Bolsoplanismo e o retorno do recalcado

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O que o Bolsoplanismo fez a gente entender é que o discurso que o sustenta já estava aí. Bolsonaro apenas abriu a tampa do bueiro e fez algumas pessoas terem coragem para dizer ou fazer o que estava submerso, velado.

Então não é melhor agora que as pessoas possam dizer o que realmente pensam para que nossa chaga machista, homofóbica, escravagista, violenta, misógina e fundamentalista seja tratada? – vocês poderiam perguntar. A princípio sim – eu diria. Sim, porque poderemos, desse modo, trabalhar nossos conflitos e contradições. E a democracia sempre ganha, quando o diálogo e o debate estão na ordem do dia.

Não é de hoje que teço críticas ao que se fez com o “lugar de fala” e a “linguagem politicamente correta”. Se tornaram instrumentos autoritários, práticas que interditam a fala antes que ela aconteça, e isso só produz recalcamento. O sujeito pára de falar apenas porque foi censurado, mas continua funcionando do mesmo modo e agora, sem um lugar onde possa tratar disso. E não é necessário ser psicanalista para entender o que acontece com o que foi recalcado sem ser simbolizado – com a linguagem, com a cultura, com a arte, com a política – ele retorna, e retorna como sintoma ou como passagem ao ato.

Fonte: encurtador.com.br/aswCM

O Bolsoplanismo é o nosso “retorno no recalcado”, e se não soubermos tratar disso pela via simbólica, vai nos restar passar ao ato, eternamente

Mas eu tenho uma reserva ao meu sim, sobre essa oportunidade que estamos tendo de escancarar nosso Bolsoplanismo. É que muitas das pessoas que aderiram a tal discurso, aderiram a ele movidas por adesão a uma crença. E o problema da crença é que ela não está aberta ao diálogo. Quanto mais você questiona um crente, mais ele vai precisar reforçar sua crença. A crença não é dialógica, a crença não pode duvidar, por isso, quando ela se liga a política, faz um estrago enorme. O discurso político é o reverso do discurso da crença – são excludentes. Não por acaso Bolsonaro precisa do “Deus acima de todos” para se autorizar.

Por isso, haverá sim, eu penso, um limite para o diálogo com parte da população que aderiu ao Bolsoplanismo pelo mecanismo da crença, do cinismo ou da perversão. Para esses, assim como para o próprio Bolsonaro e sua prole, só funcionará a lei interditora que determina o limite do que é tolerável. Para esses, não haverá negociação, será necessário uma interdição vinda de de fora (pela via das leis, das instituições e dos mecanismos democráticos), a fim de impedir que exibam perversamente a morte, a estupidez, homofobia, racismo, violência,  misoginia e tudo isso que nosso processo civilizatório vem tentando tratar.

Resumindo, uma parte das nossas mazelas poderá ser tratada por meio do simbólico – debate, política, ciência, educação, arte, diálogo – todas as armas serão necessárias. Mas outra parte, infelizmente, dependerá do fim do governo Bolsonaro para voltar para o esgoto, de onde nunca deveria ter saído.

Precisamos dar um fim a esse governo. Não é possível sustentar um governo que goza com nossa humilhação, morte e miséria.

Fonte: encurtador.com.br/uvA08
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Para Rita Almeida, não é possível separar a Psicologia da dimensão política

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No último dia 20 de abril, às 17h, o prof. do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, Sonielson Luciano Sousa, bateu um papo com a psicóloga mineira e doutora em Educação, Rita Almeida, com o tema “Psicologia no Contexto das Políticas Públicas em tempos de Pandemia”. A ação ocorreu dentro do projeto extensionista PsicoLive, na plataforma digital Instagram.

Rita Almeida também é psicanalista e conselheira do CRP-4 MG, e tem uma forte presença nas redes sociais, a partir de produção de textos e comentários sobre os diversos cenários em que a Psicologia dialoga, com especial atenção para a política. A live contou com aproximadamente 100 expectadores. A seguir, confiram a íntegra do bate-papo/entrevista.

(En)Cena: Qual o papel da Psicologia dentro das políticas públicas de saúde coletiva? E especificadamente em relação a pandemia, o que podemos fazer enquanto profissionais?

Rita Almeida: Bom, toda ciência, especialmente as ciências humanas, faz uma escolha política. O que quero dizer com ‘escolha política?’. É no sentido de quem ela vai servir? Quem vai acolher? Que olhar ele vai ter? O fato de ser uma ciência, não escolhe isto de antemão, é definido a partir da diretriz, da qual eu penso nesta ciência. A psicologia nasce com um olhar adaptativo, no sentido que nasce junto com o capitalismo no Brasil, com as indústrias, tendo uma função de selecionar as pessoas para o trabalho, em termo de adaptar o sujeito a uma sociedade capitalista, que é um tipo de vertente política, sendo uma ciência que vai atender um determinado tipo de poder. O que a psicologia faz nesse percurso? Ela vai mudando a sua orientação e escolha política, na perspectiva do conselho, pois existem ciências na psicologia que ainda servem determinado tipo de visão dos “poderosos”.

(En)Cena: Alinhada ao Liberalismo, né?

Rita Almeida: É alinhada ao liberalismo, a um tipo de autoritarismo. Já o conselho (sistema conselhos em Psicologia) vem direcionando no sentido de atender aquela população que está de certa forma submetida a esse tipo de poder, uma psicologia que tem pretensão transformadora, cujo nosso jargão é: Psicologia e Compromisso Social, compromisso com a sociedade, com a coletividade. A psicologia fez um redirecionamento, que eu considero que seja muito importante, e foi daí que caímos, obviamente, nas políticas públicas — para que se tenha uma noção, o maior empregador de psicólogos são as políticas do SUS e do SUAS — a psicologia está profundamente enlaçada as políticas públicas.

Hoje você não pensa Política de Saúde Mental brasileira sem psicólogos, tendo um papel potente, protagonista na reforma psiquiátrica brasileira, na criação dos CAPS, que são os dispositivos que substituem o modelo manicomial. Não conseguimos pensar as políticas tanto do SUS quanto do SUAS, sem escutar sobre a psicologia, nos tornamos atores muito importantes. E hoje, com essa situação da pandemia, os psicólogos continuam atuando, pois são considerados de prioridade neste momento, pois as questões de saúde mental permanecem, e podem até se agonizar, claro que com mecanismos diferentes, para garantia da questão do cuidado.

(En)Cena: Inclusive esses dias vi uma nota do Conselho Federal de Psicologia, que foi também replicado pelos conselhos regionais, sobre os cuidados que os profissionais deveriam ter com aqueles grupos que são considerados mais vulneráveis, as mulheres, as crianças, os negros, e eu imagino que o sistema conselhos tenha um olhar especial para esses públicos, que historicamente são marginalizados, que em uma situação como essas, a situação se agrava.

Rita Almeida: É. E é exatamente esse olhar, esse viés político que te falei, nosso olhar é para quem? É para a população que naturalmente sofre mais, com as questões da sociedade, por isso tem sua saúde mental mais fragilizada, ou então faremos uma psicologia ao qual as pessoas vão simplesmente se adaptar a um tipo e modo de funcionamento. Então é exatamente esse o cuidado que a psicologia tem que atender, a população mais frágil, tanto nos termos de sofrimento, como você disse: O racismo, o machismo, a homofobia, são questões que adoecem as pessoas, e as questões econômicas de vulnerabilidade… A psicologia entra de modo que não é só cuidar do tratamento, é inclusive, promover uma sociedade que seja menos racista, menos machista, menos homofóbica. Pois se a gente entender que não basta só tratar, mas precisamos cuidar também para que a sociedade seja menos adoecedora; que é o compromisso social que a psicologia tem quando se coloca nessa perspectiva.

(En)Cena: Perfeito. Rita, eu queria que você falasse um pouquinho da perspectiva do Código de Ética do profissional de psicologia. Porque é algo prescrito, não é uma invenção sua, isso é fruto de um amplo processo de debate em rede nacional, ouvindo todos os psicólogos e todas as vertentes.

Rita Almeida: Isso, todo nosso código de ética, normativas, nossas diretrizes são construídas com categorias, temos eventos, atividades políticas, técnicas, estudos, temos o CREPOP, que é o Centro de Pesquisa de Políticas Públicas, por exemplo. Então assim… tudo isso foi uma construção, como você falou, um processo histórico que faz a nossa ciência ter uma diretriz, uma direção, uma forma de olhar para as coisas, tem sua perspectiva ética, e todas elas construídas junto com a categoria.

(En)Cena: Nesse sentido gostaria de reforçar o que você falou, no início. Às vezes eu escuto alunos, colegas que criticam posicionamentos políticos dos psicólogos, como se fosse a visão do “jornalismo imparcial”, como se de fato existisse imparcialidade. Em comunicação, nós estudamos isso: O mito da imparcialidade. É impossível haver uma imparcialidade completa. Eu vejo que de um modo geral a psicologia é baseada no humanismo filosófico, e nos direitos humanos. Ao que parece, é muito claro isso, a psicologia defende os princípios democráticos, para que ela possa inclusive existir enquanto profissão. Sempre que a democracia está em risco, a psicologia é uma dessas profissões que se levantam em defesa da democracia; isso parece que é particularmente importante hoje, já que estamos em um cenário político de extrema direita. Como você avalia atualmente a situação do Brasil?

Rita Almeida: Então, isso que você falou é muito importante, a gente escuta muito sim… as pessoas confundem muito posicionamento político com partido político, e não é isso. Nós temos uma direção que é nosso eixo, nossa coluna vertebral são os direitos humanos, pois se eu não tenho uma perspectiva em que o humano é colocado como agente de direitos, e que essa garantia de direitos é garantia de saúde mental, que psicologia que eu posso fazer? É contraditório! Então assim, é meio óbvio termos que discutir um tipo de coisa dessas. Se eu parto do pressuposto de que eu posso torturar alguém, para que a pessoa seja do jeito que eu gostaria, que psicologia é essa que eu defendo? Não é possível existir uma psicologia sem direitos humanos e democracia, ela não existe! Existem outras coisas, dogmatismo, imposição de crença, lavagem cerebral, tortura, mas isso não é psicologia. Por que a psicologia é fundamental na transformação do manicômio, por exemplo? O que a psicologia tem a oferecer em um lugar que a pessoa está trancada, sendo violada diariamente em seus direitos, tanto de cidadania, e direitos humanos, sofrendo violência, abandono, fome, mortes, que psicologia é essa que permite esse tipo de diretriz? Então isso não é psicologia, é qualquer outra coisa, isso é conivência. Então um psicólogo que está dentro de um serviço institucional, onde ele assiste violação de direitos, paciente passando frio, fome, se ele não atua politicamente nesta perspectiva, que psicologia ele vai fazer? Então qualquer proposta de política que ataque os direitos humanos e a democracia, ela não pode ser sustentada! Independente de qual partido. Nós temos um conflito de perspectiva de extrema direita, economicamente se diz liberal, mas não é bem isso que a gente vê, mas, um governo que declaradamente é contra direitos humanos, isso não é velado, é dito com todas as letras.

(En)Cena: É uma posição institucionalizada?

Rita Almeida: Isso, é falado pelo presidente, ele não finge que fala, ele fala mesmo! Na época da campanha dele, disse que o psicólogo na época dele era um porrete, esse eram os direitos humanos dele, um porrete. Então é uma pessoa que defende a tortura, não só pessoalmente, temos um governo nessa perspectiva. Então a psicologia que pretende ser minimamente responsável por si mesmo, pela sua própria sobrevivência, não pode apoiar esse tipo de pessoa.

Tivemos recentemente a posição do ministro da Saúde, que foi Mandetta, que saiu agora, apesar de compor esse mesmo governo, ele dentro do SUS, tem uma defesa impecável do SUS, ele mesmo não tinha esse histórico, sendo a favor da saúde privada, tendo um histórico que não combina com o SUS, mas que diante da pandemia, e tendo o SUS como seu aliado, ele foi impecável, usando diretrizes da ciência, da OMS, se submeteu as diretrizes, entendeu sua grandeza e defendeu o que deveria, tanto que foi demitido pelo mesmo governo. O conselho, apesar de ser contra a linha do Bolsonaro, foi totalmente favorável as diretrizes do Ministério da Saúde, não por causa do partido, mas que dentro desta perspectiva ele estava tomando uma decisão que condizia. A gente até brincava (risos), não somos nós que estamos concordando com ele, é ele que está concordando conosco. Trazendo uma visão que não era de perspectiva individual. Numa noção exata do que seria a ideia de saúde coletiva, tendo a visão de que não adianta eu estar saudável, se a outra pessoa não está, precisamos cuidar disso coletivamente, cuidando do outro.

Quando eu uso máscara eu não estou protegendo a mim, estou protegendo a outra pessoa, então é um modo de pensar em saúde muito interessante e, muito novo, e que condiz com o que a psicologia sempre disse: O modo como eu falo e lido com o outro interfere na saúde mental dele, então se eu for machista, se eu for racista, se eu sou preconceituosa, rígida com meus princípios eu vou estar ferindo o outro, sendo irresponsável com minha relação, violento. Nós da psicologia já sabíamos como a minha presença, a forma como falo e ajo interferem no outro, e agora o coronavírus vem ensinar isso para todo mundo, a psicologia tem muito a oferecer, a gente sabe que é assim.

(En)Cena: É, isso faz parte do cotidiano profissional de psicologia, não é, Rita? E você falando isso, me lembra muito a Resolução 1/2018 emitida pelo CRP, que preconiza um posicionamento efetivo das psicólogas e psicólogos, sobre uma situação de preconceito, violência, discriminação, ou seja, não basta só concordar com tais princípios. Nós somos convidados a nos colocarmos diante da sociedade defendendo esses princípios, e não permanecendo na minha casa, no meu consultório… tenho de ter uma atitude ativa, no sentido de fazer com que essas informações cheguem ao máximo de pessoas que eu conseguir atingir.

Rita Almeida: Fazer política nesse sentido é isso. É você fazer da sua prática uma ação em um determinado sentido, pensando em quem você quer ajudar, para promover a saúde mental

(En)Cena: Um acadêmico, o Bruno, está perguntando “por que o governo é considerado de extrema direita e não apenas de direita”?

Rita Almeida: Bom, vou tentar ser breve. Um governo de direita é um governo mais da perspectiva liberal, entender que o estado teria que ter se reduzido, para que o mercado pudesse se autorregular, que cabe em uma corrente política de direita. Não é bem o caso do Brasil.

(En)Cena: Que comporta diversidade? Um liberalismo puro comporta esse pensamento aberto…

Rita Almeida: Inclusive ele é mais radical ainda, em termos de “liberdades individuais”, entendendo que cada um pode ser o que quiser. Inclusive o liberalismo é extremamente permissivo com a questão das liberdades sexuais, uso de drogas, então assim… são liberais mesmo. O indivíduo é responsável pelas escolhas que quer ter, o estado não se mete nas questões, não se importa com questões de aborto, se quer ser usuário de droga, se quer ter uma orientação sexual, se quer ou não se casar. No liberalismo mesmo, o estado não se mete na vida do indivíduo nem para cuidados das vulnerabilidades. É aí que entra a necessidade do cuidado, as necessidades específicas, especialmente em países onde existe uma injustiça social muito grande, como é o caso do Brasil, então é preciso sim que o estado intervenha para que minimize essa distância entre os mais vulneráveis e os poderosos. E o que a gente vê no governo Bolsonaro não é esse liberalismo, é uma perspectiva de extrema direita, são os chamados governos de orientação fascista.

Falando na minha opinião, que tenho estudado isso, de como seria a perspectiva de um governo fascista, é onde a grande questão de gestão de governo tem a ação de redução do estado, de privatização, sucateamento das políticas públicas, privatizando-as, mas não com a ideia de libertar o sujeito das amarras do estado, mas no sentido de fazer com que a população se vulnerabilize cada vez mais. Ao qual só consegue governar plantando caos o tempo todo, afetando as pessoas emocionalmente, o governo gerencia esses afetos, o poder deles é centrado nos afetos ruins, sendo eles mesmos os maiores produtores.

(En)Cena: Rita, o fascismo nesse sentido é uma política de constante enfrentamento e de constante construção de inimigos, se movendo a partir disso. Ele não quer costurar uma rede consensual, sim?

Rita Almeida: Não, inclusive ao contrário, tentam o tempo todo provocar a divisão. São dois afetos em que precisam estar fomentando constantemente: O medo e o ódio. O tempo todo a sociedade está com medo, ele se oferece como ajuda, como aquele que vai cuidar, mas que na verdade não cuida pois precisa continuar provocando esses afetos ruins, com promessas nunca cumpridas. Se você pensar isso, em uma perspectiva de uma sociedade democrática, que imaginávamos até o momento, com suas instituições funcionando, os três poderes, o Senado, a Câmara dos Deputados, qual seria o papel de um presidente? É fazer uma liderança política. As instituições existem, as leis, a Constituição, já estão em andamento, como falei o SUS, SUAS, assim como todo o sistema judiciário, o que se espera de um presidente? É que minimamente, se não esperamos nada, que não fizesse nada! Que mude nada, deixasse como está, e não piorar. Numa situação dessas se espera que ele transmita uma segurança para a população, para acalmar, mas o que vemos, é o tempo todo ele só se apresenta para divisão, ódio, inimizades, com essa posição paranoica, de que tem alguém o seguindo. Na verdade, ele foi eleito com essa perseguição, aos chamados “comunistas”, que até agora nós não entendemos quem são. É nessa perspectiva que se faz o governo de extrema direita.

(En)Cena: Do ponto de vista global, parece que na Inglaterra há o exemplo de um governo que elege a direita, não a extrema direita, com um sistema público de Saúde que é exaltado pelo próprio primeiro ministro, mas ao mesmo tempo, no campo econômico tem políticas liberais, e também é liberal nos costumes. O que pontua bem a extrema direita brasileira é um excesso de conservadorismo moral.

Rita Almeida: Depois do coronavírus, nenhum governo no mundo sustentou o liberalismo, nenhum… todos eles recuaram, até os Estados Unidos, inventando até uma renda mínima, que é uma proposta, por não terem o que se tem na Inglaterra, na França. Todos os países deram um passo atrás, que nesse momento de vulnerabilidade o estado tem sim que participar da vida pública, pois não há liberdade se não tiver vida.

(En)Cena: É uma falsa dicotomia, preservação da vida, preservação da economia… A acadêmica Monique perguntou aqui: “Na sua opinião, de que modo a psicologia pode se posicionar diante do contexto pandêmico? Nas práxis mesmo”.

Rita Almeida: A gente não pode generalizar, vai depender do que cada serviço vai obedecer ao município em que ele trabalha. Então por exemplo se um psicólogo está no CAPS, que é um serviço para pessoas com transtorno mental grave, nesse contexto de pandemia, no meu município, as atividades ao público geral estão suspensas, então tem atendido de emergência. Nesse contexto o psicólogo, por exemplo, não estará com a agenda aberta, nesse momento o mais importante é evitar a exposição das pessoas, mas pode sim, manter contato com o paciente, usar as ferramentas virtuais, criar formas para que de algum modo esteja olhando, observando este paciente. Que é algo que a gente já fazia, não é algo novo. Um telefone, uma vídeo chamada com o paciente era algo que se usava em determinadas situações. Nós não trabalhamos com a pessoa com coronavírus, a não ser em um contexto hospitalar. Mas o trabalhador da saúde pública no geral não está ligado ao trabalho com a pessoa com o corona, mas pode ter um trabalho preventivo de orientação, de monitoramento com suas famílias.

(En)Cena: Uma atuação que se respalda no apoio… sem estar na linha de frente como o médico, mas que dá suporte. O Beto fez um comentário, disse: “O estado neoliberal é preconceituoso, homofóbico, classicista, misógino”… E o Iuri perguntou: “Qual sua opinião em relação a contribuição que a psicanálise da para a construção de novos arranjos a partir da pandemia?”

Rita Almeida: Eu acho que é uma pergunta que estamos nos fazendo: “que novos laços iremos criar a partir da pandemia? Que novas subjetividades?”. As vezes existe uma visão otimista, de que iremos mudar nossa forma de olhar, e pensar nas questões solidárias, na medida que o coronavírus nos coloca confrontados com a questão da coletividade, ao qual o cuidado de si é o cuidado do outro também. Alguns acreditam que a partir daí as pessoas pensem diferente. E existe outra perspectiva que diz que não, que é nessas situações que o homem mostra o quão ruim é, mostrando que não somos solidários.  Acredito que venha um pouco de casa coisa, que vem da subjetividade de cada um. Acredito que as pessoas que já tinham um olhar, um direcionamento político mais solidário, de entendimento, foram mais ainda em direção a isso, e as pessoas que não tinham isso como perspectiva, que tinha a coisa da competitividade, mergulharam ainda mais nesse mecanismo.

 Em uma situação de ameaça, temos dois mecanismos de defesa: Uma é o medo, a fobia, que a pessoa entra em um padrão excessivo, e uma outra que é a negação, que crê que nada está acontecendo, é uma invenção. Duas posições extremas, sendo que nenhuma é interessante, em uma o sujeito se encontra paralisado, na outra coloca a si e os outros em risco, que é o que está havendo. Algumas pessoas, diante disso, se encontram impossibilitadas de entender que a anterior forma de lidar com o mundo, não funciona com o coronavírus. Não adianta colocar o dinheiro em primeiro lugar.

(En)Cena: Bem Rita, temos outras questões, mas estamos chegando ao final, estamos próximos de uma hora. Vou fazer uma rápida consideração. Antes, gostaria de comentar o que a Elizete, uma estudante da Ulbra que está passando uma temporada na Itália, país que esteve no centro da pandemia… ela falou se existe o psicólogo de urgência do Samu. Se eu não me engano o psicólogo não está inserido no serviço de urgência.

Rita Almeida: Não, pelo menos aqui no Brasil não.

(En)Cena: Mas seria uma boa em alguns contextos, não é Elizete? Enfim, Rita, gostaria de te agradecer imensamente por ter tirado parte do seu tempo. Você já participa do (En)Cena, a revista eletrônica do curso de psicologia, com vários textos seus publicados lá. Gostaria de te agradecer.

Rita Almeida: Eu que agradeço a oportunidade.

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Por que Bolsonaro precisou demitir Mandetta?

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A notícia bomba da semana foi a demissão do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Ao que parece, Bolsonaro não dispensou o Ministro por erros de condução na política, e nem por impopularidade. Apesar de um histórico político nada afinado com a saúde pública, Mandetta, orientado pela Organização Mundial de Saúde e pela ciência especializada, soube ler o tamanho dos riscos da pandemia de Coronavírus e fazer bom uso da maior arma que tinha para combatê-la: o SUS. Desse modo soube liderar com serenidade e responsabilidade as ações do Ministério, inclusive aquelas que desagradavam o próprio presidente e a política econômica de Paulo Guedes. Além disso, Mandetta conseguiu um feito inédito no governo Bolsonaro, saiu da cadeira acumulando um índice de aprovação de 76%.

Resumindo, Mandetta foi demitido por conseguir fazer o que Bolsonaro jamais conseguiu fazer como líder maior da Nação: fazer bom uso das instituições, manter um discurso coerente e responsável, liderar politicamente e alcançar uma popularidade que garantisse a representatividade democrática.

Só que Bolsonaro não teve o sucesso de Mandetta apenas por falta de habilidade, competência e cognição. Bolsonaro jamais será capaz de fazer algo assim porque este não é, nem nunca foi seu estilo de liderança. O Bolsonarismo governa por um outro método: o método fascista.

Fonte: encurtador.com.br/frNPR

Existe uma confusão que não deveríamos fazer entre Estado Fascista e Estado Autoritário ou Totalitário. A característica mais importante do Fascismo não é o autoritarismo, mas a colonização e a gestão permanente da iminência de uma revolução. O interesse do Fascismo não é pelo controle racional da população por meio da força política ou de gestão do Estado, como fazem os Estados Autoritários, o que o Fascismo pretende controlar são nossos afetos.

Sendo assim, para manter os afetos das massas sob seu controle, o Estado Fascista precisa ser o maior produtor desses mesmos afetos, especialmente medo e ódio – nossos afetos mais primitivos. Para evitar o medo e se proteger do ódio, as massas aceitam qualquer tipo de liderança. O líder fascista promete cuidar das massas mas, de fato, o que ele oferece é ainda mais medo e ódio. Portanto, sua aposta é sempre no caos. Só assim ele se mantém permanentemente necessário, ofertando uma promessa jamais cumprida de proteção e cuidado. O Estado Fascista precisa se manter em movimento perpétuo de guerra.

Por isso, o fascismo combina muito bem com as propostas das economias liberais: desmontar políticas públicas, destruir os sistemas de proteção social, enfraquecer conselhos e outras redes de controle social. A promessa é reduzir o “peso” do Estado na vida do cidadão e dar a ele maior “liberdade”, mas, na verdade, o objetivo é apenas vulnerabilizar as pessoas e fragilizar os laços sociais, ou seja, manter o medo e o ódio na ordem do dia.

Fonte: encurtador.com.br/frNPR

Mandetta precisou ser demitido, porque interviu fazendo laço e acalmando os ódios.

Mandetta precisou ser demitido, porque reduziu a circulação do medo.

Mandetta precisou ser demitido, porque chamou a atenção pela racionalidade do seu discurso e não por suas sandices.

Mandetta precisou ser demitido, porque ameaçava ordenar o caos.

E assim, Mandetta demonstrou à sociedade brasileira, na prática, que a despeito de toda a polarização política, de todo o ódio que foi plantado, ou de todas as mentiras e delírios que circularam nos últimos anos, 76% da população brasileira deseja apostar nas suas instituições, na ciência, na verdade e no debate político racional. Eu não nutro nenhuma simpatia pelo Mandetta – não me esqueci que ele foi um dos responsáveis pela queda do governo Dilma e que alimentou esse monstro que está nos devorando hoje – mas é preciso admitir que ele soube fazer o que um líder democrata deve fazer: se servir das instituições e da racionalidade científica e política, para catalisar o desejo da população em prol da vida da coletividade.

A gestão de Mandetta anunciou o seguinte: a maioria da população brasileira não deseja e nem merece um governo fascista. A maioria de nós não está disposto a morrer em nome da ignorância ou da estupidez de alguns. A maioria de nós acredita na ciência e nas instituições que criamos para cuidar da coletividade. A maioria de nós sabe sim superar a dicotomia petralhas x bolsominions, quando vemos alguém sustentar um discurso coerente e responsável. A maioria de nós sabe que Bolsonaro não está investido de nenhum poder divino que possa resolver o problema que estamos enfrentando.

Eu não sei como fazer isso, mas é hora de, no nosso dia a dia, identificar os que fazem parte desses 24% da população e ignorá-los solenemente. Ignorá-los presencialmente e virtualmente. Deixá-los falando sozinhos. Bloqueá-los. Não pronunciar seus nomes, não lhes dirigir nem mesmo nosso ódio ou nosso medo. É desses afetos que o Bolsonarismo se alimenta e nos mantém reféns.

Eu não faço ideia de como mobilizar isso coletivamente, mas é isso que deveríamos fazer, e rápido.

Fonte: encurtador.com.br/frNPR
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MP permite suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses

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Texto integra conjunto de ações do governo contra efeitos da covid-19

Por Andreia Verdélio – Repórter da Agência Brasil – Brasília

O governo federal editou medida provisória (MP) com uma série de medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública no país e da emergência em saúde pública decorrente da pandemia da covid-19. A MP já entrou em vigor neste domingo (22) ao ser publicada em edição extra do Diário Oficial da União, e tem validade de 120 dias para tramitação no Congresso Nacional, e caso não seja aprovada, perde a validade.

Entre as medidas estão o teletrabalho, a antecipação de férias, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e antecipação de feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, o direcionamento do trabalhador para qualificação e o adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Durante o estado de calamidade pública o contrato de trabalho poderá ser suspenso por até quatro meses, para participação do empregado em curso de qualificação profissional não presencial, oferecido pela empresa ou por outra instituição. Essa suspensão poderá ser acordada individualmente com o empregado e não depende de acordo ou convenção coletiva.

Nesse caso, não haverá pagamento do salário, mas a empresa poderá pagar ao trabalhador um ajuda compensatória mensal, em valor a ser negociado entre as partes.

De acordo com a MP, essas ações “poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda” dos trabalhadores até 31 de dezembro, que é o prazo do estado de calamidade pública aprovado pelo Congresso Nacional.

De acordo com a MP, todos os acordos e convenções coletivas vencidas ou que vencerão em até 180 dias poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de 90 dias.

A medida define que os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto com comprovação do nexo causal.

Teletrabalho

Os empregadores poderão adotar teletrabalho independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos. Entretanto, deve ser firmado contrato por escrito, previamente ou no prazo de 30 dias, sobre a responsabilidade pelo fornecimento dos equipamentos e infraestrutura ou reembolso de despesas arcadas pelo empregado.

Mesmo que o trabalhador não possua os equipamentos necessários ou o empregador não puder fornecer, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

O regime de teletrabalho também poderá ser adotado por estagiários e aprendizes.

Férias e feriados

Os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco da covid-19 terão prioridade para o gozo de férias, individuais ou coletivas.

Caso o empregador decida antecipar as férias, elas deverão ser de, no mínimo, cinco dias, poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo não tenha transcorrido. O empregador e o trabalhador poderão também negociar a antecipação de períodos futuros de férias. Nesses casos, a empresa poderá optar por pagar o adicional de um terço de férias junto com o 13º salário.

No caso de concessão de férias coletivas, o empregador está dispensado da comunicação prévia aos órgão trabalhistas e sindicatos.

As empresas poderão ainda antecipar feriados religiosos nacionais ou locais, mas isso dependerá da concordância do empregado. Nesse caso, os feriados poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.

Já para os profissionais de saúde ou aqueles que desempenham funções essenciais, o empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas. A decisão deverá ser comunicada ao trabalhador preferencialmente com antecedência de 48 horas.

Banco de horas e qualificação

Os empregadores também poderão interromper as atividades e constituir um regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado. A compensação deverá acontecer no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, e poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.

Fonte: encurtador.com.br/klz36

Segurança do trabalho

Também está suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais. Entretanto, eles deverão ser realizados no prazo de 60 dias, depois do encerramento do estado de calamidade pública.

Caso o médico coordenador do programa de saúde ocupacional considere que a suspensão representa um risco para a saúde do empregado, ele deverá indicar a realização dos exames. No caso do exame demissional, ele também poderá ser dispensado caso o exame ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias.

Os empregadores também estão desobrigados de realizar treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas de segurança e saúde no trabalho. Nesse caso, eles deverão ser realizados no prazo de 90 dias, após o encerramento do estado de calamidade.

Entretanto, esses treinamentos poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância, desde que os conteúdos práticos sejam executadas com segurança.

FGTS

Está suspensa ainda a exigência do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente aos meses de março, abril e maio, com vencimento em abril, maio e junho, respectivamente. O recolhimento dos valores para o fundo poderá ser realizado de forma parcelada, em até seis parcelas mensais, sem incidência de multa e encargos, a partir de julho.

As empresas poderão utilizar esse benefício independente do número de empregados, do regime de tributação, da natureza jurídica, do ramo de atividade econômica ou da adesão prévia. Mas para isso, deverão declarar as informações até 20 de junho. Os valores não declarados serão considerados em atraso e, nesse caso, será cobrada multa e encargos.

A suspensão do FGTS não se aplica em caso de demissão do trabalhador.

Por 180 dias, também estão suspensos os prazos processuais para defesa e recurso em processos administrativos de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS.

Atividades de saúde

Durante o estado de calamidade pública os estabelecimentos de saúde poderão prorrogar a jornada de trabalho dos funcionários e adotar escalas de horas suplementares no intervalo de descanso entre 13ª hora e a 24ª hora. Entretanto, as empresas deverão garantir o repouso semanal remunerado.

Nesses casos, deve haver acordo individual escrito entre as partes. A medida é válida mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso.

As horas suplementares realizadas poderão ser compensadas por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra. A compensação deve ocorrer no prazo de 18 meses, após o encerramento do estado de calamidade pública.

Abono anual

Para 2020, o pagamento do abono anual aos beneficiários da previdência social que, durante este ano, tenham recebido auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria, pensão por morte ou auxílio-reclusão será efetuado em duas parcelas, em abril e maio.

Caso já esteja previsto o fim do pagamento do benefício antes de 31 de dezembro, o valor do abono será proporcional. Caso o encerramento do benefício aconteça antes da data programada para os benefícios temporários, ou antes de 31 de dezembro de 2020 para os benefícios permanentes, “deverá ser providenciado o encontro de contas entre o valor pago ao beneficiário e o efetivamente devido”.

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O show que nunca termina: a guerra semiótica criptografada do clã Bolsonaro

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Bolsonaro confortavelmente continua o seu costumeiro discurso monofásico como se ainda estivesse numa disputa eleitoral

Muitos afirmam que o governo atual delibera através do Twitter. Parece que essas opiniões estão prisioneiras de uma aparência. Na verdade, esse governo se orienta principalmente pela estratégia de ocupação da pauta midiática de todo o espectro político. O capitão que posta “Xvídeos”?; “Golden Showers?”; declarações de que a democracia só existe por uma benesse das Forças Armadas? É um show que começou em setembro do ano passado e jamais termina: quase diariamente a irresponsabilidade retórica típica de uma eleição persiste num governo já eleito. Uma tática semiótica criptografada: criação sistemática de dissonâncias para cativar a atenção de toda a midiosfera. Enquanto isso, os movimentos da política executiva de terra arrasada seguem em frente, sem a devida atenção da opinião pública. A grande mídia participa do jogo para criar uma aparência de imparcialidade e se livrar de uma cobertura monofásica das “reformas”. E a esquerda perde suas energias com o doce sabor do prato frio da vingança oferecido de bandeja para ela.

No cenário do rock dos anos 1970, o power trio Emerson, Lake & Palmer ocupava uma posição especial, rivalizando com outros super grupos da época como Gênesis, Yes e Led Zeppelin. Seus shows começavam com uma emblemática introdução: “Welcome back my friends to the show that never ends… ladies and gentlemen, Emerson, Lake & Palmer!”.

Guardadas as devidas analogias, e obviamente sem o talento daquele trio de exímios músicos, cada tuite ou declaração de Bolsonaro deveria ser iniciado com a mesma introdução daqueles shows do ELP: “bem-vindos ao show que nunca termina…”.

Simplesmente, desde o dia 8 de setembro do ano passado, a campanha eleitoral do capitão da reserva insiste em não terminar. Ele e seu clã persistem em fazer ataques e provocações ideológicas, em viverem num constante estado de urgência diante de inimigos imaginários criados desde o primeiro dia de campanha eleitoral: a esquerda, o politicamente correto, os globalistas, a ditadura LGBT, o comunismo, a Venezuela, os agentes do comunismo internacional treinados na Rússia e infiltrados na imprensa brasileira, tudo ad nauseum…

Dando continuidade a esse show que nunca termina, o clã Bolsonaro denuncia o “golden shower” dos blocos de carnaval (“a verdade do carnaval”, tuitou o capitão), através de um vídeo ao melhor estilo “XVídeos”, que ameaçam homens de bem, a família e a pátria.

E tal qual uma máquina de promoção diária de “caneladas”, no dia seguinte, em discurso na cerimônia do Corpo de Fuzileiros Navais do RJ, afirmou que “só existe democracia se as Forças armadas assim quiserem”.

O que aumenta ainda mais a temperatura da pauta tanto da grande mídia quanto da alternativa na blogosfera: supostamente, militares “intervieram” na fala “dúbia” do presidente. Provocado por jornalistas, o vice General Mourão dispara que “não é ventríloquo do presidente”, para depois de ser mais ainda pressionado por uma declaração, afirmou: “ele foi mal interpretado…”.

Guerra criptografada?

Se após as vitórias de eleições recentes, os candidatos vitoriosos tentavam implementar no governo, o mais rápido possível, a pauta executiva para se contrapor ao “terceiro turno” dos inconformados derrotados (Aécio Neves tentando impugnar os resultados no TSE, por exemplo), hoje Bolsonaro confortavelmente continua o seu costumeiro discurso monofásico como se ainda estivesse numa disputa eleitoral onde a irresponsabilidade retórica predomina como estratégia de gerar efeitos emocionais nos eleitores.

É necessário mais uma vez lembrar a colocação do antropólogo Piero Leiner, professor da Universidade de São Carlos/SP e estudioso das estratégias militares: a estratégia de propaganda do atual governo de ocupação “é muito mais uma estratégia de criptografia e controle de categorias, através de um conjunto de informações dissonantes” (clique aqui).


Os excluídos: nem para sempre explorados servirão

Seria esse “show que nunca termina” uma proposital guerra semiótica criptografada? Se sim, seria bem diferente das estratégias anteriores nas quais bombas semióticas são detonadas para enfraquecer o oponente. Ao contrário, essa deliberada criação de dissonâncias (“caneladas”) criaria uma simulação de que a unidade do atual governo estaria se desmoronando.

Lembre-se: o capitão da reserva só chegou ao poder para implementar o “saco de maldades”, conjuntos das amargas “reformas” neoliberais para definitivamente colocar o Brasil na órbita de influência da geopolítica dos EUA – rebaixar o País a uma economia de exportação de commodities, desindustrializada e financeirizada, com vasta força de trabalho desempregada e excluída (isto é, não serve nem mais para ser explorada) condenada ao bombardeio midiático diário de receitas consoladoras de autoajuda: “reinvente-se no empreendedorismo!”, seja “patrão de si mesmo!”, exortam.

Ou simplesmente morra pela deliberada política de redução populacional (afinal, é a pauta da agenda da verdadeira política neoliberal de Globalização – não aquela dos “marxistas culturais”…) através da destruição das garantias e direitos.

Nas poucas vezes em que o noticiário dá espaço às reais medidas executivas do atual governo, não vemos exatamente projetos, mas política de terra arrasada: acabar, reduzir, enxugar, desfazer, eliminar, fundir, diminuir, tirar e assim por diante. Um léxico não exatamente popular e que jamais ganharia uma eleição.

Prestidigitação

Por isso, tal qual um mágico prestidigitador cujo gestual de uma das mãos distrai e esconde a outra que tira a carta do bolso do colete, o interminável show de dissonâncias cria o desvio de atenção necessário. Se funcionou na campanha eleitoral, porque não funcionaria com um presidente que “governa” através do Twitter? Afinal, seus arroubos ocupam a pauta midiática, em todas as gradações do espectro político.

Para a esquerda, que não consegue se libertar da sua “síndrome de Brian” (sobre essa patologia política clique aqui), é uma oportunidade de revanche, vingança – o doce sabor de escorraçar um presidente limítrofe, sem nenhum senso de pudor ou consciência da liturgia do cargo que ocupa.

Por exemplo, sem a menor cerimônia passa a celebrar as “informações de bastidores” por trás da “crise” do “Golden Shower” publicadas em matéria de capa da revista “Veja”. A mesma revista acusada de fazer “jornalismo de esgoto” por anos de guerra contra os governos trabalhistas de esquerda que agora ironicamente cita como arma de denuncia – clique aqui.

O presidente desinterino Temer ocupou no passado recente esse mesmo papel de “boi de piranha” – suas mesóclises parnasianas, sua pomposidade provinciana em eventos internacionais, etc. Figurado como um vampiro que sugava a esperança da Nação, serviu de para- raio para garantir a eficácia do primeiro ato do ataque das maldades neoliberais, fora do foco da opinião pública.

Troca de passes mídia/clã Bolsonaro

Além disso, a guerra semiótica criptografada é uma ótima oportunidade para o também interminável controle de danos da imagem da grande mídia, após os anos de jornalismo de guerra cujo resultado é esse cenário que está diante de nós.

A troca de passes atual que a mídia corporativa faz com as dissonâncias produzidas artificialmente pelo clã Bolsonaro cria a deixa ideal para os apresentadores e analistas políticos midiáticos posarem de imparciais quando criticam as “falas desnecessárias” do capitão, destacam os “cala a boca” do general Mourão e discutem as “repercussões” na base de apoio do Congresso.

Aliás, essa é a deixa principal para, mais uma vez, turbinar as chantagens pelas “reformas” – como o mal-estar no Congresso provocado pelas bravatas e pitacos de Bolsonaro podem atrapalhar as supostas urgências para solucionar o buraco na Previdência.

Mas grande parte da pauta da mídia passa a ser sistematicamente ocupada pelas dissonâncias praticamente diárias produzidas pelo clã Bolsonaro. Essa estratégia de agendamento proposital livra também a grande mídia da sua cobertura monofásica das soluções neoliberais.

Sem dar espaço para o contraditório e entrevistando apenas economistas de empresas de investimento do mercado financeiro, os telejornais tornam-se enfadonhos, repetitivos, martelando sempre na mesma tecla da chantagem e da ameaça do abismo.

Simplesmente desapareceram das informações de pauta das matérias jornalísticas os economistas de centrais sindicais ou associações classistas comerciais ou industriais. Só existe o mercado financeiro – afinal, a grande mídia virou rentista.

Falar mal do limítrofe Bolsonaro é mais divertido, criando uma aparência de debate e imparcialidade. E para a esquerda, nada mais representa do que o prato frio da vingança.

Aliás, essa guerra criptografada de dissonâncias e caneladas parece hipnotizar a esquerda. Simplesmente ela não consegue superar a cena traumática da derrota de 2018, quando naquele momento as bolhas das redes sociais e das manifestações do “Ele Não!” indicavam uma virada na reta final.

Sem conseguir sair dessa armadilha de agendamento da pauta sob o bombardeio dos petardos criptografados, não consegue concentrar suas energias na criação de um “terceiro turno” que tomaria conta do espaço público com todas as formas de mobilizações e protestos (greves, guerrilhas semióticas anti-mídia – clique aqui, ocupações de protestos, desobediência civil etc.).

Todos parecem prisioneiros dessa matrix criada pela guerra semiótica de criação sistemática de dissonâncias, cativos desse show que nunca termina.

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