Acadêmicas do curso de psicologia promovem roda de conversa sobre pressão estética e Transtornos Alimentares

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Na última terça-feira (29) as acadêmicas de Psicologia Camila Melo e Mariana Aires, promoveram a roda de conversa “Entre a Forma e o Fardo” como parte das atividades da disciplina de Práticas Interprofissionais de Educação em Saúde. Os participantes compartilharam reflexões e narrativas acerca de pressões estéticas, contando com as participações das professoras e psicólogas Isaura Rossatto e Ruth Cabral, que contribuíram com a discussão levantando conceitos de saúde, pressão estética e gordofobia.

“Dado ao momento em que vivemos, e a busca demasiada por padrões de belezas inalcançáveis, é preciso desnudar e questionar essas práticas, para possíveis tensionamentos e mudanças de paradigmas, partindo da discussão sobre padrões inalcançáveis.” fala pontuada pela professora Isaura, o que reverberou a reflexão de que ao colocar essa prática como inalcançável ela serve a um propósito hegemônico de perpetuação de desigualdade e manutenção do status quo dominante, que criam um ideal imaginário do qual é a base de um sistema capitalista que cria e vende o corpos magros como sendo a resposta para as infelicidades e sofrimentos. Para as psicólogas, falar sobre questões estéticas é também pensar questões socioeconômicas, de gênero, sexualidade e raça e em como esse fenômeno recai sobre cada corpo.

Foi levantado o debate de que “Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) a definição  de saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.“ As pessoas insistem em estigmatizar o corpo gordo e defini-lo como doente, levando como premissas os padrões estéticos, sem considerar em profundidade a análise do que se significa saúde”, prática essa, como frisou a professora Ruth Cabral que “recai de forma violenta sobre pessoas gordas, pois impossibilita que as mesmas tenham acesso a espaços básicos por falta de estruturas que a comportem, e também na falta de garantia de direitos, como acesso à saúde pois resumem este corpo a uma única demanda, e a inúmeras violências e negligências”. Seguido pela fala da professora Isaura sobre a necessidade de distinguir gordofobia e opressão estética, pois o primeiro recai sobre todos, porém o outro é o retrato de violência, perda de direitos e acesso de alguns corpos.

Fonte: Exposição – Opressões estéticas

 

Foram abordados os múltiplos abandonos, ou condicionamentos que pessoas gordas sofrem no ramo dos afetos, sendo o último a ser escolhido como figura de amor, pela carência de representação estética, que coloca o corpo gordo como não desejável. Refém de discursos de cunho individualista que afirmam que basta querer para alcançar o desejável corpo padrão, vendidos por ilusões capitalistas. O que reforça a necessidade de deslegitimar esses preconceitos tanto na prática quanto nos discursos que naturalizam e perpetuam violência, e assim com informação e quebra de padrões buscar alcançar uma realidade mais leve e sustentável que não oprima corpos.

Na foto: as acadêmicas Camila Melo e Mariana Aires, do curso de psicologia, da Ulbra-Palmas.
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Relato de experiência anônima: ser uma pessoa gorda

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Desde que me lembro por gente, meu peso já era uma preocupação. Sempre era comentado pelas pessoas e coisa do tipo, mas se fosse pra chutar alguma idade [Em que se percebeu como uma pessoa gorda] eu diria que por volta dos 8 anos, que enfim, acredito que a gente vá criando mais consciência das coisas e acredito que por isso eu sempre tive receio de ir a médicos em geral, desde criança. Pelo fato de saber que seria a primeira coisa a ser comentada mesmo que a minha doença não tivesse nada a ver com isso.

Esse receio ainda existe, mesmo que hoje em dia eu já tenha perdido muito peso e não possa ser classificada exatamente como uma pessoa gorda, o meu peso ainda é a maior preocupação que eu lido todos os dias. Isso nunca mudou na minha cabeça, quando eu vou ao médico ainda é comentado sim sobre meu peso, não como algo direto logo de primeira igual era antes, mas sabe um “ah e seria bom perder um pouco de peso também…” dito no final da consulta.

Isso tudo afeta a vida nas relações completamente, sempre afetou qualquer tipo de relação e afeta a minha vida em sociedade em geral. Até hoje eu não consigo me sentir bem em público e quase nunca saio de casa, em dias ruins não tenho nem vontade de sair do quarto. Sinto que eu passei a vida toda me privando e tentando fazer o máximo para as pessoas não verem meu corpo, então se não era algo necessário tipo ir pra escola ou enfim se não fosse alguma obrigação eu preferia não sair de casa. E em relações amorosas, por exemplo, ou relações de se envolver com alguma outra pessoa, aconteceram só duas vezes na minha vida provavelmente pela minha aparência e por eu ter me fechado tanto pra tudo. Mas sempre foi e ainda é difícil eu me enxergar como uma pessoa desejada, uma pessoa que possa ser desejada de qualquer forma. Mesmo estando em um relacionamento a mais dois anos eu ainda tenho problema pra me sentir desejado.

Eu acredito que sim isso possa mudar, mas às vezes também acho que é ter esperança demais talvez porque muita coisa da sociedade em geral teria que mudar, então não sei o quanto eu acredito que possa acontecer no contexto de todo mundo se aceitar sabe. Porque uma pessoa gorda pode trabalhar muito no próprio psicológico dela e com o tempo ir se aceitando e não sofrendo por algumas coisas, mas o mundo inteiro o tempo todo te lembra de que você é uma pessoa gorda, e não de forma indiferente, mas sim daquele jeito insinuando que tenha que mudar isso. O que faz tudo ser muito difícil, querendo ou não vivemos em sociedade e acredito que seja tudo muito complexo porque envolve realmente muita coisa.

E qual a diferença de antes pra agora, se é que tem uma? Psicologicamente eu não sinto diferença porque enfim a maioria das minhas inseguranças tão fincadas muito fundo em mim eu acho. Mas certamente tem diferença, talvez em como as pessoas me olham já que corpos gordos chamam a atenção de algumas pessoas não muito legais e em me sentir menos chamativa em geral. Mas ainda não mata o desconforto que sinto em público.

E algo que sempre me incomodou em relação a isso tudo que já vivi é aquilo de ser muito fácil pra todo mundo dizer o que é mais socialmente visto como correto, no sentido de que eu sempre estive rodeado de pessoas magras e às vezes tentando conversar sobre as minhas inseguranças com uma pessoa magra, em questões de aparência, sempre vem aquele padrão de resposta e afago “ah que nada você é lindo que isso!!!! se a pessoa não quer você só por você ser gordo ela não vale a pena”.

Mas ao mesmo tempo essas mesmas pessoas nunca se envolveram em momento algum com uma pessoa gorda, então em geral nunca senti que eu era realmente enxergado de uma maneira normal, um homem possível de ser desejado, porque todas as pessoas a minha volta não sentiam desejo em pessoas exatamente iguais a mim ou parecidas.

 

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É preciso discutir a gordofobia em uma sociedade que faz apologia a magreza

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A gordofobia não respeitou a morte da cantora Marília Mendonça, que morreu em um acidente de avião, o qual tinha como destino o município de Caratinga, no Estado de Minas Gerais, para a realização de mais um show. Sua morte teve uma imensa repercussão nacional e internacional, veículos de todo o mundo relembraram o trajeto da cantora, que tinha apenas 26, anos de idade. Nesse contexto, a publicação do historiador Gustavo Alonso denominada” Marília Mendonça, rainha da sofrência, não soube o que é fracasso”, na Folha de São Paulo sobre sua trajetória, gerou revolta entre os fãs e admiradores da cantora.

No artigo, o historiador diz “Nunca foi uma excelente cantora. Seu visual também não era dos mais atraentes para o mercado da música sertaneja, então habituado com pouquíssimas mulheres de sucesso – Paula Fernandes, Cecília (da dupla com Rodolfo), Roberta Miranda, Irmãs Galvão, Inhana (da dupla com Cascatinha”. Posteriormente ainda destacou, “Marília Mendonça era gordinha e brigava com a balança. Mais recentemente, durante a quarentena, vinha fazendo um regime radical que tinha surpreendido a todos. Ela se tornava também bela para o mercado. Mas definitivamente não foi isso que o Brasil viu nela”.

A ironia textual traz consigo a gordofobia, que é o preconceito com pessoas gordas, nem em sua morte Marília foi respeitada, colocando sua carreira em segundo plano, após focar em seu corpo. Atualmente, há muitos alertas sobre esse preconceito, o qual faz muitas pessoas em nome de um corpo perfeito, fazem dietas radicais, ingerem remédios, cirurgias, em nome de um corpo magro e aceito pela sociedade. Na contramão desse discurso, a escritora e jornalista, Alexandra Gurgel, em sua página do Instagram, aborda várias temáticas, entre elas auto aceitação do corpo, diversidade corporal e pressão estética.  Fundadora do Movimento Corpo Livre, ela incentiva mulheres a exporem seus corpos realmente como são, para incentivar o auto amor e pôr fim a ditadura da beleza.

Fonte: Caio Cal/ Divulgação

Criadora do Canal Alexandrismo no YouTube, Alexandra lançou o livro intitulado “Pare de se odiar- Porque amar o corpo é um ato revolucionário” (2018), com o intuito de ajudar pessoas a encontrar o caminho da auto aceitação, e ter uma imagem positiva do corpo, sem ceder a todo tipo de pressão social.  De acordo coma escritora e youtuber, sua obra foi feita para descontruir padrões e fazer com que as pessoas deixem de ter vergonha do próprio corpo, bem como sejam felizes. 

Arcoverde e Rodrigues (2014) explicam que “a gordofobia ocorre por meio de processos de discriminação social das pessoas que não se adequam ao padrão corporal de beleza considerada ideal, tendo como auxílio o discurso da medicina e do apelo estético, reforçando a dominação desses corpos frente aos padrões vigentes”. Para pôr fim a este padrão imposto, muitos nomes têm se levantado com a intenção de discutir sobre o empoderamento do corpo livre. Com o mesmo posicionamento da youtuber a atriz Mariana Xavier traz também a pauta sobre os perigos da gordofobia, e a necessidade de sentir bela com suas próprias curvas. 

Foto: Marcos Carvalho

 

É preciso combater toda forma de preconceito e isso inclui a gordofobia. Ninguém tem o direito de determinar o padrão corporal de outra pessoa. A sociedade não é uma modelo em série, cada indivíduo tem sua peculiaridade, a qual precisa ser aceita e respeitada.  Caso esteja passando por gordofobia, procure um psicólogo para ajudar em seu processo de autoaceitação e amor próximo. Outra dica, siga pessoas nas redes sociais que irão ajudar em seu processo. Seja feliz e livre com seu corpo. 

Referências

ALONSO, Gustavo. Marília Mendonça, rainha da sofrência, não soube o que é fracasso. Folha de São Paulo (2021). Disponível em < https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/11/marilia-mendonca-rainha-da-sofrencia-nao-conheceu-o-fracasso.shtml> Acesso: 10, de nov, de 2021.

Arcoverde, V., & Rodrigues, R. (2014). Cinderela não é gorda: análise de conteúdo da personagem Perséfone na novela Amor à Vida. Projeto Final em Jornalismo, Universidade de Brasília, Brasília.

GURGEL, Alexandra. “Pare de se odiar- Porque amar o corpo é um ato revolucionário” (2018).

XAVIER, Mariana (2021). Disponível em < https://www.instagram.com/marianaxavieroficial/> Acesso: 10, de nov de 2021.

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Gordofobia e culpabilização – (En)Cena entrevista a psicóloga Isaura Rossatto

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“A “obesidade” é vista como comorbidade para a COVID-19 mesmo quando não há outros indicadores em saúde que demonstrem fragilidades. Nesse sentido, o estigma de ser gorda e estar com Covid-19 representa uma sentença de morte eminente na visão das pessoas ao redor dessas mulheres”.

O Portal (En)Cena entrevista a psicóloga Isaura de Bortoli Rossatto, egressa do Ceulp/Ulbra, residente em Saúde da Família e Comunidade pela Fundação Escola de Saúde Pública (FESP) para compreender o que significa ser mulher no Brasil na pandemia pelo olhar da jovem profissional que estuda e escreve sobre a saúde mental das mulheres gordas.

No curso da sua fala, Isaura também explica os impactos da pandemia no fazer do profissional de psicologia, apontando as adaptações normativas promovidas pelo Conselho Federal de Psicologia que ampliaram as autorizações para atendimento online e realização de avaliação psicológica online e destacando os desafios enfrentados pelas profissionais que ingressam no mercado de trabalho, especialmente durante a pandemia.

Fonte: arquivo pessoal

(En)Cena – Considerando o seu lugar de fala, mulher, jovem, psicóloga e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID-19?

Isaura Rossatto – Considerando minha recente atuação como psicóloga na atenção primária e antes, como estagiária, percebi alguns acréscimos nas dificuldades que as mulheres enfrentam no dia a dia em razão da pandemia. Não é incomum deparar-se com relatos de mães precisando se desdobrar em mais uma jornada de atividades no auxílio das atividades escolares dos filhos. Mães chefes de família com dificuldades em encontrar emprego, dependendo fortemente do auxílio emergencial proposto pelo governo federal, que tende a decrescer como consequência da prolongada ineficácia das políticas de isolamento social. Ou mesmo, dificuldades nos aspectos relacionais com pares devido à convivência aumentada com o isolamento e home office. Nesse sentido, vejo impactos nos aspectos relacionais, sociais, de trabalho e renda. Algumas dessas dificuldades perpassam a população coletivamente, outras são exclusivas da condição feminina na nossa sociedade.

Fonte: Editorial Gorda Flor. https://grandesmulheres.com.br/

(En)Cena – Durante o seu tempo de trabalho na revista (En)Cena você produziu trabalhos muito elogiados sobre a perspectiva da “mulher gorda”. Levando em conta há diversas divulgações na mídia e nas redes sociais acerca de indicadores de que apontam a obesidade como fator de risco para complicações da COVID-19, como você entende o sofrimento emocional da mulher gorda durante a pandemia?

Isaura Rossatto – Muitas reflexões acerca desse tema podem ser extraídas. Vou me ater especialmente à minha percepção e aos relatos comuns referentes às experiências das mulheres gordas em saúde. Mesmo antes da pandemia, precisar de suporte médico e de outros profissionais da saúde já era um problema para muitas mulheres gordas. Como consequência da gordofobia, a vivência da culpabilização, a implementação do medo como estratégia de combate à gordura e a violência verbal são parte de muitas experiências de mulheres gordas no acompanhamento com profissionais de saúde. A “obesidade” é vista como comorbidade para a COVID-19 mesmo quando não há outros indicadores em saúde que demonstrem fragilidades. Nesse sentido, o estigma de ser gorda e estar com Covid-19 representa uma sentença de morte eminente na visão das pessoas ao redor dessas mulheres. Ademais, não há garantias de que se uma escolha entre vidas precise ser feita, seja por escassez de vagas ou recursos, uma pessoa magra seja priorizada por ser vista como mais saudável em razão do seu peso (como já ocorre socialmente). O sentimento é essencialmente de pânico, pois se infectar e sofrer com um quadro agravado será percebido como inteira responsabilidade da mulher gorda, como se ela merecesse esse sofrimento por ser gorda.

A humanização do acesso à saúde para pessoas gordas é uma problemática muito complexa que precisa ser abordada com emergência. A gordofobia promove a perda de direitos pela exclusão, e o direito à saúde tem sido um deles, com o afastamento progressivo dessas pessoas da rede de atenção.

Foto: Fernanda Magalhães

(En)Cena – Como psicóloga formada em 2020, qual sua perspectiva diante do mercado de trabalho tão modificado e adaptado pela pandemia com a possibilidade de atendimentos online e com a abertura para a aplicação de alguns testes psicológicos por meio virtual?

Isaura Rossatto – Na minha visão, o mercado de trabalho atual apresenta desafios para os psicólogos principalmente no que tange ao piso salarial, amplamente ignorado. Os salários podem não corresponder ao volume de trabalho, especialmente no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e pelo Sistema Único de Saúde (SUS), bem como os pagamentos vinculados a atendimentos por planos de saúde, que chegam a R$ 30,00 por atendimento.

Na minha percepção, os atendimentos online e a flexibilização do Conselho Federal de Psicologia (CFP) no cadastro para tanto são um avanço. Essa modalidade demanda, sim, por muitas vezes, de mais criatividade e flexibilidade do profissional e especialmente dos clientes/pacientes; porém, não perde na qualidade do processo terapêutico com adultos quando há comprimento de ambas as partes. Se antes, os atendimentos online já eram uma tendência, atualmente são quase uma habilidade fundamental a ser desenvolvida pelos profissionais.

(En)Cena – Na sua opinião, quais os desafios mais importantes da psicóloga (o) que trabalha durante a pandemia? E como as faculdades de psicologia e os conselhos de regulamentação profissional podem colaborar na preparação de profissionais para os novos desafios?

Isaura Rossatto – O próprio desenvolvimento da habilidade para atendimentos online é um desafio, assim como o risco de contaminação para os profissionais trabalhando presencialmente. Para quem deve (ou deveria) desenvolver atividades comunitárias coletivas o desafio é dobrado. Vejo a articulação multiprofissional, as atividades online e a co-contrução intersubjetiva de soluções como as ferramentas para enfrentar esses desafios.

Nesse sentido, as instituições de ensino superior e os conselhos reguladores podem oferecer oficinas sobre como realizar atendimentos online individuais e coletivos, evolução de prontuários e guarda de documentos de maneira ética durante a pandemia.

(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Isaura Rossatto – Muitas respostas poderiam ser dadas, especialmente sobre as condições em que as mulheres encontram-se em nossa sociedade machista, misógina, gordofóbica e desigual. Vou desenvolver minha resposta em como acredito que os psicólogos podem dar suporte e promover saúde para mulheres nas condições das respostas anteriores. Não devemos ignorar as disparidades entre os gêneros que precarizam a saúde das mulheres, por serem mulheres. Seja a exaustão por jornadas triplas de trabalho no emprego e no lar, os salários inferiores aos masculinos e a desumanização das mulheres gordas no acesso a saúde. A sensibilidade é necessária, assim como a indignação e a recusa à docilização dessas demandas sociais como se fossem desvios individuais; além do estudo, imprescindível para instrumentalização do trabalho com demandas tão complexas. O conhecimento acerca do fluxo entre os serviços da rede de saúde, para oferecer assistência para pessoas em situação de vulnerabilidade é outro aspecto fundamental. Com essas medidas, talvez seja possível contribuir para um caminho mais digno para as mulheres durante e no pós-pandemia, quando pudermos vislumbrar isso.

Fonte: Editorial Gorda Flor. https://grandesmulheres.com.br/
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Anorexia: Corpos a venda, e o preço a ser pago

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A ideia de perfeição é geradora de comércio, lucro, cujos corpos no mundo capitalista também “estão à venda”, e os modelos inadequados estão sujeitos a “rejeição e descarte”

Anorexia Nervosa é um transtorno psicológico pelo qual o indivíduo passa a ter uma obsessão por emagrecer, mesmo que esse já tenha o corpo magro, estando por vezes abaixo do parâmetro recomendado pelo IMC (Índice de Massa Corporal). Identifica-se a pessoa com Anorexia, quando esta apresenta o índice igual ou inferior a 17,5 kg/m 2

O termo Anorexia deriva do grego orexis = apetite, acrescido do prefixo an = privação, ausência. Nessa patologia há perda do apetite em decorrência de aspectos psicológicos. A negação do apetite e o controle obsessivo para com o corpo, fazem parte de suas características (CORDÁS, 2004).

Em 1970, o psiquiatra inglês Gerald Russell sugeriu três critérios para o diagnóstico da anorexia nervosa. Eles são válidos até hoje. Trata-se do comportamento dirigido a produzir perda de peso; medo mórbido de engordar e distúrbio endócrino (RUSSELL, 1970). Os critérios atualmente vigentes nos principais sistemas classificatórios estão fortemente embasados por Russell. 

Fonte: encurtador.com.br/ahjq5

Hodiernamente, pode-se compreender como comportamento que se enquadra no distúrbio a recusa de se manter no peso adequado a idade e altura, mantido geralmente 15% abaixo do esperado. No caso de pacientes pré-púberes, têm-se dificuldade de alcançar o peso esperado, existência de medo intenso em ganhar peso, perda de peso induzida pela evitação de “alimentos gordurosos”, as vezes seguidas da utilização de anorexígenos e diuréticos conjunto a exercícios físicos em excesso, indução de vômito, negação do baixo peso atual, discurso auto avaliativo fora da realidade e distorção da imagem corporal (CRISTINA, 2012). Nessa situação, qualquer ganho de peso gera grande angústia, e a cada “meta” do corpo almejado e mais magro, é motivo de comemoração, assim como motivador para a progressão da obsessão.

O possível gatilho para o início deste transtorno seria a passagem por momentos conturbados, geradores de sentimentos negativos e/ou pensamentos disfuncionais. Um fator importante na discussão é o meio social, que tem grande poder influenciador e que alicia os corpos, a fim de que haja a  padronização, causando angústia as pessoas que não contemplam o dito corpo “perfeito”, ou que desejam se adequar a estéticas inalcançáveis. Colocando-se em situações que põe em risco a saúde e a vida à mercê da idealização do corpo “bonito e ideal”. A ansiedade é presente, levando-se a busca imediata de formas de emagrecimento a qualquer custo.

A ideia de perfeição é geradora de comércio, lucro, cujos corpos no mundo capitalista também “estão à venda”, e os modelos inadequados estão sujeitos a “rejeição e descarte”. Os indivíduos compram este ideal mas, por vezes, o preço a ser pego é o aumento progressivo de transtornos mentais.

Fonte: encurtador.com.br/kERT5

Gordofobia 

A anorexia nervosa faz parte das consequências da gordofobia que permeiam a sociedade, causando medo da inadequação, ou fixação no desejo de ser ‘magra o suficiente’. No contexto anoréxico, há sempre uma busca de um padrão que foge da condição natural do corpo biológico, gerando uma negação psicológica de si, e de qualquer fator que leva a resultante do corpo gordo, ou simplesmente não magro; sendo a restrição de alimento, a resultante final, esta é a prática de um processo do transtorno psíquico sobre sua própria imagem. A causa exata da anorexia ainda é desconhecida, mas acredita-se que fatores biológicos, psicológicos e ambientais estejam envolvidos nas possíveis variantes de onde emergem a condição do ser.

Na questão biológica, os anoréxicos têm sempre o desejo de ser magros, entretanto essa doença pode atingir públicos de diferentes tipos corpóreos, inclusive os gordos, que sofrem a pressão social de serem o que são. Eles ingerem pouca ou nenhuma comida, tem uma perda de peso muito rápida e acentuada. Geralmente podem ficar sem três ou mais ciclos menstruais por conta da desnutrição, que também pode causar infertilidade. Esse distúrbio acomete em maior parte mulheres entre 12 a 18 anos. E pode matar o indivíduo rapidamente, pois a desnutrição pode levar a falência de órgãos, insuficiência renal, parada cardíaca, dentre outros (HIRATA, 2018).

As questões psicológicas são diversas e variam de acordo com a vida de cada pessoa. Relações sociais, o bullying na infância, eventos traumáticos, problemas que geraram conflitos internos, e a padronização vinculada aos corpos, podem ser o pontapé para o desenvolvimento da anorexia, entretanto, não existe respostas que aponte com exatidão o que causou tal problemática. É importante que haja a procura do acompanhamento psicológico, para que as raízes do problema possam ser encontradas antes de agravar ainda mais a saúde psicológica e biológica do indivíduo.

Fonte: encurtador.com.br/diknM

Pessoas com transtornos alimentares tendem a negar a doença, e consequentemente não procuram tratamento (HUDSON et al., 2007). A identificação precoce de sintomas sugestivos de transtornos alimentares, bem como a identificação de fatores de risco não tradicionais, certamente auxiliará na prevenção do aumento da incidência de transtornos alimentares.

Geralmente o início da patologia se dá durante a adolescência ou pré-adolescência, muitos dos sintomas podem não ser levados a sério pelas famílias, sendo subjugados como passageiros e pertencentes a faixa etária. Entretanto, os dados afirmam com exatidão que é um problema de extremo risco, já que 17% das anoréxicas acabam morrendo por conta de questões diretas e indiretas da doença (SOARES, 2013). Muitas famílias não compreendem o perigo e a complexidade para que se encontre uma solução; terapias em famílias se fazem muito necessárias, para deixar o contexto em que essas pessoas vivem menos letais às mentes que já se encontram em sofrimento.

A maior parte das mortes de mulheres anoréxicas se dá por suicídio. Segundo um artigo publicado em 1995 por Sullivan, a anorexia obtinha as maiores taxas de suicídio entre demais causas psiquiátricas. Embora possamos definir que a patologia seja, em síntese, um suicídio lento, pode-se concluir que é importante alertar, e compreender o desenvolvimento dos comportamentos anoréxicos e, principalmente, fazer com que a prevenção se estenda com cuidado e enfrentamento de discursos romantizados, para proteger aqueles que nos rodeiam dessa terrível guerra para o alcance do inalcançável corpo ideal.

Referências

CRISTINA; Mara. Associação entre transtornos alimentares fatores orexígenos, anorexígenos perinatais e neonatais em universitários. Recife, 2012. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/12045/4/Tese%20Mara%20Lofrano_final.pdf.txt Acesso em: 4 abril. 2019.

Sociedade Brasileira de Endocrinologia. Anorexia nervosa: um transtorno psicológico.,2007.

Disponível: https://www.endocrino.org.br/anorexia-nervosa-um-transtorno-psicologico/ Acesso em: 4 abril. 2019.

SOARES, Gláucio. A mais letal das doenças  mentais.; São Paulo, IG, 2013. Disponível: https://saude.ig.com.br/minhasaude/2013-10-23/a-mais-letal-das-doencas-mentais.html Acesso em: 4 abril. 2019.

IG São Paulo. Anorexia é a doença que mais mata no mundo diz pesquisador., São Paulo, 2013. Disponível: https://saude.ig.com.br/minhasaude/2013-10-23/anorexia-e-a-doenca-mental-que-mais-mata-no-mundo-diz-pesquisador.html . Acesso em: 4 abril. 2019.

HIRATA, Giselle. Quais as diferenças entre anorexia e bulimia? Super Interessante, 2012. Disponível: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quais-sao-as-diferencas-entre-anorexia-e-bulimia/ . Acesso em: 4 abril. 2019.

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Gordofobia é tema de intervenção e chama a atenção para estigma

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Intervenção utiliza-se de uma série de dispositivos – como fotografias, roupas, frases, varais informativos – para alertar sobre a problemática em torno dos padrões de beleza vigentes

Como desdobramento do Caos 2019, uma intervenção cultural reverberou entre acadêmicos e profissionais de Psicologia, ao ponto de ser executada fora do espaço acadêmico. Trata-se de “A dor do não caber”, sobre a gordofobia enfrentada por mulheres que não se enquadram no padrão estético preconizado pela mídia e pela sociedade. A ação foi conduzida pela profa. de Psicologia Ruth Cabral e pela acadêmica do curso, Isaura Rossato.

Nas intervenções ocorridas na Ulbra e fora da instituição, utilizou-se uma série de dispositivos – como fotografias, roupas, frases, varais informativos – para alertar sobre a problemática em torno do estigma. Neste sentido, para Ruth Cabral, é necessário criar espaços de fala que garantam a realização de debates e de um cenário de acolhimento para as pessoas que se sentem impactadas negativamente pelo estigma da gordofobia.

Historicamente, por serem vítimas do processo de objetificação do corpo, as mulheres tendem a ser ainda mais afetadas pelos padrões de beleza que se proliferam em diferentes fases históricas.

Fonte: Isaura Rossatto

Gordofobia

De acordo com Flávia Carolina (Do Fala! Anhembi), Gordofobia é nada mais do que uma repulsa e intolerância contra pessoas gordas. É um termo recente, porém denomina diversas ações e situações desagradáveis àqueles que convivem com ela. A normalização da intolerância contra pessoas gordas é encorajada por órgãos de saúde pública e campanhas publicitárias – especialmente no verão, quando os corpos ficam sempre à mostra. Uma sociedade que prega um padrão estético inalcançável também colabora com a repressão de quem não consegue comprar uma roupa em uma loja de departamentos popular. (Com informações de https://falauniversidades.com.br)

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CAOS 2019: padrões estéticos no filme Dumplin’ são discutidos no Psicologia em Debate Especial

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Isaura falou sobre os aspectos que permeiam a trama, apresentando a protagonista do filme, mulher gorda, apelidada pela mãe como dumplin’ (fofinha).

No dia 23 de maio, ocorreu na sala 203 do CEULP o Psicologia em Debate Especial, com o tema geral “Cinema e Sexualidade”. Dentre os diversos temas discutidos, a acadêmica de Psicologia do CEULP, Isaura de Bortoli Rossatto, apresentou Dumplin’: padrões estéticos precisam ser desafiados por mulheres grandes. O Psicologia em Debate Especial fez parte da programação da quarta edição do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS).

Isaura falou sobre os aspectos que permeiam a trama, apresentando a protagonista do filme, mulher gorda, apelidada pela mãe como dumplin’ (fofinha), que está em luto pela morte da tia que a acolhia, suas inseguranças em relação ao próprio corpo e a competição anual Miss Bluebonnet, ocorrida na cidade do Texas.

Fonte: encurtador.com.br/CJW09

Isaura demonstrou em sua fala a necessidade de se desafiar os padrões estéticos, assim como a forma com que os eufemismos utilizados para se referir a pessoas gordas podem ter significado para quem os fala ou os escuta, afirmando que a palavra “gorda” não é ofensa.

Por fim, Isaura relatou um pouco sobre sua própria história e como passou a se aceitar, finalizando com a frase de Dolly Parton, presente no filme, “descubra quem você é e seja você de propósito”.

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Caos conta com intervenção cultural sobre exclusão e pressão social

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A intervenção conta com o apoio da Equipe do Portal (En)Cena e dos acadêmicos de Psicologia. 

A proposta do Caos, o Congresso Acadêmico dos Saberes em Psicologia, é reforçar a atuação humanista da Psicologia enquanto ciência e profissão. Neste sentido, durante o congresso, todas as ações visam elevar a condição humana em toda a sua excentricidade, sem amarras, sem julgamentos.

Neste contexto, ocorre nesta edição de 2019, nos dias 22 e 23, as 17h, no Refúgio Psi, Intervenção Cultural “A Dor do não Caber”, que irá explorar, através de experiências sensoriais, o sofrimento que mulheres gordas sentem por não caber em vários espaços da sociedade, bem como os impactos da gordofobia.

Fonte: Arquivo Pessoal

Os visitantes poderão experimentar, em partes, a sensação de exclusão e pressão social sofridas por estas mulheres. A organização da intervenção é da acadêmica de Psicologia Isaura Rossatto e da professora Me. Ruth Cabral. O evento conta com o apoio da Equipe do Portal (En)Cena e dos acadêmicos de Psicologia.

Confira a programação completa do CAOS 2019. 

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Preciosa: reflexões sobre o abuso sexual e a educação como instrumento de ressignificação do sofrimento

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Carregado de um conteúdo extremamente dramático e pesado emocionalmente, o filme trata explícita e implicitamente sobre diversos temas, como gordofobia, violência intrafamiliar e estupro

Lançado em fevereiro de 2010, sob a direção de Lee Daniels, o filme Precious, “Preciosa”, em português, aborda a vida de Claireece “Preciosa” Jones, uma jovem de 16 anos inserida num contexto familiar extremamente abusivo desde a sua infância. Violentada pelo próprio pai e abusada fisicamente e psicologicamente pela mãe, Preciosa cresce permeada por traumas e questões psicológicas oriundas das situações vivenciadas durante toda a sua vida, incluindo o nascimento de duas crianças, fruto de uma série de abusos sexuais.

Carregado de um conteúdo extremamente dramático e pesado emocionalmente, o filme trata explícita e implicitamente sobre diversos temas, como gordofobia, violência intrafamiliar e estupro, além de questões referentes à psiquê do sujeito, como problemas de autoestima e as consequências psicológicas e comportamentais de abusos de diversas naturezas. Durante o filme, somos convidados a mergulhar a fundo na história da personagem e em sua profundidade psicológica, e, em determinado ponto da trama, somos apresentados a uma nova dinâmica na vida da jovem a partir da educação, aspecto que será discutido ao longo dessa análise juntamente dos outros mencionados anteriormente.

Fonte: https://bit.ly/2DWoLHs

Resumo do Filme

Preciosa mora no bairro do Harlem, em Nova York com sua mãe e sua história se passa no ano de 1987. As primeiras cenas do filme mostram a jovem em seu ambiente escolar, onde não interage com os colegas nem com os professores, além de sofrer provocações por conta de seu peso e aparência. Após uma situação na sala de aula, ela recebe um chamado da diretora, que demonstra preocupação com a jovem por conta da gravidez, por não ser a sua primeira, algo preocupante devido principalmente a sua idade.

Preciosa acaba sendo retirada do ambiente escolar por decisão da diretora, que a visita posteriormente em casa apresentando a oportunidade de estudo em uma escola alternativa, chamada “Cada Um Ensina Um”. Nessa cena, conhecemos a dinâmica familiar problemática de Preciosa, que é humilhada pela mãe pelas coisas mais triviais possíveis. Flashbacks mostram as memórias da personagem do estupro sofrido por ela. É o primeiro contato que temos com o fato de que as duas gestações da jovem foram oriundas dos abusos de seu próprio pai.

A visita da diretora desperta na jovem, que já era interessada nos estudos, principalmente em matemática, a vontade de se matricular na escola, mas sua mãe, irritada com a visita, a ofende de diversas maneiras, até mesmo colocando em pauta o abuso sexual sofrido pela filha, culpando-a pelo acontecido e alegando que ela havia “roubado seu marido”.

A desaprovação da mãe não impede Preciosa de buscar a escola sugerida pela diretora. Ela visita o local e faz a prova para se inscrever. Em outra cena, pela manhã, Claireece não encontra nada na geladeira. A fome e a indiferença da mãe a levam a roubar uma lanchonete, fugindo logo após para a escola em que havia se matriculado. No local, Preciosa é chamada pela professora para a sala e inicialmente relutante em participar da aula, a jovem acaba cedendo e conhece suas colegas, todas mulheres com histórias de vida diferentes. Chegando em casa, a jovem segue sendo humilhada pela mãe, que recusa a comida preparada por ela e obriga a própria filha a comer. Somos apresentados ao fato de que o peso de Claireece pode ter, inclusive, influência dos abusos da mãe.

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Não bastando o contexto familiar desorganizado e problemático, a mãe de Preciosa, conforme mostrado em flashbacks, ensaia uma vida perfeita para receber a visita da assistência social, de modo a não perder o auxílio financeiro. O teatro organizado por ela é desmontado pela jovem, que, a pedido da mãe, vai à assistência social, mas é clara com a assistente quanto aos problemas em sua casa. Descobrimos também que a filha de Claireece nem mesmo mora em sua casa, sendo criada pela avó, que age passivamente frente aos comportamentos da filha, ou seja, mãe de Preciosa.

Várias cenas são exibidas ao longo do filme retratando a jovem imersa em introspecções e sonhos onde ela se vê feliz com o próprio corpo e aparência. Em uma delas, a imagem que ela vê refletida no espelho é completamente diferente da sua, mostrando uma mulher totalmente encaixada nos padrões de beleza. Entretanto, a baixa autoestima, o histórico de abusos e agressões e a dinâmica familiar desestruturada tornam-se cargas mais leves à medida que a jovem passa a frequentar mais as aulas em sua nova escola.

A empatia da professora com Claireece abre portas para a aprendizagem, e a jovem começa não só a ler melhor como também a produzir textos. No auge de sua gravidez, ela entra em trabalho de parto durante uma aula e é levada ao hospital. A assistência de sua professora e de suas colegas durante todo o processo mostra a força dos laços construídos durante as aulas. Apaixonada por sua criança, mas ainda sem uma estrutura familiar adequada para criá-la, Preciosa se vê em mais um impasse em sua vida. Ela retorna, um tempo depois, a sua casa, levando consigo seu filho recém nascido. A reação de sua mãe é extrema, mais do que nunca. Ela chega ao ponto de jogar a criança no chão e agredir fisicamente a jovem, que foge com o filho nas mãos. Num último ato de loucura, a mulher joga uma televisão nos dois, que conseguem escapar do ataque. Então Blu Rain, sua professora, num dos gestos mais humanos exibidos durante o filme, entra em contato com vários números e encontra um lar, ao menos provisório, para a jovem, na casa de um casal de mulheres, que a acolhem junto da criança.

A dedicação de Preciosa na escola, cada vez mais, começa a lhe trazer frutos. Ela chega a ser premiada por sua história e evolução por meio da educação. Entretanto, pendências de seu passado continuam a permear seu presente, com o agravante de uma notícia certamente perturbadora: a de que o pai da jovem, seu estuprador, havia falecido com o vírus da AIDS. Um exame acaba por revelar que Claireece também é portadora do vírus. Ao desabafar sobre isso em sala de aula, sua professora oferece a ela seu apoio e a jovem rebate dizendo que o amor em sua vida só lhe trouxe coisas ruins. A professora então, em uma das cenas mais belas e simbólicas do filme, desconstrói o conceito de amor trazido por Preciosa, difereciando o sentimento dos abusos sofridos por ela durante toda a sua vida.

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Nas cenas finais, numa das últimas visitas à assistência social, Claireece recebe a visita de sua mãe, que confessa na frente da filha e da assistente que era ciente dos abusos sexuais que ocorriam sob o seu teto, além de dizer que esses abusos já aconteciam quando Preciosa ainda era uma criança de três anos. Seu discurso, totalmente carregado de mágoa e rancor, culpabiliza a jovem pelos abusos, como se Claireece fosse a responsável pela separação dos pais. A chocante cena encontra seu desfecho quando a jovem decide fechar a porta do seu passado, levando consigo suas duas crianças e uma série de vivências e sofrimentos resignificados.

Análise

Apesar de se passar nos Estados Unidos, a história de Claireece, uma jovem negra e pobre, representa uma parte da população brasileira ainda à mercê de situações de abusos sexual, da mesma faixa etária da personagem. O contexto familiar de Preciosa não é uma realidade distante: pode estar mais perto do que imaginamos. Uma pesquisa realizada por Dos Santos (2014) apontou que o perfil de crianças que sofrem abusos sexuais é predominantemente feminino. Dados da pesquisa também expressam que, na maioria das vezes, a violência é intrafamiliar e tendo o pai da vítima como o agressor, o que vai de encontro com a história. Considerando o contexto histórico do filme, pouco se falava sobre educação sexual nas escolas. Atualmente, muito se discute em relação a isso, principalmente no uso como ferramenta de trabalho na escola, visto que, no âmbito escolar, há a possibilidade do assunto ser abordado de maneira profissional e lúdica.

Conforme Spaziani e Maia (2015), o processo de educação sexual parte do pressuposto que a criança é um sujeito de direitos, principalmente no que tange à informação. Educar crianças e adolescentes nesse viés seria prevenir doenças, possíveis gravidezes precoces e abusos sexuais. A importância desse processo nas escolas é indiscutível. Trazendo para o contexto do filme, se o momento histórico e o ambiente escolar de Preciosa fossem propícios para a instauração de um debate acerca da educação sexual, sua situação de vulnerabilidade poderia ser investigada e repassada o quanto antes aos dispositivos de assistência social e psicológica. Esse tipo de discussão também é necessária no âmbito familiar, mas não deve ser de exclusividade deste, visto que, infelizmente, ainda em muitas famílias, a desinformação sobre o assunto é enorme, além dos inúmeros casos de abusos dentro do próprio contexto familiar, como no de Claireece.

Entendendo o ser humano como um organismo moldado por suas interações, é fácil compreender que abusos sexuais trazem inúmeras consequências para o desenvolvimento, principalmente em crianças. Tais consequências abrangem aspectos físicos, sociais, psicológicos e sexuais, e podem variar de intensidade de acordo com determinados fatores (FLORENTINO, 2015). O vínculo entre a vítima e o abusador, por exemplo, pode ser um agravante dessas consequências. Outro fator é a diferença de idade entre vítima e agressor. Deve-se considerar outros aspectos, como se houve uso de violência física além da violação sexual durante os abusos. De toda forma, as consequências são inevitáveis – apenas mudam de vítima para vítima e de caso para caso.

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No filme, Preciosa é abusada pelo próprio pai. De acordo com Florentino (2015), as consequências psicológicas do abuso intrafamiliar também são diversas e até mais duradouras, isso porque há uma alteração das imagens parentais. Não só a imagem do pai é modificada como também a da mãe. No caso de Claireece, sua relação com a mãe tornou-se ainda mais confusa e problemática, visto que ela era conivente e omissa com a violência e ainda assumia uma postura de culpabilizar a jovem. Para a criança ou adolescente vítima de abuso sexual intrafamiliar, o núcleo familiar deixa de ter uma conotação de segurança e afeto para ser um espaço de relações conflituosas, dor e sentimentos confusos, o que acarreta sérias consequências no desenvolvimento psicológico e social. Entre os prejuízos observados em crianças e jovens vítimas de abuso sexual, como a própria Claireece, está o retraimento social e a dificuldade em estabelecer vínculos e em confiar nas pessoas. (FLORENTINO, 2015). Isso é observado na personagem ao longo do filme, que não possuía relações sociais saudáveis e não se sentia confortável em compartilhar seus pensamentos e sua individualidade com as demais pessoas, como exemplificado na cena em que ela deveria se apresentar para as colegas de sua nova escola.

Gottardi (2016) também ressalta algumas consequências no âmbito psicológico. Entre elas, a baixa autoestima, característica também percebida na personagem. A relação da jovem com sua imagem corporal é de desprezo e insatisfação, não só como consequência dos abusos sexuais como também resultado das situações de violência psicológica sofridas por ela durante sua história de vida. Sua mãe, assim como várias pessoas ao seu redor, contribuíram para o desgaste emocional de Claireece, ao ponto de que a adolescente chegou a ver sua imagem alterada no espelho, em uma distorção que a encaixava nos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade.

No filme, a jovem Claireece, inserida num novo contexto escolar, desenvolveu novas habilidades, percepções e ressignificou várias vivências. Conforme Gonçalves (2014), o papel da escola no que se refere à educação de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual é imprescindível. O ambiente escolar é tido como uma extensão da família, e, quando a criança está inserida em um ambiente familiar problemático, é na escola que ela deve ter uma referência de apoio e afeto, muito além da relação professor-aluno de ensinar e aprender. A postura do profissional de educação nesse contexto é essencial para que os impactos dos abusos sejam minimizados, visto que as consequências dessa violência se estendem no contexto escolar, às vezes representadas por dificuldades de aprendizagem e concentração, outras vezes por problemas de socialização e conduta (GONÇALVES, 2014). A professora de Preciosa, Blu Rain, comprometeu-se com a jovem não só em prol de sua educação, mas pensando em trabalhar suas habilidades pessoais de modo a reduzir os danos do abuso. É visível o desenvolvimento da personagem durante o filme, que consegue formar vínculos e ressignificar várias situações de sua vida, inclusive seguir com a criação de seus dois filhos, frutos do abuso, e conviver com o HIV, numa época em que pouco se sabia sobre a doença.

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Muito além de apenas um veículo de entretenimento, o cinema pode ser uma ferramenta despertadora de insights e reflexões. Esse caso se aplica a Preciosa – Uma História de Esperança, um filme carregado de lições e discussões sobre violência, educação e família. Trazendo para o contexto brasileiro, muito se precisa discutir ainda sobre esses temas, de modo que a vida de jovens e crianças vítimas de abuso não seja eternamente definida e marcada pela violência, mas pela esperança de um futuro transformado pela educação.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

PRECIOSA – UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA

Título Original: Precious
Direção:
Lee Daniels
Elenco:
Gabourey Sidibe, Mariah Carey, Mo’nique, Paula Patton;
País:
EUA
Ano:
2010
Gênero:
Drama

REFERÊNCIAS:

DOS SANTOS, Creusa Teles. Abuso sexual com criança: uma demanda para o serviço social. 2014. 201f. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2014.

FLORENTINO, Bruno Ricardo Bérgamo. As possíveis consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes. Revista de Psicologia. v. 27, n. 2, p. 139-144, maio-ago. 2015. São João Del-Rei, Minas Gerais, Brasil.

GONÇALVES, Cássia de Oliveira. Implicações do abuso sexual no processo educacional: um olhar para a criança. 2014. 92f. Monografia – Universidade de Brasília, Brasília, Brasil, 2014.

GOTTARDI, Thaíse. Violência sexual infanto-juvenil: causas e consequências. 2016. 71f. Monografia – Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, Rio Grande do Sul, Brasil, 2016.

SPAZIANI, Raquel Baptista; MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi. Educação para a sexualidade e prevenção da violência sexual na infância: concepções de professores. Rev. Psicopedagogia, Bauru – SP. pg 61-71, 2015.

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