Acolhimento em Rede – A atenção com a saúde indígena

Compartilhe este conteúdo:

Neste mês de maio, no CEULP/ULBRA ocorreram oficinas na área da saúde, com o tema “Acolhimento em Rede”.  O evento foi promovido pela Política Nacional de Humanização – PNH do Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e com o apoio do (En)Cena, possibilitou a vinda dos consultores e demais profissionais da área da saúde.

Crianças indígenas da Aldeia Mariazinha, em Tocantinópolis
Foto: divulgação/SESAI

Muito tempo já se passou desde que os Missionários cuidavam dos Índios. E se for considerado o período transcorrido entre o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) já foram 100 anos.

Ainda assim, continuam os debates sobre como operar a atenção à saúde indígena e, infelizmente, esta permanece em condições precárias, em muitos locais com características itinerantes ou por demanda, de forma fragmentada. A preocupação é tanta que a comunidade já está em estado de alerta.

Desespero

Segundo o consultor da Política Nacional de Humanização em Saúde Indígena, Paulo Morais, o povo indígena não se conforma com o descaso com que são tratados e, por isso, infelizmente, estão ‘resolvendo’ a situação sozinhos.

“Eles (os índios) estão desesperados, estão morrendo porque não são vistos nem tratados como deveriam. A desatenção está matando este povo, porque eles preferem morrer a serem tratados com o preconceito, de forma inadequada”, enfatizou.

Joaquim Felipe, enfermeiro da SESAI, durante a oficina “Acolhimento em Rede”
Foto: Walter Riedlinger

Ainda assim, buscam outras alternativas para suprir suas necessidades enquanto condições e qualidade de vida.

“O índio vê os serviços como meio de reivindicar melhorias”, contou Joaquim Felipe, enfermeiro da Secretaria Especial de Saúde Indígena.

Se chamam muito para pedir ajuda?

“Ah, chamam bastante”, afirma Joaquim

Acolhimento no SUS

Segundo o Departamento de Atenção Básica (DAB), o Subsistema de Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (SUS) está organizado em 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). É um espaço étnico-cultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado, que não guarda relação direta com os limites dos estados e municípios onde estão localizadas as terras indígenas. Porém, nem sempre o povo indígena contou com atendimento de saúde pública.

“A saúde indígena, hoje, está associada ao SUS, mas antes era privada”, afirmou Joaquim Felipe.

A fim de garantir um processo de construção coletiva, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) realizou uma oficina, em 19/11/2013, com representantes estaduais que informaram a situação atual e propuseram soluções. A sistematização das contribuições dos estados foi analisada por um grupo de profissionais em saúde indígena, em 10/03/2014, que também acrescentou propostas de solução. Por fim o documento foi debatido na Assembleia do CONASS, no dia 26 de março de 2014 e, enriquecido com as observações dos gestores estaduais.

O consultor Paulo Morais nos explica como é feito o acolhimento na comunidade indígena.

“O acolhimento é a consolidação da equidade dos processos do SUS. Na prática, é ter atenção à saúde do povo indígena. É respeitar a condição étnica deste povo”, disse.

Paulo foi sucinto, porém este processo é bem complexo, com barreiras e cheio de desafios. Por isso, é necessário muito cuidado ao falarmos sobre saúde indígena.

As  barreiras

Das barreiras existentes no acolhimento à comunidade indígena, podemos destacar duas. A primeira barreira é bem óbvia: a língua.

“A barreira mais evidente no atendimento é a língua”, disse Joaquim Felipe.

A segunda barreira é o acesso às comunidades, que geralmente estão situadas na zona rural. Porém, segundo Paulo Morais, nenhuma delas são desculpa para um acolhimento adequado

“O acesso e a língua não podem ser uma barreira. Não podemos lidar como dificuldade. É complexo, mas o estado se propos a criar meios de se trabalhar, meios para resolver a questão”, disse.

Os desafios

Direito à igualdade é o desejo de muitos povos e com o povo indígena não é diferente. Ele, apesar de suas particularidades, quer ser tratado com os mesmos direitos que o homem branco. Este é um dos desafios no acolhimento que o profissional de saúde tem que ter consciência.

Profissional da Saúde em atendimento na comunidade indígena (Foto: SESAI)

“O desafio em acolher é atender o povo indígena em igualdade, mesmo com a humanização”, disse o enfermeiro Joaquim Felipe.

Outro desafio é, ao menos, tentar diminuir o preconceito no processo de acolhimento. A situação, como percebemo, é grave e tem um porquê: o desconhecimento sobre a cultura e comportamento indígena.

“O índio é forçado a ser o que não é. O maior desafio para ele é poder ser visto como realmente é. Porque tratando o povo indígena como minoria, isso gera preconceito. Há um total desconhecimento sobre os costumes deles e como eles devem ser atendidos”, alertou Paulo Morais.

Se essas já são situações difíceis de se lidar, mais difícil ainda é levar o paciente indígena à unidade de saúde.

“O agente indígena de saúde geralmente fala as duas línguas. Então, ele faz o intercâmbio entre o homem branco (urbano) e o indígena.O grande desafio é fazer o índio não ter o elo com o agente, ter a segurança e a confiança de ir direto ao SUS”, contou Joaquim Felipe.

Com tantos desafios, cria-se a expectativa de que oficinas como “Acolhimento em Rede” possam trazer alternativas para que os profissionais possam intervir e terem condições de vencer esses desafios.

“O objetivo desta oficina para nós é levar a qualidade da saúde no estado no tratamento e atenção diferenciada. Temos que construir os processos nos territórios indígenas. A discussão é necessária para melhor discernimento sobre as práticas mais adequadas”, afirmou Paulo Morais.

Compartilhe este conteúdo:

Perspectivas e Apostas: uma conversa com Tássio de Oliveira

Compartilhe este conteúdo:

Psicólogo recém-formado pelo CEULP/ULBRA, piauiense de 22 anos, no Tocantins há 5 anos, Tássio de Oliveira recebeu o Portal (En)Cena para falar sobre o trabalho em Saúde Mental desenvolvido junto às comunidades indígenas no Estado do Tocantins, além de responder a questões ligadas a arte e outras formas de expressão e suas implicações.

Tássio de Oliveria em suas atividades. Foto: Rodrigo Gomes

(En)Cena – Sobre a Saúde Mental e a forma de enxergar e lidar com as questões contemporâneas dessa atividade, porque você buscou essa área e também quais suas impressões sobre o serviço em saúde mental hoje?

Tássio de Oliveira – Acredito que a idéia que se tem hoje em Saúde Mental, motiva não só a mim, mas a muita gente que aposta em uma idéia de que é possível tratar a pessoa com transtorno psicossocial sem necessariamente tirá-la do convívio com outras pessoas. Acho que isto é o principal atrativo hoje.

(En)Cena – Sobre os CAPS e essa nova abordagem como você enxerga a trajetória e a situação atual do serviço em Saúde Mental?

Tássio de Oliveira – Eu acho que o CAPS tá se tornando conhecido como um ‘novo lugar de louco’ mas o mais importante é que ele não está se tornando um ‘depositário de pessoas’ que é como ficaram tachados os asilos e outras instituições ligadas a Saúde Mental em outros cenários e épocas. É uma outra mentalidade que traz também uma outra forma de trabalhar, está sujeita ao mesmo processo mas traz algo diferente.

(En)Cena – Tássio, o trabalho de atenção em saúde mental voltado ao indígena mostraria algumas destas diferenças?

Tássio de Oliveira – As diferenças se dão na forma de trabalhar os elementos culturais. Deve-se respeitar o contexto de cada tribo, os costumes. Nas aldeias se verificam dificuldades da equipe realizar procedimentos de imunização por exemplo, ou de exames em pacientes do sexo feminino, o que tem de ser compreendido. A grande dificuldade talvez resida em ligar com outros problemas como, por exemplo, o consumo de álcool cada vez maior. Mas o conceito é o mesmo, cada indivíduo tem sua trajetória.

(En)Cena – Para você o que é trabalhar com saúde mental?

Tássio de Oliveira – Trabalhar Saúde Mental para mim é um movimento dialético de construção e desconstrução. É buscar formas de se expressar, é compreender que a figura do louco durante muito tempo foi o extremo da diferença e também durante anos foi alvo de discriminação e dizer para o mundo que as pessoas têm de começar a aceitar a convivência com pessoas com transtornos e admitir estas especificidades é que valoriza e compõe este trabalho.

(En)Cena – E o que te move dentro desse processo de construção e desconstrução?

Tássio de Oliveira – Para mim não importa onde estamos, seja em um serviço ligado diretamente a Saúde Mental ou em outro setor da sociedade, todos temos um compromisso com a sociedade em buscar transformar a realidade a partir de sua atuação, então buscar essa relação é algo que vem a partir deste pensamento.

(En)Cena – E o que você colocaria em evidência, literalmente em cena, hoje sobre Saúde Mental?

Tássio de Oliveira – Para mim as aproximações dos mecanismos culturais, políticos e artísticos da proposta que existe hoje para a condução da discussão sobre Saúde Mental, tudo pode ser entendido como maneiras de expressão e apreensão. Então considero que toda a proposta que agregue isto é bem-vinda e deve ser entendida não só como alegoria, mas como algo fundamental

Compartilhe este conteúdo: