia. Menciono outros filmes que agora passam a ser descobertos pela juventude, graças aos sites da internet, que saíram do armário digital há muito tempo.

Muitas pessoas me perguntam sobre quais filmes assistir para um maior aprofundamento e entendimento sobre a temática homossexual no cinema. De maneira alguma não sou historiador e crítico de cinema especializado, nem quero essa alcunha para mim, isso recorda os comentaristas “embestalhados” e ridiculamente deslumbrados das redes de TV em cerimônias de tapete vermelho. A herança underground e alternativa, antes do Festival de Sundance se transformar numstand de vendas oficiais, fizeram-me viajar por vários gêneros narrativos e a aprender a conhecer filmes e diretores a partir de seus contextos. Isso possibilita indicar alguns filmes para deleite e deixar tantas outras pessoas sacaneadas, embasbacadas e com riso maroto com as armadilhas-arapucas das narrativas cativantes. Outro ponto para não esquecer: filme sacana tem que ter ator-atriz sacana ou pelos aprendizes.

Antes “Daquele beijo” aconteceram muitos outros – de boca, de língua, com abraço, sem abraço, de apenas olhar – entre homens-homens e mulheres-mulheres. A cinematografia nacional e internacional é plena de exemplos, desde os beijos implícitos de olhar-olhar de uma Inglaterra que criminaliza a homossexualidade nos anos sessenta do século XX até o escancarado beijo do folhetinesco “Bangkok Love Story” (título original traduzido daquela língua complicada deles: “Amigo, eu te amo”) filme tailandês escrito e produzido por Poj Amon em 2007, e olha que Tailândia é bem reaça quanto a isso. O que deveria ser um extrato-trailer no Youtube é o resumo de toda a história, assistam e prestem atenção no grande amasso entre os dois personagens. (http://www.youtube.com/watch?v=4Iz7g6na6Ag). O filme é um enjoo só, porque a trilha sonora repetitiva, o argumento único que se usado ao extremo e uma narrativa que nunca termina fazem com o estômago embrulhe, mas ao final, você leva um susto e se pergunta: PQP.. por que tanta desgraça?

(Fonte: http://wisekwai.buzznet.com/photos/entertainment/?id=17799101#id=17516221&p=18)

Para além dessas informações iniciais, um aviso é necessário: a produção cinematográfica dos filmes com temática GLS antes marginalizada após a “hollywoodinização” de Brokeback Mountain (2005) ganhou grande impulso, assim muita porcaria foi produzida com ares Cult em inúmeros países do ocidente e do oriente. Muitos são peças produzidas que ficam uma ou duas semanas em uma ou duas salas de cinema de grandes centros urbanos ou vão direto para as prateleiras das locadoras (antes de vídeo, já em extinção, e hoje de DVDs, também em extinção e, mais agora para os pay per views dos canais privados ou… pior ainda, quando aquele canal brasileiro que ninguém vê transmite às 3h da madrugada).

Destaco três filmes para começo de conversa. O primeiro deles é Happy Together, produção de 1997, dirigida por Wong Kar-wai, lá de Hong Kong. O filme trouxe dois atores primorosos, Leslie Cheung (que se suicidou em 2003) e Tony Leung Chiu-Wai. A obra foi exitosa em muitos lugares mundo afora e ganhou inúmeros prêmios.  Wong Kar-wai foi um grande sacana com esse filme, porque trouxe duas personagens desencontradas e infelizes, desajustadas em suas vidas e a procura de redenção. Dá para imaginar, dois chineses viajando para Buenos Aires e em busca das Cataratas do Iguaçu, pelo lado argentino. Ora juntos ora separados, um vampirismo emocional destruidor entre ambos. E o diretor nos sacaneia intercalando cenas em preto e branco e a cores quando estão felizes ou infelizes, e finaliza a história com uma explosão de cores. No filme, Caetano Veloso canta “Paloma” quando as cataratas são apresentadas num sobrevoo geral (http://www.youtube.com/watch?v=iQe6v0v_0uQ),  muito antes de Almodóvar utilizar-se dele com a mesma canção em Hable con Ella  (http://www.youtube.com/watch?v=-CsA1CcA4Z8).

Wong Kar-Wai seduziu-se com esse filme porque deixou a pergunta-sacanagem: o amor e a liberdade andam juntos, a felicidade é a cores ou preto e branco? Wong traz uma trilha sonora impecável que torna a narrativa cativante. Claro, não se deve esperar o ritmo de grande parte dos filmes estadunidenses, porque aqui é filme oriental e as noções de tempo e espaço possuem outro tratamento.

O filme termina e você fica com aquela sensação pós-moderna de esvaziamento de sua subjetividade, desconforta e ao mesmo tempo, consola falsamente ao propor que a solidão é melhor do que ser feliz juntos (http://www.youtube.com/watch?v=_bckIIoXSHA).

De Happy together vamos para o ano 2.000 e se encontra com Plata Quemada oriunda do romance de Ricardo Piglia e dirigida por Marcelo Piñeyro. O filme é morte anunciada, Piñeyro deixa isso bem claro, ao apresentar as personagens e suas desgraças com altas cargas de culpas e dores. O pano de fundo é o assalto de grande soma de dinheiro com muitas pessoas mortas. A dupla de bandidos é um casal, Angel e Nene, mais conhecidos como os “gêmeos”.

O impressionante da história é que ficamos torcendo pelos bandidos. Angel é o logos  e Nene aphysis em sua mais completa desordem. O cenário faz-nos recordar da estética dos tempos da ditadura, afinal, a história retrata a segunda metade dos anos 60, a narração em off enobrece os tons escuros, atores e atrizes foram cúmplices para a credibilidade da história.

E ao final, Piñeyro nos sacaneia como uma sequência de imagens, ele nos impacta, mesmo que mostre a tragédia do amor, mas ressalta a importância do amar. Algumas imagens se remetem iconicamente a uma Pietá homoerótica.

Dou mais um pulo e vamos para a Coréia do Sul com os trabalhos de Leesong Hee-il. Este realizador introduziu no país que os “doramas” (gênero híbrido de drama com romance exagerado, para mim é igual a um dramalhão) fazem sucesso, o primeiro filme gay com nudez, direito a barracos dos protagonistas e final feliz. Para uma Coréia do Sul cheia de excelentes posições nos rankings de países com nível elevado de escolarização das crianças e jovens, ainda em 2006 o assunto era tabu por lá.

Leesong Hee-il utilizou de artimanha em seu filme. Traçou uma narrativa romanesca como as novelas açucaradas dos anos da ditadura no Brasil. Os mais idosos vão se recordar de novelas com as duplas Regina Duarte e Cláudio Marzo, Regina Duarte e Francisco Cuoco e outras similares, além das histórias rocambolescas: a menininha boa e ingênua que se apaixonava pelo filho playboy do patrão e que se via ameaçada pela futura sogra má e a noiva rejeitada do bom mocinho. Junto à mocinha ingênua tinha uma amiguinha maluquete e a humildade imperava em sua vida. As novelas mexicanas, venezuelanas e colombianas também seguiram essa rota desenhada pela cubana Gloria Magadan.  O primeiro filme mainstream  de LeeSong é No regret(Não arrependimento ou Não lamento) e baseia-se nessa rota rocambolesca.

Um rapaz, recém-saído do orfanato, tenta adaptar-se em Seul, conhece seu príncipe encantado rico, mas os desencontros são grandes. Ao recusar a possibilidade de um amor pela diferença de classes sociais (aqui as questões cultural e econômica evidenciam um tradicionalismo arraigado de preconceitos no país), assume a vida de dancer de uma boate e garoto de programa. Encontros-desencontros- beijos- amassos-chantagens-tentativas de homícidio-choro e a trilha sonora lacrimosa fazem o filme acontecer. LeeSong é repetitivo, mas usa da iluminação como grande arma e, os atores passam credibilidade.

Resultado do realizador sacana: a gente acaba torcendo pelo casalsinho romântico, leva-se susto com elas e se sente recompensado com o final feliz, após a tormenta. Cinemas lotaram por esse filme naquelas bandas e conseguiu também ganhar prêmios em festivais internacionais. Mesmo assim, a ousadia de Leesong foi para testar o público, foi mais além em outros filmes.

          (Fonte: http://yeppudaa.com/showthread.php?p=1796109)

Em uma de suas idas mais dura realizou, em 2012, White Night (Noite Branca, ainda não sei qual será a loucura abobalhada que os tradutores farão no Brasil com o título!!!). O filme produziu um barulhinho bom no 63º Festival Internacional de Cinema de Berlim. LeeSong sai do romance e mostra sua  verdadeira faceta e entrega para a Coréia o que ela esconde de si mesma. A faceta de LeeSong é trágica, o romance coke and pop corn pink do primeiro filme foi-se embora em White Night porque ele traz uma cidade e um país travestidos de progresso, entretanto a aceitação da homossexualidade projeta como algo para se tornar real como no primeiro filme, aqui vai por água abaixo.

LeeSong em uma só noite narra a história do encontro de dois estranhos para si mesmos e para o mundo. O primeiro foi vítima da violência homofóbica e sumiu, tornou-se um comissário de uma companhia aérea. Sua morada era nos céus, como uma árvore sem raízes e cujos ramos querem se sustentar sozinhos. Mas ele retorna à cidade em que a violência ocorrera, em uma só  noite e a fim de encontrar os culpados, agora em liberdade. Nisso, ele se encontra com outra alma solta, ummotoboy mensageiro.

Ambos se envolvem num novelo de desejos, recusas e rejeições. LeeSong coloca a vista de todos a infelicidade da nova geração do milagre tecnológico e econômico coreano. O filme é inteligentemente árido, com trilha sonora econômica e os atores conversam com olhares e gestos banais. O final é uma grande sacanagem, porque LeeSong deixa-nos sob a pele dos dois personagens e como um  triângulo amoroso impossível, a gente acaba querendo que tudo dê certo… o filme termina na tela mas continua em nós.

(Fonte: http://thekimchiqueen.blogspot.com.br/2013/06/2013-seoul-lgbt-film-festival-day-5.html)

Ainda se der tempo, vou escrever sobre outros beijos antes e depois “daqueles beijos”. Mas o que vale é beijar e ser beijado.

Referências para leitura:

Artaud, A. ([1938] 1999). O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes.

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Hoje Eu Quero Voltar Sozinho: relações homoafetivas e os tabus da sociedade

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“Tem-se uma sexualidade desde o século XVIII, o sexo desde o XIX. Antes, tinha-se, sem dúvida, a carne”. (Foucault, [1977] 1994: 313)

Falar de assuntos complicados, mas de uma forma simples, com uma linguagem leve e casual, do jeito que deve ser. Esse é o desafio do diretor Daniel Ribeiro em “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, (2010). Afinal, como falar da descoberta do amor entre dois adolescentes gays?

 Gabriel (Fabio Audi), Leonardo (Guilherme Lobo) e Giovana (Tess Amorim).

O curta promete ser polêmico, não apenas por tratar da homoafetividade na adolescência, mas também por trazer à tona tabus de nossa sociedade, como a resistência de uma parcela das instituições educacionais em falar de homoafetividade na infância e adolescência dentro das escolas. Diante disso, há o despreparo e o sofrimento de crianças e adolescentes que não sabem como lidar com sua afetividade de orientação homossexual.

O assunto se torna mais grave no caso do protagonista do curta-metragem. Leonardo (interpretado por Guilherme Lobo), além de se descobrir apaixonado por seu colega de escola: Gabriel (Fabio Audi), é deficiente visual e ainda, precisa administrar os ciúmes de sua melhor amiga: Giovana (Tess Amorim) que demonstra estar apaixonada por ele.

O curta se propõe a trabalhar um assunto desafiador: o despertar da sexualidade na adolescência de um deficiente visual de orientação homossexual. Como ele não conta com a visão para perceber seu objeto de desejo, Leonardo tem que explorar outros sentidos no ato da conquista como o tato, a audição e o olfato. Nesse jogo, ele começa se aproximar ainda mais de Gabriel. O seu dilema está em não saber se o sentimento é reciproco.

A leveza e a simplicidade com que o assunto é tratado parece ser a fórmula de sucesso que fez do curta o ganhador de mais de 80 prêmios nacional e internacional. Como a repercussão, o filme foi inserido noprograma Cine Educação por meio de uma parceria com a Mostra Latino-Americana de Cinema e Direitos Humanos. Mesmo assim, ele foi censurado no estado do Acre, pois o governo associou o curta ao “kit anti-homofobia” distribuído pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), fortemente criticado e rebatido pelo seguimento religioso.

Em carta aberta, a produção do curta enfatiza a importância do uso de recursos alternativos como os filmes em sala de aula, pois além de serem excelentes instrumentos de auxílio pedagógico na prática do docente, têm potencial de formação crítica e da construção do perfil cidadão em crianças e adolescentes.

É fato que existe a resistência das instituições educacionais em abordar temas como a homoafetividade no ensino básico, fundamental e médio. A resistência também aparece na dificuldade em abordar a orientação sexual homoafetiva em sala de aula, prova disso são os fortes movimentos de resistência contrários ao – assim denominado – “kit anti-homofobia” do MEC.

As limitações são diversas. Às vezes pelo despreparo do profissional ou pela própria intolerância da instituição que (mesmo que involuntariamente) carrega valores da sociedade civil e/ou religiosa, que por sua vez, insiste no caráter patológico da homoafetividade. Nesse sentido, vale ressaltar, o que é orientado pela Resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que afirma: a homossexualidade “não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”, existe “na sociedade, uma inquietação em torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente” e “a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações” (CFP, 1999: s/p).

Em seu artigo “Diversidade Sexual na Escola”, resultado de mais de 2 anos de pesquisa realizando oficinas em escolas públicas do Rio de Janeiro para tratar do tema homoafetividade, Bortolini (2008) – entre outros dados –  mostra que os educadores de escolas públicas do Rio, ao falarem sobre demonstrações de afeto no ambiente escolar por casais homoafetivos, mesmo sob permissão da instituição, em seus discursos

apontaram não apenas que a homossexualidade é algo que deve ficar restrito à vida privada dos homossexuais (embora o mesmo não seja pedido aos heterossexuais), como também entendem a expressão das identidades sexuais (seja pelo afeto, seja pelo jeito de ser em contradição com as normas hegemônicas de gênero) como algo que pode “agredir” aos heterossexuais. Ou seja, a simples expressão dessa sexualidade não-hegemônica já seria, em si, uma violência aos que compartilham da norma (BORTOLINI, 2008, p.667).

Para além de demagogias, é preciso recordar e instituir valores perdidos que dizem respeito a uma educação democrática, pública e inclusiva. É preciso entender a diversidade como um direito de ser. Na expressão dessa diversidade está o sentido para a transformação e para o desenvolvimento humano.

A escola precisa reconhecer que estes alunos (homossexuais, transexuais, travestis, bissexuais, bem como aqueles –inclusive heterossexuais – que não seguem os padrões hegemônicos de comportamentode gênero) têm sim direito à educação pública. E educação plena,que não tenha como preço a invisibilização de suas identidades, a negação dosseus jeitos de ser, muito menos a mutilação de seus próprios corpos (BORTOLINI, 2008, p.687).

Nesse sentido, acredita-se que ao abordar temas como a homoafetividade em sala de aula de maneira rotineira, seja positivo no sentido de eliminar preconceitos e de melhor orientar/acolher crianças e adolescentes que se identifiquem como homossexuais. A utilização de filmes como o curta: “Eu não quero voltar sozinho” pode ser um importante instrumento de auxílio pedagógico aos docentes para fomentar outro aspecto da homossexualidade muitas vezes negligenciado pela sociedade: o direito a singularidade e de amar alguém do mesmo sexo, independente de faixa etária e/ou limitações físicas.

Referências:

BORTOLINI, Alexandre. Diversidade Sexual na Escola, 2008. Disponível em:http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/39/Documentos/diversidade_sexual_na_escola.pdf

Carta aberta – Censura do curta no Acre: http://www.lacunafilmes.com.br/sozinho/censura.html

Assista ao curta metragem “Eu Não Quero Voltar Sozinho”:  http://www.youtube.com/watch?v=1Wav5KjBHbI&feature=c4-overview-vl&list=PLE47C76FAE9FC0663


FICHA TÉCNICA DO FILME

HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO

Data de lançamento18 de julho de 2010 (mundial)
DireçãoDaniel Ribeiro
Duração17 minutos
RoteiroDaniel Ribeiro
Música composta porJuliano Polimeno, Tatá Aeroplano
ElencoGuilherme Lobo, Fabio Audi, Tess Amorim, Nora Toledo, Júlio Machado

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Marco Feliciano e o frágil discurso da “família natural”

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Uma simples revisão histórica, já amplamente feita por pesquisadores desde o século 17, aponta para a família como fruto de movimentações culturais, e não decorrente de processos “naturais”, como faz entender o parlamentar-pastor.

Há poucos dias, durante uma viagem de avião entre Brasília e São Paulo, o deputado Pastor Marco Feliciano (PSC) foi interpelado por dois jovens rapazes – seus conterrâneos – que, de forma descontraída, cantaram ao lado da poltrona do parlamentar a música “Robocop Gay”, dos Mamonas Assassinas, em protesto por supostas declarações homofóbicas e misóginas por parte do político/pastor. Já em “terra firme”, Feliciano apressou-se em escrever na sua conta no Twitter que foi “assediado por um grupo de gays”, e que não é contra os gays, apenas defende a manutenção da “família natural”. Depois do ocorrido, a imprensa apurou que os dois jovens são heterossexuais. Tratou-se apenas de um episódio para chamar a atenção do deputado. “Não foi ativismo gay”1, disseram os jovens.

Rapidamente – como de regra ocorre nesta contemporaneidade marcada pelas redes sociais – os apoiadores do conservador pastor se puseram a defender o direito de Feliciano lutar pela “família natural”. Até aí, tudo bem. Afinal, todos – numa democracia de fato – têm o direito de se manifestar, dentro de certos limites. A questão é que, ao usar o termo “família natural”, este grupo de pessoas representado por Feliciano esquece – ou propositadamente assim o faz – de procurar o sentido etimológico e epistemológico do que é ser “família natural”.

Pois bem, a Filosofia e a Sociologia – além da Antropologia, obviamente – têm uma ampla pesquisa sobre este tema. Neste artigo, há uma ênfase ao trabalho do filósofo alemão Friedrich Engels (1820-1895), em sua “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, livro baseado nas pesquisas do cientista americano e historiador da sociedade primitiva, Lewis Henry Morgan (1818-1881).

A obra faz um “mapa histórico” do refinamento do núcleo familiar no decorrer dos anos até o modelo que conhecemos hoje, e o associa ao próprio desenvolvimento do trabalho, da acumulação de bens e da “eterna” guerra de gêneros, em que finalmente o aspecto masculino foi sobreposto aos elementos femininos, numa escalada de “costuras” que remonta a milhares de anos.

Para Engels, desde sempre a família é um princípio ativo, e a concepção tradicional que se conhece hoje (monogamia, com poder tutelado ao homem) só foi existir no limiar da Antiguidade, tendo o seu ápice na sociedade grega (provavelmente o leitor já deve ter lido alguma frase desdenhosa do Estagirita Aristóteles em relação às mulheres). Engels faz uma crítica ferrenha aos historiadores que, convenientemente, acabam por tentar suprimir de suas pesquisas outras formas de arranjo familiar, provavelmente por considerá-los não honrosos à escalada humana.

No entanto, o estudo da história primitiva “revela-nos situações em que os homens praticam a poligamia ao mesmo tempo em que as mulheres praticam a poliandria2 e, portanto, os filhos de uns e outros tinham de ser considerados comuns”. É o chamado casamento grupal (por tribos), numa espécie de “todos pertencem a todos”.

Vale destacar que, no arranjo familiar exposto acima, os núcleos tanto poderiam ser comandados por homens quanto por mulheres. Se um “descendente” nascesse numa tribo (gens) cujo escopo partisse do matriarcado, naturalmente ele teria como referência hereditária (na visão da comunidade) apenas o referencial materno e, nestes casos, pouco importava a presença do pai. Mas com o passar do tempo e o aumento da tensão entre a “disputa de gênero”, este modelo foi aos poucos sendo substituído pela “família consanguínea”, onde algumas normas passaram a cristalizar-se, como a proibição de relações sexuais entre irmãos, já que até esta altura, não havia a concepção de incesto. “Não só irmão e irmã eram marido e mulher, como também, ainda hoje, em muitos povos são permitidas as relações sexuais entre pais e filhos”, relata Engels, ao se reportar à pesquisa de Hubert Bancroft sob o modo de vida dos nativos da América do Norte. “A única coisa definitivamente certa é que o ciúme se desenvolveu relativamente tarde”.

As transformações da família prosseguem, sendo que “o círculo de união conjugal comum, que era muito amplo em sua origem, estreita-se pouco até que, finalmente, compreenda o casal isolado que hoje predomina”. Não se deve esquecer, no entanto, que na contemporaneidade ainda há vestígios da família “pré-monogâmica”, sobretudo entre bolsões dominados pelos árabes conservadores. Ou seja, apesar de haver um modelo que condena o adultério, ainda é dado ao homem o direito de praticar a poligamia. A mulher, no entanto, tem que fazer votos de total obediência e fidelidade ao homem.

Um período que certamente evidencia explicitamente a “virada” de influência [muitas vezes, à força] de um gênero (o masculino) sobre outro (feminino) é o da Grécia Antiga. Foi também neste período onde começou a se desenvolver o controle da herança pelo sexo masculino, sendo os homens os “herdeiros naturais” das posses de seus antepassados. Isso implica numa abolição total da linha de descendência feminina e do “direito hereditário materno”.

É também na Grécia Antiga que se observa mais claramente outro fenômeno que, atualmente, parte da sociedade tenta “esconder para debaixo do tapete”: as relações homossexuais, notadamente as masculinas. Com o amplo domínio sobre a mulher e os escravos, além de ser depositário dos bens de herança, os homens que mantinham relações sexuais com “amigos próximos”3 e mesmo com “escravos do sexo masculino”4 não sofriam, em sua maioria, qualquer tipo de interpelação social. Isso só começou a mudar com o avanço e influência da moral Patrística5, entre os séculos I e VI da era cristã.

Outra característica essencial da “família natural” defendida pelo Pastor Marco Feliciano e que remonta tanto aos gregos antigos quanto aos semitas é seu caráter que remete “à escravidão como também a servidão”. Para Marx, em “A Sagrada Família”, “ela [a família] contém em si, em miniatura, todos os antagonismos que se desenvolverão mais tarde na sociedade e em seu Estado”. Foi este modelo, diz Engels, que os filisteus se apropriaram para, depois, supostamente espalharem-no por toda a cultura indo-europeia. E é justamente daí, deste ponto, que surge a ideia de que a mulher tem que ser subserviente ao homem.

Desta forma, o atual modelo de família, baseado na monogamia, no domínio do homem sob a mulher, e numa espécie de ojeriza à homossexualidade (provavelmente por esta se remeter à elementos do feminino), é proveniente de movimentos culturais, e não necessariamente de uma ordem “natural”. Como bem explicitou Engels, se o homem tivesse se mantido no domínio do “natural”, ainda estaria sob a influência dos mais diversos modos de constituição familiar (todos de todos, poligamia etc.), modos estes comuns entre as espécies próximas, como os macacos. “A monogamia, portanto, não entra de forma alguma na história como uma reconciliação entre o homem e a mulher e, menos ainda, como a forma mais elevada de casamento. Pelo contrário, surge sob a forma de subjugação de um sexo [masculino] pelo outro”.

Assim, é no mínimo irresponsabilidade, nos dias atuais, clamar por uma espécie de “família natural” em detrimento de outros arranjos familiares, sobretudo quando de fato este modelo reclamante sequer chegou a existir nos primórdios. A definição de família, sob este aspecto, é decorrente de transformações sociais e políticas, e muito provavelmente jamais se restringirá a um modo de ver o mundo sob o prisma do dogmatismo religioso.

Notas:

1 – Referência à matéria “Não foi ativismo gay”, dizem jovens que dançaram para Feliciano; gabinete diz que irá processá-los, publicado no UOL Notícias em 12/08/2013 – Disponível emhttp://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/08/12/nao-foi-um-ato-gay-e-isso-quebrou-feliciano-diz-jovem-que-dancou-para-o-deputado-em-aviao.htm acesso em 17/08/2013.

2 – Poliandria: (grego: poly- muitos, andros- homem) entende-se a união em que uma só mulher é ligada a dois ou mais maridos ao mesmo tempo. Ainda comum atualmente em sociedades “distantes”, como o Tibete. FONTE: Dicionário Houaiss.

3 – NAPHY, William. Born To Be Gay. Lisboa: Trafalgar Square, 2004, pág. 137.

4 – DOVER, Kenneth James. A Homossexualidade na Grécia Antiga. São Paulo: Nova Alexandria, 2007.

5 – Filosofia influenciada pelo cristianismo dos primeiros sete séculos, e elaborada pelos Padres da Igreja (alguns, designados doutores), considerados os primeiros teóricos do Catolicismo. Consiste, em linhas gerais, “na elaboração doutrinal das verdades de fé do Cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos pagãos e contra as heresias”. FONTE: DROBNER, Hubertus. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003.

Referências:

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da propriedade privada e do Estado; tradução Ciro Mioranza. São Paulo: Lafonte, 2012 (Coleção Grandes Clássicos da Filosofia)

PLATÃO. O Banquete. Disponível em

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=2279&co_midia=2 . Acesso em 20/05/2013.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich; Tradução de BACKES, Marcelo. A Sagrada Família. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.

YALOM, Marlyn. Como os franceses inventaram o amor. São Paulo: Editora Prumo, 2013.

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Ficção e Homossexualidade na Tv Brasileira: de Eduardo e Hugo à Félix

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Não é segredo que a telenovela ocupa um espaço importante na produção cultural brasileira. Mesmo entre os mais radicais frankfurtianos e dialéticos é necessário reconhecer o papel que a teledramaturgia, nas últimas décadas exerceu (e ainda exerce), nas representações sobre a sociedade brasileira. Muito se falou e escreveu sobre a telenovela no Brasil. Trabalhos acadêmicos, artigos em revistas e jornais e nas conversas do dia-a-dia, as opiniões e análises sobre esse produto televisivo são algo constante nos espaços eruditos e populares.

Nos últimos anos a telenovela se ocupou em inserir temas que procuram englobar questões sociais e que para os escritores de teledramaturgia seriam pertinentes. Esses temas são inseridos muitas vezes de forma didática, buscando uma conscientização do público receptor sobre essas temáticas propostas. Dependência química, transplante de órgãos, alcoolismo, tráfico de pessoas, desaparecimento de crianças são exemplos de temáticas que os escritores de telenovela inseriram em suas produções teleficcionais. Esse processo é conhecido como merchandising social, termo considerado como controverso, pois se tornou naturalizado no campo televisivo, porém criticado no espaço acadêmico.

Uma das temáticas que conseguiu um alcance relevante foi a da homossexualidade, discutida na telenovela Insensato Coração (2011), escrita por Gilberto Braga e Ricardo Linhares. Em seu histórico na construção do folhetim televisivo, esses escritores abordaram muitas questões como a corrupção, o comportamento das elites brasileiras e até mesmo questões morais. Essas questões estão presentes em novelas como Vale Tudo (1988), Pátria Minha (1994), Celebridade (2003) e que mostram as propostas realizadas pelos escritores em inserir temáticas para possíveis discussões.

Em Insensato Coração os escritores repetem essa fórmula, utilizando-se do melodrama e o reatualiza para alcançarem seus objetivos. Para ampliar suas intenções, ou mesmo seguir as demandas da indústria cultural, G. Braga e R. Linhares inserem o tema da homossexualidade, aproveitando o agendamento do tema, presente em discussões na sociedade civil e também em instituições religiosas, jurídicas e políticas.

A questão da homossexualidade é um tema polêmico e multidimensionado, pois envolvem relações de poder, práticas culturas e históricas, experiências sociais e interesses institucionais e de grupos. Nos últimos tornou-se uma questão de discussão pública na sociedade brasileira, pois com o fortalecimento da luta pelos direitos das minorias (como categoria sociológica) a “questão gay” se consolidou no debate público. A igualdade de direitos, como o reconhecimento da união homossexual, a adoção de crianças também por casais homossexuais são “bandeiras” – que é muito mais do que isso, pois são direitos e não privilégios – encampadas pelo movimento GLBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros).

Os escritores de Insensato Coração “aproveitando” o agendamento público da temática homossexual inseriram na narrativa ficcional questões sobre a orientação sexual, especificamente a “questão gay”. Eles procuraram se afastar dos velhos estereótipos que a própria telenovela utilizou durante anos para representar os homossexuais. “Bichas” afetadas, gays violentos, paranoicos e infelizes são exemplos de como durante muito tempo a televisão representou os homossexuais.

Em Insensato Coração os escritores também utilizaram algumas dessas representações ao inserirem personagens afetados e afeminados como Rony (Leonardo Miggiorin) e Xicão (Wendel Bendelack). Porém, inseriram alguns personagens que não adotaram esses estereótipos, procurando adotar estratégias que politizem e didatizem a temática da homossexualidade. Pode-se perceber nessas estratégias duas questões que para os escritores se tornaram pertinentes. A primeira é o uso de personagens que não possuem comportamentos afetados e afeminados, como o Eduardo (Rodrigo Andrade) e o Hugo (Marcos Damigo) que adotaram o comportamento da “normalidade”. A outra questão foi a discussão sobre a homofobia com o objetivo de discutir a criminalização das práticas homofóbicas.

Eduardo e Hugo – Insensato Coração

Para tentar “educar” o público e destacar a importância do relacionamento homossexual dentro de uma possível normalidade, os escritores decidem optar por concentrar no relacionamento de dois jovens bonitos, pertencentes a classe média (Hugo e Eduardo). Um deles é professor universitário no curso de direito e outro é filho de uma comerciante que possui um quiosque na praia do Leblon (cidade do Rio de Janeiro) e que apoia a causa homossexual. G. Braga e R. Linhares assumem o discurso da heteronormatividade, ao procurar dar “voz” a novas representações sobre a homossexualidade.

O casal homossexual protagonista da novela assume as representações da normalidade heterossexual, isto é, os escritores apenas replicam no comportamento dos personagens as práticas da normativa heterossexual. Hugo e Eduardo se aproximam, se apaixonam, surgem algumas turbulências com a família (no caso de Eduardo) e para concretizarem a felicidade resolvem se casar, conciliando com todos: família, amigos e de certa forma com a sociedade.

Mesmo que os escritores queiram abandonar estereótipos que foram e ainda são representados na televisão, eles acabam adotando representações da família tradicional, heterossexual, moderna e burguesa. Outras questões que os escritores inserem é a judicialização constante da homossexualidade e principalmente da homofobia. Utilizando a estratégia do merchandisingsocial, eles utilizam a lei e a punição como forma de reduzir a prática homofóbica. Em alguns momentos torna-se pedante o uso didático para convencer o público que praticar homofobia é crime. O problema é que reduzem apenas a questões jurídicas, não percebendo as outras práticas presentes nesse processo.

Entretanto, em Insensato Coração os escritores procuraram ampliar as “vozes” homossexuais. O relacionamento desse mesmo casal homossexual, a inserção de personagens de classe média, com empregos estáveis, sem trejeitos afetados e/ou afeminados como um jornalista dois advogados e um estudante universitário. O estereótipo do homossexual, porém permanece, quando os escritores inserem a personagem Araci (Cristiana Oliveira) como “lésbica” usando “trejeitos” masculinizados.

Crô – Fina Estampa

Após a exibição de Insensato Coração as telenovelas exibidas no horário das 21 (vinte e uma) horas da Rede Globo com receio de não centralizar a polêmica sobre a homossexualidade resolvem “frear” a discussão. Na novela posterior Fina Estampa (2011-2012) o escritor Aguinaldo Silva insere um personagem homossexual Crô – Crodoaldo Valério (Marcelo Serrado) e que possui os “velhos” estereótipos homossexuais representados nas novelas: afetado, afeminado e com o toque cômico, com intenção apenas de entreter.

Félix – Amor à Vida

No momento atual a telenovela Amor à Vida (2013) de Walcyr Carrasco possui alguns personagens homossexuais. O personagem Félix (Mateus Solano) homossexual ou bissexual é um dos protagonistas da novela. Um outro núcleo homossexual é composto por Eron (Marcelo Antony) e Niko (Thiago Fragoso) que mantém um relacionamento estável e que estão adotando um criança através de um processo de “aluguel de uma barriga”. Questão também que está sendo discutido na sociedade brasileira (e também em muitos outros países) sobre a adoção de crianças por casais homossexuais. Esse casal de personagens de Amor à Vida também possui quase o mesmo perfil do casal de Insensato Coração, classe média, brancos e adotam a normalidade heteronormativa.

Eron e Niko – Amor à Vida

A telenovela cumpre uma função social ao discutir temas pertinentes às demandas da sociedade contemporânea no Brasil? Para muitos ela realiza um desserviço, pois ao discutir temas tidos como sociais e polêmicos, a telenovela os mercantiliza, pois opera dentro do processo da indústria cultural. O próprio termo merchandising social seria uma forma de apresentar esses temas, como a homossexualidade, a partir da lógica de ganhos de audiência e consequentemente aumento de publicidade e lucratividade.

Contudo, reduzir o papel que a ficção televisiva possui em mero produto mercadológico é negar décadas de interação com a sociedade brasileira. Nessa interação, as matrizes hegemônicas que predominam principalmente as dos escritores estão concatenadas com o eixo Rio-São Paulo. Outras realidades ou lógicas culturais brasileiras são pouco representadas e quando são estão carregas de estereótipos. Porém, não podemos reduzir o escopo da análise num economicismo que muitas vezes é estéril e pedante.

Para entender como a telenovela consegue operar nos códigos da cultura brasileira e de certo modo manter uma relação de décadas devemos perceber como ela consegue se reinventar, reinventando principalmente sua principal matriz narrativa: o melodrama. É na reinvenção do melodrama que abre a possibilidade dos escritores inserirem temas do cotidiano, perspectivas políticas e interesses ligados às da emissora. A discussão de questões da sociedade brasileira pela ficção televisiva é uma herança que está além do melodrama, recebendo também influências da literatura e do teatro, pelo menos na especificidade da teledramaturgia no Brasil.

Ao proporem a discussão sobre homossexualidade em Insensato Coração, G. Braga e R. Linhares procuram se conectar com as demandas da sociedade brasileira. Mas, não se pode esquecer que essa conexão não é mecânica, pois os escritores são condicionados por representações sociais, bem como o público que assiste e comenta a telenovela. Podemos perceber na quantidade de postagens que os internautas fizeram durante o período de exibição da novela, nas mídias sociais.

As mídias sociais talvez seja hoje o principal termômetro em que os escritores e as emissoras utilizam para avaliar a produção televisiva. A polêmica sobre a homossexualidade fez os escritores de novela, após Insensato Coração, possivelmente por pressão da maior emissora (Rede Globo) atenuar as discussões. Em Amor à Vida Wlacyr Carrasco utiliza estratégias para abordar o tema da homossexualidade. O escritor procurou estereotipar o personagem gay Félix para contrabalancear a discussão sobre o tema da adoção de um filho em que o casal homossexual Eron e Niko está realizando.

O escritor procura realizar uma polêmica mais “soft” e também para agradar o público estereotipa um personagem gay com ações de vilão, realizando coisas supostamente desagradáveis e condenáveis. O escritor apresenta o personagem Félix com problemas de caráter, insinuando uma relação entre comportamento e orientação sexual. Essa intenção talvez procure agradar pessoas que se opuseram a defesa da “causa gay” por Insensato Coração e que defendem a tão questionada “cura gay”. Como o sentido escapa da ação, talvez não seja a intenção do escritor, porém o significado interpretado poderia ser esse.

As postagens nas mídias sociais mostrou um caleidoscópio de representações sociais presentes nos posts dos internautas. Um elemento pertinente na análise desses posts é a insistência dos internautas em escrever sobre como a homossexualidade foi abordada em Insensato Coração. Mesmo que muitas aceitem e até defendem o direitos dos homossexuais de ter direitos e respeitem a suas orientações sexuais é necessário mais do que isso.

Citando um fala da filósofa Marilena Chauí é necessário uma revolução antropológica para que a revolução sexual realmente se estabeleça. Os escritores de Insensato Coração tiveram o mérito de problematizar uma temática complexa num produto cultural de alcance nacional e que possui tensões e interesses diversos. Na telenovela Amor à Vida, o tema da homossexualidade retoma como uma das questões centrais da narrativa. Muitos sentidos atravessam a temática, comportamento, moralidade e direitos civis. A família é uma instituição que atravessa a narrativa, principalmente o modelo nuclear e tradicional. Porém, para que essa mudança antropológica ocorra e que a liberdade sexual seja respeitada e vivida é necessário mais do que 185 capítulos de ficção.

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CID 10: FXX.X – Transtorno homofóbico

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As palavras, como que a reboque, trazem consigo marcas, cicatrizes e acessórios que denunciam para os mais atentos sua história e genealogia. Marcadas na própria carne, elas contam algo de seu tempo e de seus usos; não raro, absorvem conceitos paralelos, abrigando-os das intempéries sob o mesmo teto significante para, em seguida, deixar vagando ao léu significados que outrora lhe pertenceram. Pequena mas significante vitrina de uma época. É importante e prudente que estejamos atentos a essa dimensão histórica dos termos para que possamos apreendê-los de forma consciente e contextualizada.

Importante, já que é a partir daí, numa espécie de desconstrução, que se pode entender o uso corrente de determinada palavra. Prudente, pois em sua aparente banalidade, os termos carregam potencialidades de uso nem sempre ingênuos ou bem intencionados. Assim, as palavras revelam um passado e, ao mesmo tempo, apontam – dedo em riste – para um futuro.

Atualmente, com o importante papel da imprensa, notamos a cada dia a maior visibilidade que o movimento gay vem conquistando. Segundo Pereira (2004), dos anos noventa para cá, a própria cultura gay e as referências na mídia de um “gay way of life” estão cada vez mais comuns.

Com o aumento dessa visibilidade, vemos surgir, geralmente a partir dos movimentos GLBTT (Gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) ou de teóricos da sexualidade, todo um novo léxico que com uma velocidade nunca antes vista ganha os mais diversos ambientes. Exemplos disso são os termos: identidade de gênero, orientação sexual, gay, queer e etc. Outro desses exemplos é o termo homofobia. Cunhado no meio científico para designar, inicialmente, a sensação de mal-estar experimentada por uma pessoa que se mantivesse em presença de um homossexual em um lugar fechado (Weinberg, 1972), o termo ganhou, ao longo dos anos, sentidos mais amplos e conquistou a língua corrente, falada no cotidiano.

Usado há décadas e totalmente consagrado, o termo mencionado se por um lado revela extrema força política, por outro – é o que tentarei demonstrar – carrega consigo uma ambiguidade perigosa.

Não faz parte dos objetivos desse trabalho a análise histórica ou a abordagem dos aspectos subjetivos, culturais, sociais ou políticos que envolvem a homofobia. É tão somente na discussão do termo homofobia e no risco do uso desse termo que mora o sentido desse texto.

Para tanto, algumas considerações se fazem necessárias.

Usar-se-á, na maior parte das vezes, para efeitos desse texto, a palavra homofobia em um sentido amplo e não para designar o discurso e a prática aversivos de homens que se dizem heterossexuais para com homossexuais masculinos. Essa opção se dá pela maior consagração do termo homofobia em relação a termos como lesbofobia, travestifobia ou bifobia e, ainda, por achar que, no que se refere a esse texto, as observações tecidas podem ser facilmente extrapoladas para as realidades da lesbofobia, travestifobia ou bifobia e etc. Assim, a tessitura dos comentários ao longo do presente trabalho poderá ser, sem grande dificuldade, aplicada às outras formas de homofobia.

Há, ainda, mais uma consideração. É inevitável que se lance mão, no corrente artigo, de conceitos psicopatológicos. Contudo, para fins desse texto, o referencial de psicopatologia será principalmente o da psicopatologia fenomenológica, pois em tal referencial teórico, em minha opinião, o conceito de fobia se aproxima mais do conceito que social e correntemente se dá a ele. E como o termo homofobia, como citado acima, tem ganho o cotidiano e já há muito se desvinculou do discurso acadêmico ou militante, um referencial teórico que aborde o fenômeno da forma que ele se dá a conhecer será mais útil para os fins a que se propõe esse artigo.

A ETIMOLOGIA

O ano, a safra, a origem, o solo, o processo de envelhecimento de um termo fazem parte de uma estranha degustação e se configuram numa espécie de “enologia da palavra”. Assim, para que possamos voltar a essa origem, às vezes esquecida, servimo-nos da Etimologia.

A Etimologia é definida por Cunha (1986) como a ciência que investiga as origens próximas e remotas das palavras, assim como sua evolução histórica. Para os fins a que se propõe esse artigo, é de grande importância que nos apropriemos do sentido original do termo “fobia” para que, a partir daí, possamos tecer o comentários a que nos propomos.

Usada inicialmente para compor termos eruditos como hidrofobia, claustrofobia, antropofobia, a palavra fobia, derivada do grego, teria se transformado em vocábulo independente na língua portuguesa, segundo Machado (1952), no final do século XIX, por volta de 1890.

No Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, Silveira Bueno nos dá uma definição de fobia: “Fobia – s.f.. Nome geral que se dá a diversas inibições do espírito, medos e receios doentios. Gr. Phobia, medo, receio, de phobos + ia” (Bueno, 1965).

Para Cunha: “Fobia sf. ‘designação genérica das diferentes espécies de medo mórbido’” (Cunha, 1986).

Já Antônio de Morais e Silva, em seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa, vai além e nos presenteia com o termo “foba”:

Foba, adj e s. m. Bras. da Baía. Designativo do indivíduo ou o próprio indivíduo medroso, molengão, preguiçoso ou apalermado.
Fobia, s. f. (do gr. phobein). Designação genérica das diversas espécies de medo mórbido. // Horror instintivo, aversão a alguma coisa. (Silva,1949)

Interessante apropriação do termo, o uso baiano da palavra foba. Através dela, com seus sentidos de “molengão, preguiçoso ou apalermado”, somos remetidos semanticamente a uma ideia de “não movimento”, inação e indolência. Coisa que diferenciará muito do termo grego φ?βος (phóbos), que segundo Ferreira (1999) e Machado (1952) remete a uma ideia de movimento: ação de pôr em fuga, ato de expulsar, ato de fazer fugir.

A PSICOPATOLOGIA

Para Dalgalarrondo (2000), a psicopatologia, enquanto campo de conhecimento, caracteriza-se pela multiplicidade de referenciais teóricos que tem incorporado nos últimos 200 anos. Dentre as várias escolas de psicopatologia, por motivos já mencionados, falaremos a partir da psicopatologia fenomenológica à qual, segundo o mesmo autor, interessa principalmente a forma das alterações psíquicas, a estrutura dos sintomas e aquilo que caracteriza a vivência patológica.

A partir desse referencial teórico, vejamos o que alguns autores têm a dizer sobre o conceito de fobia. Para Kaplan e Sadock:

Fobia é um medo irracional de um objeto, atividade ou situação específica que leva ao evitamento. O fracasso em evitar o estímulo causa severa ansiedade. O paciente percebe que o medo é irrealista, e a experiência toda é disfórica (Kaplan e Sadock, 1995).

É interessante ver que aqui vemos a coerência com a origem grega do termo, a partir do momento em que se introduz o “movimento de fuga” no conceito. Não será muito diferente para outros autores que, com freqüência, vinculam o sentimento fóbico à necessidade de fuga e evitação. Para a Associação Psiquiátrica Americana (apud Caixeta, 2004), a fobia se caracterizaria por quatro fatores: medo importante, persistente e irracional de objetos e situações; a exposição à situação ou objeto provoca reação de ansiedade; o paciente reconhece que o medo é excessivo e irracional; e, por fim, a presença de comportamento de evitação, atrapalhando a vida da pessoa.

Um ponto de extremo interesse para a análise proposta no presente trabalho é a unanimidade, entre os psicopatologistas, do caráter irracional e incontrolável da fobia.

O termo fobia é definido como “um temor insensato, obsessivo e angustiante, que certos doentes sentem em determinada situação”.
A característica essencial da fobia consiste no temor patológico, que escapa à razão e resiste a qualquer espécie de objeção. Refere-se a certos objetos, certos atos ou certas situações. Podem apresentar-se sob os aspectos mais variados. (Paim, 1980).

Seguindo nesse caminho, vemos Jaspers (1979) descrever fobia como um “medo espantoso” que ocorreria em situações corriqueiras e naturais.

Baseado nos autores citados acima, alguns aspectos do conceito de fobia nos saltam aos olhos. Primeiramente, vemos o caráter patológico do sentimento fóbico. A psicopatologia fenomenológica não encara a fobia como um evento que pode ser observado em pessoas/situações ditas normais, sendo, portanto, considerada como uma doença. Um outro aspecto é que os psicopatologistas insistem que a fobia é uma espécie de medo exagerado, medo mórbido que, muito importante, foge ao racional e ao lógico. De outra forma, não depende da vontade e é vivido como extremamente desagradável (um sentimento disfórico, estranho, vivido como uma sensação de estranheza e de não pertencimento).

Portanto, duas características, entre muitas outras, que serão importantes para nossa análise: o teor patológico da fobia e sua característica de irracionalidade e estranheza, seu caráter involuntário.

COMENTÁRIOS

Segundo Louis-Georges Tin, no Dictinnaire de l’homophobie, é possível que o termo homofobia já fosse usado na década de 60, mas foi após a publicação, em 1971, do artigo Homophobia: A Tentative Personality Profile, de Kenneth Smith, no Psychological Report, que o termo ganhou popularidade (Tin, 2003). Ainda segundo aquele autor, apesar de décadas de uso na língua francesa (aparecendo nela pela primeira vez em 1977), foi apenas em 1994 que a palavra entrou oficialmente no léxico francês.

A partir de conceitos extremamente restritivos como o de Weinberg (1972), citado acima, que definia homofobia como a sensação de se estar com um homossexual em um lugar fechado, o termo, em geral, vem ganhando novos conceitos ao longo de seus anos de uso, fazendo com que, atualmente, o termo sirva para denunciar não só práticas individuais, mas, sobretudo toda uma ideologia, que prescreve práticas coletivas, cujo discurso leva a hierarquização entre homossexualidade e heterossexualidade. Assim, a restrição legal para a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a restrição quanto a adoção de crianças por casais homossexuais, todos os demais direitos que são negados aos homossexuais, algumas teorias psicanalíticas sobre a homossexualidade e etc. seriam fatos característicos dessa “ideologia homofóbica”.

Ao lado dessa cada vez maior abrangência do termo, vemos movimentos restritivos com a intenção de evitar abrigar sob o mesmo termo fenômenos completamente diferentes. Propôs-se, portanto, termos como lesbofobia, bifobia e transfobia, para designar práticas ditas homofóbicas relativas ao grupo de lésbicas, bissexuais e transexuais/travestis (Tin, 2003).

Usado principalmente para denunciar práticas e discursos baseados na hegemonia do ser humano heterossexual – e principalmente do macho heterossexual – assim como para denunciar práticas, muitas vezes violentas, que revestem a homossexualidade de um caráter negativo em nossa sociedade, esse termo nasce investido de uma significação política incontestável e um dos sinais de sua força é a gritante atualidade do termo, apesar dos anos corridos.

Acredito que, na raiz dessa força política, more uma poderosa característica. Ao introduzir a ideia do medo (fobia) na atitude que delega a um plano secundário a homossexualidade, essa palavra diz de forma sutil, mas com todas as letras, que “macho tem medo”. E como socialmente homem que é homem não tem medo, esse termo atinge as práticas machistas em sua própria essência. Portanto, a prática homofóbica não denunciaria raiva, conservadorismo ou sexismo apenas, mas medo.

Dessa sutileza, nasce o risco do uso do termo.

Se temos, por um lado, uma ideia de aversão, nojo e ojeriza, raiva e hostilidade – ideia referendada pela etimologia – temos, por outro, uma ideia de medo mórbido, doença, sentimento doentio incontrolável e, principalmente, involuntário – ideia referendada tanto pela etimologia como pela psicopatologia. O primeiro dos sentidos seria mais próximo do uso que a militância GLBTT e os teóricos da área emprestam ao termo homofobia, contudo não creio que esse seja o sentido de fobia a que mais correntemente não militantes e não teóricos são remetidos quando entram em contato com a expressão.

Assim, possivelmente influenciadas pelo discurso psi, através de termos mais populares como claustrofobia, fobia de altura, agorafobia e etc., as pessoas associam a fobia muito mais a um medo e a uma doença do que propriamente ao ódio e à hostilidade.

Perigosa dubiedade e importante contradição: quando se usa o termo homofobia, pelo menos no sentido não coletivo do termo, refere-se, em geral, à agressividade e ao ódio que se tem em relação a homossexuais, ao passo que quando se usa o termo fobia, refere-se, sobretudo ao medo exagerado de que alguém involuntariamente pode ser vítima. Se no primeiro sentido somos remetidos a algo ativo, dirigido para o exterior, algo que potencialmente vai contra o outro e visa seu aniquilamento, no segundo sentido somos remetidos a alguma coisa interna, a uma experiência emocional, algo ameaçador apenas para quem vivencia essa experiência.

Como visto acima, pelas características de irracionalidade e morbidez da fobia, assim vista através da ótica da psicopatologia e aceita pela maior parte das pessoas, o que impediria um movimento de desreponsabilização – tanto legal quanto moral – do homofóbico por suas atitudes hostis?

Assim, se a palavra traz à cena (e porque não dizer à cena do crime) o medo que estaria em jogo nas práticas ditas homofóbicas, perigosamente retira da cena – já que estamos falando do medo – a responsabilidade de quem a pratica.

As palavras andam, voam e adquirem sentidos diversos.

A psiquiatria, que se imiscui nos interstícios do cotidiano, histórica e repetidamente, tem mostrado seu poder fagocítico ao abocanhar o mundo e digeri-lo através de sua lógica patologizante (Birman, 1978). O que faltaria para a homofobia fazer parte do DSM-IV ou da CID-10?

Apenas recentemente a homossexualidade saiu da CID-10, mas não esqueçamos que constam ainda daquela classificação o travestismo, o voyerismo, transexualismo e etc (OMS, 1993)

Sobre a retirada da homossexualidade da CID-10, é interessante notar que ainda consta daquela classificação a orientação sexual egodistônica. Esse transtorno seria o quadro “patológico” de uma pessoa que estivesse descontente, sofrendo e não aceitasse sua orientação sexual. Ora, em uma sociedade normatizadora como a nossa – auxiliada na normatização pelo próprio saber psiquiátrico – é muito difícil conceber alguém com uma orientação homossexual que não passe por conflitos quanto a sua sexualidade. Interessante movimento. A psiquiatria abdicou da “doença” homossexualismo, mas não abdicou dos “doentes”.

A orientação sexual egodistônica pode ser entendida como a patologização da homofobia quando voltada para si mesmo. Assim, a partir desse transtorno, não vejo um caminho muito longo para a patologização da homofobia voltada para o outro.

CONCLUSÃO

Em nenhum momento, o presente trabalho se propôs a questionar a validade tanto política quanto cultural, social e mesmo etimológica do termo homofobia.  Mostrando a ambigüidade que o termo traz, o que se fez foi um questionamento dos riscos potenciais de seu uso. Portanto, não há propostas, mas entenda-se este texto como um alerta.

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