Outros jeitos de usar a boca: a(s) voz(es) de uma mulher
2 de dezembro de 2023 Ana Julia Labre Tavares
Livro
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É um livro de poemas sobre a sobrevivência. Sobre a experiência de violência, o abuso, o amor, a perda e a feminilidade. Obra poética de Rupi Kaur que leva os leitores numa jornada pelos momentos mais amargos da vida e encontra uma maneira de retirar doçura deles.
“Outros jeitos de usar a boca” (título original: “Milk and honey”) é uma obra poética que aborda o tema da sobrevivência, explorando experiências de violência, abuso, amor, perda e feminilidade. Dividido em quatro partes distintas, cada uma desempenha um papel único ao lidar com diferentes formas de dor e curar mágoas. O livro leva o leitor por uma jornada pelos momentos mais amargos da vida, transformando-os em delicadas expressões. Inicialmente publicado de maneira independente pela poeta, artista plástica e performer canadense de origem indiana, Rupi Kaur, que também é responsável pelas ilustrações presentes na obra, o livro emergiu como um fenômeno notável no gênero nos Estados Unidos, ultrapassando a marca de 1 milhão de cópias vendidas.
Assim, a escolha do título em português, nada parecido com o original, relaciona-se ao conteúdo dos versos, numa escrita feminista, que questiona o sistema patriarcal, os recortes de gênero e, assim, a urgência da voz feminina.
A obra é dividida em: “a dor”, “o amor”, “a ruptura” e “a cura”. Através de suas vivências e descobertas, Kaur transmite uma mensagem clara e objetiva sobre as diferentes formas de abusos sexuais que muitas mulheres continuam vivenciando no cotidiano. E, para além disso, seus poemas pensam em alternativas de enfrentamento desses abusos, uma ressignificação da narrativa e da construção de uma posição social fortalecida para a mulher. Essa divisão do livro apresenta etapas que o corpo sofre como se fosse algo necessário para se alcançar um nível de consciência sobre si, possibilitando formas libertadoras de expressar-se.
Outros jeitos de usar a boca é um livro que nasce na dor:
“toda vez que você
diz pra sua filha
que grita com ela
por amor
você a ensina a confundir
raiva com carinho
o que parece uma boa ideia
até que ela cresce
confiando em homens violentos
porque eles são tão parecidos
com você
– aos pais que têm filhas”
Fonte: pinterest.com
Além da escrita propriamente dita, muitos dos poemas são acompanhados de ilustrações da própria autora, o que amplifica a experiência de leitura.
Como as poesias de Outros Jeitos de Usar a Boca são estruturadas em versos livres, há, mesmo numa temática dura, uma fluidez que os percorre. Ademais, como se pode observar no segmento acima, a autora raramente usa pontuações ou letras maiúsculas, o que ela explica:
“Quando comecei a escrever poesia, eu conseguia ler e entender minha língua materna (punjabi), mas ainda não tinha desenvolvido as habilidades necessárias para escrever poesia nela. Punjabi é escrito na escrita Shahmukhi ou Gurmukhi. Na escrita Gurmukhi, não há letras maiúsculas ou minúsculas. As letras são tratadas da mesma forma. Gosto dessa simplicidade. É simétrico e direto. Também sinto que há um nível de igualdade que essa visualidade traz ao trabalho. Uma representação visual do que quero ver mais no mundo: igualdade. A única pontuação que existe na escrita Gurmukhi é um ponto final – representado pelo seguinte símbolo: | Então, para simbolizar e preservar esses pequenos detalhes da minha língua materna, eu os inscrevo no meu trabalho. Sem distinção de casos e apenas períodos. Uma manifestação visual e uma ode à minha identidade como mulher diaspórica Punjabi Sikh. Trata-se menos de quebrar as regras do inglês (embora isso seja muito divertido), mas mais de vincular minha própria história e herança ao meu trabalho.” (Kaur, Rupi)
A autora destaca a figura feminina questionando as disparidades de gênero não apenas no âmbito emocional, mas também no tratamento dispensado a homens e mulheres. A violência contra a mulher é abordada de maneira franca, enquanto muitos poemas exploram abertamente a sexualidade feminina, reivindicando o direito da mulher à sua sensualidade que não deve jamais existir para nos subjugar ou diminuir. Em essência, o livro é uma ode à resistência, realçando a força das mulheres. Como se pode contemplar no seguinte poema retirado da parte “O amor”:
“quando minha mãe estava grávida
do segundo filho eu tinha quatro anos
apontei para sua barriga inchada sem saber como
minha mãe tinha ficado tão grande em tão pouco tempo
meu pai me ergueu com braços de tronco de árvore e
disse que nesta terra a coisa mais próxima de deus
é o corpo de uma mulher é de onde a vida vem
e ouvir um homem adulto dizer algo
tão poderoso com tão pouca idade
fez com que eu visse o universo inteiro
repousando aos pés da minha mãe”
Fonte: pinterest.com
Os traços de Kaur são leves e, muitas vezes, bastante simples, mas extremamente expressivos.
Já na terceira e penúltima parte do livro, Rupi habilmente passa ao leitor a sensação de ruptura: os altos e baixos, o ódio e amargura intrínsecos a um amor que ainda não se esvaiu. Expõe o que fica depois que o outro vai embora, assim como pode-se observar no trecho a seguir.
“eu não sei o que é viver uma vida equilibrada
quando fico triste
eu não choro eu derramo
quando eu fico feliz
eu não sorrio eu brilho
quando eu fico com raiva
eu não grito eu ardo
a vantagem de sentir os extremos é que
quando eu amo eu dou asas
mas isso talvez não seja
uma coisa tão boa porque
eles sempre vão embora
e você precisa ver
quando quebram meu coração
eu não sofro
eu estilhaço”
Fonte: pinterest.com
Uma leitura em que se têm acesso ao íntimo da autora, e, por meio deste, aproxima quem lê de suas próprias emoções.
Por fim, em sua última parte, sendo muito bem intitulada “A cura”, traz um ar de fôlego para o leitor, com poemas voltados para busca pelo amor-próprio.
“se você vê beleza aqui
não significa
que há beleza em mim
significa que há beleza enraizada
tão fundo em você
que é impossível
não ver
beleza em tudo”
FICHA TÉCNICA
Título: Outros jeitos de usar a boca
Título Original: Milk and Honey
Autor(a): Rupi Kaur
Tradução: Ana Guadalupe
Editora: Planeta
Número de páginas: 208
Ano de publicação: 2017
Gênero: Poema;
Referências
KAUR, Rupi. Outros jeitos de usar a boca. São Paulo: Plane
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“Brasil sem misoginia” é lançado com mais de 100 parcerias para o combate ao ódio e à violência contra mulheres
27 de outubro de 2023 Jornal O GIRASSOL O GIRASSOL
Mural
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Lançada nesta quarta-feira (25), em Brasília, a iniciativa mobilizou governos locais, empresários, instituições de ensino, ONGs, torcidas organizadas, times de futebol, artistas, lideranças religiosas e sociedade civil – Foto: Claudio Kbene/PR
Com a assinatura de mais de uma centena de acordos de cooperação, Governo Federal, empresas e entidades da sociedade civil se comprometem com ações de combate à misoginia, ao feminicídio e a todas as formas de violências contra mulheres.
Resistência, democracia, diálogo, informação e participação social são alguns dos destaques da iniciativa Brasil sem Misoginia, lançada nesta quarta-feira, 25 de outubro, pelo Governo Federal, em cerimônia no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. Coordenada pelo Ministério das Mulheres, a ação tem o objetivo de mobilizar a sociedade brasileira para o enfrentamento ao ódio, aos feminicídios e à violência doméstica, moral e sexual contra as mulheres, além de estimular práticas de proteção, acolhimento e segurança.
Com a assinatura de mais de 100 acordos de cooperação entre Governo Federal, empresas e entidades, a iniciativa mobilizou governos locais, empresários, instituições de ensino, ONGs, torcidas organizadas, times de futebol, artistas, lideranças religiosas e sociedade civil para levar à população uma mensagem de enfrentamento ao feminicídio e à misoginia — termo que define o ódio e a repulsa contra as mulheres.
Para a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, os acordos são muito importantes para avançar na luta que envolve o esforço de toda a sociedade brasileira. “A iniciativa segue a orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tem como meta e objetivo construir a igualdade e acabar com o feminicídio e com a violência contra as mulheres em todo o território nacional. O Brasil sem Misoginia é um chamado para as autoridades e toda a sociedade sobre a urgência de enfrentarmos a misoginia em nosso país”.
“Tenho insistido que é preciso enfrentar a misoginia para prevenir os feminicídios, que não se resumem ao ato de matar e tirar a vida de uma mulher. Eles começam antes. Começam com as piadas, começam com as brincadeiras, eles começam com o maltrato, a violência psicológica e a violência moral. O discurso de ódio, promovido, cotidianamente, contra a existência de todas as mulheres”, destacou a ministra.
Cida Gonçalves também fez críticas à violência política sofrida por mulheres que ocupam cargos públicos. “Recebemos, diariamente, relatos de mulheres que estão sofrendo assédio e discriminação em seus ambientes de trabalho. São situações de misoginia que acontecem no parlamento brasileiro, quando as mulheres eleitas têm a sua atuação desqualificada pela violência política de gênero, ainda tão normalizada no Brasil”, pontuou. “Não podemos mais aceitar que as mulheres continuem sendo mortas, discriminadas e silenciadas. Queremos um Brasil seguro, com igualdade de oportunidades e respeito para todas as mulheres”, clamou.
LUTA COMPARTILHADA – A primeira-dama, Janja Lula da Silva, reforçou a importância de os homens também partilharem da luta contra a misoginia e terem voz ativa ao presenciarem injustiças e violências. “Eles têm que ser parceiros nessa caminhada, nessa marcha. Nós vamos falar, nós vamos falar muito alto, mas a gente também quer que os homens estejam com a gente nessa caminhada. Eles também precisam falar sobre isso”, salientou.
Janja definiu como cansativo o processo de combate ao discurso de ódio às mulheres nas redes sociais, criticou a violência online e celebrou que grandes empresas de tecnologia também tenham assinado protocolos de cooperação contra a misoginia na internet. “Quando a gente fala de misoginia e ataques às mulheres, eu sei muito bem o que eu tenho sofrido nesses meses de governo com os ataques nas redes sociais, com a exposição do meu corpo, fotos falsas, agressões e tudo isso”, relatou.
“Fico muito feliz que são duas mulheres representando o Google e o Facebook e a gente vai cobrar para que esses ataques nas redes sociais sejam criminalizados e essas contas sejam excluídas”, finalizou.
A deputada federal Benedita da Silva também celebrou a ação do Governo Federal. “Estamos diante de um grande desafio. A violência é constante e eu não poderia deixar de dizer que atinge, principalmente, nós, as mulheres negras. É por isso que essa campanha é uma campanha da sociedade como um todo. Não basta ser maioria, porque nós ainda não alcançamos os espaços de decisão e poder para mudar o rumo dessa história, mas podemos amenizar essa nossa cruel situação. Nós vamos dar um basta na misoginia”, sentenciou.
AÇÕES NA CULTURA E NOS TRANSPORTES – Assinados pelas ministras Cida Gonçalves (Mulheres) e Margareth Menezes (Cultura), um protocolo de intenção e acordo de cooperação entre os ministérios preveem ações mútuas contra a misoginia que permitam a participação segura de meninas e mulheres em práticas artísticas e culturais brasileiras.
Margareth Menezes destacou o caráter humanista da iniciativa e reforçou a visão da cultura e do diálogo como ferramentas de transformações sociais. “Não existe democracia quando a arma de fogo é a maneira que se pensa em resolver as situações que precisamos encarar”, declarou a ministra da Cultura. “O que o Brasil precisa é encarar sua história, fazer as reparações necessárias e criar um ambiente verdadeiramente democrático, onde o diálogo seja o portador das lutas, o grande portador da memória das conquistas”, completou.
A ministra Cida também assinou, com o ministro dos Transportes, Renan Filho, acordo de cooperação para mobilizar concessionárias, agências reguladoras e empresas públicas na luta contra a misoginia.
Também marcaram presença na cerimônia as ministras Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança Climática), Nísia Trindade (Saúde), Anielle Franco (Igualdade Racial), Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão.
IGUALDADE SALARIAL – Reivindicação histórica das mulheres, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, em julho, a lei nº 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. A iniciativa fez parte das ações do 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, e das políticas públicas do Ministério das Mulheres e do Ministério do Trabalho e Emprego. Tratou-se, à época, do primeiro projeto de lei aprovado de autoria do governo Lula.
A lei alterou o art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), definiu novos mecanismos de transparência salarial e fiscalização sobre o tema, além de ampliar penalidades para empresas que descumprirem as regras. Com a medida, empresas com 100 ou mais funcionários devem fornecer relatórios semestrais transparentes sobre salários e critérios de remuneração. Esses relatórios devem conter informações que permitam comparar os salários e remunerações entre homens e mulheres de forma objetiva, seguindo as regras de proteção de dados pessoais.
SEGURANÇA PÚBLICA E VIOLÊNCIA POLÍTICA – A ministra Cida Gonçalves citou dados do Anuário de Segurança Pública que revelam que, em 2022, 1.400 mulheres foram mortas pelo fato de serem mulheres. Já segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral, apesar das mulheres representarem 53% do eleitorado, apenas 17,7% delas ocupam vagas na Câmara dos Deputados e, no Senado, o percentual é de 12,3%. “Em 958 cidades não tivemos nenhuma vereadora eleita em 2020”, lamentou Cida Gonçalves.
BOM DIA, MINISTRA – O lançamento do Brasil sem Misoginia ocorre no mesmo dia em que a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, participou do programa Bom Dia, Ministra — uma parceria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) com a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. Em sua conversa com radialistas de todo o país, a ministra citou a importância de as mulheres terem informação e conhecimento de seus direitos, para que não desistam de denunciar quando forem vítimas de qualquer forma de violência. Ela destacou que o combate enfático ao ódio e ao silêncio em relação à violência contra mulheres precisa fazer parte do cotidiano da sociedade brasileira.
Ao longo do programa, a ministra abordou detalhes do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, que prevê uma série de ações para enfrentamento da discriminação, misoginia e violência contra a mulher em ação conjunta e multiministerial.
Fonte: Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
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(En)Cena realiza roda de conversa sobre os desafios para a saúde da mulher contemporânea.
O Portal (En)Cena realizará na próxima segunda-feira (30) a roda de conversa “Outubro
Rosa – Os desafios para a saúde da mulher contemporânea” com a participação da médica
ginecologista Francielle Batista e a da psicóloga Andréa Nobre. O evento será sediado na
Ulbra Palmas, no miniauditório 543 a partir das 19h30.
Andréa Nobre é psicóloga egressa da Ulbra Palmas, jornalista e empreendedora. Atua no
atendimento de adultos e crianças e tem focado seu trabalho nas redes sociais na
divulgação de conteúdos sobre a maternidade real e o comportamento infantil. Se define
como “maranhense, mãe, esposa, madrasta, irmã e amiga” e pretende encontrar melhores
resultados para a saúde mental e bem-estar.
Francielle Batista é médica ginecologista e atua há mais de 20 anos no atendimento de
mulheres. Cursou medicina na Universidade Federal de Uberlândia e residiu em Brasília
exercendo sua profissão na Oficinal da Força Aérea Brasileira (FAB). Em razão do seu
sonho de construir uma família e de ter a sua profissão reconhecida como médica
ginecologista, decidiu mudar-se para o estado do Tocantins, onde vive há 15 anos. Em seu
trabalho visa colaborar e somar na vida de mulheres com 40 anos ou mais, com o intuito de
proporcionar melhores resultados em suas relações íntimas e regulação hormonal.
Outubro Rosa
Outubro Rosa é um movimento internacional de conscientização para o controle do câncer
de mama e câncer do colo do útero.
O movimento tem o objetivo de compartilhar informações e promover a conscientização
sobre as doenças, bem como, proporcionar maior acesso aos serviços de diagnóstico e de
tratamento, prevenção e redução da mortalidade.
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Abertura da campanha Outubro Rosa será realizada na próxima terça, 10, em Taquaruçu
5 de outubro de 2023 Agencia Palmas Noticias
Mural
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Outubro Rosa: Na ocasião, estarão presentes profissionais de saúde como médicos, enfermeiros, oncologistas, psicólogos e equipe multiprofissional
Na próxima terça-feira, 10 de outubro, a Prefeitura de Palmas, por meio da Secretaria Municipal da Saúde (Semus), realizará a abertura oficial da Campanha Outubro Rosa 2023, na Unidade de Saúde da Família (USF) Walter Pereira Morato, em Taquaruçu, a partir das 8 horas. A programação contará com a realização de exames, testes rápidos e atividades alusivas ao mês de combate ao câncer de mama e do colo uterino.
Na ocasião, estarão presentes profissionais de saúde como médicos, enfermeiros, oncologistas, psicólogos e equipe multiprofissional ministrando palestras sobre a importância do autoexame da mama, coleta de PCCU (Papanicolau), verificação da situação vacinal e incentivo a hábitos saudáveis.
Além disso, durante toda a ação serão realizados testes rápidos de HPV, HIV, sífilis e hepatite B, vacinas do HPV para adolescentes, bem como entrega de itens de higiene básica. A Semus destaca que durante todo o mês, ainda serão realizadas diversas outras atividades nas demais USFs da Capital (confira no final do texto).
Neste ano, a Semus promoverá ações de promoção da saúde e prevenção voltados ao câncer de mama e colo uterino nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) de Palmas. O objetivo é fortalecer as recomendações do Ministério da Saúde para prevenção, diagnóstico precoce e rastreamento destas doenças.
Confira as unidades com programação:
USF Arno 61 (503 norte) – Dia 24 de outubro, das 18 às 21 horas
USF Arne 64 (508 norte) – Dia 27 de outubro, das 18 às 21 horas
USF Arse 24 (210 sul) – Dia 16 de outubro, o dia todo
USF Arse 13 (108 sul) Deise de Fátima – Dia 11 de outubro
USF Arse 122 (1206 sul) – Dias 09, 16 e 26 de outubro, das 9 às 12 horas
USF Arse 131 (1304 sul) – Dia 21 de outubro
USF Eugênio Pinheiro (Aureny I) – Dia 25 de outubro, manhã e tarde
USF Santa Bárbara – Dia 18 de outubro, das 15 às 21 horas
USF José Hermes – Dia 11 de outubro, das 8 às 17 horas
USF Laurides Milhomem (Aureny III) – Dias 11, 17, 18, 24 e 25 de outubro, das 18 às 22 horas
USF Taquari – Dias 16, 17, 18, 19 e 20 de outubro, das 8 às 11 horas
USF José Lúcio (Lago Sul) – Dia 18 das 18 às 21 horas
USF Arno 33 (307 Norte) – Dia 23 e 26 de outubro a partir das 7h30
USF novo Horizonte dia 24 das 18 às 21 horas
Texto:Annady Borges – estagiária sob supervisão da Coordenação de Jornalismo da Semus
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Desafios adicionais na gravidez de mulheres autistas e implicações relacionadas à saúde mental
17 de setembro de 2023 Evelyn Oliveira Dias
Insight
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A gravidez é para todas as mulheres um período de grandes mudanças emocionais e físicas. No entanto, para algumas mulheres este período pode ser bem mais desafiador devido a algum transtorno mental ou do desenvolvimento.
O TEA – Transtorno do Espectro Autista, é um transtorno do neurodesenvolvimento complexo e multifatorial, e suas causas ainda não são completamente compreendidas. Conforme a CID-11, o Transtorno é caracterizado por prejuízo na interação social, comunicação e comportamento, interesses e atividades restritos, repetitivos e estereotipados.
Estudos apontam que no mundo, 1 a cada 100 crianças tem autismo. Também mencionam que há uma proporção maior de casos entre meninos: 1 menina a cada 4 meninos. Nas mulheres, o transtorno tende a ser subdiagnosticados visto que os sintomas nelas são diferentes e, passam despercebidos pois na puberdade elas passam a praticar o “Masking”, que se trata de um comportamento de camuflagem dos sintomas, visando esconder suas dificuldades. Assim, a maior parte das mulheres costuma receber o diagnóstico de TEA quando adulta e durante ou após a maternidade.
Fonte: Pixabay
A maior parte das mulheres costuma receber o diagnóstico de TEA quando adulta e durante ou após a maternidade
Mulheres que estão no espectro do transtorno podem apresentar muitos complicadores no período da gravidez devido a apresentarem características como:
Maior sensibilidade sensorial – São muito mais sensíveis a estímulos como som, cheiros, texturas, luz. As idas ao laboratório e ao médico tornam-se um grande problema, pois muitas são extremamente sensíveis ao toque e desta forma coisas como o tão sonhado momento de ultrassom para acompanhar o desenvolvimento do bebê ou as desejadas mexidas do bebê na barriga podem se tornar um pesadelo.
Problemas em relação a mudança de rotina – Normalmente os autistas necessitam de previsibilidade no seu dia a dia e as idas constantes ao médico e laboratório, bem como os ajustes nas atividades diárias podem se tornar um incômodo;
Incômodo com a interação social e a comunicação excessiva – Grávidas autistas podem ter dificuldades com a interação com profissionais de saúde o que gera por vezes ansiedade e pode necessitar de informações concisas e de um profissional mais atento e sensível às suas necessidades;
Níveis altos de ansiedade e estresse – Devido ao excesso de preocupações sobre o parto, os cuidados consigo e com a criança, as mudanças na rotina ou a falta dela nos primeiros meses;
Mudanças corporais – Podem apresentar dificuldade em aceitar e entender as mudanças que ocorrem no corpo e ter sua autoestima e autoimagem afetadas.
Além destas questões citadas acima, ainda há a presença de outros fatores de risco como: anormalidades estruturais cerebrais com diferentes causas e disfunção fisiológica e bioquímica; Epilepsia e TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Depressão, Transtornos Afetivos Bipolar, Ansiedade e transtornos somáticos.
Fonte: Pixabay
O uso de drogas psicotrópicas e antiepilépticas durante a gravidez está associado a desfechos adversos
Um agravante em relação às grávidas que estão no espectro é que frequentemente são tratadas com drogas psicotrópicas e antiepilépticas e o uso destes medicamentos durante a gravidez está associado a desfechos adversos, como parto prematuro e cesáreo, aumento do risco de pré-eclâmpsia, peso anormal do bebê no nascimento e má adaptação neonatal.
Precisamos lembrar que cada mulher autista é única e que o TEA se manifesta de maneiras diferentes em cada uma delas. Sendo assim, o desenvolvimento e experiências que envolvem a gravidez sofrerão influências individuais. O importante é que em sua individualidade, cada gestante obtenha atenção e apoio, bem como acesso a tratamento da saúde física e emocional garantindo o seu bem-estar e do bebê. Vale ressaltar que é de suma importância que sejam acompanhadas por profissionais de saúde que estejam atentos às necessidades específicas e que possam ajudar a promover uma gravidez mais positiva e tranquila, bem como avaliar o custo-benefício e adequação do uso de medicações psiquiátricas durante a gestação.
Fonte: Pixabay
O Pré-natal psicológico é uma ferramenta extremamente necessária, pois auxilia a grávida a lidar com as mudanças e desafios da gestação
O Pré-natal psicológico torna-se uma ferramenta extremamente necessária, pois auxilia a grávida a lidar com as mudanças e desafios da gestação e a entender suas particularidades como alguém que está no espectro. Ele atua de forma preventiva e visa a promoção da saúde mental materna durante toda a gestação, no pós-parto ou puerpério. Pode ser realizado de forma individual ou em encontros grupais conduzidos por um psicólogo, podendo contar com uma equipe interdisciplinar. Tem caráter psicoeducativo e psicoterapêutico e visa desenvolver juntamente a gestante recursos e estratégias para lidar com suas emoções, comportamentos e dificuldades em relação ao medo, a ansiedade, as questões sensoriais e sua comunicação, dentre outras demandas.
No Brasil, temos o projeto de lei nº 2603/2022 que institui o programa de acompanhamento pré-natal e pós-parto no caso de gestante com transtorno do espectro autista – TEA em âmbito Federal. No projeto de lei, em seu artigo 2º diz que toda gestante no transtorno do espectro autista será considerada de alto risco e será atendida pela Atenção Secundária, com vistas a reduzir a taxa de mortalidade materna e infantil facilitando o diagnóstico e acompanhamento.
Sabemos que durante o período gestacional a mulher necessita de apoio e compreensão. No caso das autistas e devido as particularidades de seu transtorno vemos que este apoio e compreensão são redobrados.
Pesquisadores tem contribuído através de seus estudos para que haja cada vez mais a adoção de políticas e práticas de saúde e assistência social, visando um maior acesso à informação e recursos que possam ajudar as mulheres grávidas que estão no espectro a vencer suas dificuldades nesta fase de suas vidas.
Referências:
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Camara.leg, 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2335612. Acesso em 23 de outubro de 2023.
MULHERES AUTISTAS: GRAVIDEZ E PARTO. Instituto Inclusão Brasil, 2022. Disponível em: https://institutoinclusaobrasil.com.br/mulheres-autistas-gravidez-e-parto/#:~:text=As%20dificuldades%20com%20sensibilidade%20aumentada,indu%C3%A7%C3%A3o%20do%20trabalho%20de%20parto. Acesso em 23 de outubro de 2023.
MULHERES AUTISTAS: ELAS EXISTEM E PRECISAM DE ATENÇÃO. Instituto Singular. Org, 2023. Disponível em: https://institutosingular.org/mulheres-autistas/. Acesso em 23 de outubro de 2023.
MULHERES COM AUTISMO ESTÃO MAIS SUJEITAS A DESENVOLVER ANSIEDADE E DEPRESSÃO NA GRAVIDEZ, Academia médica.com, 2022. Disponível em: https://academiamedica.com.br/blog/mulheres-com-autismo-estao-mais-sujeitas-a-desenvolver-ansiedade-e-depressao-na-gravidez. Acesso em 23 de outubro de 2023.
GRÁVIDA E COM TEA: ATERRORIZADA COM A SENSAÇÃO DE TER ALGUÉM DENTRO DE MIM. Uol. Com, 2023. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2023/02/24/gravida-e-com-tea-aterrorizada-com-sensacao-de-ter-alguem-dentro-de-mim.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 23 de outubro de 2023.
SAÚDE DA MULHER AUTISTA. Canal autismo, 2022. Disponível em: https://www.canalautismo.com.br/artigos/saude-da-mulher-autista/. Acesso em 23 de outubro de 2023.
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A romantização da maternidade e as consequências de quem a vivencia
A romantização e até mesmo a naturalização da maternidade são fatores que podem desencadear consequências que impactam diretamente no bem estar físico e psicológico das mulheres.
A concepção de amor materno costuma estar vinculado a algo natural, ao passo que encontra-se correlacionado a essência e feminilidade da mulher, podendo complementar com o que a autora Resende (2017) traz “o tema do amor materno geralmente envolve uma série de associações condicionadas a sentimentos naturalmente positivos na condição de ser mãe, muitas vezes levando a uma divinização desse estado como algo abençoado pela natureza”.
Apesar disso, em seus estudos, Resende (2017) salienta que essa concepção em relação ao papel de mãe como algo relacionado ao afeto, só se torna evidente a partir do século XVIII, em que de acordo com a autora, as palavras amor e materno se tornam sinônimos nesse contexto, trazendo à tona os sentimentos em relação a esse vínculo e consequentemente como sentido para o papel da mulher enquanto mãe. Como consequência desse novo olhar para o papel materno, a autora traz a visão de Badinter (1985), em que é expresso que após essa mudança de paradigma, se torna incumbido para as mulheres o tornarem-se mães, alimentando assim, o pensamento de que toda mulher possui o desejo de maternar e como esperado, o amor incondicional pelo filho.
Enquanto mulher na atualidade, é percebido de maneiras “suaves” as formas pelas quais a sociedade tenta impor e/ou passar que a figura feminina “aflore” o lado materno, isso é possível notar por meio dos brinquedos dados para as meninas quando criança, como por exemplo, bonecas que trocam fraldas, que precisam alimentar ou vestir, brinquedos de panelas, fogão como forma de estimular o cuidado com as tarefas domésticas. Sobre isso, as autoras Marques et al. (2022) traz em seu trabalho que as meninas/mulheres são “transformadas em corpos dóceis onde prevalece a imagem de esposas e boas mães, que sabem cozinhar e cuidar da casa”.
“(…) em determinados contextos sociais as mulheres são naturalizadas em ambientes domésticos, nos quais a maternidade é considerada como uma condição do feminino e pode estar fortemente relacionada às questões identitárias da mulher, sendo considerada um dever. Historicamente, os homens não são instruídos a serem pais, mas trabalhadores, políticos, engenheiros, jogadores, bem como a constituir diversos atributos que reafirmem a masculinidade, como força e poder. Por outro lado, as mulheres, desde o seu nascimento, são ensinadas a serem esposa e mãe, são ensinadas a cuidar de bonecas como se fossem bebês, a cozinhar com panelas em forma de brinquedos e cuidar da casa; ou seja, o papel feminino é condicionado a características como pureza, delicadeza e fragilidade” (MONTEIRO; ANDRADE, 2018, apud Marques et al., 2022).
Apesar disso, as autoras Marques et al. (2022) pontuam que mudanças ocorreram e ainda ocorrem no contexto histórico e social trazendo mudanças sob a perspectiva do papel da mulher na sociedade, dando um novo espaço para a escolha ou não de exercer o papel de mãe. Mas, em contrapartida, ainda é possível encontrar mulheres em sofrimento ou experienciando a culpa pela cobrança em “formar uma família”. Isso se dá por meio dessa romanização e tentativa de naturalizar que a vida da mulher se baseia em “nascer, crescer, casar e ter filhos, netos e assim por diante”, sendo essa, uma cobrança para aquelas que não o deseja (MARQUES et al., 2022).
Para Tourino (2006), muitas se culpam por não se sentirem ou não agirem de acordo com os modelos valorizados na sociedade, por ocasião das normas inconscientemente internalizadas que se reproduzem através das gerações, integram a subjetividade feminina e modelam papéis (apud MARQUES et al., 2022).
Quando uma mulher se recusa a viver o processo de maternar, Marques et al. (2022) evidencia a visão de alguns autores que, normalmente são aquelas mulheres que geram estranheza ou até mesmo “choque” na sociedade, pois de acordo com a autora, seria como deixar o feminino “morrer”, já que isso seria parte da essência da mulher, levando para um nível de naturalização e romantização esse processo. Referente a essa romantização da maternidade, de acordo com o ponto de vista exposto pela autora Dias et al. (2020), tanto a sociedade quanto os canais de mídias sociais auxiliam na perpetuação do amor materno, de que esse é um momento de amor genuíno, puro, pleno, sinônimo de realização da vida, gerando uma visão errônea de que é viver um momento perfeito.
“O mito do amor materno afirma que a maternidade e o amor acompanham a mulher desde toda a eternidade e faz parte da natureza feminina. Porém, Badinter (1984) questiona a ideia do amor materno como algo inerente a todas as mulheres, pois ao se percorrer a história das atitudes maternas, nasce a convicção de que o instinto materno é um mito. Não existe nenhuma conduta universal e necessária da mãe. Ao contrário, o que constata-se é a extrema variabilidade de sentimentos maternos, ambições ou frustrações, segundo cada cultura. Dessa forma, a autora afirma que o instinto materno é um mito, pois é um sentimento que pode existir ou não, ser e desaparecer. Tudo depende da mãe e da história, sendo que não há uma lei universal nessa matéria. Destarte, a autora conclui que o amor materno não é inerente às mulheres, e sim adicional” (Damaceno et al. 2021).
Além de que, ao esperar por um momento “mágico” e repleto de boas experiências/vivências no papel materno ser um grande perigo, o período gestacional também acarreta consequências na vida da mulher, pois é o momento em que a mulher começa a lidar com mudanças das quais poderia não estar preparada para lidar de fato, como a transformação rápida e visível que ocorre no corpo, por exemplo, ganho de peso, surgimento de estrias, manchas na pele, inchaços pelo corpo, algumas podem até desenvolver alguns problemas de saúde como a Diabetes Mellitus Gestacional, hipertensão e outras complicações. Se constitui como “alterações físicas e psicológicas que vão resultar em mudanças que impactarão, significativamente, as experiências vividas pela gestante” (Facco; Kruel, 2014), fatores esses que ocasionarão mudanças no modo de viver dessa mulher com ela mesma, assim como com o parceiro e até mesmo a relação mãe e filho.
Quando uma mulher vivencia esse período de maneira saudável, contando com apoio familiar ou de amigos, que possuem uma renda financeira estável e que permite viver bem, pode-se dizer que ela conseguirá aproveitar a maternidade e saberá lidar com as dificuldades que surgirem, mas quando a mulher não conta com nenhuma dessas alternativas ou até mesmo quando cria a ilusão do processo da gravidez, do que é ser mãe e de como será esse momento, pode ser algo que trará como resultados frustração, sofrimento e até mesmo sentimento de culpa, pois é passado para a mulher/mãe, que ela consiga dar conta de tudo, ao passo que deve cuidar bem da criança, deve também cuidar de si e às vezes até do outro, ocasionando ainda, exaustão física e mental.
Trazendo à tona o que Dias et al. (2020) evidencia no sentido de que quando esses papéis que esperam que a mulher ocupe mas não é como fora idealizado, traz sofrimento quando não conseguem alcançar o esperado para elas socialmente, podendo trazer como consequência prejuízos psicológicos, situações de estresse, experienciando situações de tristeza e para aquelas que se tornam mães, mas não é como no conceito ilusório de maternidade que é exposto o tempo todo, podem ocasionar depressão pós-parto, crises ansiosas, entre outras situações.
“Sentimentos como ansiedade, incertezas, além do medo pelo aumento da responsabilidade frente à vinda da criança podem emergir. Esses fatores emocionais desencadeados pela maternidade, podem despertar a depressão pós-parto ou baby blues, conhecido também como tristeza pós-parto ou melancolia da maternidade, esse distúrbio pode ser caracterizado pela alteração de humor das puérperas entre o terceiro e o quinto dia após o parto, mas que geralmente, some com o tempo. Contudo, outras mulheres podem apresentar quadros depressivos mais graves, podendo implicar na capacidade diminuída para o autocuidado e para o cuidado com os filhos” (KROB et al., 2016; JORENTI, 2018 apud Dias et al. 2020).
No processo de maternar, algumas ilusões podem ser quebradas como, há mulheres que não conseguem realizar o aleitamento materno e com isso sentem-se incapazes, já que sempre é propagado a importância da amamentação para os bebês. Há também o mito do amor incondicional ao estar com o filho no colo e em algumas situações as mães, devidos a problemas pós-gestação como é no caso de depressão pós-parto, podem não sentir esse amor com o filho ou simplesmente não conseguirem sentir vontade de cuidar de si e da criança também e como consequência disso, podem viverem dias de culpa e mal-estar, principalmente quando enfrentam essas situações sem o amparo de uma rede de apoio.
“Outro ponto importante, é o enfoque dos sentimentos como anseios e incertezas, além dos fatores emocionais como estresse e frustração. Isso polemiza o que a mídia e sociedade mostram, através de uma visão romantizada, que difunde uma realidade apenas de amor e carinho, que nem toda mulher consegue alcançar” (Dias et al. 2022).
“(…) percebe-se uma dualidade do idealizado e o enfrentado à maternidade real, ocorre um abalo que pode gerar angústias nas mães ao não terem suas expectativas atendidas com a maternidade. Segundo Borsa, Feil e Paniagua (2007), a ruptura da personificação ideal da maternidade pode ser acompanhada por sentimentos de desapontamento, desânimo e desencantamento, além da sensação de incapacidade frente à maternidade. Em concordância, Rapoport e Piccinini (2018) apontam que é normal neste período as mães se depararem com sentimentos ambivalentes, ao mesmo tempo que elas doam tudo de si para o bebê, elas vivenciam a angústia de pouca ou quase nenhuma retribuição, sempre exigindo-se mais cuidados e atenção” (Marques et al. 2022).
Fonte: nicoletaionescu no iStock
Mulher com aparência de cansaço indo amamentar a criança/filho chorando.
Normalmente quando uma mulher torna-se mãe, costuma esperar que ela se dedique à maternidade, enquanto o homem, apesar de avanços na sociedade, ainda ocupa a posição de exercer a função de proteção e principalmente, prover a renda financeira como forma de “manter” essa família, “(…) Essa perspectiva equivocada de divisão de papéis faz muitas vezes com que as mulheres vivenciem uma sobrecarga, o que pode gerar uma gama de sentimentos, como angústia, tristeza, desamparo, frustração, entre outros” (Dias et al. 2022).
Os efeitos da cobrança em maternar e dessa romantização acerca desse papel, perpassa até as mulheres que decidem não se tornarem mães, mulheres que decidem focar em sua carreira profissional, aproveitar a vida e em até alguns casos, decidem não ter filhos para não “estragarem” seus corpos, mas, como a sociedade lida com esse desejo dessa mulher? Oliveira e Pereira (2023), traz em seu estudo que quando mulheres optam por não gestar uma nova vida, tornam-se pessoas excluídas de grupos ou experienciam o julgamento da sociedade. Isso acontece, pois de acordo com as autoras, a visão romantizada da maternidade não permite observar e compreender o lado das mulheres que escolhem não ter filhos e complementam com o estudo de Colores e Martins (2016), que não existe o “dom” de ser mãe, não é algo inato na mulher, mas sim, algo que deve ser considerado a subjetividade e o desejo do indivíduo. Já em mulheres que lidam com problemas de saúde que não permite engravidar, como em casos de infertilidade, as autoras Oliveira e Pereira (2023) expõem a visão de outras autores que dizem que essas mulheres costumam sentirem-se tristes e incompletas, experienciando a pressão social e até mesmo sentimentos de inferioridade.
Fonte: invincible_bulldog no iStock
Mulher em dúvida sobre quais caminhos seguir em sua vida: família ou carreira?
O fato de viver em uma sociedade em que ainda cobra o papel de ser mãe e que ainda impõe “a maneira correta de ser mãe” (por meio de como deve agir, sentir ou até mesmo o querer), se torna exaustivo tanto para quem possui o desejo quanto para quem não deseja tornar-se mãe. Independente da escolha de cada mulher, é algo deve ser respeitado e acolhido, pois é algo que muda por completo a vida da mulher, onde ela precisaria, em algumas vezes, precisaria renunciar planos e sonhos. Assim como há grandes dúvidas, medos, angústias sobre a criação de uma outra pessoa. Se faz necessário o acolhimento tanto familiar, social e até mesmo dos profissionais que acompanham essa mulher, independentemente de sua escolha, pois de acordo com Moraes (2016), citado por Dias et al. (2020), “(…) enfatiza que os fatores negativos podem ser minimizados através de uma atenção acolhedora e esclarecedora dos profissionais que acompanham a mulher (…)”.
Referências:
DAMACENO, Nara Siqueira; MARCIANO, Rafaela Paula; DI MENEZES, Nayara Ruben Calaça. As Representações Sociais da Maternidade e o Mito do Amor Materno. Perspectivas em Psicologia, Uberlândia, v. 25, n. 1, p. 199-224, 2021.
DIAS, Tamires Alves; MENDES, Stéffane Costa; GOMES, Samara Calixto. Maternidade Romantizada: Expectativas e Consequências do Papel Social Esperado de Mãe. 2020.
FEITOSA, Fernanda Soares et al. Opressão Social de Mulheres Que Não Desejam a Maternidade: Estudo Bibliográfico Sob a Ótica da Psicologia. OPEN SCIENCE RESEARCH X, v. 10, n. 1, p. 1222-1240, 2023.
FACCO, Daiana; KRUEL, Cristina Saling. “O meu corpo mudou tão depressa”: as repercussões da gravidez na sexualidade feminina. Disciplinarum Scientia| Ciências Humanas, v. 14, n. 2, p. 141-155, 2013.
MARQUES, Christiane Jussara de Carvalho; SANTOS, Kassia Cintia dos; DANIEL, Natasha Saney Silva. A romantização da maternidade e seus impactos psicológicos. 2022.
PEREIRA TAVARES DE ALCANTARA, P.; ALVES DIAS, T. .; DE CASTRO MORAIS, K.; DA SILVA SANTOS, Y. C. .; MARTINS DA SILVA, J. W. .; BASTOS FERREIRA TAVARES, N. .; CALIXTO GOMES, S. .; DE SOUSA MORAIS, A. B. Maternidade Romantizada: Expectativas do Papel Social Feminino Pós-Concepção. Revista Enfermagem Atual In Derme, [S. l.], v. 96, n. 40, p. e–021313, 2022. DOI: 10.31011/reaid-2022-v.96-n.40-art.1508.
RESENDE, D. K. Maternidade: Uma Construção Histórica e Social. Pretextos – Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, v. 2, n. 4, p. 175 – 191, 5 jun. 2017.
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“É obrigação sua ter relações sexuais com seu marido”: estupro marital; o inimigo dorme ao lado
“Eu tinha falado que não queria, e que estava cansada aquela noite, mas ele já foi tirando minha roupa e tudo bem, né!? Temos que fazer sacrifícios no casamento.”
Segundo Oxford Languages, marital é um adjetivo relativo ao marido, ao que se refere o estado matrimonial. No passado, muitas sociedades consideravam o casamento como uma forma de consentimento permanente para o sexo, onde as mulheres eram consideradas propriedade dos maridos. Nesse contexto, a ideia de estupro marital não era reconhecida, uma vez que se acreditava que o consentimento para o sexo era implícito no casamento. A representação da figura feminina ao longo da história frequentemente refletiu dinâmicas de poder que resultaram em um contexto de controle e submissão da mulher em relação à figura masculina.
Ao longo das antigas civilizações, observa-se um padrão no qual os homens ocupavam papéis de destaque no cenário político, social e até mesmo nas relações familiares, enquanto as mulheres eram frequentemente relegadas ao âmbito familiar. Essa dinâmica patriarcal contribuiu significativamente para a disseminação de preconceitos contra as mulheres, que ainda persistem nos dias atuais. Essa cultura do estupro, presente no imaginário de indivíduos que cometem esse ato perverso, reflete a visão distorcida de que a vítima deve ser subjugada aos desejos insidiosos do agressor, servindo como alimento para sua libido e satisfação pessoal (ROSA, 2019).
O estupro marital entende-se como o ato de violar a dignidade sexual da esposa, em que ela é submetida a um ato sexual não consensual, sendo forçada ou coagida pelo seu marido a realizá-lo contra sua vontade. Nesse contexto, a esposa tem seu direito de escolha negado, resultando na violação de sua dignidade sexual (BOTELHO; DE REZENDE, 2023). Um exemplo disso é uma cena na novela Vai na Fé, produzida pela rede Globo, onde Theo, um dos personagens principais, tem relações sexuais com sua esposa, Clara, mesmo ela não estando confortável e dizendo “não”, e mesmo assim ele continua o ato. O estupro marital é presente em várias formas, na insistência, na tentativa de convencer após o “não” e todos os atos feitos sem consentimento.
As mulheres, especialmente as esposas, desempenham diversos papéis na sociedade moderna. Além de cuidar do lar, elas também são incentivadas a serem boas esposas, a trabalhar fora, buscar qualificação através do estudo e, ao mesmo tempo, serem mães. No entanto, a sociedade em que vivemos também as objetifica sexualmente, colocando-as como meros objetos de desejo, procriação e funcionalidade, e aquelas que não se encaixam em certos padrões são marginalizadas. Todo esse conflito de papéis resulta em colocá-las em situação de vulnerabilidade e tirando sua subjetividade (CARNUT & FAQUIM, 2014.)
Ao longo da história, o crime de violação tem sido uma realidade constante sempre que a sociedade o reconheceu como tal. Durante diferentes períodos, houve diversas formas de punir aqueles que o praticavam. No entanto, uma forma de estupro que ocorria de maneira mais dissimulada era a modalidade de estupro que ocorria dentro dos relacionamentos (TAVARES, 2020). Agressão como essa aniquila a dignidade, humanidade, a sua afetividade e saúde mental de uma mulher, pondo em risco sua saúde mental e ameaçando sua própria existência (SANTANA, 2022).
Fonte: M. /Unsplash
Muitas mulheres não reconhecem o abuso sofrido dentro do relacionamento
Dar lugar a esse discurso, é legitimar a violência sexual dentro dos relacionamentos, normalizando o estupro conjugal como algo aceitável ou até mesmo esperado, podendo impedir o reconhecimento da violência e, inclusive, desencorajar a vitima a procurar rede de apoio. Outra problemática enfrentada, é o fato do estupro marital não ser tipificado por lei.
É crucial estabelecer leis e políticas que reconheçam o estupro conjugal como um crime, independentemente do estado civil das pessoas envolvidas. Isso implica garantir que as leis sejam claras e abrangentes, permitindo que as vítimas denunciem o crime e obtenham justiça diante dessa forma de violência doméstica. Embora a Lei Maria da Penha tenha sido um avanço importante na proteção das mulheres contra a violência doméstica, o estupro marital não é tipificado no Código Penal, o que gera dificuldades para a efetivação da responsabilização dos agressores e até mesmo o reconhecimento deste tipo de violência (SERQUEIRA et al., 2022).
O estupro conjugal é uma violação dos direitos humanos e da liberdade das mulheres, negando-lhes a autonomia sobre seus próprios corpos e sua capacidade de consentir ou recusar relações sexuais. A ideologia patriarcal, que sustenta a noção de poder absoluto do homem dentro do casamento, contribui para a perpetuação dessa forma de violência. A desconstrução do patriarcalismo requer uma mudança profunda na mentalidade e nas normas sociais que perpetuam a supremacia masculina (TAVARES, 2020).
Fonte: Volkan Olmez/Unsplash
Quando seu corpo é invadido, sua alma é roubada
É fundamental romper com paradigmas culturais que dificultam a identificação do estupro conjugal, a fim de que esse crime seja denunciado de forma efetiva pela vítima e para que a sociedade compreenda que o marido pode ser o agressor nessa situação (JUNIOR et al., 2019). Em suma, o discurso patriarcal que impõe a obrigação da mulher de fazer sexo com um homem tem um impacto significativo na sociedade, perpetuando desigualdades de gênero e violação dos direitos sexuais das mulheres, é fundamental desafiar e desmantelar essas ideias.
Referências:
BOTELHO, Nara Vitoria Dias; DE REZENDE, Ricardo Ferreira. ESTUPRO MARITAL: VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE SEXUAL DA MULHER DENTRO DO CASAMENTO. Facit Business and Technology Journal, v. 3, n. 40, 2023. Disponível em: <https://jnt1.websiteseguro.com/index.php/JNT/article/view/2035> Acesso em 03, de junho, 2023.
CARNUT, Leonardo; FAQUIM, Juliana Pereira Silva. Conceitos de família e a tipologia familiar: aspectos teóricos para o trabalho da equipe de saúde bucal na estratégia de saúde da família. JMPHC| Journal of Management & Primary Health Care| ISSN 2179-6750, v. 5, n. 1, p. 62-70, 2014. Disponível em: <https://jmphc.com.br/jmphc/article/view/198> Acesso em, 03, de junho, 2023.
ROSA, Luana Mesquita da. A configuração do crime de estupro marital nas violências sexuais em relações conjugais. Direito-Araranguá, 2019. Disponível em: <https://repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/7599> Acesso em 03, de junho, 2023.
SERQUEIRA, Dielly Silva et al. ESTUPRO MARITAL: Uma violência ainda sem tipificação no Código Penal. In: Anais Colóquio Estadual de Pesquisa Multidisciplinar (ISSN-2527-2500) & Congresso Nacional de Pesquisa Multidisciplinar. 2022. Disponível em <http://publicacoes.unifimes.edu.br/index.php/coloquio/article/view/1653> Acesso em 05, de junho
Fernanda Montenegro: uma mulher para além da idade
8 de maio de 2023 Vitória Cardoso Figueira
Personagens
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Existe idade certa para estar no auge da vida? A velhice chega, mas ela é um fator determinante na nossa vida?
Arlette Pinheiro Monteiro Torres, nacional e internacionalmente conhecida como Fernanda Montenegro. É uma atriz brasileira nascida no Rio De Janeiro – RJ, abriu os olhos para conhecer o mundo em 16 de outubro de 1929. Atualmente com 93 anos, possuindo quase 77 anos de carreira, é considerada a melhor atriz do Brasil. Uma mulher, atriz de longa carreira, que possui grandes prestígios, mãe… o que Fernanda vem nos ensinando?
Carioca, Fernanda desde cedo já se mostrou ativa, aos 8 anos foi a primeira vez que estreou em um palco, em uma peça teatral da igreja. O Gshow, 2021, fez uma homenagem para ela traçando momentos importantes da sua vida, como, com 15 anos começou a trabalhar em uma rádio após ganhar um concurso como locutora da Rádio MEC, de um projeto chamado Teatro da Mocidade e em conjunto com a rádio, trabalhava como professora de português para estrangeiros.
Em uma entrevista para o jornal El País Brasil (2021), fala sobre a escolha do nome artístico, no qual se nomeou no início de sua carreira, “Fernanda”, para ela, tinha um “quê” de romance do século XIX, e o “Montenegro” foi em homenagem a um médico que fazia atendimentos gratuitos para pessoas que menos favorecidas, na zona Norte do Rio de Janeiro.
Fonte: Reprodução TV GLOBO
Com 21 anos, em 1950, foi sua primeira apresentação profissional no teatro, estrelando a peça “Alegres Canções nas Montanhas”. Em 1953 ela se casou com o ator Fernando Torres, e por meio dessa união nasceram a atriz Fernanda Torres e o diretor Claudio Torres. Na década de 60 foi para São Paulo e começou a atuar na televisão, no mesmo período começou a atuar em telenovelas e apenas em 1979 que começou a ser mais notada na TV. No cinema, sua primeira aparição foi em 1964 em uma adaptação do diretor Leon Hirszman de “A Falecida”, obra de Nelson Rodrigues. Em 1998, fazendo a personagem principal, no filme “Central do Brasil”, protagonizou o sucesso e assim foi indicada ao Oscar de melhor atriz.
No Oscar, nossa aclamada atriz não levou a estatueta, mas ganhou o Urso de Prata no Festival Berlim, no mesmo ano, por seu papel como Dora no filme “Central Brasil”. Foi a primeira atriz brasileira a ganhar o Emmy Internacional na categoria de melhor atriz por sua atuação em “Doce de Mãe” (2013).
A atriz recebeu mais de 60 prêmios ao longo da sua carreira. Pairando nos seus 90 anos, Fernanda lançou dois livros, “Fernanda Montenegro: itinerário fotobiográfico” (2018) e “Prólogo, ato, epílogo” (2019) e aos 92 anos, tornou-se a primeira atriz brasileira a ser eleita para ocupar uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Fernanda Montenegro, atualmente com seus 93 anos continua ativa no seu trabalho, há muitos anos vinha sendo e continua a ser uma das mulheres mais aclamadas do Brasil, e que não se deixa “abater” por sua idade, já que socialmente nos deparamos com o “descarte” de pessoas assim que o envelhecimento chega. O envelhecimento é um processo que pode variar de indivíduo para indivíduo, devido a vários fatores biopsicossociais, ou seja, a qualidade de vida desse indivíduo como, a saúde física, psicológica e sociais são alguns pontos referente a esses fatores determinantes. E ainda a despeito disso, a velhice ainda é vista como homogênea, estereotipada e a idade sendo como algo decisivo para o envelhecimento (LOTH; SILVEIRA, 2014).
Algo a ser observado é o fato do Brasil ser um país onde o etarismo não recebe tanto destaque para discussão, mesmo existindo pessoas que sofrem/sofreram preconceito referente à sua idade real ou aparente, ainda assim é raro a discussão do tema no país (LOTH; SILVEIRA, 2014). Sistematicamente, pessoas com mais idade, são alvos de discriminação em vários locais pelos estereótipos ligados a velhice (FRANÇA; VAUGHAN, 2009). A velhice e o processo de estar velho não pode ser vista contextualizada apenas de forma cronológica e descontextualizada. Estatísticas, a sociedade e pessoas em contextos sociais resumem a velhice a partir de critérios objetivos, mas são poucos os exemplos de pessoas que se identificam dentro desse critério (LOTH; SILVEIRA, 2014).
Segundo Messy (1999) isso deve-se pela contraposição entre a percepção e a vivência. Pessoas idosas tendem a se enxergarem como mais jovens e assim ignorando os indícios que a idade oferece. Fernanda nos mostra que não existe idade para parar, idade não é um fato paralisante, com ela somos capazes de enxergar acima o estigma da idade e que as pessoas são resumidas a esse fator.
É importante também dizer que o gênero e sexo incluem-se dentro da perspectiva da velhice e como ela é vista socialmente. Sendo assim, pode-se dizer que a vivência da velhice se difere dentro dos gêneros, para homens e mulheres há dois pesos e medidas para cada sexo e gênero (FERNANDES et. al, 2015). A família, pessoas importantes e as interações sociais, saudáveis, são fundamentais são fatores de suma importância para o desenvolvimento de uma qualidade de vida para o idoso. As relações de trabalho, familiar e pessoas querida podem contribuir para uma resiliência individual nas pessoas idosas e até mesmo ser um suporte social que muitos não tem (GALICIOLI; LOPES; RABELO, 2012)
Arlette, mais conhecida como Fernanda Montenegro, é uma mulher de muito prestígio e que ainda se encontra nesse lugar. Ela nos convida a olhar para o tema “idade” de uma forma diferente, olhar como ela deve ser olhada, que pessoas são muito além da idade na qual elas tem. Em qualquer estágio da vida, somos seres que necessita de cuidados e reparos, de tal modo, percebe-se o equívoco que se comete ao reduzir um indivíduo a um estágio de sua vida.
FERNANDES, Juliana et al. Gênero, sexualidade e envelhecimento: uma revisão sistemática da literatura. Clínica & Cultura, v. 4, n. 1, p. 14-28, 2015. Disponível em: <https://seer.ufs.br/index.php/clinicaecultura/article/view/3403> Acesso em 15 de abril, 2023.
FRANÇA, L. H. de F. P; VAUGHAN, G. Ganhos e perdas: atitudes dos executivos brasileiros e neozelandeses frente à aposentadoria. Psicol. Estud. Paraná, v. 13, n. 2. 2009.
GALICIOLI, Thaisa Gapski Pereira; DE LIMA LOPES, Ewellyne Suely; RABELO, Dóris Firmino. Superando a viuvez na velhice: o uso de estratégias de enfrentamento. Revista Kairós-Gerontologia, v. 15, p. 225-237, 2012. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/kairos/article/view/17048> Acesso em 15 de abril, 2023.
LOTH, Guilherme Blauth; SILVEIRA, Nereida. Etarismo nas organizações: um estudo dos estereótipos em trabalhadores envelhecentes. Revista de Ciências da Administração, v. 16, n. 39, p. 65-82, 2014. Disponível em:<https://periodicos.ufsc.br/index.php/adm/article/view/2175-8077.2014v16n39p65> Acesso em 01 de abril, 2023.
MESSY, J. A pessoa idosa não existe.Aleph, 2. ed. São Paulo,1999.
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Não ter filhos como emancipação das mulheres e objetivação de novas formas de viver
Sempre falam sobre a experiência de ser mãe como algo que todas deveriam ter. Como se uma mulher não estivesse completa se não engravidar ou “cuidar” de suas filhas e filhos. E a família cumpre papel central nesta suposta experiência de completude. Quando alguma mulher ousa em escrever ou diz algo sobre como é viver em uma outra possibilidade, sem filhos, ela passa para um outro status na sociedade. Quando ela ousa criticar a família patriarcal que vive de sugar as forças das mulheres e controlar seus corpos e suas ideias, são vistas como “loucas”, “anormais” e “histéricas”. Como poderia uma mulher viver fora dos padrões e dos parâmetros tão sublimes da família e da maternidade?
O primeiro ponto a se destacar em uma decisão como esta, a de não se acomodar em padrões, é dizer que nem sempre mulheres têm escolha. Não é fácil viver sobre a pressão da sociedade patriarcal e do seu reforço, sempre poderoso e sobrenatural, que é a religião. Para muitas são duas potências quase que intransponíveis. A família é o lugar de organização e controle da sexualidade e da capacidade reprodutiva da mulher exercida pelo homem como reafirmação dos valores morais do Estado. As leis sobre casamento, previdência social, aposentadorias e pensões são provas da condição da mulher dentro desta esfera. Não precisamos ir muito longe na legislação brasileira para encontrar registros sobre o como a mulher se tornava propriedade de um homem e de como quando ela o “traía” a ele pertencia o legítimo direito à defesa da honra o colocando, inclusive, na prerrogativa de cometer violência sobre ela. Não precisa muito para encontrar outros similares na história mundial ao longo da história.
É sobre quatro pilares (partes da totalidade sistêmica do capitalismo) que colocamos foco sobre a decisão de não ter filhos: o Estado, o capital, a família e a religião. Como já mencionado acima, o status da mulher na sociedade está sim definido por um Estado Patriarcal. Suas leis colocam as mulheres em condição de subordinação e subserviência. Demorou muito para que as mulheres superassem a educação como mera prática das “prendas domésticas”. Quando a mulher foi integrada ao mercado de trabalho foi força barata, flexível e sem qualificação, o que a colocava em situação de grande vulnerabilidade e abuso dos patrões, já que o medo de perder seus empregos e de não conseguir sustentar seus filhos era tudo que o que um patrão queria para super explorar suas capacidades sem limites. Como força de trabalho barata e precária e reprodutora do capital, foi se constituindo o que hoje chamamos de duplas e triplas jornadas de trabalho. Nem mesmo uma mulher sem filhos consegue se equiparar a um homem, porque a tarefa do cuidado (da casa, do homem, dos filhos, dos mais velhos) continua sendo seu destino e seu fardo.
Podemos falar também do ponto de vista da geopolítica. Países centrais e países periféricos também têm relações distintas sobre este tema. Ainda que não deixemos para trás as relações de classe e raça que estão absolutamente impingidas em todos os lugares do mundo, a relação de subordinação, dependência e desigualdade em que vivem os países periféricos, em especial os da América Latina e Caribe, torna a vida das mulheres ainda mais polivalente, multifuncional, consequentemente vulnerável e perigosa.
As “qualidades” e “virtudes” femininas são transformadas em meios para fazê-las mais super exploradas e violentadas. Ser mulher é o exercício da política do sofrimento cotidiano, e a função materna, quando rechaçada, a coloca em situação de maior mal estar ainda. Em muitas ocasiões, quando explicações como essa aparecem em tela para outras mulheres, criam-se situações de conflito entre elas. Como se a defesa da não maternidade, do não querer ser mãe, fosse uma agressão profunda àquelas que estão e exercem esta condição.
O fato é que ninguém deveria sentir qualquer mal estar em tomar decisões se vivêssemos em uma sociedade verdadeiramente justa, igualitária e respeitadora da diversidade e da diferença. Quando as próprias mulheres adotam essa postura de coerção em relação a outra é a prova mais iminente de que suas vidas foram confiscadas pelo capital e pelo patriarcado. A maternidade compulsória ou qualquer outra de suas expressões não pode e nem deve ser usada como parâmetro ou como única forma de existência das mulheres. Existem outras possibilidades e nenhuma delas deveria ser problema alheio. A lógica do patriarcado é implacável: coloca, inclusive, mulheres contra mulheres.
A consolidação do Estado burguês ainda no século XIX impôs, dentre tantas outras coisas, uma ideologia de classe que definiu de maneira mais proeminente os papéis de homens e de mulheres na sociedade. O discurso sobre a maternidade e a veneração da feminilidade se tornou o status mais alto e nobre que uma mulher poderia alcançar. Zelar pela educação, pela saúde e pela família consolidou a mulher casada como fortaleza moral da família. Mulheres tratadas como unidades reprodutoras, simulacro dos imperativos políticos e religiosos, colaboravam com a manutenção de uma sociedade e de uma situação que, em verdade, era (e continua sendo!) sua própria escravidão. A religião opera como reforço da opressão e o Estado legitima juridicamente a condição de subalternidade da mulher. Nem quando alcança uma posição no mercado de trabalho, ela está desassociada ao que chamavam de “instinto natural” ligado ao cuidado: são professoras, enfermeira, secretárias, cuidadoras. Sigmund Freud ao tratar sobre a questão das mulheres, forneceu as bases científicas que sustentariam a ideologia burguesa de que a mulher nasceu para ser mãe.
Este é um conjunto amplo de reflexões que apresentamos sem a pretensão de esgotar o tema. Recorrer à história também nos pareceu uma metodologia válida para compreender que a libertação das mulheres não é uma tarefa individual, nem uma decisão unilateral. Se trata de uma mudança mais radical da sociedade, de refletir sobre os seus seculares pilares e propor alternativas. Se trata de olharmos e enxergarmos todas as camadas e suas respectivas densidades. Vai desde repensar os currículos escolares e questionar se a religião tem o direito de impor qualquer barreira às nossas decisões, sobre o que queremos fazer das nossas vidas e dos nossos corpos. Às mulheres que reforçam as vozes do patriarcado sustentando as posições de submissão das quais aceitam sem questionar, essas talvez sejam o nosso maior desafio. Essa potência fragmentada e em rota de colisão talvez seja o mais puro caldo que o patriarcado adora beber para se alimentar. Aquilo que contorna a base econômica e social do sistema capitalista e que fortalece ideologias, religiões e costumes precisa ser controlado para manter a lógica da exploração da nossa condição de gênero.
A decisão de não ter filhos não pode estar dissociada a uma simples análise sobre as correntes que nos impedem de avançar, de se movimentar. A decisão de não gerar e não gerir uma família nos moldes tradicionais precisa ultrapassar a ideia de que é apenas uma rebeldia de quem não conseguiu um “bom casamento” ou não “encontrou um bom homem”. A decisão passa pela consciência de si e da outra, passa pela capacidade de desobstruir o olhar, enxergar mais além, ver as camadas de opressão e encontrar os caminhos de luta e construção da emancipação das mulheres. Certamente muito disso passa pelo feminismo. O que está em questão não é aceitar ou não os papéis que nos foram definidos. É fomentar lugares de práxis que rompam com qualquer tentativa que ameace nossa livre existência.
Não ter filhos é um desses lugares que muitas de nós ocupamos, mas que somos sistematicamente tachadas de tudo e de nada ao mesmo tempo. O simples fato de ser feliz nesta condição é matéria de comentários violentos e discriminatórios, quase como uma doença que precisa de cura. Diversidade e fluidez são bons mecanismos para abalar as estruturas de uma sociedade perversa e opressora. O século XXI tem sim sido capaz de grandes insurgências e transgressões e de construção de novas identidades políticas. Como substantivo feminino, as insurgências estão no campo dos movimentos capazes de gerar novas formas de organização social, culturas e identidades.
O pensamento feminista e os debates com mulheres na sua diversidade têm colaborado muito para fortalecer decisões e posições. Escolher não ser mãe tem sido o debate de mulheres brancas e negras que, conscientes das opressões que sofrem e do caráter político de suas decisões, escolhem não ser mães e não fornecer força de trabalho barata, precarizada e sem direitos para satisfazer o capital e os capitalistas. Escolhem superar a condição de unidade reprodutora para a manutenção do sistema. Escolhem por si e para si uma vida cujas atividades práticas possam ir além de cuidar de filhas e filhos. Escolhem suas profissões, seus amores, lugares e outras bandeiras de lutas por e para perspectivas diversas a fim de emancipar a si e outras tantas que não conseguem enxergar alternativas. Elas existem!
Devemos também destacar que no capitalismo de cariz neoliberal, termos como meritocracia, individualidade e consumo se irradiaram como ideias de exaltação do particular, do bem estar individual. A predominância de conceitos como estes, que valorizam a experiência pessoal, secundarizando as noções de classe e de luta coletiva, foram ganhando terreno no campo político e cultural. Podemos dizer que pressupostos como esses dão novo fôlego às ideias de família e religião, como se o esforço pessoal, a dedicação e a devoção fossem os únicos caminhos para a liberdade e para uma vida plena. Podemos dizer que a maternidade segue esta mesma linha de raciocínio. O que temos visto é a atualização dos valores éticos e morais do capital e o recrudescimento das violências, objetivas e subjetivas, que permeiam as relações e decisões sobre nossos corpos, sobre o que queremos e o que somos. O que conseguimos nesta caminhada foram vozes dissonantes e que se rivalizam sistematicamente, nos afastando do nosso verdadeiro inimigo e das nossas vias de emancipação.
A opressão é uma categoria social que define a existência de uma relação de subordinação entre grupos sociais distintos e por diferentes processos históricos. Acrescentamos que tem sido categoria comum em todo o tecido social e de nós contra nós. Assim, vão sendo retiradas de todas o potencial contestatório e nossas capacidades de refletir e aceitar outras formas de existência. Desestabilizar as normas hegemônicas não é tarefa fácil. Cada mãe e cada mulher sem filhos, que não pode ou não deseja tê-los, precisa compreender que estamos nas mesmas batalhas e nas mesmas trincheiras.
Enquanto dialogamos aqui, a Marcha Mundial de Mulheres está discutindo salário igual e justo entre homens e mulheres, o direito à previdência social (incluindo licença maternidade e paternidade), a adoção de políticas públicas de apoio à reprodução social, como creches, lavanderias e restaurantes coletivos. Essas atividades nem sequer são conhecidas por mulheres. O feminismo é tão refutado e descredibilizado que debates deste tipo são invisibilidades e totalmente desconhecidos por muitas delas. Mulheres com e sem filhos estão nessas batalhas, mas outras tantas estão alheias a este debate e concentrando suas forças em defender a família e a religião como verdades absolutas. A maternidade não é um imperativo biológico indiscutível e os debates em torno dela são muito mais complexos do que podemos imaginar. Esperamos que os apontamentos acima colaborem para um debate mais amplo e profundo e que saia do simples campo pessoal.
Para nortear reflexões…
AGUIAR, Neuma. Mulheres na força de trabalho na América Latina: análises qualitativas. Petrópolis: Vozes, 1984.
ASSUNÇÃO, Diana. (org). A precarização tem rosto de mulher. 3 ed. São Paulo: Iskras, 2020.
BORGES, Maria de Lourdes, TIBURI, Marcia, CASTRO, Susana. (orgs). Filosofia feminista. São Paulo: Senac, 2023.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista brasileiro. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2019.
SCHNEIDER, Graziela (org). Emancipação feminina na Rússia soviética: artigos, atas, panfletos, ensaios. São Paulo: Boitempo, 2017.
TOLEDO, Cecília. Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide. Cadernos marxistas. São Paulo: Editora Xamã, 2001.
Por Fabiana Scoleso é professora adjunta II do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins e coordenadora do Grupo de Estudos Globais e América Latina (GEGAL-UFT) fscoleso@uft.edu.br