O Poder da palavra – psicanálise & MPB

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O grupo de estudos FaLA – Percurso de Freud a Lacan traz, no dia 28 de novembro, às 9:00h encontro temático virtual com o psicanalista Marcos Comaru, Psicanalista, doutor em teoria psicanalítica pela UFRJ, professor convidado do Instituto Cultural Freud, do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e do curso de pós-graduação em psicanálise e contemporaneidade: trauma e urgências subjetivas da PUC-RJ. Nessa ocasião, o psicanalista irá discorrer sobre seus estudos acerca da interrelação entre psicanálise e música popular brasileira aos estudantes de psicanálise participantes do Grupo FaLA. Contudo, há vagas destinadas ao público em geral. 

Fonte: foto de Marcos Comaru extraída do https://www.youtube.com/watch?v=SSgD0BnEdRI /

Inscreva-se no instagram: @falapercurso.

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Papeis de gênero a partir da música “Geni e o Zepelim”

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O objetivo dessa narrativa é tecer uma análise da música Geni e o Zepelim, do compositor Chico Buarque, sob a perspectiva de papéis sociais, especialmente sobre o gênero. Lane (2006) define identidade social como “conjunto de papéis sociais, que atendem, basicamente, à manutenção das relações sociais representadas no nível psicológico, pelas expectativas e normas que os outros envolvidos esperam que sejam cumpridas”.

A música nos apresenta Geni e o Comandante. Geni, uma mulher muito conhecida e falada na cidade pelos seus comportamentos, Chico Buarque, a descreve em estrofe “…De tudo que é nego torto, do mangue, do cais, do porto, ela já foi namorada, o seu corpo é dos errantes, dos cegos, dos retirantes, é de quem não tem mais nada…”. Do mesmo modo, em estrofe nos apresenta o Comandante, “…forasteiro, o guerreiro tão vistoso, tão temido e poderoso…”. A canção tem como refrão uma expressão no qual será repetida sempre que mencionado o nome de Geni “…Joga pedra na Geni, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geni…”.

Nota-se que Geni é hostilizada pela forma como se comporta, nos fazendo refletir quanto a diferença de valores e comportamentos esperados em relação a mulher e ao homem, que apesar de existirem valores indistintos, como: “respeito”, “obediência”, “honestidade”, “trabalho”, existem também valores que estão relacionados apenas ao sexo feminino, como: “submissão”, “delicadeza no trato”, “pureza”, “capacidade de doação”, “prendas domésticas e habilidades manuais” (BIASOLI-ALVES, 2000).

No entanto, o Comandante tratava-se de um homem forte, temido e detentor de poder, ele havia chegado na cidade com a intenção de destruí-la, mas que ao conhecer Geni encantou-se e logo propôs a paz em troca de uma noite com ela. “Ao longo do processo histórico foram naturalizados e consolidados papéis de gênero diferenciados ao homem e à mulher: atribui-se ao homem a força e o poder, e à mulher a submissão e fragilidade” (CARVALHO; FERREIRA; SANTOS, 2010).

Fonte: encurtador.com.br/xDNY6

Dessa forma, comportamentos semelhantes são vistos e julgados socialmente de modo diferente a partir do gênero da pessoa. As mulheres ainda são estereotipadas pelos seus posicionamentos e/ou comportamentos diante da sociedade, por vezes, sendo diminuídas a rótulos pejorativos por se comportarem do mesmo modo que o homem, ou seja, enquanto a mulher é julgada e muitas vezes massacrada por sua liberdade, o homem é exaltado pelo mesmo direito.

Segundo Santos e Izumino (2014), conhecer a violência contra a mulher a partir das teorias de gênero, nos traz a compreensão sobre os tipos de violências existentes nas agressões à mulher e quais as relações de gênero envolvidas nesta problemática.

No Brasil, desde 2006 foi sancionada a Lei Maria da Penha, que através do sistema policial, garante a segurança e acolhimento às mulheres vítimas de violência, onde seus direitos, dignidade e proteção podem ser exercidos sem julgamentos.

A lei também estabelece a definição do que é a violência doméstica e familiar, bem como caracteriza as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Além disso, a Lei n. 11.340/2006 cria mecanismos de proteção às vítimas, assumindo que a violência de gênero contra a mulher é uma responsabilidade do Estado brasileiro, e não apenas uma questão familiar (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2018).

Fonte: encurtador.com.br/owOSU

Apesar da criação e garantias da lei, as mulheres ainda são as principais vítimas de violência, de acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), em 2020 foram registradas mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher, demonstrando que embora existam mecanismos de proteção a mulher, a cultura permanece em um sistema patriarcal.

Assim, consequentemente a violência de gênero afeta não só a saúde integral da mulher, mas também de toda a sociedade, considerando que essa se perpetua em um sistema de dominação dos homens em relação às mulheres. “O patriarcalismo compõe a dinâmica social como um todo, estando inclusive inculcado no inconsciente de homens e mulheres individualmente e no coletivo enquanto categorias sociais.” (MORGANTE e NADER, 2014). Neste sentido, comportamentos sob a lógica patriarcal são emitidos mesmo sem intencionalidade e consciência, uma vez que são reproduções da forma como se estruturou e se estrutura a sociedade.

Portanto, existe uma dominação muito bem definida que alimenta o julgamento e a violência, sempre que a mulher não ocupa um papel social determinado ou esperado pela sociedade em que está inserida. Daí a relevância de olhar para os fenômenos sociais sob a perspectiva de gênero e de uma ótica histórica e social, considerando que nesta análise, referiu-se à violência contra a mulher.

Fonte: encurtador.com.br/eloAP

Referências:

BIASOLI-ALVES, Zélia Maria Mendes. (2000). Continuidades e rupturas no papel da mulher brasileira no século XX. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-37722000000300006. Acesso em: 09 de abril. 2021.

BUARQUE, CHICO. Geni e o Zepelim. Philips Records, 1979. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jWHH4MlyXQQ. Acesso em: 09 de abril. 2021.

Canais registram mais de 105 mil denúncias de violência contra mulher em 2020. Governo do Brasil. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/03/canais-registram-mais-de-105-mil-denuncias-de-violencia-contra-mulher-em-2020. Acesso em: 09 de abril. 2021.

CARVALHO, Carina Suelen de et al. Analisando a Lei Maria da Penha: a violência sexual contra a mulher cometido por seu companheiro. Disponível em: http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/6.MoaraCia.pdf Acesso em: 09 de abril. 2021.

LANE, S. T. M. (1981). O que é Psicologia Social? São Paulo, SP, Editora Brasiliense.

MORGANTE, M. M. & Nader, M. B.. (2014). O patriarcado nos estudos feministas: um debate teórico. Anais do. XVI Encontro Regional de História da ANPUH. Disponível em: http://encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1399953465_ARQUIVO_textoANPUH.pdf. Acesso em: 09 de abril. 2021.

SANTOS, Cecília Macdowell; IZUMINO, Wânia Pasinato. Violência contra as Mulheres e violência de Gênero: Notas sobre Estudos Feministas no Brasil. 2005. Disponível em: http://eial.tau.ac.il/index.php/eial/article/view/482. Acesso em: 09 de abril. 2021.

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O nordestino que conquistou o Brasil: Zé Ramalho

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…O brejo cruza a poeira
De fato existe um tom mais leve
Na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas que fitar

Mas que bebem sua vida
Sua alma na altura que mandar
São os olhos, são as asas
Cabelos de avôhai…´´

Fazer um texto sobre a vida de José Ramalho Neto e não falar de suas origens seria uma afronta a ele, uma vez que se orgulha tanto da mesma. Nascido em 1949 em Brejo da Cruz – Paraíba, ainda antes de completar dois anos perdeu o pai que morreu afogado ao tentar atravessar um açude, por conta desta tragédia foi como o próprio gosta de relatar “tomado´´ para criar pelo avô que tinha mais condições para cuidar do então bebê Zé Ramalho.

Quando tinha entre 13 e 14 anos morando em João Pessoa sofreu uma grande influência da velha guarda e assim formou o primeiro grupo de que fez parte e tocando apenas 3 acordes já se divertia tocando seu violão. Quando com este grupo subiu ao palco para tocar o seu primeiro baile se apaixonou perdidamente e não restava dúvidas de que aquilo era o que queria para a vida. Assim seguiu tocando pelo Nordeste e nas idas e vindas da vida ao ir visitar uma namorada em recife, conheceu o namorado de sua então cunhada que viria a ser no futuro um de seus grandes parceiros na música Alceu Valença.

Fonte: https://bit.ly/2uRODiW

Já com um tempo lutando com a música e sem conseguir alcançar algum sucesso, Zé Ramalho deixou seu sonho de lado por um tempo e tentou investir nos estudos, outra coisa que também sempre lhe agradou, assim ingressou em um curso de medicina, porém como o mesmo relata em algumas entrevistas, as aulas passaram a ser entediantes e nada mais era absorvido por ele. Essa é uma passagem de sua vida muito importante, pois esse período para ele entediante o impulsionou a seguir a música, fazendo-o tomar coragem e avisar a sua família que iria largar a medicina e se aventurar ou em São Paulo ou no Rio de Janeiro.

Assim em 1976 saí do Recife com Alceu e o empresário dos dois em um fusca e com a bagagem acima do carro rumo ao Rio, onde Alceu tinha um show marcado e Zé faria parte da banda do mesmo. Desta forma inicia-se a grande luta de Zé Ramalho para chegar ao sucesso, após o show ele já não tinha estadia e passou uma época dura tendo que dormir em bancos de praças e nas areias das praias, muitas vezes sem conseguir um lugar para manter a higiene e até mesmo se alimentar. Isso dificultou muito a tentativa de Zé de conseguir shows. A situação ficou tão difícil que para conseguir dinheiro para comer, por um período aproximado de 1 ano Zé chegou a se prostituir, experiência horrível que depois viraria espiração para o sucesso “garoto de aluguel´´.

Baby !
Dê-me seu dinheiro que eu quero viver
Dê-me seu relógio que eu quero saber
Quanto tempo falta para lhe esquecer
Quanto vale um homem para amar você
Minha profissão é suja e vulgar
Quero pagamento para me deitar
Junto com você estrangular meu riso
Dê-me seu amor que dele não preciso..´´ 

Garoto de aluguel

Para descrever essa difícil parte da vida, em diversas entrevistas é utilizado um trecho de Belchior “ apenas um rapaz, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior´´. Apesar de todas as adversidades encontradas, com os contatos que ainda lhe restavam na música, depois de dois anos de batalhas no Rio teve a oportunidade de mostrar uma música para uma gravadora. Como grande parte das coisas boas que chegam a sua vida vieram de seu avô a canção que foi apresentada e que garantiu seu primeiro contrato tinha que ser avohai, que é a junção de avô e pai, musica essa que segundo zé tem uma inspiração extraterrena, uma conexão que é sentida por ele e por quem escuta a letra.

Logo começaram a vir os sucessos, como a já citada garoto de aluguel, admirável gado novo e Frevo mulher, essa ultima que segundo Caetano Veloso delineou um segmento distinto dentro do carnaval baiano. Assim o nordestino de brejo da cruz conquistou o Brasil. Uma agenda lotada de shows por todo o pais gerou muito desgaste e após um bom tempo com a rotina de um ídolo foi levado para um período que ele descreve como sinistro, se envolvendo com drogas, se isolou, mudou o seu comportamento e mesmo ainda fazendo shows as gravadoras já não se interessavam pelo antes fenômeno Zé Ramalho.

Fonte: https://bit.ly/2O1tOJt

“…O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam essa vida numa cela

Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
A arca de Noé, o dirigível
Não voam, nem se pode flutuar´´

Admirável gado novo´´

Em 1989 demonstrando a resiliência dos nordestinos, Zé notou que se não mudasse iria perder tudo para o que tanto tinha trabalhado. Se recompôs somente com o que ele chama de sua força de vontade e assim parou de usar a cocaína. Em 1991 já limpo recebeu o convite para gravar a trilha sonora da novela pedra sobre pedra e assim veio a música entre a serpente e a estrela que o reergueu ao sucesso. A partir desse ponto, Zé Ramalho se consagrou como um dos maiores músicos da MPB sendo colocado pela revista Rolling Stone em 2008 como o 41° na lista de 100 maiores artistas da música Brasileira.

Algo que diferencia até hoje o já consagrado artista é a entrega que o mesmo tem em palco, muito crente em energias pessoais Zé diz que procura sugar e doar energia para suas plateias no que ele define como uma transa espiritual. E nesse quesito eu o autor do texto posso dar meu relato, pois em 2011 com apenas 14 anos pude presenciar esse monstro da música brasileira e de fato a melhor definição para a experiência seria o gozo energético.

´´…Ele é profeta brincalhão da Paraíba
Sobe abaixo desce “arriba”
Não tem lógica pra dar
E misturando frevo com mitologia
Canta sem economia
Tem fartura no prosar…

…Ele é discípulo de mestre Zé Limeira
E olha que não é brincadeira
Se aprender a improvisar
E Zé mistura o absurdo e a gemedeira
O avohai com a fumaceira
E o oriente e o Ceará…´´

                                                                                                                                                                            Oswaldo Montenegro – Ramalheando

Referência:

www.youtube.com/watch?v=la_CrKylBrU

www.youtube.com/watch?v=WjKmgDTOpmg

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Belchior, do prestígio ao refúgio: a vida justificada por sua própria obra

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Era sábado, dia 26 de outubro de 1946, quando um dos artistas de obra mais intimista e respeitada da América Latina dava as caras na cidade de Sobral, estado do Ceará. No berço de uma família musicista e apaixonada pela boemia, Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, categoricamente conhecido por apenas “Belchior”, possuía em seu meio o respaldo suficiente para se encantar com o que faria por toda sua vida (ou quase toda).

Belchior por pouco não alcançou o patamar social pelo qual o conhecemos, já que quase se tornou médico, abandonando a universidade pouco tempo antes de se formar. O músico deixou de lado o curso de medicina para seguir carreira musical longe de sua terra natal, na cidade do Rio de Janeiro e que pouco tempo depois cederia o posto de residência do cantor para a metrópole São Paulo. Bel, como era carinhosamente chamado pelos fãs e pessoas próximas, construiu uma carreira sólida e encantadora aos olhos do grande público, porém certo sucesso em algumas vezes era compartilhado com polêmicas midiáticas e pessoais. Sua obra expressou muito do que foi o cantor e, da mesma forma, indicava certos comportamentos que puderam “prever” certames e tais polêmicas.

A seguir, através de partes específicas de sua discografia, será possível identificar sua tendência a certos comportamentos que o levaram a algumas polêmicas e decisões particulares:

“FOTOGRAFIA 3×4” (1976, disco “Alucinação”)

É na letra desta música em que podemos perceber vestígios sobre o que deu início a queda pessoal de Belchior, logo no início dos anos 2000. Na quinta estrofe da canção, é possível identificar: “Esses casos de família e de dinheiro eu nunca entendi bem”. Foi no ano de 2005 que Bel se separou da então atual esposa Ângela e em 2006, cancelou o agendamento de seus shows ao mesmo tempo em que passou a enfrentar processos judiciais de pensão alimentícia e trabalhistas. Na época em que o disco foi lançado, Belchior tinha 30 anos de idade e talvez, através de tal letra, podemos entender resquícios do que o levou a tais processos e separação, 29 anos depois.

“Comentários a Respeito de John” (1979, “Era uma Vez um Homem e Seu Tempo”)

Esta música é uma clara referência a John Lennon, pessoa a qual Belchior possuía uma grande admiração pela filosofia de vida. Porém, já é no primeiro parágrafo e início da música que o artista expressa: “Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixe que eu decida a minha vida”. Apesar da homenagem, Bel interage com John Lennon em algumas ideias e esta é uma delas. A filosofia libertária e livre que John reproduzia encantava Belchior, dando origem a tal trecho. Após o divórcio, Belchior passou a seguir seu caminho longe da fama, buscando um descanso pessoal, mesmo que isso lhe custasse fome e insegurança financeira e pessoal.

“Jornal Blues (Canção Leve de Escárnio e Maldizer)” (1987, “Melodrama”)

Como já citado, “seguir seu caminho” custou deveras caro para Belchior. Passando por algumas cidades, se estabilizou de certa forma na capital gaúcha, Porto Alegre. Em “Jornal Blues“, o cantor escreveu: “Não, não quero contar vantagem mas já passei fome com muita elegância”. Na região gaúcha, Belchior se hospedou em casas de fãs ou em qualquer lugar que pudesse. Bel poderia já ter passado fome durante alguma parte de sua vida, mas não como “Belchior”, não com tamanha elegância. O artista desta vez possuía fãs e um repertório conhecido suficiente para que a o garbo se sobressaísse perante qualquer outro julgamento.

“A Palo Seco” (1974, “Belchior”)

É no seu disco de estreia que Belchior publicou o que basicamente diria a uma matéria para o “Fantástico”, programa da emissora Globo. Após muita procura da imprensa pelo “sumiço” do cantor, fãs relataram ter visto Bel no Uruguai, hospedado em um hotel. Como esperado, lá estava. Após insistência, Belchior cedeu uma entrevista para a então repórter Sônia Bridi. “Se você vier me perguntar por onde andei, no tempo em que você sonhava… De olhos abertos lhe-direi, amigo eu me desesperava”, tal letra de “Palo Seco” não foi repetida literalmente para a jornalista, mas certamente ilustra o sentimento do cantor. Cansado dos rumos em que a vida tomava, o desespero fez com que Bel “jogasse tudo fora”, rodando pelo Brasil e o mundo em busca de paz.

“Sujeito de Sorte” (1976, “Alucinação”)

O disco “Alucinação” é talvez o mais icônico de Belchior e pela segunda vez é citado no texto. Na letra da canção “Sujeito de Sorte”, Bel demonstra otimismo com a vida. Era o segundo álbum de sua carreira e provavelmente o ápice de sua realização profissional, quando foi inserido de vez na cena nacional do MPB brasileiro, ultrapassando as barreiras do Nordeste. Em uma música de letra enxuta, é no último verso que o artista diz: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Belchior faleceu aos 70 anos de idade, em Santa Cruz do Sul, no estado do Rio Grande do Sul. Seu falecimento até hoje não possui causa oficial. Belchior não morreu, sua obra é viva, atual e reflexiva. A morte, única certeza que temos sobre a vida, nos traz a mesma certeza de que Bel vive, Bel mantém e Bel respalda o nosso contexto atual com a mesma elegância que passou fome e conquistou a América Latina.

 

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Caetano Veloso: a trajetória de uma vida filtrada pela mídia

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Quase não tínhamos livros em casa
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo

(Caetano Veloso)

Caetano Emanuel Viana Telles Veloso, nascido em 07 de agosto de 1942, em Santo Amaro da Purificação, a 73 quilômetros de Salvador, Caetano Veloso, como ficou conhecido por todo o país, já sabia desde pequeno o que queria ser na vida e construiu seu conhecimento literário por conta própria, buscando ler tudo o que podia, conforme suas próprias palavras:

…não havia livros na minha casa. Aquela frase da minha canção ‘Livros’ é quase um desabafo, um lamento autobiográfico. Nossa casa era imensa, um sobradão daqueles enormes, antigos do recôncavo da Bahia, (…), mas não tinha uma biblioteca. Nem sequer uma estante com livros. Mas havia livros em minha casa. Uns livros fugazes que sempre estavam nas mãos de minha mãe – que era a única pessoa que eu via dentro de casa lendo. (VELOSO in FERRAZ, 2001, p.43)

Com pouco mais de quatro anos de idade, o irmão de Maria Bethânia já compunha A Tua Presença Morena, revelando seus dotes artísticos. Mas sua trajetória musical começou, realmente, quando se mudou com a família para Salvador no início dos anos 60. A capital baiana vivia um momento de efervescência cultural, e Caetano aproveitou sua paixão pela música e pela bossa nova de João Gilberto e começou a tocar em barzinhos da cidade.

Em 1963, ingressa na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e conhece o parceiro Gilberto Gil. Do fruto dessa amizade surgiram composições como No dia em que eu vim-me embora, Panis et Circenses, SãoJoão, Xangô Menino, Haiti, Cinema Novo, Dadá, entre outras.Nesse período, também conheceu Gal Costa e Tom Zé, futuros componentes da Tropicália. Em 1965 abandona a faculdade e acompanha sua irmã Bethânia, que foi chamada ao Rio para substituir a cantora Nara Leão no show “Opinião”, sucesso naquele ano. No mesmo ano, Bethânia gravou É de Manhã, de Caetano, e a música marcou sua estreia com um compacto simples.

Em 1966, a “Revista Civilização”, no seu número sete, publica um depoimento de Caetano Veloso, em que ele fala da necessidade da “retomada da linha evolutiva da música popular brasileira” a partir das lições mais fundamentais da bossa nova. É uma das primeiras manifestações teóricas do artista-crítico, pensador da arte, Caetano.

Estreando na era dos festivais, que sacudiram a MPB nos anos 60, ele concorre, em São Paulo, no Festival Nacional da Música Popular, da TV Excelsior, com “Boa palavra”. A canção, defendida por Maria Odette.  Classifica-se em quinto lugar.

O grande poeta da canção começa a ser reconhecido como tal. A sua “Um dia” recebe o prêmio de melhor letra, no 2º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record de São Paulo.

Em novembro, Caetano promove disputas nas quais os artistas participantes exibem seus conhecimentos de música popular; passa a se tornar mais conhecido. Compõe a trilha do filme “Proezas de Satanás na terra do leva-e-traz” de Paulo Gil Soares. Contratado pela Philips, gravadora pela qual saíram todos os seus discos daquele momento em diante, Caetano lançou seu LP de estreia “Domingo“, dividido com Gal Costa; do repertório, constam “Coração vagabundo” e “Avarandado” entre outras.

A apresentação de sua marcha “Alegria, alegria“, ao som das guitarras elétricas do conjunto pop argentino Beat Boys, enlouquece o 3º FMPB, da TV Record, juntamente com a cantiga de capoeira “Domingo no parque” de Gilberto Gil, com acompanhamento d’Os Mutantes. As duas canções se classificam, respectivamente, em quarto e segundo lugares.

O Brasil vivia momentos de repressão por parte do governo militar. Com a liberdade de expressão proibida, os artistas tentavam, a todo custo, quebrar as barreiras da censura. Caetano era um dos revoltados com a situação pela qual passava o país. Junto com Gil, lançou o movimento culturalTropicalista na tentativa de expressar seu inconformismo. Através do deboche, da irreverência e da improvisação, o tropicalismo revoluciona a MPB, utilizando-se de elementos estrangeiros fundidos com a cultura brasileira (a filosofia antropofágica do modernista Oswald de Andrade) e baseando-se na contracultura. O movimento foi lançado no Festival de MPB da TV Record, em 1967, com as músicas Alegria, Alegria, de Caetano, e Domingo no Parque, de Gil, que se tornaram hinos da juventude da época. Em 1968, no auge do movimento, Caetano lançou o álbum Tropicália, junto com Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé.

A parceria com Gilberto Gil estendeu-se da música e foi parar na vida dos dois artistas. O choque de ideias com a ditadura militar ocasionou a prisão dos dois em São Paulo, e impôs o exílio na Inglaterra, em 1968. Entretanto, a barreira geográfica não impediu que os protestos continuassem e, de Londres, Caetano enviasse artigos para o jornal O Pasquim e músicas para diversos intérpretes como Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina, Erasmo e Roberto Carlos.

Caetano retornou ao Brasil em 1972 e passou por um momento de alta criatividade. Até o final dos anos 70, muitos sucessos como Tigresa, Leãozinho, Odara e Sampa foram lançados. O encontro com os antigos companheiros Gal, Bethânia e Gil resultou, em 1976, na formação do grupo “Doces Bárbaros”. O show excursionou por São Paulo e outras dez cidades brasileiras, revivendo antigos sucessos e, resultando na gravação de um LP. Em 1993, a parceria com Gilberto Gil foi retomada e juntos lançaram o disco “Tropicália 2”.

Multimídia, Caetano também se arriscou em outras formas de arte. Em 1986 comandou, ao lado de Chico Buarque, o programa de televisão da Rede Globo “Chico & Caetano”, onde cantavam e traziam convidados.

Essa experiência na televisão ajudou a quebrar a imagem de que os dois músicos não se davam bem. No cinema, ele dirigiu o filme O Cinema Falado e outros, como escritor, sua estreia foiVerdade Tropical, no qual faz um relato pessoal sobre os principais aspectos e acontecimentos relacionados ao movimento tropicalista.

Apesar de intelectuais cultuarem Caetano como ícone da Música Popular Brasileira, ter também uma diversidade de público e de suas aparições na mídia sempre serem mostradas como um grande espetáculo, as músicas mais conhecidas pelo público principalmente ouvintes da mídia radiofônica na atualidade são composições de outros artistas interpretadas por ele, como por exemplo, a canção “Sozinho” de Peninha que foi um grande sucesso por ser tema da novela Global “Suave Veneno”. Gravada no disco “Prenda Minha” de 1999, a canção ajudou a alavancar as vendas do CD que chegaram a um milhão de cópias.

Orfeu, filme de 2000 com direção de Cacá Diegues, ganhou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora (Caetano Veloso), no Grande Prêmio Cinema Brasil. A canção, de autoria e interpretação de Caetano Veloso “Sou você” rendeu-lhe o prêmio António Carlos Jobim, mas não obteve êxito com a mídia.

Outra canção interpretada por Caetano que foi muito executada nas rádios em 2003, “Você não me ensinou a te esquecer” dos compositores Bruno Mattos e Odair José foi tema dos personagens principais Leléu e Lisbela do filme “Lisbela e o prisioneiro”  com direção de Guel Arraes.

Ainda em 2003, gravou a música “Burn it Blue” para o filme “Frida” da diretora Julie Taymor e foi indicado ao Oscar de melhor canção feita para um filme.

Em 2004, lançou o CD “A Foreign Sound” com releituras de canções em inglês, de clássicos de Cole Porter, Paul Anka, Elvis Presley,  entre outros, evidenciando “Come as You Are“,do Nirvana e“Feelings” de Morris Albert, uma das canções mais gravadas de todos os tempos.

Ao lado de Milton Nascimento em 2005 compôs a trilha sonora do filme “O Coronel E O Lobisomem”.

Participou de uma breve turnê ao lado de Milton Nascimento com o show da trilha. Em 2006 lança o elogiado álbum “Cê”, fruto de sua experimentação com o rock e o underground.Em 2007, lança o CD e DVD “Cê – Multishow – Ao Vivo”.

Com o projeto “Obra Em Progresso” e um blog homônimo onde os internautas opinavam e discutiam com o artista sobre a produção do seu próximo CD inovou mais uma vez em 2008.

No ano de 2009 lança o álbum “Zii E Zie, Segundo Disco” com a Banda Cê no qual mistura ritmos batizados por ele como “transambas” e “transrock”. Neste ano é lançado o documentário “Coração Vagabundo”, que mostra a intimidade de Caetano durante a turnê de “A Foreing Sound”com direção de Fernando Grostein Andrade.

Em 2010 inicia uma turnê com a cantora Maria Gadú, lança o CD e DVD “Zii E Zie – MTV – Ao Vivo”e dirige a trilha sonora do filme “O Bem Amado”.

No próximo ano (2011) lança CD e DVD “Caetano E Maria Gadú – Multishow – Ao Vivo”. Ainda  produz e compõe as músicas do disco de Gal Costa, “Recanto”; criando de forma inédita, bases eletrônicas em todas as faixas.

Assina ao lado de Mauro Lima em 2012 a trilha sonora do filme “Reis E Ratos”, dirigido pelo próprio Mauro Lima. Lança o single “Reis E Ratos”. Dirige o show de Gal Costa,“Recanto”. Em dezembro desse ano também o  lançou o CD “Abraçaço” , produzido por seu filho Moreno Veloso e Pedro Sá. Considerado uma obra prima por muitos críticos, já recebeu o prêmio Multishow 2013 de melhor disco e melhor show.

Hoje, com mais de setenta anos, Caetano Veloso é um senhor grisalho e de cabelos aparados que, à primeira vista, em nada lembra aquele representante da geração hippie, porém como pudemos perceber com sua produção artística através dos anos, continua sendo contestador e inovador.

Referência:

FERRAZ, Eucanaã (org. e sel.) Sobre as Letras: Caetano Veloso. São Paulo:Companhia das Letras, 2003.

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