No artigo que inspira o título desta escrita a autora trabalha conceitos, termos e definições tais como: padrões relacionais, dinâmica conjugal, sistema familiar, campo de diálogo, perspectiva sistêmica, conjugalidade, reconstrução de individualidade, os quais compõem o “dadaísmo” do estudo sobre tão vasto e complexo tema que é o da construção e dissolução da conjugalidade.
Fita o olhar para a constituição da conjugalidade, realçando a complexidade desta, bem como a sua manutenção, visto que se reveste de desafios a serem superados, para que se torne uma relação afetiva (estável).
O estudo considera que uma relação é formada por indivíduos – “unidades autônomas”, que por fatores diversos se dispõem a compor um sistema formado por ideias, vontades, saberes e perspectivas nem sempre convergentes, visto que a intersubjetividade permeia toda a relação conjugal e às partes cabe a co-criação de significados para o sistema relacional constituído.
Fonte: encurtador.com.br/rtvLR
O imaginário social é realçado pela autora no sentido de evocar a ideia do casal como um par associado por vínculos afetivos e sexuais de base estável, com fortes compromissos de apoio recíproco, formando uma nova família, se possível, filhos. Ainda no contexto filhos com ênfase na satisfação conjugal, o estudo Hicks e Platt (1970) em sua revisão afirmam: “Talvez a única e mais surpreendente descoberta destas pesquisas é que crianças tendem a prejudicar mais do que contribuir para a felicidade conjugal“
No caminhar da construção do artigo, entre vários estudos, ilustra sobre os padrões relacionais, o de Bateson et al (1956), que postula teoria do duplo-vínculo podendo ser considerada como o início da perspectiva interacional, com importantes consequências para a pesquisa acerca da conjugalidade, mudando a pergunta para: Quais padrões de interação estão presentes em casais funcionais, e quais nos disfuncionais? O de Broderick (1971) que introduziu a perspectiva sistêmica para pesquisadores sociais, marcando a mudança de foco.
Entendendo a satisfação conjugal frente as várias teorias propostas, realça a importante influência da teoria geral dos sistemas, de Von Bertalanffy (1968/1977), que estimulou clínicos e pesquisadores a abordar as interações sociais e familiares como um padrão geral de interação, que poderia ser compreendido através da perspectiva das propriedades emergentes dos sistemas. Como sistema, ao propor a Entrevista Familiar Estruturada (EFE), Féres-Carneiro (2005) observou que o diagnóstico familiar deve ser um diagnóstico interacional, que considere a família como sistema homeostático. O sintoma de um membro deve ser considerado um sintoma da patologia familiar.
Fonte: encurtador.com.br/gxJLQ
Os conceitos flutuam, as teorias “emergem” e chega-se nos estudos da conjugalidade levando em conta as questões de gênero e padrões interacionais conjugais, o estudo da violência na relação, diferenças culturais e de raça. Também grupos familiares e casais minoritários considerados como objeto de estudo, o divórcio, o abandono e o recasamento receberam atenção.
Em um apanhado de conceitos, a leitura do artigo ilustra que os estudos interacionais sugerem direções e intervenções, implicando na necessidade de aumentar o afeto positivo e reduzir os afetos negativos nos conflitos conjugais, implementando técnicas de reparação, reduzindo os aspectos severos nas discussões, reduzindo a defensividade e aumentando a serenidade. Cabe ao terapeuta, na terapia de casal, identificar a dinâmica conjugal e ser capaz de interagir no sentido de promover a saúde emocional dos cônjuges.
REFERÊNCIA
FERES-CARNEIRO, Terezinha; DINIZ NETO, Orestes. Construção e dissolução da conjugalidade: padrões relacionais. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto , v. 20, n. 46, p. 269-278, Aug. 2010 . Availablefrom<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2010000200014&lng=en&nrm=iso>. accesson 16 Apr. 2021. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2010000200014.
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Beautiful Boy: Vício em Drogas Fragmentando o Indivíduo e sua Família
A faca se aproximou da minha garganta novamente, eu quase voltei a ligar o gás, mas quando os bons momentos chegaram, não lutei contra eles como um adversário. Deixei-os me levarem, deleitei-me com eles, fiz com que fossem bem-vindos em casa. “Let It Enfold You,” by Charles Bukowski
Beautiful Boy (Querido Menino) é uma adaptação de dois livros de memórias: Beautiful Boy (2008), de David Sheff; e Tweak: Growing Up on Methamphetamines (2009), de Nic Sheff. Ambos são pai e filho e mostram na descrição de suas memórias como as consequências do vício podem produzir feridas profundas no indivíduo e em sua família. O filme traz à tona a história real de David e Nic, interpretados respectivamente por Steve Carell e Timothée Chalamet a partir da perspectiva de David, o pai, em sua tentativa de entender e ajudar o filho Nic, de 18 anos, em sua complexa jornada de dependente químico.
O desafio do diretor Felix Van Groeningen foi distinguir este filme de tantos outros sobre o mesmo tema (como os espetaculares Trainspotting e Requiem for a Dream, ou o drama adolescente estrelado por DiCaprio, The Basketball Diaries). Assim, quando o diretor concentrou-se na relação pai e filho, apresentou alguns diferenciais na trajetória por vezes tão repetitiva do vício (uso, reabilitação, sobriedade e recaída). Nessa direção, ao acompanharmos as angústias de David, vimos as indagações de tantos pais antes e depois dele: “Por quê?” Por que seu filho inteligente, sensível e carinhoso se tornou um dependente químico? Que momento ativou a mudança de comportamento? De quem é a culpa? Nenhuma dessas indagações tem uma resposta satisfatória, muitas delas nem têm respostas.
Várias gerações leram na adolescência o livro O Estudante, de Adelaide Carraro, publicado pela primeira vez em 1975. O livro é um alerta a pais, jovens e professores sobre as múltiplas faces do dependente químico, mostrando que qualquer pessoa pode se envolver nesse universo, logo não há distinção de classe social, idade etc., e muitas vezes, não há um porquê, por exemplo, um trauma na infância ou adolescência motivador da mudança de comportamento. Em Beautiful Boy é essa ausência de motivo que torna a jornada do pai ainda mais angustiante. Ele é um escritor, sempre buscou elementos em suas histórias que fossem condutores dos seus personagens, estava acostumado a identificar estímulos que geravam mudanças de comportamento. E justamente na história protagonizada por seu filho, esses estímulos lhe pareciam obscuros. Talvez porque o ambiente e suas variáveis são assimilados diferentemente por cada indivíduo, o que para o pai não parecia ter sentido, para Nic, estar sob o efeito de uma droga que lhe permitisse ter sensações novas, aflorava sua sensibilidade e sua percepção.
Para mostrar como funciona a mente do pai nessa jornada em entender os motivos que levaram seu querido menino ao vício, o diretor trabalha com flashbacks dos momentos da infância à adolescência de Nic, sempre mostrando a relação dos dois. O filme não tem uma sequência linear, todo esse vai e vem de lembranças, ao final, reforçam a tentativa de David em entender em que momento perdeu o filho, ou em que momento algo foi potencialmente acionado e que transformou de forma aparentemente definitiva o menino que ele criou, que ele ama.
A metanfetamina, que é a principal droga usada por Nic, é um estimulante extremamente potente que afeta várias áreas do Sistema Nervoso Central (SNC). Segundo Gouveia (2017, apud LINEBERRY and BOSTWICK, 2006; ALAM-MEHRJERDI et al, 2015):
Há vários efeitos sistêmicos associados ao consumo de metanfetamina, destacam-se no nível psiquiátrico: ansiedade, irritabilidade, paranoia e o comportamento compulsivo e obsessivo; no nível cardíaco: taquicardia, hipertensão, palpitações, arritmias e síndrome coronário agudo; no sistema pulmonar: taquipneia, dispneia e edema agudo do pulmão; no sistema renal: insuficiência renal aguda e rabdomiólise; no nível dermatológico: escoriações, úlceras e queimaduras químicas; e, por fim, no nível metabólico: hipertermia e acidose metabólica.
Para entender o que se passava no organismo do filho, especialmente como a droga afetava sua mente, David procurou ajuda de um médico, e a resposta que recebeu foi devastadora. Segundo o psiquiatra, a metanfetamina muda fisicamente o cérebro, pois há uma perda dos receptores de dopamina. Além disso, o médico mostrou uma imagem do cérebro de um viciado em metanfetamina e apontou para dois pontos vermelhos, que representavam uma hiperatividade na amígdala, a região do cérebro ligada à ansiedade e ao medo. No caso de um viciado nesta droga, “a amígdala está gritando”, segundo o psiquiatra “isso mostra que há uma base biológica que pode fazer com que os usuários desta droga sejam incapazes, não sem vontade, mas sim incapazes de participar de programas de reabilitação tradicionais”.
Enquanto David sai em sua cruzada para entender as consequências da droga no organismo do seu filho na esperança de encontrar algum meio para ajudá-lo, Nic se afasta cada vez mais do garoto que ele foi. Usa várias drogas até se viciar em metanfetamina. Nesse percurso é mostrado desde o garoto de personalidade introspectiva, muito inteligente e sensível, brincalhão e carinhoso com seus irmãos mais novos, fã de David Bowie e um leitor voraz das poesias de Charles Bukowski até o rapaz fragmentado, confuso, sem forças para lidar contra o vício e com uma aparência modificada pelo uso excessivo da droga. Ao final, pouco lembra o “beautiful boy” que dá título ao filme.
Na poesia de Charles Bukowski, lida por Nic, há um trecho que diz “paz e felicidade para mim eram sinais de inferioridade, inquilinas de uma mente fraca e confusa, mas enquanto eu prosseguia com minhas lutas no beco, meus anos suicidas, […] me ocorreu que eu não era diferente dos outros, eu era o mesmo, eram todos cheios de ódio, encobertos por pequenas queixas”. A homogeneização potencializada pelo uso de drogas favorece uma interpretação mais perturbadora dessa poesia. Nic e sua namorada, assim como outros viciados que aparecem no filme, começam a evidenciar angustiantes semelhanças, até no aspecto físico.
Um dos pontos mais emocionantes do filme ocorre no depoimento de uma mãe em uma reunião de apoio a familiares de dependentes químicos. Ela inicia o depoimento dizendo que sua filha tinha morrido de overdose naquela semana, e depois acrescenta: “Estou de luto, mas eu percebi outra coisa, na verdade estou de luto há anos, porque, mesmo quando viva, ela não estava lá. Quando você fica de luto pelos vivos, é um jeito duro de viver.” Além de todos os problemas causados no organismo do dependente químico, as drogas também deixam um rastro de dor, desespero, vergonha e culpa. Nas reuniões com os familiares, há uma tentativa de minimizar tais sentimentos negativos por meio do compartilhamento de vivências.
Ao final, talvez a mensagem mais contundente seja a transmitida por alguns versos do Bukowski em sua poesia “Let It Enfold You”: “Cautelosamente me permiti sentir-me bem às vezes. Eu encontrei momentos de paz em quartos baratos apenas olhando para os botões de alguma cômoda ou ouvindo a chuva no escuro, quanto menos eu precisasse, melhor me sentia.” Mas, sentir-se bem nem sempre é possível, nem sempre é algo que dependa somente da pessoa, nem sempre nosso organismo contribui com nossos lampejos de enfrentamento. Assim tão relevante quanto apreciar as coisas simples da vida, é importante ter empatia com o outro. E, neste contexto, prestar atenção ao outro que sofre compreende a atenção ao dependente químico e aos seus familiares, cujas relações foram fragmentadas em meio a resíduos de dor, violência e desesperança.
FICHA TÉCNICA DO FILME
BEAUTIFUL BOY
Título original: Beautiful boy Direção: Felix Van Groeningen Elenco: Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney, Amy Ryan Ano: 2018 País: EUA Gênero: Drama
Referências ALAM-MEHRJERDI, Z., MOKRI, A., DOLAN, K. Methamphetamine use and treatment in Iran: A systematic review from the most populated Persian Gulf country. Asian journal of psychiatry. 2015; 16:17-25.
GOUVEIA, P. J. B. Psicoses induzidas por anfetaminas: Um trabalho de revisão. Dissertação de Mestrado. Março, 2017. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/104590/2/195181.pdf.
LINEBERRY, T.W., BOSTWICK, J.M. Methamphetamine abuse: a perfect storm of complications. Mayo Clinic proceedings. 2006; 81(1):77-84.
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Ansiedade à luz da Gestalt-Terapia: o aqui e agora corrompido
A Gestalt-terapia é uma abordagem construída a partir de inúmeros pressupostos, como a filosofia existencial, a teoria organísmica, a fenomenologia, entre outras. Esta abordagem percebe e considera que o homem é um ser único e capaz de se realizar durante sua existência. Considera, ainda, este como um ser para a relação, que se constrói a partir da experiência com o outro.
Ribeiro (2012) ressalta que
Tanto a proposta gestaltistica como a existencialista se encontram e se irmanam no sentido de privilegiar o homem como ser que se possui, como ser livre e responsável. (…) a crença no homem, aqui e agora presente, capaz de tornar-se cada vez mais consciente de si próprio, a partir da experiência vivida agora e da certeza de sua extensão para depois (…) (p.61).
A Gestalt-terapia possui inúmeros conceitos. Destacar-se-á alguns destes para melhor compreensão da temática deste trabalho como o campo, auto regulação ou homeostase, fronteira de contato, ajustamento criativo, Awareness e o aqui e agora.
O campo refere-se à relação entre o indivíduo e seu meio. Segundo Perls (1977 p. 31) esta relação homem/meio determina o comportamento do ser humano sendo que se a relação entre ambos é satisfatória o comportamento é tido como normal, mas se esta é conflituosa o mesmo já é colocado na posição de anormal. A auto regulação ou homeostase diz respeito ao equilíbrio do indivíduo na interação com seu meio. É onde este satisfaz suas necessidades na busca de equilibrar-se de forma dinâmica (SANTOS; FARIA, 2006, p. 268).
Quanto à fronteira de contato entende-se como o local da experiência do indivíduo-meio.
Fonte: https://bit.ly/2LmYVmi
As fronteiras são processos de separação e ligação, os quais possibilitam a diferenciação entre o organismo e o seu meio, bem como a seleção dos elementos nutritivos daqueles que são tóxicos, sendo que essa diferenciação ocorre por meio dos órgãos sensoriais e pelas respostas motoras frente ao ambiente. (SANTOS; FARIA, 2006, p. 267)
Já o ajustamento criativo consiste na natureza do contato existente na fronteira do campo onde o indivíduo se regula e se ajusta as situações ali experienciadas (DACRI; LIMA; ORGLER, 2012, p. 20-21). Outro conceito importante é o da Awareness que não tem uma tradução específica e pode ser compreendida como “tornar presente”, “presentificar”, “conscientização”. Refere-se à capacidade de discriminar aquilo que é bom e ruim o que resulta em crescimento no processo de ajustamento criativo (SANTOS; FARIA, 2006, p. 267).
Para melhor compreensão da temática ansiedade, faz-se necessária a compreensão deste ultimo conceito, o aqui e agora. Este se refere ao momento presente, Perls (1977 p. 77) acredita que “O agora nos mantém no presente e nos põe a par do fato de que nunca é possível uma experiência, exceto no presente.”. Portanto, entender o sujeito ansioso e os fenômenos que o cercam envolve a compreensão de que “a ansiedade é o vácuo entre o agora e o depois.” (PERLS, 1969, p.15).
A ansiedade é um fator que está presente com frequência nos sujeitos da atualidade, muito mais em uma época de globalização e capitalismo exacerbado com constantes oscilações de mercado, extrema velocidade de informações e novidades tecnológicas que terminam por contribuir para que as pessoas se sintam mais ansiosas, e assim desenvolvendo os adoecimentos e transtornos característicos dessa época.
Fonte: https://bit.ly/2v3QSQi
Desenvolvemos no mundo contemporâneo um cenário social de esvaziamento, banalização, solidão, insegurança, individualismo, e tantos outros sintomas que parecem sugerir, diante dos avanços científicos e tecnológicos que o problema não reside tão somente nesse contexto, e sim na forma como ele foi sendo construído, se formando sob as bases de um sistema complexo e calcado no capitalismo neoliberal, um crescimento político econômico e social que não considera a dimensão holística e subjetiva do homem, e das outras formas de vida. “Gestalt-terapia transcende a visão dicotômica, reducionista e pouco complexa do mundo, delineando uma visão de homem e de mundo que substitui a conjunção alternativa ‘ou’ – que separa e fragmenta – pela aditiva ‘e’ – que relaciona e integra”. (NUNES, 2008, p.187).
Lima (2009) acrescenta que as preocupações com a competência, a seriedade e a eficiência na vida diária do homem contemporâneo, muito mais por parte dos que vivem nos grandes centros urbanos, e que lutam pelo seu sustento, experimentando um processo de esvaziamento do contato, uma espécie de redução dos sentimentos e das sensações e emoções, em que nos tornamos mais distantes de nós mesmos e também dos relacionamentos afetivos mais profundos, tem afetado e, desse modo, vamo-nos tornando apenas repetidores de papéis, sem criatividade pagando um preço por vivermos um tempo de medo, que de certa forma paralisa nossa ousadia e criatividade. Com isso, os quadros de ansiedade, pânico e demais fobias são cada vez mais frequentes em nossa sociedade atual.
Desse modo, sendo o termo “Gestalt”, enfatizando o sentido de totalidade, configuração e interdependência nas partes que formam um todo, e assumindo uma concepção revolucionária na qual o mundo, a pessoa ou qualquer outra coisa poderá ser compreendido para além das somas das partes que o compõem. “Ou seja, ao interagir no todo cada parte é superada, ao ser afetada e transformada pelas outras ‘partes’ com que se relaciona. Da mesma forma, o próprio ‘todo’ supera a soma das partes que o compõem, transcendendo-as”. (NUNES, 2008, p.187).
Henckes e Santos (2017) acrescentam que ansiedade para a Gestalt Terapia pode ser compreendida como uma interrupção, ou mesmo como um movimento e sintoma de que o sujeito procura se adaptar, na tentativa de lidar com situações, que porventura venha a trazer lembranças e pensamentos daquilo que muitas vezes o faz sofrer.
Fonte: https://bit.ly/2JOhU3L
Importante ressaltar que para a Gestalt Terapia, o sujeito é constituído na relação, com isso ele é parte de um contexto sócio cultural, devendo ser observado dessa forma; e ao trabalhar na clínica acerca do diagnóstico, é acima de tudo ter o cuidado de não usar uma visão que venha a reduzir ou mesmo despersonalizar a pessoa que está buscando ajuda. Portanto cabe ao terapeuta na clínica da Gestalt, uma busca pela valorização da singularidade do sujeito e ainda nas implicações que fazem parte da vida e do processo terapêutico desse cliente.
Santos e Faria (2006) apresentam a Gestalt-Terapia por meio da definição do self como a fronteira do contato em movimento. Falando ainda que ao tocar algo no mundo, imediatamente essa pessoa também é tocada, experiência essa que sustenta e define o self, como sendo também o self a experiência de contato que acontece com o mundo no aqui e agora, e por meio da fronteira, se dá o momento a momento. Esse é o leve movimento e processo do organismo que busca no meio uma forma de satisfação de suas necessidades e mesmo de um objeto que seja importante, no tempo e lugar determinado, e ainda relacionando-se assim com o que os autores chamam de auto-regulação organísmica; como sendo o processo por meio do qual acontece a interação entre o organismo e o meio, assim o organismo procura o equilíbrio homeostático.
Desse modo, e buscando essa homeostase e auto-regulação organísmica, apesar de tratar-se de um processo natural por meio do qual o organismo busca o equilíbrio, assim ao buscar a assimilação de um novo elemento, nesse movimento e busca de algo novo, apresenta-se a ansiedade que pode vir com níveis que termina por comprometer esse processo natural pelo qual acontece o contato com os elementos que são importantes e necessários ao organismo. Sendo assim, por ser incapaz de satisfazer suas necessidades organísmicas, é que o organismo adoece, e permanece em estado de desequilíbrio.
Por receio antecipado aos efeitos dos novos elementos, que são integrados no seu organismo é que o indivíduo ansioso, termina por inibir o processo natural que é o de contato e assimilação dos novos elementos que são necessários ao seu crescimento, assim diante da ansiedade, e ainda dessa constante renovação que acontece por meio da relação dialética que se dá com esse indivíduo, e deveria acontecer de forma espontânea, o mesmo não consegue priorizar o objeto principal e importante, que se apresenta no aqui e agora, assimilando e indo ao seu encontro.
Fonte: https://bit.ly/2LzGlXG
Santos e Faria (2006) verifica que o resultado para o surgimento da ansiedade deriva de situações por meio das quais as excitações não acham uma saída ou caminho em direção ao mundo, por assim dizer, não são expressas e também por não se transformarem em atividades, assim acontece a mobilização muscular por meio do sistema motor, processo resultante em ansiedade.
Henckes e Macedo (2017) verifica que os sintomas da ansiedade, apresenta em conjunto uma série de sintomas físicos, como por exemplo, a diminuição da respiração, que é por meio e de forma explícita que acontece o contato do sujeito com o meio externo; e ainda a distorção do tempo, como importante para apontar como um fator presente que o sujeito passa a sofrer em virtude de uma pressão muito grande.
A experiência, presente na fronteira de contato, acontece em configurações inteiras trazendo um significado direto para o organismo, e se não apresenta de acordo com essas características pode ser descrita como fora da fronteira, por assim ser ou uma abstração ou ainda potencialidades; ao contatar o ambiente o organismo passa a selecionar e também a assimilar apenas os elementos que são nutritivos e com isso acontece a rejeição para com os elementos tóxicos. Portanto, na manutenção do organismo, é que acontece a assimilação de elementos novos que possibilitaram esse crescimento necessário.
Importante abordar que outras teorias sobre a ansiedade complementam os textos gestálticos. Na psicanálise, Freud elaborou três teorias sobre a angústia, sucessivamente: “[…] a de 1893-1895, sobre a neurose de angústia; a de 1909-1917, em que examinou as relações entre angústia e libido reprimida; e a última, em 1926-1932, na qual retomou suas teorias anteriores, sobre o seu conceito do aparelho psíquico” (ROBINE, 2006, p.114). Assim, a abordagem da Gestalt-terapia, leva em consideração ao assemelhar-se à essas duas últimas teorias freudianas, levando-se em conta, algumas diferenças e reservas de suporte teórico (ROBINE, 2006).
Fonte: https://bit.ly/2JS9OHg
Com esse desdobramento, surge a abordagem da angústia. “Essa abordagem da angústia (ou ansiedade, pois no contexto de nosso comentário, podemos assimilar os dois conceitos limitando-nos a diferenciá-los apenas no que diz respeito ao aspecto quantitativo)“. (ROBINE, 2006, p.114). Outrossim, o sentimento de angústia se manifesta por meio de uma excitação bloqueada, quando resulta da interrupção que se dá pela excitação do pensamento criativo. Com isso, o surgimento da angústia impede o sujeito de certa forma, a acessar, seja em si, ou no ambiente, recursos que necessita ao suporte.
Segundo Vogel (2012, p.106) “Baseado na teoria de campo da física, Lewin propõe que as atividades psicológicas do homem ocorrem em uma espécie de campo psicológico, que ele denominou espaço vital”. Este campo ao qual Lewin pontua, é formado pelos eventos da vida da pessoa, ou ainda, que os mesmos possam influenciar o comportamento dela, quer estejam no passado, presente ou futuro. Espaço que é importante por ser construído e constituído, através da interação das necessidades que a pessoa tem com o ambiente psicológico, revelando assim algumas variáveis, que agem de acordo com as experiências que o indivíduo acumulou na vida.
Uma grande influência dentro da Gestalt-terapia foi a conceituação e suporte teórico construído pelo neurofisiologista Kurt Goldstein, com a Teoria Organísmica, no qual buscou uma explicação holística para as mudanças ocorridas na personalidade da pessoa, não acreditando sobre a possibilidade de explica-las a partir e somente no ambiente ou ainda nos aspectos físicos. “Para isso, baseia-se na lei de figura e fundo da Teoria da Gestalt, por ser um de seus adeptos, apoiando-se na ideia da percepção como uma dinâmica na formação de figuras e fundos”. (VOGEL,2012 p.107). Acreditando com isso que seus estudos com pessoas lesionadas na guerra, serviriam para compreender os comportamentos adaptativos de forma geral. “Essa capacidade do organismo de interagir com o meio de forma que possa se atualizar, respeitando sua natureza, é o que Goldstein denomina auto-regulação organísmica”. (VOGEL, 2012, p.108).
Lima, (2009, p.88) lembra que “Para que a auto-regulação aconteça, é fundamental que o organismo possa ter respostas novas para as situações pelas quais ele passa na sua permanente interação com o meio ambiente”. Sendo assim, é possível perceber que ser criativo de certa forma é condição importante para o processo de auto-regulação, um critério básico para que a pessoa se considere em harmonia e satisfeita com o meio. (LIMA, 2009).
Quanto à ansiedade, Goldstein entendia que o indivíduo ao se defrontar com a ansiedade e diante de situações que causam essa sensação, ou o indivíduo que tenha um funcionamento normal, reagirá evitando passar por essa situação que experimentará a ansiedade, desse modo criando certos padrões rígidos comportamentais, ou ainda por meio disso, ele entrará em contato com essas novas experiências, com isso criando uma expansão de novas possibilidades à ação e também à reflexão. De forma, que ambas são igualmente valiosas, com destaque para a criatividade, bem como a potencializar a autoregulação-organísmica (VOGEL, 2012).
Ribeiro (2005, p.178) ressalta que “Os sintomas têm a ver com partes, processo, totalidade. É essa totalidade que nos interessa no processo terapêutico”. Nessa direção, e buscando o jeito específico e íntimo, que o cliente tem de estar no que o mais torna singular no universo, desse modo, o psicoterapeuta está de certa forma, procurando nele e ainda com ele, a sua parte criadora, o seu “todo”. Nesse sentido, o autor refere-se ao todo, como a ipseidade, o resultado, ou o fruto do que foi se tornando a sua evolução, como foi sendo constituído, fazendo contatos e assim numa individualidade única.
Fonte: https://bit.ly/2LIaAIzed
O modo como “[…] as “doenças psicopatológicas” na Gestalt-terapia aproximam-se muito mais do que poderíamos considerar perda de flexibilidade nesta permanente interação com o meio do que a apresentação de um quadro sintomatológico […]”. (LIMA, 2009, p.91). Diante de padronizações de sintomas e doenças, a pessoa perde a fluidez, e com isso a impossibilidade de ser criativa, ou ainda criar respostas às demandas apresentadas pelo meio que vivencia. (LIMA, 2009).
Ribeiro (2005, p. 57) afirma, ainda, que “A abordagem gestáltica está solidamente edificada na psicologia da Gestalt, na teoria do campo e na teoria holística”. Através desses conceitos-chave, o autor direciona o embasamento teórico e epistemológico, pois assim são os que lhes permitem fazer uma descrição da realidade, feitas a partir do que foi observado, acerca da experiência imediata.
Desse modo, é possível afirmar que a experiência é formada por uma celeridade e concretude, como também uma ação aqui-e-agora. E, o corpo sendo visto como um veículo para a vivência, e por meio dele é que o mundo dá entrada em nós, desse modo nós fazemos e participamos do mundo, e assim somos alterados por ele, possibilitando ainda mudá-lo também. Por meio dessa interação dialógica com o mundo é que produzimos nossa experiência cotidiana, vivencial, intelectual e emocional. (ALMEIDA, 2010).
Diante da relação do sujeito com o mundo, Brum (2016) chama a atenção para um contexto atual da sociedade afirmando que “Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época.”. Todas as condições em que a sociedade é submetida tornam-se disparadores para a instalação da ansiedade.
As projeções para o passado e futuro estão intimamente ligadas à noção de tempo existente. “O tempo, para o indivíduo ansioso, da mesma forma, apresenta-se contraído. O tempo é vivenciado como por demais estreito para conter satisfatoriamente o desenrolar dos fenômenos espaciais.” (SANTOS E FARIA, 2006, p. 271). Assim, a noção de tempo de um sujeito ansioso é também de redução, ou seja, o tempo nunca é suficiente. Além do mais há a pressão por desempenho e satisfação que não corresponde ao tempo existente.
A “falta de tempo” é geradora da não presentificação da experiência, algo muito comum de ser encontrado no contexto clínico. Falta tempo para tudo, mas o ideal de futuro e inúmeros planejamentos rígidos são frequentes e presentes, por que no “vácuo entre o agora e o depois” (PERLS, 1969, p.15) corrompe-se a experiência aqui e agora.
Fonte: https://bit.ly/2Oc762F
A não correspondência do tempo em relação às atividades cotidianas ocasiona o fenômeno já citado por Brum (2016) onde o corpo não se satisfaz e já não suporta a “correria” em que vive. Compreender a vivencia do aqui e agora é entender que o “aqui” diz respeito ao espaço em que se encontra e o “agora” diz respeito ao tempo (MESQUITA, 2011, p. 62).
Frente à discussão, é possível perceber que “o vácuo entre o agora e o depois” (PERLS, 1969, p.15) é o limbo da existência onde o sujeito ansioso se encontra. Vivemos a sociedade do cansaço, como afirma Han (2015) “A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos” (p.22). Esta busca pelo desempenho tem a tendência de conduzir os sujeitos a evitação de contato e por isso experimentar da ansiedade com maior frequência.
É preciso encarar o contexto atual de maneira assertiva, onde filtra-se aquilo que deve ser introjetado ou não na construção do ser. A introjeção dessa condição, cujo foco é o desempenho e a independência por meio de ganhos financeiros e status social tornam os sujeitos dependentes e tolhidos da liberdade de serem fecundos em seus sentimentos, sejam eles bons ou ruins. É cansativo não ser autêntico e tolhido da liberdade própria do ser para gozar das experiências presentes.
Viver o aqui e agora numa sociedade ocidental capitalista é um grande desafio. Mas a verdade é que esta concepção ao passo que é imprescindível é também difícil de ser compreendida na prática. O aqui e agora pressupõe mudança e aceitação. Mesquita (2011) argumenta que
Para que haja mudança, segundo a visão gestáltica, o indivíduo precisa se apropriar de si e integrar suas polaridades. Tem que se reconhecer, aceitar-se para poder mudar. Quando isso não é feito, toda a energia de impulso e motivação é jogada para o futuro, para o que se deseja ser. Mas, como o futuro é sempre um sonho, um para além do presente, podemos dizer, então, que o momento atual esvazia-se de projetos, de impulsos e, consequentemente, nenhuma mudança real acontece. (p.63).
Uma realidade está ligada a outra e assim compõe a totalidade do ser. O indivíduo nunca é visto separadamente, conforme a Gestalt-Terapia. Este está se relacionando com o meio e atuando nele, se trata de uma relação de reciprocidade. Incansavelmente a Gestalt-Terapia trabalha o resgate do cliente que flutua no vácuo do agora e depois para que presentifique sentimentos e sensações a fim de atribuir a estes novos significados para si. (MESQUITA, 2011, p. 65).
Viver o presente permite ao sujeito desenvolver as próprias potencialidades na medida em que se encontra, na certeza de que não se pode ser aquilo que não é. Perls (1969) afirma que “Se você estiver no agora não pode estar ansioso, por que a excitação flui imediatamente em atividade espontânea. Se você estiver no agora, você será criativo, inventivo.” (p.16). ainda segundo Perls (1969) o agora possui uma base segura na qual a preocupação com o futuro não possui, por isso que estar ansioso gera angústias.
Fonte: https://bit.ly/2A61Fzg
O autor também chama a atenção para os papéis sociais acreditando que a ansiedade também parte deste pressuposto. Como mencionado anteriormente por Han (2015), esta é a sociedade do desempenho. E diante disto há a busca exacerbada por status social, onde a performance do sujeito frente aos demais precisa ter um desempenho que indique que ele é competente o bastante. Por isso que Perls (1969) afirma que nem sempre a ansiedade é existencial, mas que pode ser uma preocupação com estes papéis que podem não ser socialmente aceitos. Todavia, para compreender de onde parte isto é necessário mergulhar em si mesmo e lá encontrar respostas.
A ansiedade pode ser compreendida como produto de um aqui e agora corrompido. O que corrompe esta experiência pode partir de diversos pontos tais como o contexto social, que citado anteriormente tem seguido um ritmo muito acelerado no qual fica impossível experienciar o contato com sentimentos e sensações, ou mesmo pela inautenticidade diante da sociedade, a preocupação com os papéis a serem desempenhados impedindo de ser quem se é.
O fato é que a ansiedade está cada vez mais presente na vida dos sujeitos ocasionando uma série de problemas nas relações interpessoais, na tomada de decisões, servindo de empecilho para o contato com os próprios sentimento, etc. Todos estão propensos a, em algum momento, desenvolver a ansiedade. Por isso, torna-se necessária a compreensão acerca do aqui e agora e de estudos relacionados, pois a ansiedade o afeta diretamente.
Perls (1969) destaca que “quanto mais a sociedade muda, mais ela produz ansiedade” (p.52), pois afeta não só a vivência do aqui e agora, como também produz inseguranças acerca das representações sociais que se tem. Desempenhar um papel socialmente aceito, viver no limbo da existência, são condições da ansiedade e que precisam ser trabalhadas na busca de homeostase. Para isso o sujeito precisa aceitar as condições em que se encontra e a partir disso elaborar estratégias de mudanças. É por isso que a ansiedade precisa ser compreendida com profundidade, levando em consideração a totalidade dinâmica de cada um, sendo este um ser inserido em ambientes diversos e exposto a situações variadas nas quais a ansiedade pode se instalar.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Josiane Maria Tiago de. Reflexões sobre a prática clínica em Gestalt-terapia: possibilidades de acesso à experiência do cliente.Rev. abordagem gestalt., Goiânia , v. 16, n. 2, p. 217-221, dez. 2010 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672010000200012&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 15 abr. 2018.
BRUM, Eliane. Exaustos-e-correndo-e-dopados. El PaÍs Brasil, Brasil, v. 00, n. 00, p.1-10, jul. 2016.
D’ACRI, Gladys; LIMA, Patricia; ORGLER, Sheila. Dicionário de Gestalt-terapia: “Gestaltês”. 2. ed. São Paulo: Summus, 2012.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. São Paulo: Vozes, 2015
HENCKES, Aislin Cristina Corbellini; SANTOS, Maria Luisa Wunderlich dos. Ansiedade e Gestalt-Terapia. 2017. Boletim EntreSIS V.2, n.1 (2017). Santa Cruz do Sul- RS. Disponível em: <http://online.unisc.br/acadnet/anais/index/php/>. Acesso em: 28 mar. 2018.
LIMA, Patrícia Albuquerque. Criatividade na Gestalt-terapia.Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro , v. 9, n. 1, abr. 2009 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812009000100008&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 14 abr. 2018.
MESQUITA, Giovana Reis. O aqui-e-agora na Gestalt-terapia: um diálogo com a sociologia da contemporaneidade.Rev. abordagem gestalt, Goiânia , v. 17, n. 1, p. 59-67, jun. 2011 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672011000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 27 abr. 2018.
NUNES, Lauane Baroncelli. Pensando gestalticamente a contemporaneidade. 2008. Rev. IGT na Rede, v 5, n.9, 2008 p.185-199. Disponível em: <http://www.igt.psp.br>. Acesso em: 14 abr. 2018.
PERLS, F.. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia, 2 Ed. Rio de Janeiro: LTC, 1977.
PERLS, Frederick Salomon. Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977.
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Do self e da ipseidade: uma proposta conceitual em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2005. 206 p.
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: Refazendo um caminho. 8. ed. São Paulo: Summus Editorial, 2012.
ROBINE, Jean-marie. O Self desdobrado: perspectiva de campo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2006. 254 p. Tradução: Sonia Augusto.
SANTOS, Letícia Pimentel; FARIA, Luiz Alberto de Freitas. Ansiedade e Gestalt-Terapia. 2006. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, vol. 12, n.1, jan., 2006 pp. 267-277. Goiânia-GO. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa.=357735503027>. Acesso em: 28 mar. 2018.
VOGEL, Andréa Rodrigues. O papel do terapeuta na relação terapêutica de Família Sistêmica Construcionista Social.2012. Rev. IGT na Rede, v 9, n.16, p.97 de 152. Disponível em: <http://www.igt.psc.br/ojs/issn 1807-2526>. Acesso em: 14 abr. 2018.
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Durante muitos anos, mantive viva uma lembrança específica de um momento com meu pai: um olhar de reprovação e um breve discurso de repreensão. Era uma memória marcante que voltava (ainda volta) em momentos específicos e segue me influenciando enormemente. No entanto, há algum tempo, me dei conta de que havia algo errado: como ela envolvia um incidente escolar e meu pai morreu quando eu tinha cinco anos de idade, não há como aquilo ser real – ao menos, não da forma como reside em minha mente. Apesar disso, ela ainda me move e forma elementos da minha visão de mundo. Assim, a pergunta é: faz diferença o fato de ela ser real ou não? De certo modo, todas as nossas memórias não são edições subjetivas e mutáveis de acontecimentos reais – e, consequentemente, nossas personalidades não são fruto de fatores de natureza fluida?
Assim como o original fazia em 1982, Blade Runner 2049 é um filme mais interessado em discussões deste tipo – identidade, individualidade, autoconhecimento – do que em contar uma historia particular, embora a trama desta continuação seja bem mais complexa do que a de seu antecessor. Ambientada 30 anos depois dos acontecimentos vistos no trabalho de Ridley Scott, a produção roteirizada por Hampton Fancher e Michael Green acompanha o blade runner K (Gosling), cuja função principal é encontrar e exterminar replicantes de gerações anteriores que fugiram e se passam por pessoas de carne e osso. Depois de mais uma missão, porém, ele encontra uma caixa contendo uma ossada, o que leva sua chefe, a tenente Joshi (Wright), a enviá-lo em uma caçada que pode trazer impactos consideráveis para a humanidade.
Fonte: goo.gl/DfKkvL
Funcionando como uma expansão orgânica do universo apresentado em 1982, Blade Runner 2049 leva o espectador para fora da Los Angeles escura, chuvosa, poluída e superpopulosa que conhecíamos, apresentando-nos a novos locais que, mesmo completamente distintos em seus designs, mantêm a atmosfera densa e melancólica com a qual já havíamos nos habituado. Assim, desde as planícies extensas (e sem cor) sobrevoadas pelo protagonista até a metrópole cujos módulos residenciais remetem a cubos de lixo compactados amontados uns sobre os outros, o filme ressalta como, passadas três décadas, aquele mundo segue hostil e impessoal.
Da mesma forma, K e seu sobretudo com golas erguidas continuam a remeter ao tipo de anti-herói amargurado, com raízes no noir, que Harrison Ford já havia encarnado com tanta propriedade, ao passo que outros arquétipos do gênero, como a femme fatale e a “prostituta com coração de ouro”, seguem representados por personagens como Luv e Joi (e a capa transparente usada por esta última, em certo momento, é uma referência clara à Zhora do primeiro filme).
Fonte: goo.gl/4W5AbT
Fotografado com brilhantismo por Roger Deakins – o que não é surpresa alguma, diga-se de passagem -, o longa não se preocupa em seguir tão fielmente os elementos estéticos do noir, afastando-se constantemente deste sem sacrificar, com isso, sua atmosfera. Assim, mesmo quando a paleta se torna mais quente (como no intenso laranja da Las Vegas que abriga parte do terço final da narrativa), há uma significante dessaturação das cores que impede qualquer traço de alegria de se firmar naqueles ambientes.
Enquanto isso, a trilha de Benjamin Wallfisch e Hans Zimmer é inteligente ao sugerir ecos das composições originais de Vangelis através de uma nota estendida aqui ou um trecho de melodia ali, reservando os temas mais reconhecíveis para pontos-chave da projeção (e aquele que ouvimos na cena final com o personagem de Gosling é especialmente inspirada ao estabelecer uma rima com um dos momentos mais celebrados do anterior).
A escolha do cineasta canadense Denis Villeneuve para comandar o projeto, aliás, se mostra inspirada justamente por permitir que este coloque em prática uma de suas especialidades: a criação de um clima constante de apreensão que toma conta do espectador mesmo quando este não sabe exatamente o que deve temer – algo que enriqueceu obras como Os Suspeitos e A Chegada. O diretor, contudo, compreende estar lidando com uma história cujas origens já são celebradas e trazem expectativas próprias, sendo admirável notar como não se rende ao próprio ego e se preocupa em manter uma importante continuidade entre os filmes, desde o ritmo cadenciado da narrativa até referências específicas, como o plano-detalhe do olho que abre a projeção até passagens envolvendo o scanner que permite investigar detalhes de imagens, passando por figuras de origami e até mesmo por algumas empresas que eram vistas em anúncios naquela Los Angeles e que, ainda que já não existam mais na vida real, seguem vivas nesta versão de 2049.
Fonte: goo.gl/SWQMd8
Além disso, Villeneuve consegue espaço para criar sequências marcantes por seus próprios méritos, merecendo destaque o confronto em meio a hologramas, em um cassino abandonado, e, claro, todo o arco envolvendo Joi. Por outro lado, é triste notar como exigências comerciais aparentemente acabam obrigando o cineasta a incluir passagens que soam forçadas na proposta do filme – e a luta que ocorre enquanto ondas derrubam os oponentes é particularmente incômoda neste sentido.
Trazendo seu carisma habitual a um papel que poderia facilmente despertar antipatia no público, Ryan Gosling vive K como um indivíduo que busca ignorar os insultos que o cercam menos por estoicismo do que por condicionamento, ilustrando bem o arco que o personagem atravessa à medida que descobre mais sobre si mesmo e sobre as criaturas que deveria perseguir. Expressando-se com o modo calmo que vem se tornando uma marca registrada do ator (e que por isso é às vezes acusado injustamente de inexpressividade), K é um herói relutante cuja frustração crescente provoca impacto justamente por contrastar com o autocontrole que exibe na maior parte do tempo.
Enquanto isso, Harrison Ford oferece uma das performances mais complexas de sua carreira ao imaginar o Rick Deckard envelhecido como um sujeito cansado cujo exílio auto imposto é ao mesmo tempo uma punição e um gesto de extremo altruísmo – e me atrevo a dizer que a cena em que, ao falar sobre Rachael, ele diz “Seus olhos eram verdes” é um dos melhores momentos que Ford protagonizou no cinema.
Fonte: goo.gl/DH6MZT
Aliás, assim como a personagem de Sean Young era um catalisador fundamental de mudanças no original, aqui o roteiro introduz duas figuras que se revelam acréscimos fabulosos ao universo de Blade Runner, tanto como elemento narrativo quanto temático: a replicante “Luv” (Hoeks) e a “acompanhante virtual” Joi (de Armas). Com nomes já sugestivos por si mesmos, as duas “mulheres” têm suas próprias trajetórias relacionadas à natureza de suas identidades e da percepção que têm de si mesmas, revelando-se mais humanas do que todos os humanos da trama.
“Luv”, por exemplo, é retratada por Sylvia Hoeks como uma replicante que, consciente de sua natureza, é obrigada por sua programação a manter-se fiel ao implacável visionário interpretado por Jared Leto (com menos maneirismos do que de costume, felizmente) ainda que, em certos pontos, tenha claramente uma forte reação negativa ao que este faz contra sua “espécie” – e testemunhar sua luta entre o que julga certo e o que precisa fazer é um dos elementos dramáticos mais eficientes do filme.
Do mesmo modo, a ótima Ana de Armas transforma Joi numa representação ainda mais extrema do dilema vivido pelos replicantes, já que, diferente destes, não possui sequer um corpo que possa sugerir uma falsa humanidade – e, no entanto, o roteiro e a excepcional caracterização da atriz levam o espectador a encarar a personagem como um ser completo, complexo e tocante. Em certo ponto, por exemplo, quando ela consegue sair do confinamento do apartamento de K e “sentir” gotas de chuva em sua pele (ou na representação holográfica desta), é difícil não lembrar do prazer experimentado por Roy Batty em um instante similar de Blade Runner (e que comentei em meu texto sobre o Jovem Clássico). Resgatando também componentes temáticos do lindo Ela, o filme exerce bem seu papel como ficção científica ao empregar suas invenções para refletir sobre questões universais e mesmo filosóficas e existenciais: o amor que Joi sente por K, por exemplo, seria menos real apenas por ter sido resultado de um código de programação? E a resposta de K a esta expressão de amor deveria ser afetada por ter consciência disto?
Fonte: goo.gl/U1cEHE
O que me traz de volta àquela lembrança de infância e ao fato de que, mesmo agora sabendo que não pode ser verdadeira, continua a provocar em mim a mesma reação de antes, já que não posso apagar sua existência da mente. E nem desejaria fazê-lo, já que, de uma maneira ou de outra, teria que levar esta lógica ao seu extremo e eliminar todas as demais – afinal, nenhuma memória mais intensa é realmente objetiva; há sempre um filtro emocional alterando-as e/ou reinterpretando-as.
Mas se há algo que aprendi com o tempo é que isto não as torna menos válidas. Ao contrário: examiná-las de perto e buscar enxergar sua fluidez é um instrumento poderoso e instigante de autoconhecimento. Neste sentido, somos todos replicantes.
FICHA TÉCNICA
BLADE RUNNER 2049
Diretor: Denis Villeneuve Elenco:Ryan Gosling, Harrison Ford, Jared Leto Gênero:Ficção científica, Suspense Ano: 2017
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Os relacionamentos amorosos frente às formas de consumo
Buscaremos neste ensaio relacionar diferentes idealizações do amor com o atual cenário social, onde cada vez mais nós seres humanos temos dificuldades para se relacionar com o outro, e muitas vezes buscamos no amor uma salvação para a nossa estagnação. Essa ideia de salvação é passada para nós através de vários meios de comunicação, como a música, literatura e teatro, por exemplo, trazendo consigo uma idealização muito clichê do amor, que acaba muitas vezes distorcendo o seu verdadeiro significado e impedindo que o sintamos como de fato ele é.
Acabamos em diversos casos vendo o amor ou a pessoa amada como um produto, que ao ser consumido propiciará um sentimento de êxtase, felicidade e completude, ocasionando assim uma busca incessante por um amor idealizado e perfeito que projetamos em nossas mentes. Porém tal amor pode nunca ser encontrado, nos trazendo assim tristezas e decepções ao longo da vida. Contudo fica muito difícil praticar a arte de se relacionar, dificuldade essa causada por nossas projeções e idealizações errôneas do amor. Tudo isso graças a esse leque de informações que nos são passadas, informações que muitas vezes estão baseadas nas vivencias dos outros, e não em nossas próprias experiências.
Dessa forma, esquecemos que o amor não busca a satisfação de apenas um ser, e que não se pode sugar tudo de uma pessoa até que ela fique em exaustão, e depois ir em busca de outrem para repetir o mesmo processo, perpetuando um ciclo de vazio e infelicidade.
O relacionamento a dois é muito amplo e complexo, a final cada um de nós traz consigo uma subjetividade, algo que nos diferencia em gostos e escolhas.Isso ocorre devido a vivência particular de cada um, por isso a dificuldade tão em tentar chegar a um ponto de equilíbrio, equilíbrio esse moldado e redefinido a cada dia dentro de um relacionamento.
Fonte: goo.gl/ip3F7X
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Nos dias de hoje o amor é visto de uma forma superficial e clichê, devido ao esgotamento de sua retratação nas indústrias cinematográfica, musical e literária. Olhando assim é difícil encontrar uma originalidade no amor dentre suas diversas formas de expressão, pois em geral ele é um assunto epidêmico e democrático em diversos pontos de vista, dentre pessoas que são leigas, de grande intelecto e filosóficas.
Segundo (DONÉ, 2016) exemplos de uma indústria cultural se encontram nos meios das produções com reflexos índie, cool, alternativo, romances, peças, roteiro, pesquisas, e análises. Sendo assim o núcleo do amor vem de todo lugar e pensamento discutido, contemplado tanto por filisteus e pelos intelectos mais exigentes, como os eruditos, os hedonistas incontroláveis, e estoicos resignados.
Em meio a tantas formas de expressar o amor, fica cada vez mais difícil de distinguir e visualizar algo novo, uma forma original desse objeto tão significativo para o ser humano. Mas acredite, haverá algo novo para se desfrutar, em uma relação amorosa onde o casal participe uma da vida do outro, de uma forma harmoniosa e prazerosa, se tornando importante e muitas vezes estimulante.
Um relacionamento a dois pode ser de infinitos modos e jeitos, isso dá-se à subjetividade de cada um dos indivíduos que formam esse par, tendo em vista que cada pessoa deve se adequar ao outro procurando uma forma de equilibro em meio as suas diferenças. Tornando o relacionamento harmonioso e prazeroso para cada uma das partes envolvidas.
Fonte: goo.gl/TF8YvE
O senso comum mostra o amor de uma forma popularesca através de obras de consumo que por sua vez são pobres intelectualmente, formando uma idealização muito superficial e generalista do amor. Tendo em vista essa forma generalizada, muitas pessoas enxergam o amor como um salvador, um meio de se livrar de seus problemas, de obter felicidade extrema, de acabar com a tristeza, de alcançar felicidade.
Mas, existe outro polo desse amor totalmente oposto, onde até mesmo pessoas muito intelectuais e por muitas vezes mal-amadas tratam esse assunto com uma decepção muito grande, como uma forma ruim de tristeza que não seria correta, isso devido as suas vivencias e decepções. Em muitos casos de pessoas é evidente que o amor se torna uma frustração, algo que incomode a pessoa, afinal quando gostamos de alguém esperamos a reciprocidade e quando isso não ocorre temos sentimentos ruins. Da mesma forma de quando temos um amor correspondido e em algum momento por motivos seus ou da outra pessoa esse sentimento não é mais recíproco, trazendo tristeza, vazio interno e decepções , visto que projetamos nosso futuro em conta de tal emoção.
Para algumas pessoas que tentam descrever o amor, ele é colocado como uma forma hostil, e muito ameaçadora. Não podemos julga-las por suas vivências, porém devemos ter bastante cuidado com as formas clichês que são transpassadas. Afinal o amor tem que ser sentido por nós, através de nossas experiências, para então ser pensado, falado e debatido com cuidado, lembrando sempre que o amor é relativo em cada situação.
O amor nos dias de hoje é tratado por muitos como uma forma de consumo, isto se dá devido a todos os sentimentos de satisfação que ele proporciona. As pessoas passam cada vez mais a vê-lo como um objeto de felicidade intensa, achando que ele será perfeito da forma como pensa, ou que se adaptara à maneira que melhor lhe convém.
Fontw: goo.gl/uBreJz
A grande questão para quem vê o amor dessa forma consumista, é que ele acaba tratando o parceiro de maneira descartável, uma vez que este só serve para me trazer prazer. No primeiro momento que essa relação consumista não for mais prazerosa ela irá acabar, pois ela já não cumpre o seu único dever, que é o de satisfazer tanto emocionalmente quanto fisicamente um ser vazio, que desesperadamente está à procura de um amor utópico onde tudo será sempre perfeito.
O que muitos estão procurando nas relações amorosas é algo que na verdade não é o objetivo da mesma. Várias pessoas estão se relacionando para tentar preencher vazios em suas vidas, ou até mesmo como solução para a vida, e ao se relacionar com tal objetivo o fracasso da relação pode ser dado como certo.
A pessoa entra assim na vida amorosa crendo que ela será sempre linear, não apresentará nenhuma complicação, o parceiro sempre estará de acordo com o que pensa, mas isso não passa de uma ilusão que esse ser monta, para poder ter seu momento de êxtase ao consumir o amor.
Mesmo que quem procure o amor nesse modelo consumista consiga um pequeno momento de êxtase, que é o que ele de certa forma procura, enquanto ele estiver nesse ritmo de busca a um amor perfeito, como o dos filmes ou das músicas, dificilmente encontrará a felicidade (ao menos no lado amoroso da vida). Ele não sentirá o amor como uma grande comemoração da vida, ou jamais terá uma concepção desse sentimento como a de Erich Fromm (1900-1980) que diz que quando se ama de forma verdadeira um ser, ama-se então todos os seres, o mundo e a vida.
Assim fica firmado que muitas pessoas terão dificuldades em sua vida amorosa, e por conta disso terão um vazio em suas vidas pelo simples fato de não saberem se relacionar com outras pessoas, por ter sempre um olhar individualista sobre o amor.
Para entender o porquê de as pessoas possuírem dificuldades para se relacionar e são individualistas em vários âmbitos de suas vidas, inclusive no amor que é o mais importante para tal ensaio, temos que compreender que todo o atual contexto seja econômico, político ou cultural está sempre focado na individualidade, onde o eu está sempre centralizado. Como cita (MANZANO, 2016 p. 91) “o altruísmo, a valorização do próximo, a ética, a preocupação com a política, tudo isso fica de lado; afinal, são questões que envolvem o próximo, o outro com quem temos que conviver e com quem formamos um conjunto.”
Fonte: goo.gl/ANksdk
Não foi de repente que a sociedade passou a se portar dessa maneira, isso foi uma transformação social que se passou em um momento recente da história e vários pensadores ajudaram a moldar esse pensamento individualista na atual sociedade, sendo alguns exemplos Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Sigmund Freud (1865-1939).
Entendendo essa questão social fica mais fácil entender o porquê que tantas pessoas na atualidade só vivem um “amor” mais vazio e consumista, apesar de muitas vezes quererem sim um dito amor verdadeiro, que como citado anteriormente seria uma celebração da vida. O problema é que mesmo buscando uma relação mais duradoura e firme, a individualidade da atual sociedade é muito impregnada na maioria das pessoas, e todas as relações incluindo a amorosa, acaba por existindo de uma forma mais supérflua em sua maioria.
Assim é mais difícil julgar quem busca tais amores passageiros, uma vez que tal busca é só um reflexo do individualismo da atual sociedade. E mais fácil encontrar um problema nas relações amorosas supérfluas da atualidade, uma vez que é claro que uma relação amorosa para ser prazerosa para ambas as partes envolvidas, o Eu não pode ser o centro da questão. Assim fica fácil dizer que as relações amorosas não devem ser individualistas, onde o eu e o prazer de um fica em foco, mas que sim devem ser plurais, onde ambos os envolvidos irão se entender, resolver problemas, compartilhar o amor, e amar o mundo.
Em meio a todas essas formas de amor, sendo clichês ou de consumo, é evidente as dificuldades que surgem para que haja interação entre as pessoas. Seus relacionamentos estão ficando cada vez mais fracos e frágeis, de difícil confiança no relacionar-se com alguém, a desconfiança muitas vezes toma conta da pessoa, não se consegue mais entregar-se e nem mesmo se dá um espaço para que o outro tenha ao menos uma chance de mostrar seu valor e suas boas características.
O conhecer virou superficial olhando-se apenas as aparências externas e sociais, aparências sociais muitas vezes vista também somente pelos meios tecnológicos das redes-sociais, o conhecer alguém não é mais conhecer de verdade, não se sabe mais coisas intimas de alguém e muitas vezes ao menos nos preocupamos em saber isso da pessoa, afinal nossas vidas já são corridas demais em meio aos trabalhos, estudos e problemas internos para nos preocupar com os dos outros. Então acabamos por esquecer que compartilharmos nosso sentimentos e dificuldades é muito importante para a vida e para saber lidar com os problemas do dia a dia, e por isso nos sentimos cada vez mais sozinhos e vazios como se o amor estivesse “esfriando”, mas também não estamos fazendo nada para aquecê-lo.
Fonte: goo.gl/m7ejhf
Para um relacionamento a dois, em meio a todos esses pensamentos que nos norteiam, é difícil o manter, as pessoas o iniciam mas logo e por motivos supérfluos e egoístas acabam o mesmo, o traço da individualidade atrapalha muito nesses pontos, o fato de esperar a adaptação do próximo ao invés de entendermos ele e procuramos nos adaptar acaba com as chances de o relacionamento ser duradouro, pois para se ter um relacionamento a dois saudável e que dure, ambos devem reconhecer a problemática do casamento ou namoro, e certas atitudes podem acabar com um relacionamento assim como também podem salva-lo ou mantê-lo.
O amor entre duas pessoas não é um mar de rosas, precisamos entender o próximo e sua particularidade dentro de vários pontos como, a rotina do casal, os familiares e diversos ambientes do qual cada um frequenta. Por exemplo o ciúme, que dá muitas dores de cabeça e o egoísmo, são pontos que quando bem trabalhados dentro da problemática do casal, muitas vezes torna o relacionamento mais saudável e duradouro.
A reflexão diária sobre esses assuntos é de extrema importância para as nossas relações, somente cada indivíduo saberá o que será melhor para o seu relacionamento e isso não será encontrado em livros, canções, filmes ou peças teatrais. Devemos então fugir do amor que nos é imposto, que é genérico e superficial, desfocando o modo certo de enxergar esse amor e muitas vezes sem bases sentimentais. A partir desses aspectos procuremos então o amor natural, concentrando-se no que de fato é importante para equilíbrio e harmonia de ambas as partes dentro de um relacionamento.
Com a fundamentação de um relacionamento o mesmo passará a ser mais próspero e feliz, porém não serão evitados momentos de tristezas ocasionando altos e baixos dentro da relação, com saltos de euforias e felicidades para tristezas e decepções. Não existe uma formula mágica para um relacionamento, mas sim meios e formas para passar por todas as etapas difíceis e boas, evoluindo com fortalecimento, adquirindo experiências e mais conhecimento para etapas futuras.
Para quebrar essa barreira que não permite que vivamos todos esses estágios de um relacionamento e de fato sejamos capazes de conhecer nossos parceiros, é necessário que quebremos um pouco a individualidade dos dias atuais, e assim nos permitamos expressar coisas mais pessoais para que também recebamos informações que serão confiadas somente a nós. Isso não garante que se terá um namoro ou casamento perfeito, mas de fato é um bom começo.
Fonte: goo.gl/zKhZXy
CONCLUSÃO
Portanto, com o estudo desse ensaio vimos o quão difícil é, e como está ficando cada vez mais, relacionarmos com o próximo, tendo em vista o relacionamento a dois como alvo principal, e a visão de amor que temos e que o mundo nos proporciona nos dias de hoje em meio a todas as formas de informação.
O amor de tanto ser falado e discutido de inúmeras formas acabou se tornando clichê e, portanto, até mesmo para os mais intelectuais e experientes no assunto fica difícil encontrar uma nova abordagem e formas de discussão sobre o assunto. E por muitas vezes tal assunto é tratado de forma errônia e manipuladora, levando as pessoas a terem visões destorcidas do amor, promovendo uma busca por um amor inacabável e inexistente que leva muitas vezes a decepções esmagadoras, ou incentivando a descrença no amor, tendo uma menor procura pelo sentimento.
Outra visão, é a de consumo desse sentimento, fazendo com que pessoas criem uma imagem supérflua do amor, de perfeição, imagem essa que não existe, trazendo consigo amores passageiros dos quais a pessoa salta de amor para amor em busca do que lhe foi comercializado. Assim vemos na atualidade um amor mais vazio e consumista, uma forma individualista do amor, esse que se preocupa só consigo mesmo, e não com o outro e seus sentimentos, tornando assim mais difícil julgar quem busca um amor natural e verdadeiro, de quem busca um amor comercial e supérfluo.
Font: goo.gl/sDboQ1
Então, percebemos que para alcançarmos um relacionamento saudável necessitamos de muita reflexão interna de nossas ações para com o próximo, buscando adaptação a diversas situações que uma relação nos promove, visando melhorias e evoluções para o casal e sempre lembrando que o relacionamento a dois não é somente alegria, nele haverá também tristezas e dores. A reflexão dos nossos atos como pessoas dentro da relação não é uma formula para que não aja discussões, brigas, intrigas e dores entre as duas pessoas, mas sim uma busca incessante pelo aperfeiçoamento e entendimento de ambas as partes, afinal estamos falando de dois seres diferente e em vários casos muito distintos,mas é isso que torna o convívio e o relacionamento empolgante, intrigante e podemos ate dizer “uma aventura sem fim.”
REFERÊNCIAS:
PLAMA, F. P. A Filosofia Explica: Porque é tão difícil se relacionar 1. Ed. São Paulo, Editora Escala, 2016.
Durante o último dia do III Fórum Internacional Novas Abordagens em Saúde Mental Rio de Janeiro/RJ, o (En)Cena teve a oportunidade de entrevistar o psicólogo norte americano Oryx Cohen, chefe de operações da NEC (National Empowerment Center) e coprodutor do documentário Healing Voices.
Cohen é líder expoente da abordagem CPR Emocional, um programa desenvolvido com o objetivo de que pessoas ajudem umas as outras em situações de crise, de maneira mais humanizada e atenciosa, a partir de três passos: conectar, empoderar, revitalizar.
Abaixo, confira os principais temas abordados por Oryx:
(En)Cena – O que você acha da promoção de Saúde Mental no meio virtual?
Oryx – Eu acho que pode ser um modo muito poderoso de fazer isso, mas eu acho que também precisa de interação cara a cara, porque muita gente não tem conexões sociais. Existem estudos que mostram que como mídias sociais aumentam isolamento, por que as pessoas não falam mais umas com as outras. Há também maneiras de como as mídias sociais podem ajudar, não é só “preto no branco”. É um método muito poderoso, mas se nós acharmos que vai ser o único método estaremos enganados.
(En)Cena – Como você acha que o psicólogo deve atuar em situações de vulnerabilidade social a partir do CPR Emocional?
Oryx – Eu acho que os psicólogos devem ser encorajados a ser eles mesmos. As pessoas que me ajudaram eram só pessoas reais. Você pode usar seu conhecimento pra ajudar outras pessoas, mas se você estiver só pensando no que deveria dizer e no que a teoria te diz, então vai ter dificuldade pra ajudar as pessoas.
(En)Cena – Você acha que os processos de individuação e liquidez das realizações dos quais Zigmunt Bauman fala são um dos empecilhos para o processo de conexão entre as pessoas?
Oryx – Sim, é uma teoria interessante. Eu acho que as pessoas têm problemas com confiança, então os relacionamentos devem ser mais sólidos que fluidos. Muitas vezes as pessoas não têm nenhuma relação, são muito sozinhas, então toda a água correu pelos dedos. Nós precisamos reencher essa água e esses relacionamentos devem ser congelados no tempo, precisamos de bons amigos.
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Casamento contemporâneo: convívio entre individualidade e conjugalidade
Em “Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade”, a autora Terezinha Féres-Carneiro aponta para a complexidade dos relacionamentos conjugais e da lógica do um ser dois e dois ser um. Segundo ela, a maior dificuldade em se tornar casal está no fato de serem dois indivíduos, duas perspectivas de mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades diferentes. Na relação amorosa, esses dois sujeitos se deparam com uma identidade de casal, um projeto de vida de casal, uma história de casal, perdendo um pouco da individualidade de cada um.
Fonte: http://zip.net/bxtJW4
O casamento sempre foi, antes de mais nada, um vínculo criado entre duas famílias com o intuito de garantirem a própria proteção, ao se tornarem mais fortes e unindo os bens considerados essenciais para a sobrevivência. Com isso, Levi-Strauss aponta que a proibição do incesto estava mais para uma regra de ceder a mãe, a irmã ou a filha para outrem, sendo esse um aspecto da formação e organização das sociedades humanas. Antes, como o casamento era um meio para manter a existência humana, seja pela união de famílias, seja pela procriação, era visto que o amor e o prazer estavam desvinculados dessa instância da vida dos sujeitos, sendo esse amor e prazer encontrados em uma vida extraconjugal. Logo, percebe-se que a fidelidade não era um quesito notável.
Porém, um novo modelo de casamento surge no Ocidente, repercutindo até os dias atuais. É o casamento por amor, onde ambos os envolvidos precisam amar-se para dar esse grande passo. Também apresenta-se o amor-paixão, em que o erotismo entra na dinâmica conjugal, sendo agora o casamento um espaço parao exercício do amor e do prazer. Então, a fidelidade conjugal passa a ser uma atitude esperada pelos casados. Por fim, a autora enfatiza a dificuldade do relacionamento conjugal contemporâneo, época em que as individualidades se fazem com forte presença. Assim, o casamento tornou-se mais um modo de satisfação de cada cônjuge do que a satisfação dos desejos em comum do casal. Dessa forma, a relação só se manterá enquanto ela estiver atendendo as necessidades individuais de cada um.
Fonte: http://zip.net/bmtHYk
Portanto, percebe-se que o casamento, hoje, está sob o livre arbítrio dos sujeitos, podendo eles escolherem com quem e se desejam realmente se casarem. É espaço para o amor e o prazer, mas continua sendo também espaço de proteção dos envolvidos. O fato é que, se escolher entrar nessa dinâmica, é necessário deixar um pouco de lado o individualismo, contribuindo assim para a manutenção da relação conjugal.
REFERÊNCIAS:
CARNEIRO, F. T. Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 22.07.98.
Sou uma pessoa ressentida? Com tal questionamento, fomos inseridos ao oportuno e interessante tema, extraído da obra do filósofo Luiz Felipe Pondé: A Era do Ressentimento – Uma Agenda para o Contemporâneo. Um rico diálogo da Filosofia com a Psicologia, explanado no Psicologia Em Debate do dia 08/03/2017 pelo acadêmico em Psicologia Lenício Nascimento, oportunizou o entendimento das demandas dos relacionamentos atuais, principalmente quando traz como pano de fundo, o ressentimento gerado pela exteriorização e superficialidade, o consumismo e a individualidade, aos quais estamos nos adequando sem ao menos contestar o porquê desse embate entre o ter e o ser, e suas consequências.
Dizemos a nós mesmos que: “eu me basto”, não preciso de ninguém, gerando uma via para a solidão e o ressentimento; nesse ponto o palestrante intencionalmente nos remete a uma reflexão necessária. Por meio de uma contextualização e interação com os alunos, o palestrante aponta o tema do ressentimento, como um embate que travamos em nosso ego, com o que a contemporaneidade foi forjando para que a sociedade do consumo e dos relacionamentos superficiais chegasse à atualidade com os dramas que acabam por gerar em nós uma série de psicopatologias, além da solidão, pela qual estamos de certa maneira cercados.
Fonte: http://zip.net/bvtGDN
Contudo, o autor nos alerta quanto ao fato de que a palavra ressentimento pode possuir em si mesma, forte conotação negativa; alegando ainda que podemos retirar dessa experiência, uma forma de superação contra as nossas próprias adversidades; lutar contra o ressentimento para que alcancemos nosso crescimento como pessoa. E, ainda segundo o autor, no desespero ou auto superação, podemos trabalhar esse sentimento negativo, transformando em algo positivo.
O autor, sinalizando para uma geração de pessoas ressentidas, que vivendo sob a ótica narcisista, enxergando-se a eles mesmos como pessoas singulares, sempre procurando um reconhecimento público para seus feitos; exemplificado pelo palestrante como as pessoas que levantam uma bandeira em defesa da natureza, porém não conseguem suportam a convivência com a própria irmã ou outro parente qualquer. Assim, seguimos negando que somos pessoas ressentidas, e a culpa sempre será do outro.
Para tratar desse problema, o autor tem como possibilidade de solução, não negar o ressentimento, e sim aceitar o que está sentindo e procurar a verdade, o sentindo verdadeiro da vida. Quanto a isso, essa obra que nasce do olhar filosófico e psicanalista do autor, observando nessa geração que são sete bilhões de pessoas no mundo inteiro, procurando seu pedaço de felicidade. Estamos afogados numa espécie de ressentimento, dado circunstâncias por estarmos sempre achando merecedores dessa felicidade, somos mimados, achamos que Deus nos abandonou. Em contrapartida, o problema se estende para além, já que estamos sempre ressentidos por algo ou alguém que não nos ouviu, não retribuiu nosso amor, enxergamos a vida do outro como melhor que nossa própria; assim vivemos com as nossas feridas narcísicas abertas, expostas.
Fonte: http://zip.net/bltFJM
Portanto, mapeando uma série de sintomas dessa contemporaneidade, o autor abre espaço para conferirmos a grande tragédia que estamos vivendo, conseguinte trocamos a vida real e seus dramas, por plataformas e redes sociais que mostra ao outro, o que queremos ser, ainda que esse outro não seja meu eu real. Assim, seguimos nossa jornada para no futuro sermos lembrados como pertencentes a “Era do Ressentimento”.
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História da Loucura, cinquenta anos depois… ainda é um livro atual?
Há cinquenta anos Foucault publica seu livro sobre a história da loucura na idade clássica. Trata-se da formação de uma percepção da loucura como doença mental, a partir dos jogos de poder/saber característicos das sociedades européias dos séculos XVII e XVIII. A prática de enclausuramento do louco em instituições fechadas marca a emergência da relação de oposição entre loucura e civilização. Desse modo, Foucault condiciona a nossa experiência médica da loucura às práticas sociais, definindo-a como fato cultural e não natural e individual.
Assim, uma tese central no livro “História da loucura na idade clássica” de Michel Foucault, publicado em 1961, é a de que a intervenção médica sobre a loucura remonta às práticas de exclusão, portanto, implica dominação.
Ora, testemunhamos hoje reformas psiquiátricas, que consistem na abolição de práticas de exclusão dos doentes mentais nos hospícios. Daí, nossa indagação: o livro História da loucura é atual? Ou seja, as teorias e as práticas em saúde mental e psiquiatria podem ainda ser analisadas à luz das relações de poder?
Hoje, a psiquiatria goza de um alto prestígio no meio científico devido à objetividade das noções diagnósticas e ao tratamento farmacológico. Seu sucesso extrapola o campo estritamente médico, pois seus termos clínicos, como por exemplo, depressão e ansiedade, são usados cotidianamente pelos próprios indivíduos para descrever seus estados mentais. Vemos, então, a psiquiatria cada vez mais afastada daquela imagem que a caracterizou desde sua emergência, no século XIX, até meados do século passado, como prática autoritária, segregacionista e violenta.
Assim, alguns podem afirmar que a psiquiatria hoje não exclui, mas, ao contrário, visa à inclusão, portanto, não exerce relação de poder, mas de saber.
Ora, é essencial esclarecer, que a tese fundamental desse livro é a de que a loucura é ontologicamente, e não somente circunstancialmente, um fato cultural, quer dizer, a loucura como realidade cultural é um fenômeno que diz respeito aos modos como indivíduos se vinculam uns com os outros, (identificando-se, individualizando-se, opondo-se) e suas instituições. Pois, mais do que para os maus tratos ou inoperância da clínica médica, Foucault chama atenção para o caráter constitutivo das relações entre loucura, ciência e laços sociais.
Portanto, podemos dizer que a História da loucura é um livro atual, na medida em que é a referência para os questionamentos acerca das relações de poder e saber subjacentes as políticas contemporâneas de promoção de saúde mental.
Daí, nossas indagações:
1) Que forma de poder caracteriza essas práticas(saúde) e quais seus efeitos no indivíduo e na coletividade?
2) Em que medida podemos dizer que as práticas em saúde mental rompe com a relação de dominação da loucura, uma vez que se afasta do modelo do enclausuramento?
Em linhas gerais, podemos dizer que as práticas e os saberes em saúde mental podem ser considerados dispositivos de normalização, pois, seguindo a linha de raciocínio inaugurada por Foucault, são intervenções que definem formas de subjetivação e de relações sociais a partir do imperativo da qualidade de vida, quer dizer, da realização subjetiva e social do indivíduo. Eis, assim, a grande expectativa acerca da saúde mental.