Justiça determina que Estado do Tocantins construa hospital para presos com doenças mentais em 2 anos

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A decisão atende à ação ordinária ajuizada pelo Centro de Direitos Dom Jaime Collins, Centro de Direitos Humanos de Cristalândia e a Associação Estadual de Direitos Humanos do Tocantins (MEDH). 

Como parte do projeto Mutirãozinho, realizado pelo Núcleo de Apoio às Comarcas (NACOM), em Guaraí, a juíza Wanessa Lorena Martins de Sousa Motta determinou, na última quarta-feira (29), que o governo do Estado construa um Hospital de Custódia para abrigar presos em tratamento psiquiátrico. A obra deve ser concluída no prazo de dois anos.

A decisão atende à ação ordinária ajuizada pelo Centro de Direitos Dom Jaime Collins, Centro de Direitos Humanos de Cristalândia e a Associação Estadual de Direitos Humanos do Tocantins (MEDH), alegando que “várias pessoas encontram-se presas em celas de cadeias do Estado, sem qualquer tratamento psiquiátrico, quando são portadores de transtornos mentais (esquizofrenia, etilismo crônico, retardamento, etc) e deveriam cumprir pena de medida de segurança em estabelecimento adequado, qual seja um hospital de custódia”.

Foto: Divulgação

Ao julgar o caso, a magistrada considerou a Lei de Execução Penal – LEP (BRASIL, 1984), que estabelece, em seu artigo 5º, que os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico destinam-se a pessoas que cometeram algum crime, mas que são inimputáveis ou semi-imputáveis. Para os casos em que a inimputabilidade for comprovada, ao invés de ser aplicada uma pena ou medida alternativa, será aplicada uma medida de segurança.

“Portanto, grande a necessidade da sociedade deste Estado em ter um local que abrigue os doentes mentais que praticaram algum ilícito que seja típico penalmente, a fim de possibilitar aos mesmos o retorno de forma saudável à sociedade, sem apresentar nenhum tipo de ‘risco’ ou ‘perigo’ a si mesmo e às pessoas a sua volta”, concluiu a juíza.

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Pulmão de aço: superação e vontade de viver

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Vivendo em uma cama de hospital e com a necessidade de juntar suas memórias, Eliana começou a escrever e a fazer anotações em um diário através da boca.

Pulmão de aço, publicado em 2012 por Eliana Zaqui, configura uma trajetória real de vida no maior hospital do Brasil. O título do livro “Pulmão de Aço” faz menção à máquina em que Eliana foi colocada na madrugada em que chegou ao Hospital das Clínicas de São Paulo, quando tinha apenas 1 ano e 9 meses. O aparelho permite à pessoa respirar depois de ter perdido o controle muscular ou diafragmático através da exceção de pressão negativa sobre o corpo, expandindo a caixa torácica e forçando a entrada de ar. Vítima da poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, Eliana não obteve resultado no pulmão de aço, restando a ela ser ligada, através da traqueostomia, a um respirador artificial, aparelho que utiliza até os dias atuais.

Vivendo em uma cama de hospital e com a necessidade de juntar suas memórias, Eliana começou a escrever e a fazer anotações em um diário através da boca. Temos aqui resiliência, conquistas, perdas, momentos de dor, sofrimento, bondade, perseverança, coragem, determinação, fé e tantos sentimentos que permeiam a experiência de quem sobreviveu para contar. O primeiro momento do livro relata a chegada da família de Eliana ao Hospital das Clínicas de São Paulo, os pais assinam os documentos da internação e os médicos percebem a gravidade do caso.

Fonte: https://bit.ly/2RUVK4f

A partir desse momento, somos apresentados a este novo mundo. Nele, Eliana começa a descrever suas vivências. Seus pais se despedem levando a lembrança daquela menininha deitada em uma maca, de vestidinho e sapatos, sem esperança de que a menina que eles conheciam continuasse a existir. Sozinha, Eliana conhece a máquina pulmão de aço, uma criação de Philip Drinker, professor da Harvard University, nos Estados Unidos. É uma máquina que possibilita à pessoa respirar depois de ter perdido o controle muscular ou diafragmático. O paciente é posicionado no aparelho, que é parecido a um forno, ficando somente com a cabeça para fora. O pulmão de aço era considerado muito eficiente por reverter o quadro de insuficiência respiratória em quase 90% dos casos, mas não foi capaz de solucionar o caso de Eliana.

A pólio é uma doença infectocontagiosa aguda, causada por vírus e transmitida por meio do contato direto com secreções. O diagnóstico é feito a partir de um exame de fezes, mas em alguns casos, muitos raros, é necessário fazer outro tipo de exame para detectar. O invasor alcança a corrente sanguínea, podendo chegar até ao cérebro. Esse foi o caso da autora, destruindo os neurônios motores e provocando a paralisia. Com o avanço tecnológico, Paulo consegue vencer o isolamento e faz com que o mundo que ele tanto admirava viesse até ele, entrando em contato, virtualmente, com pessoas, como Ayrton Senna, que ele admirava, e até recebendo visitas.

O segundo momento do livro relata suas amizades e conquistas dentro do hospital e a integração de sete crianças vivenciando as mesmas dificuldades, desconforto, exclusão social e um olhar único entre eles que não se sentiam sozinhos pois tinham uns aos outros. Era a corrente de amor fraterno nascendo da dor. Tânia e Paulo eram os veteranos da UTI. Em meio ao caos explicavam as regras, apresentavam os doentes e funcionários para quem estavam chegando e gritavam por socorro quando algo estava errado com os outros pacientes.

Fonte: https://bit.ly/2Fukkrh

Tânia, era vaidosa e a única que recebia visitas regulares de familiares, mas mesmo com essas visitas ela se sentia excluída. Pedro Donizete, Pedrinho, Luciana e Anderson, unidos e padecendo juntos pelas graves deficiências, vivenciaram e presenciaram juntos diversos sentimentos e comportamentos. Com exceção de Anderson, que tinha o apoio e afeto dos familiares, os outros seis eram carentes de carinho e gostariam de ter uma figura adulta que lutasse em prol deles, e por esse sentimento não se concretizar eles sonhavam em fazer coisas sem depender de ninguém; sentiam vontade de andar, cuidar de si mesmos e não viver no leito do hospital. Na ausência do afeto familiar alguns funcionários foram o consolo no momento do choro, da solidão, da tristeza, sendo que os momentos de solidão e o sentimento de abandono incomodavam mais que a própria doença e seus desdobramentos.

Os moradores temporários recebiam alta, o que aumentava ainda mais o sentimento de angústia e de abandono para os moradores permanentes. Isso se tornava visível e cada separação ajudou os sete amigos a amadurecer rapidamente. A vida imobilizada pode ser difícil mas não impossível, e por trás da aparência frágil Eliana se tornou muito forte por dentro. Ao passar do tempo ela foi deixando de ser aquela menina e tornou- se mulher, com emoções acentuadas, necessidades afetivas etc.

Como todo desenvolvimento, ela começou a sentir necessidade de um feedback aos sentimentos que carregava. Mas, aos poucos foi perdendo as pessoas que amava e a maneira de lidar com as perdas foi aprendendo a escrever e, como ela mesmo diz, a chorar menos, a sentir menos pena de si mesma.

Fonte: https://s03.video.glbimg.com/x720/2028058.jpg

A moradia em um hospital era o seu lar; lá aprendeu e mesmo com o corpo paralisado, sua mente não se acomodou e em uma das suas falas Eliana relata que “se fisicamente não posso andar, em minha mente sou capaz de voar sem limites”. Mesmo com o corpo imóvel, ela desenvolveu habilidades cognitivas, aprendeu inglês, italiano, fez curso de história da arte e virou pintora. Pinta seus quadros com a boca, mostrando força de vontade e a possibilidade de desenvolvimento de repertórios que possibilitaram a felicidade no meio da dor e do sofrimento. Ela tinha tudo para desistir, mas decidiu viver tornando o livro motivacional e inspirador.

Em pulmão de aço, prevalece uma história de superação de vida. Apesar da presença de uma doença que ausentou membros importantes para seu desenvolvimento, Eliana sentiu a necessidade de aprender repertórios para lidar com situações árduas, crendo que na vida, não há limites nem barreiras para ser feliz.

FICHA TÉCNICA

Nome do livro: PULMÃO DE AÇO

Editora: Belaletra Editora

Gênero: Autoajuda

Autor:  Eliana Zagui

Ano de lançamento: 2009

Idioma: Português

Ano: 2012

Páginas: 240

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Psicologia é parceiro do projeto ‘Doe Imaginação’

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As alunas Keila Ferreira, Natália Vilanova, Nathalia Marasca e Emila Castro estão empenhadas na ação

Os acadêmicos de Psicologia do Ceulp/Ulbra sob a supervisão da professora de estágio acadêmico Izabela Querido, e da psicóloga e supervisora no Hospital Infantil de Palmas, Anita Coelho, estão envolvidos com o projeto “Doe Imaginação”, cujo objetivo é, por meio de doações, arrecadar gibis, livros novos ou usados, livros para colorir, giz de cera e lápis de cor.

As alunas Keila Ferreira, Natália Vilanova, Nathalia Marasca e Emila Castro estão empenhadas na ação, cuja iniciativa visa propiciar ao setor de Psicologia, o qual as alunas desempenham o estágio, instrumentos lúdicos para realização das intervenções.

Além disso, a atividade é idealizada como requisito parcial para obtenção de nota grau I na disciplina de estagio em ênfase, campo externo.

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Meu filho doente no SUS: uma história de gratidão

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Eu tive várias experiências com o Sistema Único de Saúde (SUS), algumas ruins outras boas, mas quero relatar sobre a melhor de todas que tive até hoje em minha vida. Tive o  meu primeiro filho com 15 anos, e ele nasceu com pneumonia (pelo fato de não ter esôfago. Engoliu a urina que fez dentro da barriga e foi direto para o pulmão), devido a esse fato foi transferido para o hospital Dona Regina de Palmas –TO, e lá ele faz vários exames e raio-X,  para verificar a proporção da pneumonia, só que foi nesse momento que o médico descobriu que ele havia nascido com Atresia Total de Esôfago.

E foi aí que começou nossas frequentes estadias e idas ao hospital. Ficou internado na U.T.I. desse mesmo local por 26 dias, e com apenas quatro dias de vida precisou passar por sua primeira cirurgia, para começar a se alimentar. Foi feita a cirurgia na qual, o médico fez uma pequena abertura (buraco) no pescoço para que a saliva tivesse por sair (para não cair direto no pulmão), e colocado uma sonda na barriguinha dele para que pudesse alimentar-se por ela.

Fonte: https://msdmnls.co/2ljqY6M

Durante esses 26 dias tivemos todo o apoio dos médicos da U.T.I., do médico cirurgião pediátrico, do quadro de enfermeiros, nutricionista, psicólogas. Tinha uma base fortalecedora muito boa, em todos os âmbitos, um auxilio e um apoio por parte dessa equipe muito grande. Porém depois da alta, tínhamos que voltar no Hospital Dona Regina de 15 em 15 dias para fazer novos exames, para consultas pediátricas e consultas com o médico cirurgião. Esse processo quinzenal durou em média 4 meses, depois o período foi de 30 em 30 dias.

Quando o meu pequeno completou 1 ano e 6 meses, fomos avisados que ele iria partir para a segunda etapa do processo (de fazer um esôfago), ficamos internados antes da intervenção cirúrgica no hospital por duas semanas, para que todos exames fossem feitos, as dietas nutricionais adequadas fossem seguidas. Após todo protocolo seguidofoi realizada a segunda cirurgia, na qual o médico (fantástico) usou parte do intestino do meu filho e fez o esôfago, segundo ele foram feitas quatro emendas para que esse intestino se “transformasse” em esôfago. Porém a pequena abertura no pescoço agora eram duas, uma continuava sendo para a saída da saliva, e outra, a nova era o novo esôfago que estava preso ali, se ele vomitasse sairia por esse nova abertura (buraco), ele continuou com a sonda. Em meio a tudo isso, foram feitas duas dissecações de veias para que não fosse preciso fura-lo tantas vezes para passar o soro e os medicamentos.

Fui muito bem orientada sobre essas novas intervenções cirúrgicas, como deveria agir caso ele vomitasse (foi o que mais aconteceu). Foram longos anos nesse segundo processo, muitas idas e vindas ao hospital, consultas e exames a cada 30 dias, sem interrupções, mas sempre muito bem assistida pelo SUS. A última intervenção cirúrgica foi realizada dia 19 de abril de 2009, mas antes disso ficamos novamente internados no hospital para fazer os cabíveis procedimentos pré cirúrgicos. Em um desses momentos de “pegar” veia para colocar soro, teve um dia de muito sofrimento para todos, incluindo as enfermeiras do setor, ele foi furado 22 vezes, chorava tanto que no final já não mais forças, e só pedia para minha mãe orar pra Deus ajudar que desse certo. Muitas enfermeiras já estavam chorando junto conosco nesse momento difícil, mas deu certo.

Fonte: https://bit.ly/2JQVsf9

Então dia 19 de abril ele foi operado pela última vez, Hospital Dona Regina, todas as cirurgias demoravam por volta de quatro horas e meia, porém essa demorou um pouco mais, eram horas e horas de espera por algum tipo de notícia, mas ela não vinha. Quando veio, foi dizendo que ele seria encaminhado às pressas para a U.T.I. do Hospital Geral de Palmas (HGP), foi um grande susto, mas novamente tivemos um grande apoio em todos os aspectos, não foi fácil, mas deu certo. Para nossa surpresa não foi tirada a sonda como imaginamos, ele continuava lá, e continuou por algum tempo.  Ele precisava ficar sedado por dez dias, porque estava todo entubado, respirando por aparelhos, e era tão pequeninho ainda, não tinha nem 4 aninhos.

Assim começou as sedações na U.T.I. do H.G.P., ele ficou quietinho por dois dias, depois começou a se mexer, e a dose do sedativo foi tendo que ser aumentada cada vez, e não estava resolvendo, até que um dia eu chego no horário da visita (em U.T.I., não podia todo o tempo, ele dormia “sozinho”) ele estava com a mãozinhas e os pés amarrados, porque havia tentado tirar os tubos e os aparelhos que estavam ligados a ele.

A noite então o médico cirurgião (o mesmo sempre) me incumbiu de mais uma decisão difícil, segundo ele não poderia aumentar mais nenhuma gota do sedativo, pois ele já estava tomando dose de um adulto, e ele era apenas um “bebê”, ou tirava o sedativo e eu convencia esse bebê de três anos e poucos a ficar quietinho, sem mexer em nada que estava de estranho em seu corpo, pois se tirasse algum aparelho poderia morrer, ou continuar com o sedativo que poderia mata-lo. Claro escolhi pela retirado do sedativo, mas ele não ficou quieto, e tentava todo tempo tirar os aparelhos que lhe davam a sobrevivência.

Como previsto ele não ficou quieto, cheguei no outro dia e ele estava novamente amarrado, fiquei muito desesperada, as enfermeiras tentaram me acalmar, mas foi em vão. Mas um milagre aconteceu, ele ficou super quietinho, pois meu pai por telefone prometeu-lhe um cavalo quando ele saísse do hospital. Para nossa surpresa fomos transferidos novamente para o Dona Regina antes do esperado, devida a rápida recuperação que ele teve depois que tirou o sedativo e os aparelhos.

Fonte: https://bit.ly/2K6mw9s

Voltamos, e lá ele ficou em um quarto separado, por alguns dias, depois fomos transferidos, para o quarto comum, mas ele pegou infecção hospitalar duas vezes, depois dessa transferência. Fomos novamente isolados em um quarto sozinhos e restringiram o contato, somente eu e minha mãe. A cirurgia que já tinha mais de 20 dias foi aberta no pescoço, devida uma das infecções, voltou a tomar vários medicamentos, e médico ia vê-lo duas ou três vezes ao dia. Foi um processo de uma semana muito longo, pareceu até mais, porém o médico achou melhor libera-lo, para que não pegasse mais nenhuma infecção hospitalar, mesmo com o pescoço aberto. Em meio todo esse processo ele ainda se alimentava por sonda.

Fomos para caso com vários tipos de medicamentos, em vários horários, o médico nos disse a seguinte frase “ele tem até um mês para se recuperar, e esse buraquinho no pescoço se fechar, ou senão teremos que fazer todo o processo novamente, desde o primeiro, e ele possivelmente não resistirá, antes ele era bem gordinho, hoje ele está bem magrinho”. Então fizemos nossa parte em casa e com 30 dias retornamos ao hospital, e o buraquinho havia fechado. Mas o médico então nos deu uma nova tarefa, “Vocês tem que faze-lo comer em 45 dias e retornem aqui dia 20 de setembro, pra eu ver ele comer pela boca.”

Durante esses dias íamos duas vezes na semana na fonoaudióloga, que o SUS nos disponibilizou, para auxiliar nesse processo, porém ele não obteve avanço com ela. Então paramos de ir e ficamos de casa tentando, minha mãe conseguiu fazer ele comer. Voltamos no médico dia 20 de setembro (no dia que ele completou 4 anos), e então ele disse que ele estava comendo bem pela boca, mas que iria continuar com a sonda até o próximo retorno com 30 dias, retornamos após esses dias e então a sonda enfim foi retirada.

Fonte: https://bit.ly/2K4gKFm

Ele precisou fazer dilatações de esôfago por três vezes, fizemos todas disponibilizados pelo SUS, em Goiânia no Hospital das Clínicas. Essas dilatações tem o risco de estourar todas as intervenções cirúrgicas que ele já fez até hoje, mas é obrigatório faze-las, para que ele possa comer com mais facilidade. Pois o seu novo esôfago é como se fosse um canudo, não tem contração, não tem fechamento, é sempre um tubo liso. Devido esse fato ele tem refluxo desde antes dos 2 anos e terá para sempre.

Até hoje fazemos o acompanhamento com esse médico que operou desde a primeira vez, porém hoje com um espaço de tempo bem maior, nos últimos 4 anos, foram visitas anuais. Muito obrigada Deus, muito obrigada SUS, muito obrigada Dr. Renato.

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Eu, mãe de 6 filhos: uma experiência no SUS

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Baseado no relato de Ivone Creuza Santos Antunes

15 de maio de 2018, Conceição do Araguaia-PA

Somos de São Paulo-SP. Mudamos para Conceição do Araguaia-PA em julho do ano de 1998. Todos os nossos familiares ficaram lá enquanto eu, meu esposo e nossos 5  filhos viemos embora, a saber: Aline, Thiago, Angélica, Samuel e Letícia.

Na segunda metade do ano de 1999 descobri que estava gestante há 3 meses e que a família iria aumentar um pouquinho. Esperávamos uma menina.

Tinha muita preocupação em relação à assistência que receberíamos, por que eu já sabia que na cidade quase não havia recurso. Sendo assim, comecei a fazer o pré-natal em uma clínica particular e ao final do acompanhamento falei para a médica que eu queria muito que ela fizesse meu parto já que eu não conhecia nenhum médico da cidade. Ela negou alegando que o parto teria que ser pago. Eu então perguntei o valor e ela apenas sorriu na minha cara. Falou o nome de alguns médicos e falou para eu procurar outra pessoa. Naquela época a cidade era comandada pelos médicos. Eles eram tão unidos que sempre que chegava algum novo, davam um jeito de mandar ir embora.

Não foi muito fácil no início, pois ainda tínhamos pendências para resolver em São Paulo.

Já nos dias perto do nascimento da nossa filha, meu esposo recebeu um comunicado e teve que viajar às pressas. Mas pediu ao seu primo, Mário, que morava na mesma cidade, que desse assistência à nossa família enquanto ele estivesse longe. E assim foi.

Certo dia, estava na minha casa e comecei a sentir as dores. Na época nós tínhamos uma Kombi e um irmão da igreja, amigo nosso, dirigiu rumo ao hospital.

Como a cidade era pequena e com poucos recursos,  resolvi ir direto para o hospital particular da cidade o “São  Lucas”, pois achava que era o melhor.

Cheguei lá a noite e passei bastante tempo andando de um lado para outro já quase sem aguentar de tanta dor. Enquanto isso, as enfermeiras sorriam, conversavam, brincavam. O assunto tava mais interessante do que as minhas contrações sufocantes. Passado certo tempo, fizeram o exame para saber quanto tinha de dilatação e continuaram conversando.

Fonte: https://goo.gl/RJ71bL

 Quando eu senti que os ossos do meu quadril se abriram, não consegui mais andar e a dor só piorava. Eu dizia:

– Por favor!  Não estou  aguentando mais!..

A resposta era sempre a mesma:

-Continua fazendo força. Agora é com você!

-Ela já vai nascer!!

-Faz força, “siá”.

E o assunto delas ainda era mais importante do que minha filha que já estava quase nascendo enquanto eu ficava imóvel de tanta dor no corredor do hospital.

A cada vez que eu as interrompia, percebia que elas se irritavam mais.

Era a noite do dia 15 de maio de 2000. E finalmente quando elas viram que já era hora, uma foi preparar a cama, colocar a escadinha para eu subir. Pensei “Eu não consigo nem me mexer, como vou subir uma escada?”

Consegui me ajeitar e finalmente minha bebê nasceu. Mas não ouvi o chorinho dela. Muito estranho, pois todos os 5 filhos choraram, menos ela.

As enfermeiras a levaram para fazer os procedimentos e eu fiquei naquela cama, sem ninguém para me preparar. Tive medo de contrair alguma infecção.

Logo depois me trouxeram ela. No quarto tinha apenas um ventilador e eu com tanto calor que o suor escorria. Coloquei a Luciana na ponta da cama para o vento não ir nela, enquanto esperava passar aquele calor insuportável. Fiquei olhando tentando imaginar se ela seria branquinha ou morena, já que só eu e o Thiago somos negros. Mas ela tinha a cor estranha, era pouco acinzentada com tons rosados.

Na manhã do dia 16 fui liberada para ir embora. A irmã Camila foi me buscar no hospital e levar para casa.

A Leticia e o Samuel eram bem pequenos, ela tinha quase 2 anos e 8 meses, ele faria 4 aninhos dois dias depois. Os dois estavam brincando na terra, todos sujos. Quando viram que nós havíamos chegado,  ficaram elétricos, ansiosos para conhecer a irmã recém nascida. Falei para tomarem banho primeiro e foram correndo, disputando quem terminaria primeiro. Não demorou muito tempo e vieram, os dois, limpinhos e cheirosos para ver o rostinho da nossa bebê.

Lembro que a Camila estava dando banho nela na banheira e o Samuel chegou a jogar água com aquela mãozinha pequena. Os olhos deles brilhavam de tanta felicidade.

No meio da tarde a Luciana começou a  chorar desesperadamente e pela minha experiência, acreditava que fosse cólica. Pedi ao Thiago que fosse na farmácia comprar um remedinho enquanto eu massageava a barriguinha dela na esperança que aquele choro cessasse.

A Luciana chorava demais e resolvi levá-la ao hospital. Naquela hora tinha uma pessoa nos visitando e ela foi comigo. Enquanto eu dirigia, a nossa amiga segurava minha filha em seus braços.

Fui até o hospital mais próximo de casa, mas não quiseram atender pois ela não tinha nascido lá. Então fui correndo novamente para o hospital São Lucas. Estava escuro lá dentro, não tinha ninguém na recepção. Chamei, chamei até que veio um rapaz. Expliquei o que estava acontecendo e ele me disse que a consulta era particular, eu implorei para que nos atendesse pois tínhamos saído cedo de lá, mas ela não estava bem. Eu já estava desesperada e perguntei se tinha recurso para minha filha. Ele disse que não. Resolvi sair correndo para o Hospital Regional.

O médico, ainda no corredor, viu que minha filha chorava muito e perguntou o que estava acontecendo, expliquei a situação. Mais uma vez, ouvi o médico dizer que  não tinha condições de atender minha filha. Segundo ele, no hospital só tinha “injeção para cavalo”. Como estávamos no corredor, a enfermeira chefe  viu e me perguntou onde ela tinha nascido. Em pouco minutos ligou no São Lucas e falou que eu podia ir que eles iriam me atender.

A noite estava chegando e então voltei para o hospital onde ela nasceu. Ao chegar lá, fui muito mal recebida, as pessoas me olhavam com expressão de desprezo e me deixaram falar com o médico.

Fonte: https://goo.gl/e5GGGq

Ele veio, examinou minha filha e começou a resmungar que ela estava desidratada, falou comigo como se eu não tivesse cuidado da minha filha. Fiquei indignada! Onde já se viu dar água para uma bebê recém nascida??!  Ele saiu no corredor sem nem olhar no rosto das enfermeiras dizendo:

-Aplica isso, aquilo, coloca tal coisa!!

E logo vieram as enfermeiras para aplicar medicamento. Começou a saga para encontrar a veia da Luciana. Fura daqui, dali e nada de achar.

Meu coração se partiu em mil pedaços, estavam judiando da minha bebê. Algum tempo depois a moça que estava comigo comentou que poderiam encontrar alguma veia na cabeça e só então eu lembrei que quando o Samuel e Thiago foram internados com pneumonia, o medicamento era na cabeça. Na hora me culpei por não ter lembrado desse detalhe e por deixar furarem minha filha tantas vezes.

Perguntei à elas se poderia ser feito isso. E a resposta foi:

-Pode ser sim, mas nós precisamos da sua autorização para raspar o cabelinho dela.

“O que era cortar um cabelo, que pode crescer depois, perto do sofrimento que estavam causando na minha filha tão pequena???”

Nesse período em que me ausentei de casa, a irmã Edna ficou com as crianças enquanto a Aline, que é a mais velha, não chegava da escola.

Mais tarde o Mário ficou sabendo do ocorrido e foi atrás de nós no hospital, ao chegar lá perguntou se tinha condições dela ser bem atendida e que dinheiro não seria o problema já que era só disso que eles falavam.

Decidimos levá-la à Araguaína, e o médico falou que ela não aguentaria a viagem, a menos que tivesse uma bomba de oxigênio.

Dessa forma, começamos a procurar quem tinha essa bomba já que não tinha no hospital. Fomos atrá de três médicos. Um tinha mas estava quebrada, o outro tinha mas faltava uma parte, e a outra já tinha emprestado.

Conseguimos achar um no Hospital Regional, mas a enfermeira não podia emprestar e deixar o hospital sem.

Insisti tanto com ela e prometi que devolveria logo. Ela percebeu o tamanho do meu desespero e resolveu emprestar. Pediu segredo absoluto pois ela poderia ser prejudicada.

Finalmente conseguimos a bomba, mas na hora de testar, percebeu-se que não tinha a máscara que colocava no rosto. A enfermeira pegou um frasco de soro que estava vazio e improvisou uma máscara.  Conseguimos o botijão com o oxigênio que segundo eles estava cheio e poderia aguentar ir até Goiânia, apesar de Araguaína ser perto.

Na madrugada do dia 17 seguimos viagem. Eu, o Mário e a irmã Camila. Ela foi levando minha filha no colo, pois eu tinha medo de algo pior. Por vezes perguntava se a Luciana estava respirando. Ela dizia que sim.

O Mário conseguiu contactar um amigo de Colinas e contou que estava levando a filha do Zé (meu esposo), em estado grave. Esse amigo dele conseguiu uma clínica e falou que poderíamos ir. Naquele dia eu só tinha almoçado e não comi mais nada, já estava fraca.

Durante a viagem, perguntava se minha filha estava respirando e a Camila dizia que sim. O Mário corria bastante para chegar o mais rápido possível.

Em dado momento vimos as luzes da cidade e ele falou que em 15 minutos já estaríamos lá. Me enchi de esperança! Perguntei novamente se a Luciana respirava. Mas logo desta vez a Camila respondeu:

-Quando chegar lá a gente vê!

Ao chegar na clínica, ainda de madrugada, a equipe estava na porta esperando a gente chegar e eu nem tive forças de descer do carro. Eles pegaram a criança e a médica gritou:

-Nesse botijão não tem oxigênio!!!!

Foram depressa para a clínica e lá de fora eu via eles colocando ela na mesa para examiná-la, enquanto todos ao redor estavam de cabeça baixa.

Eu ainda dentro do carro já estava pensando no que poderia ser.

Logo a médica veio, toda carinhosa dizendo:

-Ôh, Mãezinha! A sua filha não resistiu… E vocês não podem ficar aqui por que ela veio a óbito ainda em trânsito. Agora você precisa ser forte por que tem mais 5 te esperando! Eles precisam de você!

Me doparam de medicamento e pouco tempo depois tomamos viagem de volta à Conceição do Araguaia.

A Camila novamente levou ela em seus braços, já sem vida. O Mário abriu as janelas do carro na intenção de não dormir por causa do vento. E como entrava um vento gelado, algumas vezes cobri minha filha, pensei “Ela deve estar com frio!”.

Chegamos na nossa cidade quando o dia já estava amanhecendo e fomos direto na funerária comprar o caixãozinho dela. Era branco. Lá mesmo colocamos ela no caixão.

O seu sepultamento foi marcado para às 11h. Fui para a minha casa mas não  tive coragem de dizer aos pequenos o que havia acontecido. Na época ainda não era todo mundo que tinha telefone e o Thiago pegou a bicicleta e foi contar para os nossos amigos e irmãos na fé.

Quando deu a hora de ir para o velório, no cemitério mesmo, o Mário foi me buscar em casa. Deixei o Samuel e a Leticia em casa pois não queria que eles vissem aquilo.

Fui para o cemitério. Sobre duas cadeiras estava o caixãozinho com a minha Luciana.

Em determinado momento olhei perto de uma coluna e vi o Samuel olhando para a irmãzinha com o semblante triste e de cabeça baixa.

Não aguentei! Foi demais para mim! Me dilacerou…

Por fim, enterraram ela e eu nem quis mais ver nada.

Hoje ela completaria 18 anos. Não chegou a ser registrada e não tem certidão de óbito.

Fonte: Arquivo Pessoal

Não existe nenhuma foto. Nem seu pai o conheceu. Para o cartório ela nem existiu. Mas fez parte da nossa história e nunca deixou de ser minha filha. O único registro que temos dela é o exame do pezinho.

Luciana Antunes viveu quase dois dias, mas permanece em nossa memória até hoje. Quando me perguntam quantos filhos eu tenho, digo que tive 6, mas uma morreu.

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O SUS e a formação profissional

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O presente relato é fruto de minha experiência no SUS (Sistema único de Saúde). Para início de conversa vou falar um pouco da formação acadêmica vivenciada na primeira turma de Psicologia do CEULP/ULBRA Palmas. Na grade curricular não existiam disciplinas diretamente relacionadas ao SUS. Apesar de o nosso curso ter se iniciado em 2000 a discussão sobre a formação dos profissionais de saúde é bem mais antiga.

A história começa há algumas décadas, pois a partir da instalação do Conselho Federal de Educação, fica definida a tramitação para a autorização de funcionamento dos cursos superiores. A Lei Federal n° 5.540, de 12/11/1968 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Superior), definiu o conceito de currículo mínimo, o que deu espaço para a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei Federal n. 9.394, de 20/12/1996. O currículo mínimo, em regime disciplinar, representava um conjunto de estudos e atividades correspondentes a um programa de formação que deveria ser desenvolvido seguindo critérios pré-fixados. Em 1997, em decorrência da nova LDB, esse arranjo disciplinar começou a ser revisto (CECCIM; CARVALHO, 2006).

Fonte: https://goo.gl/C7WCDt

Entre 2001 e 2004, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação da área de saúde, considerando as necessidades sociais da população, a integração com o SUS, a prevenção e promoção da saúde e a humanização, entre outros aspectos (CECCIM; CARVALHO, 2006).

A minha graduação se deu em 2005 e fui aprovada no mesmo ano em dois concursos públicos como Psicóloga, no Estado do Tocantins e no Município de Palmas. No Estado fui lotada no IML, onde já trabalhava antes como Assistente Administrativo. Na prefeitura primeiramente fui lotada em Taquaralto e depois na Policlínica do Aureny I. Essa unidade de saúde, ambulatorial de especialidades, já contava com psicólogos desde 1998. Essa experiência foi impactante, apesar de ter feito estágios numa unidade de saúde enquanto acadêmica, na função profissional fiquei muito perdida, pois tudo que tinha visto na faculdade era muito diferente dos desafios profissionais da minha realidade. Em Taquaralto eu dividia a sala com o serviço social e a passadeira, o armário não trancava, a mesa não possuía mais as gavetas, as cadeiras rasgadas, as paredes da sala contava com janelas de vidros enormes e não possuía cortinas, sendo atravessada pelo calor ardente do sol tocantinense. A fila de espera de pacientes para atendimento psicológico era tão gigantesca, sinceramente eu não soube o que fazer. A antiga psicóloga fui informada que teria levado os arquivos para casa por não ter onde guardar. Nessa situação eu pedi um prazo para iniciar e fui embora, fiquei com vontade de não voltar mais. Na verdade, não dormi a noite inteira.

No dia seguinte me ligaram dizendo que havia surgido uma vaga na Policlínica do Aureny I. Ao chegar à Policlínica havia um consultório apenas para psicólogo, uma das minhas professoras da faculdade, Kathia Nemeth Perez já atuava no local como psicóloga, me orientou no que eu precisava. Conseguimos montar um serviço que em menos de seis meses se tornou referência de atendimento ambulatorial para a Capital, havia diálogo entre as profissionais, porém vivíamos muitas dificuldades materiais, institucionais e profissionais. Um dos norteadores de nossa ação foi à criação de protocolos de atendimentos, que esclareciam as funções e metas do trabalho específico de psicologia na unidade. Em paralelo a esta atividade municipal, participei como representante do CRP-09 no Conselho Municipal de Saúde, como trabalhadora e esta experiência foi importante para consolidar minha compreensão do sistema único de saúde, vencendo embaraços, incompreensões e o movimento contraditório de várias tendências que discutem nessa instancia representativa de governo, usuários e trabalhadores, não somente toma ciência, mas delibera sobre as ações de saúde do município de Palmas.

Policlínica do Jardim Aureny I. Fonte: https://goo.gl/WMxUYz

Mesmo assim as dificuldades eram muitas e desafiadoras, por isso procurei me especializar, onde me dediquei a duas especializações, uma em Saúde Pública com Ênfase em Saúde Coletiva e da Família pelo ITOP e outra em Processos Educacionais em Saúde, pela FIOCRUZ.

Permaneci na prefeitura durante três anos, concomitante ao trabalho desenvolvido no IML como psicóloga. Por motivos pessoais houve uma mudança de município para Gurupi e no novo local, optei em pedir a exoneração do cargo da prefeitura. Quanto ao Estado foi possível uma transferência e fui lotada no Hospital Regional de Gurupi.

No novo município participei de uma seleção para professor na UNIRG e me tornei professora das disciplinas de Saúde Pública, entre outras. Na área hospitalar a partir dessa nova experiência em Gurupi, procurei e realizei diversos cursos de formação. Permaneci em Gurupi de 2008 até o ano de 2017.

Ao retornar para Palmas no ano de 2017, fui lotada pelo Estado no Hospital Infantil de Palmas, onde permaneço atuando como Psicóloga e participei de uma seleção para preceptor do PET (Programa de Educação pelo Trabalho). Nos dias atuais faço parte do grupo de psicologia (no PET) e no ampliado da região Xerente. Espero ainda poder contribuir com o SUS, nas atividades atuais no nível hospitalar público e com o PET, pois o SUS para mim é o melhor sistema de saúde, apesar de necessitar de muitos ajustes do setor governamental.

Fonte: https://goo.gl/wVPSMD

REFERÊNCIAS:

 BRASIL, Ministério da Educação. Lei n° 9.394/1996. Estabelece as diretrizes e Bases da educação nacional. Brasília, 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em: 02 Jan. 2018.

CECCIM, R. B.; CARVALHO, Y. M. Ensino da saúde como projeto da integralidade: a educação dos profissionais de saúde no SUS. In: PINHEIRO, R.; CECCIM, R. B., MATTOS, R. A. (Org.). Ensinar Saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. 2.ed. Rio de Janeiro: IMS/UERJ: CEPESQ: ABRASCO, 2006. p.69-92.

 

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Do lixo ao lucro: uma solução hospitalar – (En)Cena entrevista Renata Bandeira

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Um dos grandes desafios da sociedade industrial é a produção de lixo. Em uma modernidade que busca praticidade, os descartáveis se tornaram sinônimo de facilidade, aumentando a problemática do acúmulo. Poucas pessoas refletem na amplitude desse problema e muito menos em sua responsabilidade socioambiental. A máxima de que, do ponto de vista do planeta não existe o lado de fora deixa clara a urgência de desenvolvermos tecnologias que deem conta de um volume difícil de processar, e que representa risco para a saúde humana e do planeta.

Foi a partir dessa problemática dentro dos hospitais públicos, que a enfermeira Renata Bandeira, em seu projeto de doutoramento, desenvolveu uma tecnologia inovadora e tão simples que custou encontrar apoio, mas que aos poucos se mostrou eficaz e eficiente. Os resultados alcançados mostraram que é possível não apenas a redução no desperdício e a minimização de impactos ambientais, mas também a geração de lucro a partir do lixo hospitalar.

(En)Cena – Renata, eu gostaria que você começasse relatando um pouco sobre o seu trabalho no doutorado. De que se trata, exatamente?

Renata Bandeira – Trata-se de um projeto que tem como objetivo implantar o correto gerenciamento de resíduos em serviços de saúde. Algo que se torna complexo, principalmente nas unidades hospitalares, já que a variedade de tipos diferentes de resíduos é grande. Uma parte destes resíduos é considerada altamente infectante, e o manejo inadequado traz prejuízos à saúde pública, alto custo para SUS e, principalmente agressão ao meio ambiente. Então o projeto procurou implementar processos eficientes que facilitassem a coleta e a destinação adequada para cada tipo de resíduo de forma a evitar desperdício e ainda, gerar renda para o hospital.

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(En)Cena – Por que você escolheu esse tema?

Renata Bandeira – Foi por observar o caos que acomete os hospitais públicos, fiquei pensando em como poderia contribuir para melhorar a situação em relação ao lixo hospitalar, que como eu já disse gera inúmeras consequências negativas, inclusive em termos econômicos. O lixo hospitalar tem um custo alto para os cofres públicos, dinheiro que poderia ser revertido em outros benefícios para a saúde. O que a gente percebe dentro dos hospitais é que, muitas vezes um papel com o qual se enxuga as mãos ou mesmo restos de marmitas dos pacientes é misturado com agulhas e seringas no mesmo coletor de lixo. Isso tudo é descartado como lixo infectante, sendo que nem tudo ali diz respeito a esse tipo de resíduo. E você sabe que o infectante exige cuidados especiais para eliminação o que o torna mais caro, ou seja, muitas vezes o Estado paga o mesmo custo de um infectante num lixo normal. Isso sempre me incomodou muito e fiquei pensando em como poderia ajudar, eu senti a necessidade de contribuir de forma efetiva para minimizar esse problema nos hospitais públicos da capital e também de todo o Estado de Tocantins, daí nasceu a ideia.

(En)Cena – Quanto tempo levou para implantação do projeto e quais dificuldades você encontrou, houve muita resistência?

Renata Bandeira – A implantação aconteceu concomitantemente com o desenvolver do meu curso de doutoramento, em torno de cinco anos, com algumas dificuldades no decorrer, já que foi necessária pesquisa aprofundada para desenvolver algo com baixo custo (devido as dificuldades financeiras que assolam os serviços públicos) e que realmente alcançasse um resultado significativo e, também, sem colocar em riscos os funcionários que trabalham com o manejo dos resíduos. Outra questão importante, que deve ser consideradas, é que algo novo sempre causa resistência da gestão no início, mas, conforme as coisas foram acontecendo obtivemos grande contribuição da equipe.  Hoje já conseguiríamos desenvolver algo parecido em alguns meses em qualquer tipo de serviço de saúde, mas no início, ninguém tinha um parâmetro para dizer que daria tão certo e que compensaria.

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(En)Cena – Que resultados foram atingidos e o que eles representam para a sociedade?

Renata Bandeira – Reduzimos em torno de 57% dos resíduos produzidos no Hospital Infantil Público de Palmas, esse percentual equivale a uma média próxima a 200 kg por dia. Inclusive uma parte seria de resíduos infectantes que tem altíssimo custo para o SUS. Para se ter uma ideia, o Estado paga 4.08 centavos por kg de lixo infectante para a empresa que recolhe esse tipo de resíduo. Para reduzir esses custos implantamos um projeto inovador de reciclagem e fizemos parcerias com empresas que trabalham nesse segmento como cooperativas de catadores, logística reversa e empresas que compram o material. É importante ressaltar que dentro dos hospitais funciona uma cozinha industrial que serve grande quantidade de refeições para pacientes, acompanhantes e funcionários e que até mesmo os orgânicos advindos deste setor estão sendo reaproveitados para alimentação de porcos e consequentemente o hospital recebe um valor por cada um desses materiais (metal, plástico, papelão, papel, orgânico), destinamos corretamente também pilhas e baterias e, inclusive, nos tornamos um ponto de coleta de diversos tipos de resíduos. Ou seja, aquilo que era um problema de alto custo passou a gerar lucro para a instituição, além dos benefícios com a geração de empregos (nas cooperativas), redução de sacos plásticos, redução de resíduos comuns que a prefeitura coleta, o que reduz custos com combustível e desgaste do carro, além de aumentar a vida útil dos aterros sanitários.

(En)Cena – A que você atribui as conquistas do projeto?

Renata Bandeira – O envolvimento e empenho da equipe de trabalho da instituição, e as parcerias com as empresas.

(En)Cena – Que estratégias você considera terem sido essenciais para conseguir envolver as pessoas no processo e fazê-las acreditar nos resultados?

Renata Bandeira – Com certeza envolvê-los na problemática, já que todas as pessoas que circulam no hospital produzem lixo, e mostrar pouco a pouco que era possível modificar nossos hábitos com organização e inovação.  Utilizei uma frase que gosto muito no processo de capacitação:  “Faça o teu melhor, na condição que você tem, enquanto você não tem condições melhores, para fazer melhor ainda!” (Mário Sergio Cortella). E acredito que juntos entendemos que poderíamos sim mudar a realidade com criatividade.

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(En)Cena – Qual a dificuldade de desenvolver um trabalho em equipe e que demanda tanto voluntariado?

Renata Bandeira – Não vejo dificuldade em desenvolver trabalho em equipe quando conseguimos motivá-los, isso gera um processo ao ponto de cada indivíduo se sentir importante no processo de mudança. E foi isto que ocorreu.

(En)Cena – Você poderia relacionar os benefícios do seu projeto para a saúde mental dos pacientes e funcionários do Hospital Infantil?

Renata Bandeira – Com certeza. Um processo de trabalho como este renova nos funcionários a motivação, tão importante no decorrer da vida profissional, principalmente no serviço público. E também o prazer de trabalhar em equipe, um colaborando com o processo de aprendizagem e crescimento do outro dentro dos grupos e setores, certamente desenvolve prazer no ambiente de trabalho e consequentemente melhora a qualidade de vida e saúde mental dos colaboradores.

(En)Cena – Renata, hoje seu projeto está indo para o Hospital Geral de Palmas. Quais as suas perspectivas com a implantação dessa tecnologia de reciclagem no HGP?

Renata Bandeira – Temos as mesmas perspectivas e metas que alcançamos no Hospital Infantil. Reduzir em torno de 50% dos resíduos nos próximos anos.

(En)Cena – Você acredita que isso pode se estender a outros hospitais ou empresas pelo Brasil ou pelo mundo? O que seria necessário para que isso acontecesse?

Renata Bandeira – Sim. Já iniciamos em outras unidades do Estado e acreditamos que o modelo implantado serve de exemplo pra todo o país. O que é necessário para isto, primeiramente preocupação com a quantidade de lixo que produzimos, e com a destinação final destes. Além de políticas públicas que trabalhem de forma mais efetiva ligando saúde e meio ambiente.

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(En)Cena – O projeto parece ser bem simples, além de eficiente e eficaz contra os desperdícios, o que você considera como sendo um risco para a eficácia do projeto e que deve ser observado por quem quiser implantar essa mesma tecnologia?

Renata Bandeira – A constante capacitação dos funcionários, já que a rotatividade é grande nas unidades e para que uma mudança efetiva ocorra demanda tempo e educação permanente. É importante ressaltar que os funcionários em sua maioria não têm hábitos de separação adequada no lixo em suas casas, que deveria ser o processo correto, de casa para o trabalho, estamos fazendo o caminho inverso, do trabalho para as casas, desta forma também funcionamos como ponto de coleta para estas famílias, o que facilita o processo já que se torna um hábito de vida e não uma obrigação imposta pela instituição.

(En)Cena – Eu queria que você falasse um pouco sobre a saúde pública no Brasil. Como a insegurança em relação à saúde interfere no bem estar psicológico da sociedade?

Renata Bandeira – A insegurança relacionada a algo tão importante como a saúde com certeza tem reflexos no bem estar psicológico das pessoas, principalmente para aqueles que necessitam continuamente do Sistema Único de Saúde (SUS), como é o caso dos pacientes portadores de doenças crônicas, ou seja, estas pessoas não têm que se preocupar somente com a evolução de uma patologia, mas também se terão condições de tratá-la. E se esse tratamento será de qualidade. Certamente esta questão perpassa a cabeça dos brasileiros, ocasionando estresse, ansiedade e medo, consequentemente dificultando e prolongando seu tratamento.

(En)Cena – Para finalizar, em sua experiência como enfermeira, no interior do Brasil, você pôde observar muitos casos de fácil resolução, mas que pelo desconhecimento dos meios e recursos, acabavam se agravando. Que características você considera essencial para um profissional de saúde que lida com a população de baixa renda e pouca escolaridade?

Renata Bandeira – Conhecimento, criatividade e boa comunicação.

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Corpus Ex-Machina: qual o limiar entre o humano e tecnológico?

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Com o advento da Globalização, os instrumentos criados pelo homem para realização de trabalhos manuais tornaram-se cada vez mais sofisticados, facilitando o distanciamento corporal no que diz respeito aos relacionamentos interpessoais. A discussão a ser feita, neste ensaio, é relacionada a mudança de comportamento dos seres humanos em decorrência da agilidade e do fascínio que as tecnologias nos proporcionam. O capítulo “CORPUS EX-MACHINA: Contatos imediatos porque mediados” de Vargas e Meyer retirado do livro “Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais”, organizado por Couto e Goellner, salienta um cenário onde as máquinas são uma extensão do homem para execução de atividades laborais.

O capítulo do livro utilizado como referencial para elaboração deste ensaio discorre a mutação constante do corpo através da utilização dos recursos tecnológicos. Explana, ainda, sobre transformações na vida social e nas experiências individuais que contribuem para a construção de subjetividade dos sujeitos. A comparação e correlação do homem com as máquinas vai além da facilitação de atividades e expansão privilegiada de soluções. A precisão maquinaria e tecnológica, leva o homem à uma busca similar de avanços de capacidade, a citada “ciborguização”. Isso leva o homem não só a interação tecnológica, mas a uma mudança de comportamento.

Desta forma, visamos comparar estes fatos à referências teóricas que relatem a problematização dessa fusão do homem com as máquinas e a mudança de significação do mesmo, além de detectar e pontuar questões importantes que ocorrem além do cenário hospitalar, mas como também em vários outros settings da vida do homem. Neste ínterim, apresentamos este ensaio com o objetivo de complementar e relacionar conhecimentos e discutir assuntos pertinentes ao capitulo “CORPUS EX-MACHINA: Contatos imediatos porque mediados”.

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Fonte: http://migre.me/vmhbx

O que é um ciborgue?

O texto de Vargas e Meyer, no livro Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais de Couto e Goellner (2007), apresenta o caso de uma “ciborguização” de uma enfermeira, integrante da equipe de atendimento da Unidade de Tratamento Intensiva. Primeiramente, é necessário definir o termo ciborgue (cyborg). Em termos gerais seria uma fusão do humano com a tecnologia, e, especificando, trata-se de um organismo que incorpora/incorporou uma estrutura cibernética a si mesmo. No que se refere a sua criação:

[…] o termo cyborg nasceu da contração de cybernetics organism e foi apresentado, também em 1960, por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline em um simpósio sobre os aspectos psico-fisiológicos do vôo espacial. Inspirados por uma experiência realizada nos anos 1950 em um rato, no qual foi acoplada uma bomba osmótica que injetava doses controladas de substâncias químicas, eles apresentaram a idéia de se ligar ao ser humano um sistema de monitoramento e regulagem das funções físico-químicas a fim de deixá-lo dedicado apenas às atividades relacionadas com a exploração espacial. (KIM, 2014)

Assim como um rato, os cientistas da época viram que o ciborgue seria um organismo mais aprimorado. Nisto, o ser humano com o seu corpo orgânico tão frágil frente às possibilidades e incertezas da natureza, poderia ser potencializado na tentativa de sair dessa perspectiva de submissão. Assim, Haraway (2000, p. 94) afirma que o ser humano híbrido tem suas funções supridas ou melhoradas através de mecanismos tecnológicos.

A partir desta premissa, é possível visualizar os avanços da medicina e bioengenharia a “favor” da saúde e da estética, pois propõe o uso de medicamentos, próteses, estudo do DNA, como formas de concretizar essa ciborguização do ser humano, de forma discreta e aceitável. Outro ponto de vista, ainda do termo referido, é a que foi exposta pelas autoras. No contexto hospitalar de UTI, tanto a enfermeira quanto os outros integrantes da equipe de atendimento se tornam cyborgs. São, não por possuírem uma parte física cibernética incorporada aos seus corpos, mas por utilizarem dos mecanismos tecnológicos e cibernéticos para sua atuação profissional, de forma que vão se mecanizando e não conseguem se dissociar destes.

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Fonte: http://migre.me/vmhK2

Além disso, a mesma tecnologia permite uma visualização high-tech (tecnológica avançada; de ponta) do corpo humano como também uma máquina, que possui estruturas decifráveis. E, portanto, pode ser investigado sem, necessariamente, ser de forma invasiva e sim simulada por um sistema informacional (cibernético). Como por exemplo:

Scanners, sistemas de ressonância magnética funcional, tomografia computadorizada dão acesso a imagens do interior do corpo. A partir de membranas virtuais, pode-se reconstruir modelos digitais do corpo em três dimensões, o que poderá ajudar os médicos em cirurgias. (Lima, 2005, p.05)

Vargas e Meyer sugerem “uma visão que concebe esse corpo, entre outras coisas, como um condutor ampliado de informação conectado a um complexo sistema computacional”, que se encontra dentro do contexto daqueles profissionais, cuja enfermeira faz parte: Reanimação de pacientes com Parada Cardiorrespitatória (PCR), precisam ser habilitados e rápidos, além desta visão.

Como ocorre a “ciborguização” dos profissionais de saúde

Dentro dessa mesma equipe os profissionais têm à sua disposição algorítimos, que de acordo com o Dictionary of Epidemiology de John Last (1983, apud Vargas e Meyer) significa: “qualquer processo sistemático que consiste em ordenar uma sequência de passos”, que também é sinônimo a protocolos clínicos. Estes direcionam o que os profissionais precisam realizar durante o atendimento de acordo com as situações peculiares de cada paciente. Ademais, os protocolos clínicos se utilizam de linguagem e siglas exclusivas dos profissionais habilitados. Desta forma, os profissionais da UTI precisam estar sempre bem treinados, à prontidão e corresponder aos protocolos indicados.

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Fonte: http://migre.me/vmgYJ

Por meio da tríade: informação – ser humano – máquina, aperfeiçoada no texto como “computador – profissional – equipamento”, há outra forma de enxergar o tema do texto “contatos imediatos porque mediados”. As autoras propõem que os termos: imediatos refere-se à rapidez do atendimento da equipe profissional, enquanto que mediados implica no serviço computacional (tecnológico) como mediador do atendimento entre o profissional e o paciente. Exemplificando no texto com o seguinte trecho:

[…] pela composição e treinamento de uma equipe preparada para agir com rapidez, os quais podem ser entendidos, nesse contexto, como sendo contatos imediatos. Já a programação de um sistema de monitoração que detecta e classifica precocemente o tipo de PCR, […] para oferecer todas as modalidades de atendimento possíveis a um/a paciente em PCR exemplificam, a priori, os denominados contatos mediatos. (VARGAS & MEYER, 2007)

O que propomos é repensar os contatos imediatos porque mediados, de modo que ao vocábulo “imediatos” pode ser pensada como a rapidez da informação, de como o sistema computacional proporciona agilidade no feedback para os profissionais (e pessoas). E em “mediados” como a mediação do ser humano entre a máquina (computador) e a informação. Fazendo, desse modo, jus à tríade citada anteriormente: “computador – profissional – equipamento”. É um panorama para acrescentar, como mais uma possibilidade de entendimento do texto. Foi formulada com base em alguns trechos, como:

Imediatos – “os humanos sempre tiveram associações íntimas com os dispositivos e tecnologias que eles/as construíram, mas nunca, antes, com tecnologias que operam à velocidade das novas tecnologias da informação” (GREEN & BIGUM, 1995, p. 230). E os mediados: “[…] a ciborguização da enfermeira intensivista, então, diz respeito menos ao conteúdo e à informação e mais ao estabelecimento ou à produção de novas relações entre conteúdo e informação” (VARGAS & MEYER, 2007, p.133). Esclarecendo, que se entendeu relações como um tipo de mediação elaborada pela enfermeira.

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Fonte: http://migre.me/vmgyt

E, a partir desses dois parâmetros ainda chegamos ao mesmo ponto: Qual o limiar entre o humano e tecnológico? Esta relação imediata e mediata faz cada vez mais o ser humano híbrido a máquina, a corporifica. De modo que não se consegue identificar a separação (se houver) do que é vivo com o não vivo. E, o sujeito se escandaliza ao perceber isto que lhe acontece. Nessa perspectiva, atentamos sobre a necessidade de refletir sobre o conceito de humano na contemporaneidade, no que ele é e pode deixar de ser (através da ciborguização). De acordo com o conceito de Heidegger (1973, p. 350 appud Lima, 2005), é preciso “meditar e cuidar para que o homem seja humano e não desumano, inumano, isto é, situado fora de sua essência” (p. 07).

Mudanças comportamentais decorrentes da mediação tecnológica

Os comportamentos e costumes dos sujeitos da sociedade pós-moderna sofrem imensas influências das descobertas tecnológicas que visam facilitar a vida destas pessoas. No ensaio “Corpus ex-machina: contatos imediatos porque mediados” a autora deixa claro ao narrar história de um acontecimento em um hospital médico cujas manifestações das ações dos sujeitos foram intensamente influenciadas e mediadas por tecnologias. Esta apropriação das tecnologias visando viabilizar uma maneira de realização de objetivos mais rápidos possuem diversas consequências, tendo como principal a desumanização das relações interpessoais.

Segundo Brocanelli (2011 p.2) o homem vive “em meio à multidão sem que lhe seja possível uma experiência autêntica”. Isto é, o ser humano, atualmente, tem a possibilidade de manter contato com diversas pessoas do planeta, de forma precisa e bastante rápida, todavia, deixando de lado as experiências que poderiam adquirir de forma empírica, mas agora obtendo-as ao conectar-se em rede.

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Fonte: http://migre.me/vmgtR

Esta escassez de experiências autênticas contribui para uma sociedade relativamente mecanizada, onde os seus habitantes estão atentos apenas àquilo que lhes é apropriado. Os momentos que foram perdidos, experiências que não chegaram a concretizar-se podem ser adquiridas sem gasto excessivo de tempo, apenas acessando redes computadorizadas que possuem todas as informações que necessitam. Benjamin traz uma reflexão sobre a perda destas experiências que

sempre fora contada aos jovens. De forma concisa, na autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa, com a sua loquacidade, em histórias; muitas vezes como narrativas de países longínquos, diante da lareira, contadas a pais e netos; que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado hoje, por um provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência?. (BENJAMIN 1994, APUD, BROCANELLI, 2011 p. 6)

Do ensaio “Corpus ex-machina: contatos imediatos porque mediados”, pode-se trazer a interpretação não apenas contribuições negativas para essa mediação tecnológica, se for levado apenas em consideração da facilidade do tratamento biológico, porém a autora intensifica a crítica implícita da ciborguização da enfermeira como forma de enaltecer a pobreza de experiências dos valores humanos, resultado da apropriação dos mecanismos que agora, fazem parte do cotidiano dos sujeitos pós-modernos.

O cerne da ética estudada por Gadamer (1997), contribui para entendermos sobre a mediação dos comportamentos definindo que o homem não produz a si mesmo da mesma forma que produz as coisas úteis para sua vida. Baseando-se nessa ética, a tarefa mais importante na existência humana é a decisão ética, ao buscar respostas frente as diversas situações concretas. Frente a essas situações inesperadas o homem deve ter e manter uma atitude ética ao responder e, essa atitude não pode ser aprendida e nem pré-determinada pois depende da disposição humana.

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Fonte: http://migre.me/vmi3S

Do título “Corpus ex-machina: contatos imediatos porque mediados” também pode-se interpretar de outra forma: A mediação tecnológica dos contatos humanos. Isto é, as relações interpessoais foram “cristalizadas” e moldadas a partir da inserção do mundo tecnológico em nosso ambiente, assim como afirmado por Brocanelli (2011, p. 6-7)

se existe um objetivo nesse desenvolvimento, é formar e acomodar as pessoas em suas tarefas, uniformemente, sobrecarregando-as com atividades e sugando suas energias até que se acostumem em um ritmo que não provoque mudanças, mas as envolva na performance acelerada, reinando o tempo administrado sobre o tempo da alma, aprisionando-a.

Portanto, Gadamer (1997) ao defender que a experiência é um acontecimento que não se permite ser apossado por ninguém, não pode ser determinado quaisquer observações, pois na verdade nela tudo se ordena de forma incompreensível, destaca a importância da abertura à experiência e demonstra que a dialética desta se executa em tal abertura, sendo posta em funcionamento pelo próprio processo de experiência.

Conclusão

No texto de Vargas & Meyer é enfatizado sobre o desenvolvimento tecnológico que está inserido no ambiente hospitalar, sendo assim, os contatos imediatos de serviços realizados pelos profissionais da saúde aos pacientes são mediados por um sistema que necessita de uma tecnologia computadorizada. Para este contato ser bem-sucedido, é necessário que toda a equipe hospitalar seja capacitada para assim lidar com pacientes com PRC (parada cardiorrespiratória) sabendo desenvolver técnicas de RCR (reanimação cardiorrespiratória) em pouco tempo.

As enfermeiras são comparadas a ciborgues, pois estão cercadas de aparelhos tecnológicos. As enfermeiras intensivistas, são tidas como ciborgues de UTI, por utilizarem programas computacionais. Essas enfermeiras citadas no texto estão interligadas ao conteúdo e informações da tríade do sistema computadorizado. Se integram a máquinas por terem que corporificar tecnologia. Dessa forma, o corpo transmite mensagem ao monitor sendo a enfermeira intensivista uma condutora de um sistema computadorizado. O serviço que as enfermeiras se inserem, torna-as robotizadas, visto que os seus sentidos como a escuta, o olhar e suas formas de se deslocarem funcionam através dos comandos de máquina.

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Fonte: http://migre.me/vmipp

A questão da mediação do serviço utilizando os avanços tecnológicos nos faz pensar que outras formas de atuação no ambiente trabalho que não visem esse sistema computadorizado, seria uma quebra de paradigma muito grande, visto que o sujeito tornou-se totalmente dependente de uma máquina que orienta como desenvolver melhor o serviço. Conclui-se que é importante uma reflexão sobre se os nossos atos como seres humanos está nos tornando parecidos com máquinas, pois há outras formas de ser e viver que não depende somente de máquinas desenvolvidas tecnologicamente para prestar os comandos de serviço.

REFERÊNCIAS:

BROCANELLI, Cláudio Roberto. Experiência, formação humana e educação: reflexão a partir dos pensamentos de Walter Benjamin e Hans-George Gadamer. In: 3° CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇAO, 3., 2011, Parana: Uepg, 2011.

GADAMER, Hans-George. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do Séc. XX. In SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

KIM, Joon Ho. Cibernética, ciborgues e ciberespaço: Notas sobre como origens da cibernética é Sua Reinvenção cultural. Horiz. antropol. , Porto Alegre, v. 10, n. 21, p. 199-219, junho de 2004. Disponível em: < “http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832004000100009&lng=en&nrm=iso”>. Acessado em 07 de setembro de 2016

LIMA, R. L. A. Do corpo-máquina ao corpo-informação: o pós-humano como horizonte biotecnológico. Encontro anual da ANPOCS, 2005. Disponível em: < “http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=3848&Itemid=318>. Acessado em 24 de agosto de 2016.

TEXEIRA, Ivana dos Santos; FRAGA, Alex Branco. Mutatis mutandis in corporae. Movimento, Porto Alegre, v. 14, n. 02, p. 233-238, maio/agosto de 2008. . Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/Movimento/article/viewFile/5757/3366>. Acessado em 26 de agosto de 2016.

Vargas, M. A. Meyer, D. E. Corpus Ex-Machina: contatos imediatos porque mediados. In: COUTO, Edvaldo Souza; GOELLNER, Silvana Vilodre (Org.). Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. Porto Alegre, Ed. da UFRGS, 2007, p. 123-142.

 

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Psicologia Hospitalar e cuidados intensivos

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No quarto dia da primeira Semana Acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra, houve uma mesa redonda com profissionais psicólogos ligados a saúde hospitalar, a partir do seguinte tema: O psicólogo hospitalar na atualidade. Três componentes da mesa trabalham no Hospital Geral de Palmas.

Uma das profissionais focou no tema dos psicólogos hospitalares em unidades de cuidados intensivos. As unidades de cuidados intensivos só atendem pacientes em estado grave ou em casos de risco da própria vida. Desse modo, é preciso primeiramente uma mão de obra qualificada e aparelhos sofisticados.

Quando o paciente é enviado a essas unidades, é de maneira abrupta. Isso acarreta um alto nível de estresse e descontentamento. O ambiente é muito iluminado, confinado e estressante. O enfermo não tem privacidade e geralmente possui pouca relação com os profissionais da saúde, pois há troca constante deles devido ao excesso de testes.

Em uma análise psicológica do estado mental do doente nesta situação, os profissionais disseram que os mesmos se encontram com medo, impacientes, inseguros quanto à recuperação, ansiosos devido aos procedimentos e à falta de comunicação. É a partir desse momento que o profissional da saúde mental deve abordar e estudar a condição do paciente. A partir do seu histórico familiar, social, econômico e trajetória de vida, o psicólogo atende e tenta auxiliá-lo neste processo.

A profissional apresentou aos ouvintes algumas diretrizes necessárias para a assistência psicológica em unidades de cuidado. Ele deve promover o acolhimento do paciente, identificar os aspectos psicossociais a partir de entrevistas e do seu histórico de vida. Tentar minimizar os agentes estressores e geradores de ansiedade. Avaliar a partir da visão do enfermo a gravidade da doença para ele e como reage sobre esta problemática.

hqdefaultFonte: http://nunesjanilton.blogspot.com.br/2016/06/psicologia-hospitalar.html

Os objetivos principais do psicólogo nestas unidades são o alívio da angústia, o favorecimento da melhora da qualidade de permanência nestes locais. Compreender as crenças e os sentimentos deles; enxergar o paciente não como doença, mas sim como indivíduo dotado de singularidades. Eles geralmente apresentam ansiedade e temor dos resultados dos testes; agitação psicomotora; insegurança; medo e impotência; agressividade, depressão ou delírio, além de desequilíbrio psicológico pelo prolongamento da internação, entre outros.

Muitas vezes a gravidade da doença para o paciente é encarada de forma diferente para a família. E em vários casos, eles não podem interagir verbalmente devido a estar debilitados e limitados a aparelhos. Desse modo o psicólogo deve promover meios em que haja gestos ou outras maneiras que estabeleça a comunicação. Também há situações em que o enfermo não reage a nenhum tipo de comunicação devido ao seu estado final de vida.

O psicólogo tenta promover a melhor interação entre o paciente, profissionais e familiares. Esta tríade deve estabelecer a comunicação saudável a partir da compreensão da gravidade da enfermidade. As unidades intensivas são ambientes propícios para discussões familiares e de grande tensão.

O acolhimento é hospedar, receber, dar crédito, atender, escutar os pacientes e familiares. A partir disso cria-se a demanda para iniciar o processo de acolher o doente.  O caso do enfermo é mais crítico porque é bombardeado a todo o momento por estar submetido a vários procedimentos e profissionais.

O psicólogo atua como facilitador de fluxos emocionais; ele tenta estudar a subjetividade do paciente e resgatá-la; tenta recuperar sua identidade como indivíduo. Ele também procura denunciar a finitude do ser humano, pois obedecemos a um ciclo inevitável, que é nascer, desenvolver-se e falecer. Tal compreensão facilita a aceitação da doença.

1427801417_10Fonte: http://www.noarnoticias.com.br/noticias/Setrem-promove-8-Jornada-de-Psicologia/3417

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