Loki e a volatilidade do trickster

Compartilhe este conteúdo:

 

Loki, na mitologia nórdica, é o deus da trapaça, do fogo, das travessuras e suas narrativas estão fortemente ligadas à magia e seus feitos vão desde ser um gigante de gelo adotado em meio aos aesires em Asgard, a estar presente em todos os principais momentos chave na cosmogonia escandinava, alterando a estrutura do mundo ao seu redor e influenciando os seres mitológicos que vivem ali consigo, de maneiras mais positivas até às mais desastrosas (GAIMAN, 2018). 

No universo dos quadrinhos o personagem foi concebido por Stan Lee (1922-2018), Larry Lieber (1931-Presente) e Jack Kirby (1917-1994), baseado no deus nórdico e entrando em conflito direto com os vingadores, sendo inclusive responsável pela primeira reunião dos heróis em uma equipe, sua primeira aparição se daria em Journey into Mystery #85 (1962).

Loki e sua primeira aparição nos quadrinhos – Fonte: encurtador.com.br/kNUW9

Nos cinemas, sua primeira aparição se deu em Thor (2011), no filme que retrata a origem do deus do Trovão. Loki e sua concepção conturbada são apresentados ao público como a de um ser milenar e poderoso, que foi adotado na benevolência do rei dos deuses Odin, ao longo do filme, ele descobre seu passada e a verdade sobre ser filho dos piores inimigos de Asgard, os gigantes de gelo, e isso gera revolta tremenda. Tamanha inconformidade com este fato o leva a optar por se entregar ao vazio do espaço ao final do filme, ao perceber que jamais seria o herdeiro do trono dos deuses, papel esse destinado a Thor.

Essa concepção hollywoodiana, no entanto, não deixa no entanto a desejar no aspecto retratação da personalidade de Loki, como o deus da trapaça. Ele é intempestivo, volátil, e principalmente imprevisível. A maioria dos personagens ao seu redor passa a maior parte do tempo tentando lidar com as intrincadas tramas desenvolvidas por ele, escapar das maquinações e muitas vezes até das pegadinhas. Isso favorece alguns questionamentos, como por exemplo, porque a personalidade deste personagem é assim e porque é retratado de forma tão contundente assim; a resposta está no arquétipo do Trickster. 

Tom Hiddlestone como Loki em “Thor (2011)” – Fonte: encurtador.com.br/ewGOX

O Trickster em Asgard

Ao estudar a psicologia analítica é possível identificar dentro do conceito dos arquétipos uma variedade quase infinita de representações, entre elas consta o Trickster. Queiroz (1991) essa figura arquetípica se pode associar com personagens de característica ardilosa, astuta, desonesta ou cômica, seriam aqueles heróis embusteiros ou o pregador de peças. O autor destaca também que o termo trickster vem do francês tricherie – que quer dizer algo entre trapaça, falcatrua ou engano – e que esses personagens míticos podem estar associados a um conceito de neutralidade moral, pois seus feitos podem prejudicar ou beneficiar as pessoas e o mundo a sua volta, devido a sua natureza dúbia.

Esta figura atua sem limites e sem qualquer lei que não seja a do próprio desejo. Por esta razão, pode-se dizer que o trickster costuma representar a antítese de valores culturais estabelecidos e integrados pela consciência coletiva em forma de rituais, e então, quando surge, personifica a antítese da atitude culturalmente esperada. Até o corpo do trickster não é uma unidade integrada, separando-se frequentemente em partes autônomas ou então metamorfoseando-se. Loki, por exemplo, é capaz de transformar-se em fêmea e se metamorfosear em vários animais (…) (ALVES, 2016, p.75)

Na mitologia nórdica nenhum outro ser se enquadra melhor no arquétipo do trickster do que Loki, o deus do fogo e da trapaça. Em toda sua trajetória este se vê atuando de maneiras absurdamente contraditórias; ora é retratado junto aos aesires indo em direção a batalhas ferozes ou ajudando Thor a recuperar seu martelo perdido, ora está se rebelando, concebendo filhos mortais – pois é retratado como um ser de gênero fluido e de forma abstrata quando deseja – e começando o equivalente ao apocalipse cósmico escandinavo:

Seja na mitologia nórdica de maneira geral, seja no círculo de Asgard, o lugar ocupado por Loki é de certa forma intrigante. Ele tem um papel de destaque na maioria dos mitos nórdicos conhecidos por nós nos dias de hoje. Considerando o material produzido por Snorri Sturluson como única fonte, Loki talvez seja o personagem de maior destaque entre os deuses do norte, o principal ator nas estórias divertidas e também a força motivadora em um bom número de tramas. Ele traz ao reino dos deuses tanto a comédia quanto as grandes tragédias (…) (ALVES, 2016, p.73)

Representação ancestral de Loki – Fonte: encurtador.com.br/adeG6

A inconstância nas interações do deus da trapaça são sua marca registrada e é aí que mora o trickster nessa narrativa, um ser que é livre de certa forma e exerce essa liberdade interagindo de diversas maneiras com o mundo ao seu redor. Tanto no caso de Loki, quanto no caso de outros tricksters de outras culturas. Vide Exu na cosmogonia Iorubá (DE ALMEIDA GABANI; SERBENA, 2015) que atuava como observador da humanidade entre suas vilas, ou mesmo Hermes da cultura greco-romana que era mensageiro dos deuses e divindade relacionada a medicina e aos viajantes (BALIEIRO, 2015), ambos podem ser identificados nesse arquétipo e mostram como as sociedades ancestrais que conceberam esses mitos vislumbravam essa figura arquetípica.

A Lição do Trickster

Tanto nas mitologias quanto nas narrativas cinematográficas em que está presente, um ponto em comum na narrativa do trickster e em sua interação com os que o orbitam fica evidente: ele coloca os personagens, o mundo e a história em movimento. Loki é ao mesmo tempo um inimigo infiltrado, um filho, um grande irmão, um anti-herói. 

Ele é o responsável por colocar a história em movimento auxiliando os deuses, sendo parceiro, amigável, mas em uma de suas piadas mais cruéis, mata o deus Balder e inicia o fim dos tempos, levando toda a narrativa cósmica para seu ápice. Mesmo com tantas e repetidas idas e vindas, o trapaceiro tem que estar ali, para manter a narrativa em movimento, e muitas vezes dar um empurrão singelo para a conclusão tão esperada.

REFERÊNCIAS

BALIEIRO, Cristina et al. A imagem arquetípica do psicopompo nas representações de Exu, Ganesha, Hermes e Toth. Revista de Estudos Universitários-REU, v. 41, n. 2, 2015.

DE ALMEIDA GABANI, Michelle Suzana; SERBENA, Carlos Augusto. Exu: Um Trickster Solto No “Terreiro” Psíquico. Revista Relegens Thréskeia, v. 4, n. 1, p. 52-70, 2015.

GAIMAN, Neil. Mitologia nórdica. Editorial Presença, 2018.

QUEIROZ, Renato da Silva. O herói-trapaceiro. Reflexões sobre a figura do trickster. Tempo Social, v. 3, n. 1-2, p. 93-107, 1991.

ALVES, Victor Hugo Sampaio. Um Estudo Simbólico-arquetípico Da Edda Em Prosa. Textos completos do 4 Seminário Integrado de Monografias, Dissertações e Teses, p. 62, 2016.

Compartilhe este conteúdo:

A polêmica da Ariel negra

Compartilhe este conteúdo:

A representatividade da população negra no cinema se faz importante, pois fica claro que uma minoria atua em papeis de destaque

O racismo é algo presente no mundo todo, e dessa forma o cinema acaba reproduzindo essas estruturas da sociedade e isso se apresenta nos papeis que muitas atrizes/atores desempenham. Com pouca pesquisa na internet é possível encontrar diversos depoimentos de quem sofreu esse tipo de preconceito, dentre outros. Pessoas que por seu tom de pele são desqualificadas para determinados papeis, onde o personagem deve seguir uma determinada aparência. Onde algumas vezes não existe a real necessidade como no caso da Ariel e assim um racismo mascarado acaba se apresentando.

Da mesma forma, existe uma polêmica por trás da escolha da atriz Halle Bailey que viverá o papel da pequena sereia em um live-action da Disney. A história original do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, não possui descrição de como é a aparência da Ariel, dentre outros detalhes que são adaptações para a animação.

Fonte: encurtador.com.br/howLN

O termo whitewashing é utilizado quando substitui (especialmente na indústria cinematográfica) personagens fictícios ou históricos, de etnia estrangeira, por atores de cor branca. O que pode ser visto em vários filmes como, por exemplo: Deuses do Egito, A grande muralha, Death Note, Príncipe da Pérsia, Aladdin e podemos citar as versões da população egípcia nas novelas da Record, dentre muitos outros casos.

Assim, a escolha de uma atriz negra para desempenhar um papel que originalmente foi adaptado na animação como uma branca e ruiva foi colocado em questão. Porém o que nos aproxima da história é o seu conteúdo e não a aparência dos personagens. O diretor Rob Marshall em um comunicado para a revista Variety disse: “Após uma longa busca, está abundantemente claro que Halle possui a rara combinação de espírito, coração, juventude, inocência e substância – além de uma gloriosa voz para canto – todas qualidades intrínsecas necessárias para interpretar este papel icônico”.

Fonte: encurtador.com.br/gwBFI

Neste sentido, a Disney já vem inovando na forma como apresenta suas princesas, que já não são aquelas donzelas em perigo em que o herói aparece para salvá-las. Podemos ver essas mudanças em Frozen e Moana que foi um sucesso de bilheteria, onde os obstáculos que aparecem nos filmes são resolvidos com elas como protagonistas. Então se percebe que a ideia de mulher de hoje em dia é outra, além de fortes e suficientes elas podem pertencer a uma variedade de etnias.

Dessa forma, a representatividade da população negra no cinema se faz importante, pois poucos ainda atuam em papeis de destaque. Assim como em 2018 com o filme Pantera Negra onde a Marvel buscou valorizar os negros e que teve uma grande repercussão. No Brasil, quando o filme estreou, líderes de comunidades negras levaram para os cinemas crianças que se sentiram representadas pelos personagens.

Portanto a representatividade no cinema tem um papel importante, pois se cria uma forma de identificação entre a pessoa que assiste fazendo com que ela se sinta representada. Além de ter relevância para a conscientização sobre o contexto em que pessoas negras estão inseridas, seja no cinema ou na vida real, podendo levar a um pensamento de uma sociedade mais justa e que possa existir uma maior tolerância com as diferenças.

Referências

KROLL, Justin. Disney’s Live-Action ‘Little Mermaid’ Casts Halle Bailey as Ariel. Disponível em: <https://variety.com/2019/film/news/little-mermaid-halle-bailey-chloe-x-halle-1203234294/>. Acesso em: 15 jun. 2019.

Compartilhe este conteúdo:

O luto mal-resolvido em ‘O Justiceiro’

Compartilhe este conteúdo:

‘O Justiceiro’ não é uma produção destinada apenas aos amantes de quadrinhos, mas também retrata os desafios existenciais que cada personagem carrega dentro de si.  

O Justiceiro, série originada da história em quadrinho da gigante Marvel, retrata a história de um ex-fuzileiro do exército, que busca implacavelmente fazer justiça com as próprias mãos com aqueles que aos seus olhos merecem ser punidos. Este texto contem spoiler, já que é necessário se debruçar sobre as narrativas centrais para associá-las aos processos psicológicos.

Frank Castle não é um homem que se derruba com um simples tiro, já que as duas temporadas da série servem de amostra à força e resistência física que ele possui. Contando eventos nos quais ele enfrentou vários homens de uma só vez e saiu vivo. Frank Castle é imbatível.

A primeira temporada conta o acontecimento mais importante da vida de Castle, evento este que seria responsável por traçar o seu destino para sempre. Frank teve sua família assassinada (Esposa e filhos) sob os comandos de seu melhor amigo e companheiro de guerra Billy Russo.

Fonte: encurtador.com.br/bfmJT

Billy era considerado parte da família e tinha a total confiança dos mesmos, o que colaborou ainda mais para o sofrimento de Castle, que se sentiu profundamente traído pelo seu melhor amigo. Em resposta a essa traição, ele perseguiu Russo e no desfecho da primeira temporada, provocou grandes ferimentos no rosto dele, deixando-o em estado de trauma e com muitas cicatrizes.

O destino da vida de Frank não seria mais o mesmo depois da morte de sua família. Ele não conseguiu mais investir afeto em nenhuma área de sua existência e se manteve num processo constante de não aceitação desse acontecimento traumático. Conforme PARKES (2009 apud HABEKOSTE E AREOSA, 2011, pág. 189) “o luto pode ser definido como um conjunto de reações diante de uma perda. É um processo e não um estado, sendo uma vivência que deve ser devidamente valorizada e acompanhada, fazendo parte da saúde emocional, caso contrário, se não for vivenciada retornará para ser trabalhado”.

O retorno desse luto que não foi vivenciado adequadamente é o que mantém a fúria e o desejo de Castle de sempre envolver-se com situações de violência e justiça. O que se percebe nas decisões de Frank, é que ele busca nesse estilo de viver uma forma de conseguir suportar a dor da perda de seus entes queridos.

Fonte: encurtador.com.br/fgC24

A segunda temporada inicia-se com ele em um bar conhecendo uma mulher, com a qual pela primeira vez depois de muito tempo, ele se relaciona. Tudo poderia mudar a partir daquele momento, no entanto, ele avista uma jovem em apuros, e escolhe aquela oportunidade para voltar ao personagem do Justiceiro.

O intrigante é que ele poderia optar por não se envolver, visto que a garota não tinha nenhuma ligação com ele. Porém, ele mata todos os que a perseguiam naquela ocasião, e ainda não a deixa ir embora, alegando que mais pessoas viriam. Ela tenta fugir dele diversas vezes, mas não consegue. Frank vê na moça o seu “amuleto de fazer justiça”, e ele não deixaria esse amuleto ir embora.

O possível envolvimento amoroso que poderia ter acontecido seria uma das formas de começar o processo de elaboração do luto, no entanto, Castle o negou, numa tentativa de não entrar em contato com esse sofrimento. Para Santos (2009 apud HABEKOSTE E AREOSA, 2011, pág.190) “é a negação, que aparece na forma de evitação do fato que provoca sofrimento mental, ou seja, o sujeito se defende, adiando o processo de elaboração e reestruturação de vida.”

A frequência e a intensidade com que Castle se lembra de sua família, diz muito a respeito do tipo de apego estabelecido entre eles. Para Bowlby (1985) quanto maior a intensidade do apego maior a influência direta no processo de elaboração do luto, fazendo com que o sujeito enlutado tenha muito mais dificuldade em aceitar/ressignificar a perda.

Fonte: encurtador.com.br/suwN7

A jornada que se traça durante a segunda temporada traz Frank tentando livrar Amy de um influente casal de religiosos, que estão atrás de um conjunto de fotos de seu filho beijando outro rapaz. Esse casal contrata um de seus fiéis, chamado John Pilgrim, para encontrar Frank e a garota, e recuperar as fotos.

A dupla formada pelos dois traz benefícios para ambos, que encontram um no outro figuras expressivas que faziam falta em suas vidas. Frank enxerga Amy como sua filha e assim sendo estabelece um instinto de cuidado e proteção para com ela. Já Amy encontrou a representação de uma figura paterna para si, recebendo apoio em meio ao caos de ter perdido todos os seus amigos assassinados pelo grupo de religiosos. Caso o telespectador olhe atentamente perceberá a importância do vínculo desenvolvido para o processo de cura de Castle.

Billy Russo e o peso do Transtorno de Estresse Pós-Traumático

A segunda temporada traz o personagem de Billy Russo como uma vítima do trauma, ocasionado pela agressão que ele sofreu nas mãos de Frank Castle. No entanto, ele não se recorda do que aconteceu, e revive esse trauma todos os dias através de sonhos, nos quais ele consegue ver apenas imagens de uma caveira que sempre o persegue.

Russo está passando por um processo denominado Transtorno de Estresse Pós-Traumático. O DSM-IV define duas características para a ocorrência do TEPT, que são “1- A pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolveram ameaça de morte ou de grave ferimento físico, ou ameaça a sua integridade física ou à de outros;” e “2- A pessoa reagiu com intenso medo, impotência ou horror;”. Além disso, Billy passa por um processo de intensa confusão por não entender a reação de ódio de Frank para com ele, uma vez que ele não se lembra da traição realizada.

Fonte: encurtador.com.br/iuxI9

Ao contrário da primeira temporada que retrata Castle a procura de Billy, a segunda retrata Billy a procura de Castle, porém não no campo físico mas no campo psicológico. Para isso ele conta com a ajuda de Krista Dumont, a Psicóloga que lhe acompanha desde o seu retorno do coma. Krista é no momento a única pessoa em que ele confia, sendo ela seu continente terapêutico. Para Zimmerman (2007, pág. 74) “a função de continente é um processo ativo, no qual o analista participa intensamente, acolhendo, contendo, decodificando, transformando, significando, nomeando e devolvendo de forma desintoxicada tudo aquilo que nele foi projetado dentro dele.”

Apesar desse vínculo saudável estabelecido no início, Krista acaba se apaixonando por Russo, e abandonando o papel único de psicoterapeuta para assumir o papel de companheira.

 O desfecho

O cenário de sangue e violência toma a maior parte dos episódios da série que traz por final, a vitória de Frank e Amy, esta que por sua vez recebe a oportunidade de um recomeço, longe do mundo do crime e mais perto da vida de uma jovem comum.

Fonte: encurtador.com.br/sFTU8

Já Frank acaba optando por continuar seu caminho de Justiceiro, acabando com gangues responsáveis por grandes crimes. Billy acaba por descobrir que Castle era o seu agressor e tenta matá-lo, numa investida frustrada, que acaba resultando na sua própria morte.

Contudo, ‘O Justiceiro’ não é uma produção destinada apenas aos amantes de quadrinhos, visto que não se trata somente de poder, lutas e ferocidade, mas também retrata os desafios existenciais que cada personagem carrega dentro de si.

REFERÊNCIAS:

JORNADA DE PESQUISA EM PSICOLOGIA, 4., 2011, Santa Cruz do Sul. O luto inesperado. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011. 15 p. Disponível em: <http://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/jornada_psicologia/article/view/10197/18>. Acesso em: 26 jan. 2019.

FIGUEIRA, Ivan; MENDLOWICZ, Mauro. Diagnóstico do transtorno de estresse pós-traumático. Revista Brasileira de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p.12-16, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/rbp/v25s1/a04v25s1.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2019.

Zimerman, D. (2007). Uma Ampliação da Aplicação, na Prática Psicanalítica, da Noção de Continente em Bion. Interações: Sociedade E As Novas Modernidades, 7(13). Acesso em: 26 jan. 2019.

Compartilhe este conteúdo:

Doutor Estranho: a metamorfose do homem ocidental

Compartilhe este conteúdo:

Indicado ao OSCAR:

Melhores Efeitos Visuais (Stephane Ceretti, Richard Bluff, Vincent Cirelli e Paul Corbould )

Banner Série Oscar 2017

Doutor Estranho é um filme norte americano, baseado no personagem homônimo da Marvel Comics. Stephen Strange, é um bem-sucedido neurocirurgião, com um ego inflado. O filme retrata um homem, que vive para a profissão e para o umbigo. Sua arrogância o leva a desprezar as relações, inclusive com sua colega de trabalho e ex – namorada, Christine. A forma como Strange lida com o mundo, de forma prática e racional, nos mostra que parece se tratar de alguém com função principal sensação e auxiliar pensamento. Seu gosto apurado, sua relação apenas com o que é tangível e sua predileção pelo intelecto em detrimento do sentimento e das relações, mostram esses aspectos. O filme então ilustra o que ocorre, quando uma função principal se desgasta e é necessário desenvolver as demais, principalmente a inferior.

De um ponto de vista coletivo, podemos observar muito daquilo que é admirado no mundo ocidental: o homem com poder e prestígio externos, a realização profissional, a eficiência, o ter e os processos racionais e cognitivos. O irracional, a sensibilidade, o ser, a intuição e a alma, são desprezados pela cultura ocidental. O filme então, mostra uma crítica e uma mudança de paradigma. Strange perde o uso de suas mãos em um acidente de carro e isso me faz lembrar do conto de fadas A Donzela sem mãos, quando a mocinha tem suas mãos cortadas pelo pai que fez um pacto com o diabo.

Fonte: http://zip.net/bqtD3H

De certa forma, Strange também vende sua alma ao diabo e faz um pacto infeliz com os valores externos em prol de sua alma. Ao perder o uso das mãos, ele perde sua capacidade de fazer algo no mundo externo. Ele perde sua capacidade de atuação e seus dons criativos. Ele precisou perder sua capacidade extrovertida de atuar para olhar de forma introvertida para aquilo que falta nele.

Em Catmandu, Nepal o feiticeiro Kaecilius e seus seguidores entram no composto secreto Kamar-Taj e assassinam seu bibliotecário, guardião de textos antigos e místicos. Eles roubam o ritual de um livro proibido pela Anciã, uma feiticeira que vive vários séculos e que ensinou a todos em Kamar-Taj, incluindo Kaecilius, nos modos das artes místicas. A Anciã persegue os traidores, mas Kaecilius e alguns de seus seguidores escapam com as páginas.

Sua ex-amante e colega de trabalho Christine Palmer tenta ajudá-lo a seguir em frente, mas o arrogante Strange quer desesperadamente curar seus ferimentos. Depois de meses tentando cirurgias experimentais em suas mãos, e usando todos os seus recursos, Strange ouve falar de Jonathan Pangborn, um paraplégico que misteriosamente foi capaz de andar novamente. Pangborn fala a Strange sobre o Kamar-Taj, no Nepal. Lá, outro feiticeiro, Karl Mordo, apresenta Strange à Anciã. A Anciã mostra à Strange o seu poder, revelando o plano astral e outras dimensões, como a Dimensão Espelhada. Strange implora para ela ensiná-lo, e ela finalmente concorda quando Mordo a lembra das forças da Dimensão Negra. Apesar da arrogância de Strange, ela finalmente aceita, o que a faz lembrar de Kaecilius.

Fonte: http://zip.net/bmtCYJ

Strange começa o seu ensinamento com a Anciã e Mordo, e aprende mais dos livros antigos na biblioteca, que agora é protegida pelo mestre Wong. Strange avança os meses estudando vários feitiços, se mostrando muito inteligente. Curioso, Stephen encontra o Olho de Agamotto e o usa para manipular o tempo numa maçã usando os feitiços descritos no livro proibido da Anciã. Mordo e Wong chegam a tempo de impedir ele de ir longe de mais com tanto poder em posse.

Strange fica confuso então Mordo e Wong explicam que a Terra é protegida de outras dimensões por um feitiço formado a partir de três blocos chamados Sanctum’s, encontrados em Nova York, Londres e Hong Kong. A tarefa dos feiticeiros é proteger os Sanctum’s, embora Pangborn escolheu a renunciar esta responsabilidade em favor de canalizar energia para andar de novo; Strange terá que decidir entre recuperar o uso de suas mãos ou defender o mundo.

Kaecilius e seus seguidores usam as páginas roubadas para começar a convocar o poderoso Dormammu da Dimensão Negra, onde o tempo não existe e todos podem viver para sempre. Isso destrói o Sanctum de Londres, e envia Strange de Kamar-Taj para o Sanctum de Nova York. Os seguidores de Kaecilius então atacam lá, onde Strange os mantém fora com o Místico Manto de Levitação. Strange é ferido por um dos seguidores de Kaecilius.

Fonte: http://zip.net/bbtCZ2

Ele viaja para o hospital onde trabalhava a procura de Christine enquanto o Manto da levitação da cobertura com um dos seguidores. Stephen sai do seu corpo, se tornando uma forma astral e ajudando Christine a reviver o seu corpo. Strange deixa Christine ao perceber que o seguidor de Kaecillius se livrou do manto ao mudar pra sua forma astral. Uma luta no hospital no mundo astral começa e Strange vence com ajuda de Christine.

Strange volta para o Sanctum de Nova York e encontra Mordo. Strange e Mordo tem uma pequena discussão quando Stephen revela que, segundo Kaecilius, a Anciã drena energia da Dimensão Negra para ter mais poder e longevidade. Eles confrontam Kaecilius e seus seguidores de novo pelas ruas e predios distorcidos de Nova York. A Anciã surge e enfrenta Kaecillius cara a cara e é ferida por ele, voltando ao mundo normal e caindo de praticamente 20 metros de altura. A Anciã é levada para o hospital e antes de morrer, no plano astral, conversa com Strange e dá um conselho que uma hora ele vai ter que quebrar certas regras como ela e então o deixa.

Stephen vai pedir a ajuda de Mordo e eles vão para o Sanctum de Hong Kong. Eles chegam lá e veem a cidade ser praticamente destruida pelo surgimento da Dimensão Negra. Strange usa o Olho de Agamotto para voltar no tempo e impedir que tudo aquilo acontecesse, salvando Wong, entretanto, Kaecillius e seus seguidores conseguem sair do feitiço temporal e, tentam impedir Strange de acabar com os seus planos.

Stephen vai para a Dimensão Negra e pede uma barganha entre ele e o senhor da Dimensão, Dormammu. Strange prende Dormammu em um loop temporal pra sempre e, Dormammu decide entrar em acordo com ele, tirando Kaecilius e seus seguidores da Terra. Desgostoso com as decisões de Strange e da Anciã, Mordo vai embora. Stephen devolve o Olho de Agamotto ao seu lugar e Wong cita que ela é uma Joia do Infinito. Strange vai para o Sanctum de Nova York onde com permissão de Wong, residiria como Guardião.

Fonte: http://zip.net/bftC0Z

Em uma cena no meio dos créditos, Thor encontra-se no Sanctum de Nova York pedindo ajuda de Strange para encontrar Odin, junto com seu irmão Loki, que está desaparecido. Strange aceita ajudá-lo com a condição de que nunca mais volte á terra. Na cena pós-créditos, Mordo, após alguns meses viajando, vai a procura de Pangborn e absorve os poderes que ele tinha para permanecer andando e, Mordo fala que o mal do mundo é que existem feiticeiros de mais.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

doctor-strange-doutor-estranho-cartaz

DOUTOR ESTRANHO

Direção e Roteiro: Scott Derrickson
Elenco: Benedict Cumberbatch, Tilda Swinton, Chiwetel Ejiofor, Mads Mikkelsen
Ano: 2016
País: EUA
Classificação: 12
Compartilhe este conteúdo:

Doutor Estranho: elementos místico-gnósticos no clichê da quebra e retorno à ordem

Compartilhe este conteúdo:

Indicado ao OSCAR:

Melhores Efeitos Visuais (Stephane Ceretti, Richard Bluff, Vincent Cirelli e Paul Corbould )

Banner Série Oscar 2017

Por um lado, “Doutor Estranho” é uma evolução no universo Marvel: no lugar de super-soldados e playboys tecnológicos, a magia e a inteligência. Mas do outro, a magia (com referencias gnósticas e budistas) não é libertária mas destinada a manter a “ordem natural”: a seta do Tempo, a entropia e a morte – justamente as falhas cósmicas que o Gnosticismo de produções como “Matrix” ou “Sense8” e o budismo tibetano (uma fonte de inspiração do personagem) denunciam como prisões na “Roda do Samsara” – ciclo vicioso da morte/reencarnação. Em “Doutor Estranho” quem pretende romper com a ilusão são os vilões (a “Dimensão Negra”) e os heróis são aqueles que punem quem pretende quebrar a Ordem. “Doutor Estranho” explicita o clichê narrativo hollywoodiano que é o cerne ideológico do entretenimento comercial: “quebra-da-ordem-e-retorno-à-ordem” – a luta para que a ordem seja mantida. Mas o que realmente fascina o público no filme é o show da possibilidade de que a ordem será toda mandada pelos ares. Até a magia colocar tudo no lugar.

A virtude de Doutor Estranho é levar o universo cinemático da Marvel para uma nova direção: das histórias sobre playboys dotados de genialidade tecnológica e super-soldados nobres e heroicos, passamos para um mundo dominado pela magia e inteligência. Além de uma eletrizante utilização dos efeitos digitais para criar um universo bem diferente de qualquer outra coisa que vimos em adaptações cinematográficas recentes sobre super-heróis – multi-universos, loop temporais, portais interdimensionais e a desconstrução do Tempo.

Mas tudo isso é apenas a superfície. Para além desse avanço evolutivo da Marvel, Doutor Estranho explicita clichês do entretenimento hollywoodiano. Mas principalmente, um clichê narrativo que é, na verdade, o cerne ideológico do entretenimento comercial: quebra-da-ordem-e-retorno-à-ordem – protagonistas que lutam para que uma ordem seja mantida, mas o que realmente fascina o espectador é o show da possibilidade de que a ordem será toda mandada para os ares. Até que a magia coloque tudo no lugar.

doctor-strange-movie-tilda-swinton-benedict-cumberbatch-ancia

O personagem Doutor Estranho faz parte do desenvolvimento de um sub-zeitgeist místico, religioso e sobrenatural formado nos EUA por toda uma literatura de HQs, magazines, pulp ficctions e filmes B sci-fi, horror e fantasia no Pós-Guerra. Enquanto na Europa o misticismo gnóstico e o Fantástico sempre esteve associado à literatura e movimentos artísticos de vanguarda (Romantismo, Gótico, Expressionismo etc.), ao contrário, nos EUA associou-se à subliteratura e entretenimento de massas.

Essa “nova religião americana” (na expressão de Harold Bloom) tornou-se um gnosticismo de massas. Porém, associado a uma indústria de entretenimento no qual o místico e o sagrado é estetizado e neutralizado, convivendo confortavelmente com hábitos ritualizados de consumo. Se os quadrinhos de Stan Lee ainda criavam a mitologia dos super-heróis associada à autodivinização (o que sempre indignou os fundamentalistas religiosos), nas adaptações cinematográficas as mitologias mística e gnóstica serão enquadradas nos clichês hollywoodianos de entretenimento – super-heróis amorais e a neurótica quebra e retorno à ordem: função ideológica do cinema de massas para criar resignação e conformismo no público.

Doutor Estranho explora os elementos mais críticos do questionamento ontológico que o Gnosticismo faz à Ordem: multi-universos, a realidade como um constructo e, principalmente, o Tempo como a principal falha cósmica que aprisiona a humanidade. Mas ao contrário do universo Matrix no qual o protagonista luta para desligar a ilusão e quebrar a prisão do Tempo, em Doutor Estranho (e de resto, em todo universo Marvel no cinema), os super-heróis lutam pela manutenção da Ordem – mortais vivem na realidade ilusória prisioneiros da seta do Tempo (entropia e morte) enquanto os heróis (magos supremos e mestres da magia) lutam para que a ilusão seja mantida.

doctor-strange

O Filme

Dr. Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é um gênio da Medicina: um rico neurocirurgião com ego tão inflado como o do Homem de Ferro Tony Stark. Trata com desdém os profissionais aos eu redor e escolhe a dedo apenas os casos médicos mais desafiadores para ele. Guiando velozmente o seu carro esporte ao som de Interestellar Overdrive, música do primeiro disco do Pink Floyd (sutil referencia ao psicodelismo dos anos 1960, década na qual Doutor Estranho estreou nos quadrinhos da Marvel), simultaneamente olha para relatórios médicos (Strange pode ser inteligente, mas seu ego o faz parecer invulnerável) quando sofre um brutal acidente com o carro devido a uma momentânea distração no volante.

Suas mãos são as mais atingidas no acidente, o que é fatal para um neurocirurgião: cheias de cicatrizes e sem mais precisão e firmeza, são agora uma pálida lembrança do profissional de sucesso que era. Mas isso não faz repensar sua vida. Após sucessivos fracassos em cirurgias, torna-se cada vez mais agressivo e retraído, a ponto de bater em sua ex-amante e colega de trabalho Christine Palmer (Rachael McAdams), a única pessoa em quem poderá confiar. Strange vê todas as soluções da Ciência e da Medicina falharem, ao mesmo tempo que conhece um ex-paciente, recusado por ele, chamado Jonathan Pangborn. Um paraplégico que voltou a andar após um período sob a tutela da Anciã (Tilda Swinton) no Nepal, onde aprendeu o controle do corpo através da mente.

Falido e carregando no pulso o último relógio da sua cara coleção (simbolismo importante no filme), Strange junta o pouco de dinheiro que sobrou e viaja ao Nepal para encontrar a cura. Mas lá encontrará muito mais: um novo mundo se abrirá (literalmente, para outras dimensões) com ajuda não só da Anciã, mas também de Mordo (Chiwetel Ejiofor). Acabará aprendendo como a magia é utilizada para proteger o planeta de “fanáticos” como Kaecilius (Mads Mikkelsen), um ex-discípulo da Anciã que abandonou o Templo para se associar a Dormammu, Deus da Dimensão Negra cujo propósito é a de consumir a nossa.

doctor-strange-doutor-estranho-vilao

Tempo e Imortalidade

Toda a narrativa gira em torno do tema do Tempo e da Imortalidade. Para a maga suprema, a Anciã, proteger o planeta é lutar pela manutenção a ordem da Natureza, que a Dimensão Negra pretende quebrar. “O mundo não é o que deveria ser. A humanidade anseia pela vida eterna. Um mundo além do tempo, pois o tempo nos escraviza. O Tempo é um insulto. Não queremos governar esse mundo, queremos salvá-lo”, diz a certa altura Kaecilius na primeira luta com Doutor Estranho.

Aqui temos nessa linha de diálogo uma síntese da crítica Gnóstica à falha fundamental da imperfeição do nosso Cosmos – cópia imperfeita da Plenitude, o chamado “Pleroma” para os gnósticos. A combinação dessa crítica ao Tempo com o toque místico budista da Anciã do Nepal, converge à própria visão da mortalidade/reencarnação como a essência da prisão em que se torna esse mundo, capturando as almas e obrigando-as à reencarnação (a Lei da Repetição) até que conseguam “fugir” por meio da iluminação espiritual – escapar da “Roda do Samsara”, para o Budismo Tântrico.

doctor-strange-doutor-estranho-magia

O Yantra Místico

Curiosamente, essa filosofia libertária (de filmes como Matrix ou séries como Sense8) é o propósito dos vilões da Dimensão Negra. Anciã, Doutor Estranho e Mordo travam batalhas invisíveis aos humanos no Universo Espelhado (que lembram bastante as sequências do filme A Origem – Inception, 2010) justamente para manter a Ordem. Ironicamente o design dos escudos energéticos manipulados tanto pela Anciã como pelo Doutor Estranho possuem uma gestalt semelhante ao dos manuscritos originais do Livro Tibetano dos Mortos, assim como do Yantra Místico, a representação simbólica do aspecto de uma divindade, inestimável para ajudar o caminho espiritual.

Na tradição tibetana são símbolos para alcançar a união com Deus e escapar da Roda do Samsara, encerrado o ciclo de mortes e renascimentos. Ao contrário, em Doutor Estranho ajudam a manter a “ordem natural” da seta do Tempo, a falha cósmica que mantém a lei da Repetição. E todas as lutas serão travadas em torno do hospital no qual Stephen Strange trabalhava – nada mais simbólico: é no hospital onde médicos travam a batalha contra a seta do Tempo, a entropia e a morte.

tibetanoYantra: Livro Tibetano do Mortos e no filme “Doutor Estranho”
Fonte: http://migre.me/vAdL6

Quebra e retorno à Ordem

Por isso, Doutor Estranho trabalha com uma clássica variação do clichê “quebra-da- ordem-retorno-à-ordem: quem quebra as regras deve ser punido, inclusive os próprios super-heróis. Em repetidas linhas de diálogo do filme repete-se o mantra: “Mas um dia é preciso pagar a conta”, diz Mordo seguidas vezes. Anciã salva a Terra por meio da própria quebra das regras pelas quais luta – drena a energia da Dimensão Negra para ter uma vida longa e fugir da morte. Enquanto Doutor Estranho, através da joia chamada “Olho de Agamotto”, manipula o Tempo – avança e retrocede os eventos de acordo com as necessidades das batalhas contra a Dimensão Negra.

Por isso, é simbólico o relógio quebrado no pulso de Doutor Estranho, a única coisa que restou da antiga vida: ele também deverá quebrar as regras do Tempo, assim como almeja a Dimensão Negra. E por que a ênfase na autodivinização nos HQs originais de Doutor Estranho é substituída pelo clichê da punição à quebra da ordem na adaptação cinematográfica? Para pesquisadores como o alemão Dieter Prokop, essa é a essência ideológica da linguagem do entretenimento para manter todos os espectadores na linha. Ao se divertir e, subliminarmente, receber essa mensagem sobre as consequências e punições sobre desobediências à Ordem (qualquer ordem), o espectador sai do cinema disposto à enfrentar, resignado, mais um dia seguinte de trabalho e disciplina – saiba mais sobre esse conceito.

doutor-estranho-doctor-strange-mordo

Narrativa inverossímil

Além disso, Doutor Estranho peca por outra velha narrativa clichê hollywoodiana que é totalmente inverossímil: a história de um homem branco que viaja para uma terra “exótica”, cuja cultura e pessoas não respeita, e muito menos conhece a língua. Apesar disso, de alguma forma, descobre que tem um dom natural pela magia e rapidamente fica bom o suficiente para bater os praticantes que têm vivido nisso há séculos! Na verdade, Stephen Strange não muda e o seu ego permanece tão inflado como no início: tudo deve acontecer de acordo com seus próprios termos.

Mas, apesar de tudo isso, Doutor Estranho tem um virtude irônica: pelo menos os civis inocentes estão à salvo das batalhas amorais dos super-heróis, capazes de realizar destruições em larga escala para derrotar inimigos que também querem destruir tudo. O que deixa duas opções para os pobres civis: ou são mortos pelos super-heróis como efeitos colaterais, ou mortos pelos vilões como vítimas de atentados terroristas. Em Doutor Estranho, as batalhas ocorrem no Universo Espelhado, plano dimensional invisível para os humanos – apesar de em alguns momentos sentirem alguns efeitos. Com exceção na batalha em Hong Kong na qual a Dimensão Negra destrói o prédio do Sanctum Sanctorum – um dos escudos etéricos que protegem a Terra das forças do mal.

Mas, prontamente Doutor Estranho gira o Olho de Agamotto retrocedendo o Tempo e reconstruindo tudo, o prédio e a vida das vítimas. Mais do que dinheiro, as adaptações cinematográficas do sub-zeitgeist gnóstico das HQs da Marvel parecem cumprir uma função místico-ideológica bem clara: no lugar da autodivinização libertária, super-heróis que lutam para que a Ordem seja mantida sob a ameaça da punição. Afinal, sempre chega o dia de “pagar a conta”.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

doctor-strange-doutor-estranho-cartaz

DOUTOR ESTRANHO

Direção e Roteiro: Scott Derrickson
Elenco: Benedict Cumberbatch, Tilda Swinton, Chiwetel Ejiofor, Mads Mikkelsen
Ano: 2016
País: EUA
Classificação: 12
Compartilhe este conteúdo: