A Solidão do “Criador” em Rick and Morty

Compartilhe este conteúdo:

A série animada “Rick and Morty” é conhecida por sua capacidade de abordar uma vasta gama de temas, muitas vezes com uma abordagem filosófica e crítica. Foi criada por Justin Roiland e Dan Harmon, dois criadores com trajetórias distintas, mas complementares, que se uniram para desenvolver uma das séries de animação mais influentes e populares dos últimos tempos. A série combina a estrutura da ficção científica clássica com um humor sórdido, explorando questões profundas sobre a existência, a moralidade e a condição humana. Tudo isso,  envolta em enredos aparentemente absurdos e hilários.

Uma das principais características da série é a exploração do conceito de multiverso, em que inúmeras versões de realidades alternativas coexistem. Isso permite à série explorar questões sobre identidade, livre-arbítrio e o impacto de nossas escolhas. Em vários episódios, Rick e Morty encontram versões alternativas de si mesmos e lidam com as consequências de suas ações em diferentes realidades. A série frequentemente satiriza aspectos da sociedade moderna, incluindo consumismo, religião, política e o papel da ciência. Rick, com seu cinismo extremo, frequentemente faz críticas contundentes sobre o sentido da vida, questionando valores morais e instituições sociais. Essa abordagem filosófica lembra o niilismo, Rick demonstra uma visão de mundo onde nada tem importância intrínseca, o que contrasta com a tentativa de Morty de encontrar significado e propósito.

No centro de Rick and Morty está a dinâmica disfuncional da família Smith. As interações entre Rick, Morty, Summer (a irmã de Morty), Beth (a mãe) e Jerry (o pai) são uma fonte constante de conflito e drama. A série usa essas relações para explorar abandono, auto-estima, fracasso, e o impacto de traumas geracionais. Apesar do humor sombrio, a série frequentemente revela momentos de vulnerabilidade e afeição entre os personagens, no qual surpreende as expectativas do público sobre o que significa ser uma família.

A série também mergulha em questões de psicologia e existencialismo. Rick, em particular, é um personagem complexo que luta com depressão, alcoolismo e uma visão niilista da vida. Ele é uma representação do “herói trágico” moderno, cuja genialidade é também sua maldição. A série aborda como o intelecto superior: “O Criador”. Este fato o isola dos outros e o deixa preso em um ciclo de autodestruição e vazio existencial.

Embora trate de temas significantemente pesados, Rick and Morty é, acima de tudo, uma comédia. O humor da série é frequentemente absurdo, misturando elementos de cultura pop, ciência e paródias de outros gêneros. A série não tem medo de ser provocativa ou bizarra, utilizando desde piadas simples até referências intelectuais complexas, muitas vezes desafiando o espectador a refletir sobre o significado por trás da comédia.

O que indaga muitas vezes as pessoas se identificarem com essa série, com isso é perceptível que são personagens multifacetados. Dito isso, Rick é um gênio alcoólatra com uma visão cínica da vida, enquanto Morty é um adolescente inseguro lutando para encontrar seu lugar no mundo. Essa complexidade permite que os espectadores se vejam em diferentes aspectos de suas personalidades e lutas.

Apesar do cenário e do humor, a série explora temas universais como o propósito da vida, a busca por significado e a complexidade das relações familiares. Essas questões são abordadas de uma forma que, embora muitas vezes exagerada, compartilha com as experiências e sentimentos do público. Rick and Morty, frequentemente faz comentários sobre a sociedade e a cultura de forma crítica e irônica. Essa crítica, muitas vezes disfarçada de humor, pode fazer os espectadores refletirem sobre suas próprias vidas e o mundo ao seu redor.

Rick: Entre Amor e Controle

No episódio “Auto Erotic Assimilation” de Rick and Morty, a relação entre Rick Sanchez e Unity ilustra complexas dinâmicas de controle e poder dentro dos relacionamentos. Unity, uma entidade coletiva que inicialmente parece ser a solução perfeita para as necessidades emocionais e intelectuais de Rick, acaba se tornando uma metáfora poderosa para explorar o controle narcisista e os impactos sobre a identidade pessoal.

Rick, como uma figura narcisista, utiliza seu relacionamento com Unity para atender suas próprias necessidades de validação e controle. Ele manipula Unity para moldar um mundo ao seu redor que se ajuste às suas próprias expectativas e desejos. Essa dinâmica é analisada por Daniel Martins de Barros em seu livro “O Lado Bom do Lado Ruim”, onde ele explora como situações difíceis podem revelar aspectos de crescimento pessoal e autodeterminação. Barros destaca que “a capacidade de manter a autonomia, mesmo em cenários desafiadores, é essencial para o bem-estar emocional” (Barros, 2020, p.127). Essa afirmação ecoa a luta de Unity ao tentar manter sua própria identidade, enquanto Rick tenta controlá-la.

Unity, por outro lado, enfrenta um dilema emocional significativo. Inicialmente, a assimilação de outras consciências e a adaptação ao desejo de Rick parecem oferecer uma forma de felicidade e integração. No entanto, à medida que Unity começa a recuperar sua própria identidade e questionar o controle de Rick, ela se depara com um conflito interno sobre manter sua integridade ou se submeter novamente ao controle de Rick. Segundo Barros, “a preservação da identidade em contextos de pressão emocional é fundamental para a saúde mental e para a realização pessoal” (BARROS, 2020, p. 128). A decisão de Unity de se afastar de Rick é um reflexo direto dessa necessidade de preservar sua autonomia e evitar a manipulação emocional.

Fonte: br.pinterest.com

Esse episódio demonstra como o controle narcisista pode corromper a autenticidade e a saúde emocional dos relacionamentos, ilustrando a importância de manter a integridade pessoal e a autonomia, mesmo em face de uma conexão emocional intensa. A luta de Unity para manter sua identidade é um exemplo claro da necessidade de proteger a própria autonomia em qualquer relação que envolva controle e manipulação.

O episódio “Auto Erotic Assimilation” também ilustra o conceito de ciclo de abuso, conforme discutido pela psiquiatra brasileira Ana Beatriz Barbosa Silva em seu livro “Mentes Perigosas: O Psicopata Mora ao Lado”. Silva descreve como, em muitos relacionamentos abusivos, existe um padrão recorrente de tensão crescente, seguido por um incidente de abuso, e posteriormente uma fase de reconciliação ou “lua de mel”, onde o abusador promete mudar ou se arrepende (Silva, 2008).

No episódio, vemos uma variação desse ciclo. A presença de Rick inicialmente “liberta” Unity, levando-a a excessos que desestabilizam o equilíbrio da entidade. Enquanto Unity se entrega a festas e indulgências sob a influência de Rick, ela começa a perceber o impacto negativo que ele exerce sobre sua vida. Silva explica que “o ciclo de abuso é marcado por uma repetição de padrões que reforçam a dependência e a destruição emocional”. Ao perceber isso, Unity decide romper o relacionamento para preservar sua integridade, uma decisão difícil, mas necessária para interromper o ciclo de destruição.

Unity representa a vítima que reconhece o ciclo de abuso e, ao tomar a difícil decisão de sair do relacionamento, preserva sua própria saúde emocional e mental. Como Silva afirma, “o reconhecimento do ciclo é essencial para que a vítima possa tomar as rédeas de sua vida e interromper a sequência de abuso”. Ao decidir deixar Rick, Unity dá um passo crucial em direção à sua autonomia e bem-estar.

Rick Sanchez, o protagonista de Rick and Morty, frequentemente demonstra traços de narcisismo exacerbado. Ele é apresentado como uma pessoa que possui uma confiança inabalável em sua própria inteligência e habilidades, mas que simultaneamente exibe uma profunda falta de consideração pelos sentimentos e necessidades das outras pessoas. Este comportamento é típico de indivíduos com traços narcisistas, que frequentemente acreditam que são superiores aos outros e merecem tratamento especial.

César Souza, em seu livro “Você é o Líder da Sua Vida”, explora como o narcisismo pode influenciar negativamente tanto o próprio indivíduo quanto as pessoas ao seu redor. Souza discute como a busca incessante por validação e superioridade pode levar ao isolamento emocional e a relacionamentos destrutivos, características que são claramente observáveis em Rick. Segundo Souza, “um líder narcisista frequentemente aliena aqueles ao seu redor ao priorizar suas próprias necessidades e desejos acima dos outros” (Souza, 2016). Essa alienação é evidente na vida de Rick, onde sua incapacidade de se conectar emocionalmente com os outros o deixa profundamente isolado, apesar de suas realizações intelectuais.

No episódio “Auto Erotic Assimilation”, vemos como o narcisismo de Rick o leva a interações disfuncionais com Unity, uma entidade coletiva que, inicialmente, atende às suas necessidades emocionais e físicas. Contudo, quando Unity começa a recuperar sua autonomia e questiona o relacionamento, Rick tenta buscar novamente o controle, resultando em um colapso emocional. A tentativa de Rick de dominar Unity espelha o que Souza descreve como “a tendência dos narcisistas de manipular os outros para manter sua autoimagem e controle” (Souza, 2016).

Essa dinâmica ilustra como o narcisismo pode destruir relacionamentos, corroendo tanto o narcisista quanto as pessoas ao seu redor. Rick é incapaz de manter relações saudáveis porque sua necessidade de controle e validação supera sua capacidade de genuinamente se conectar com os outros. A decisão de Unity de deixar Rick, apesar de sua conexão, reflete a importância de preservar a autonomia emocional e evitar relações onde o narcisismo domina.

Unity, como uma entidade que controla mentalmente uma sociedade inteira, levanta questões profundas sobre identidade e livre-arbítrio. Rossandro Klinjey, em seu livro “Help: Me Eduque!”, aborda como a perda de identidade individual pode ser uma consequência de uma dependência excessiva em outra pessoa ou em uma entidade maior. Klinjey discute como, em relações onde há uma fusão excessiva de identidades, a individualidade de cada parceiro tende a se diluir, resultando em uma forma extrema de codependência.

No episódio, Unity representa essa perda de identidade ao assimilar outros seres e suprimir suas individualidades em favor de uma mente coletiva. Klinjey explica que, quando uma pessoa se anula em prol de outra, seja em uma relação amorosa ou em um contexto mais amplo, ela corre o risco de perder sua essência e, com isso, sua capacidade de tomar decisões autônomas (Klinjey, 2017).

Além disso, Unity enfrenta um dilema interno: continuar com Rick e arriscar perder sua estabilidade, ou se separar dele para preservar sua integridade. Esse dilema reflete a luta de muitas pessoas em relacionamentos tóxicos, que, apesar de reconhecerem o impacto negativo da relação, encontram dificuldade em sair dela devido à intensa conexão emocional. Klinjey afirma que a capacidade de preservar a própria identidade dentro de um relacionamento é essencial para a saúde emocional, e que o livre-arbítrio deve ser exercido para evitar que uma pessoa se perca completamente na outra (Klinjey, 2017).

Assim, a decisão de Unity de deixar Rick para manter sua integridade é um passo crucial para romper com a codependência e preservar sua individualidade. Essa narrativa ressoa com as reflexões de Klinjey sobre a importância de manter a autonomia e a identidade pessoal, mesmo dentro de relacionamentos íntimos, onde o equilíbrio entre conexão emocional e independência é fundamental para a saúde psicológica de ambos os parceiros.

As referências a autores brasileiros contemporâneos, como Daniel Martins de Barros, Ana Beatriz Barbosa Silva, César Souza e Rossandro Klinjey, acrescentam uma camada de profundidade à análise desses temas. Barros, explora como o controle emocional e a manipulação podem desestabilizar a saúde psicológica, um conceito que se aplica à relação entre Rick e Unity, Silva discute como o ciclo de abuso emocional pode prender indivíduos em padrões destrutivos, enquanto Souza ilustra os efeitos corrosivos do narcisismo de Rick sobre seus relacionamentos. Klinjey, por sua vez, destaca a importância de manter a autonomia emocional e a identidade pessoal em face de relações que ameaçam a individualidade.

Unity, ao reconhecer o impacto negativo de Rick sobre sua coesão e decidir se afastar, exemplifica a luta por preservação da identidade e exercício do livre-arbítrio em situações de codependência. A decisão de Unity de romper com Rick para manter sua integridade emocional reflete o que Klinjey descreve como essencial para a saúde emocional: a capacidade de preservar a própria identidade e exercer o livre-arbítrio em relacionamentos.

Essa narrativa reforça a mensagem de que, para alcançar relacionamentos saudáveis, é crucial reconhecer e interromper ciclos de abuso, resistir ao narcisismo que desumaniza o outro e preservar a autonomia emocional. Rick and Morty nos lembra que a verdadeira conexão, deve ser construída sobre a base do respeito mútuo e da independência, sem comprometer a integridade de nenhum dos parceiros envolvidos.

No final, o episódio serve como um poderoso lembrete dos altos custos emocionais associados a relacionamentos disfuncionais e da importância de proteger a própria integridade emocional. Rick and Morty demonstra, através da narrativa de Rick e Unity, que a busca por controle e poder nas relações não só prejudica os outros, mas também desintegra quem exerce esse controle. Por isso, preservar a própria identidade e autonomia é essencial para o bem-estar emocional em qualquer relacionamento.

Referências: 

BARROS, Daniel Martins. O Lado Bom do Lado Ruim. São Paulo: Planeta do Brasil, 2014.

KLINJEY, Rossandro. Help: Me Eduque! São Paulo: Academia, 2017.

RICK and Morty. Auto Erotic Assimilation. Direção de Bryan Newton. Roteiro de Dan Harmon e Justin Roiland. EUA: Adult Swim, 9 ago. 2015. Disponível em: <link>. Acesso em: 22 ago. 2024

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: O Psicopata Mora ao Lado. 6. ed. Rio de Janeiro: Fontanar, 2018.

SOUZA, César. Você é o Líder da Sua Vida: E Se Você Não Lidar Bem Consigo, Como Vai Lidar com os Outros? Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.

Compartilhe este conteúdo:

Relato: A nada fácil jornada de uma introvertida tímida tentando viver em sociedade

Compartilhe este conteúdo:

Relatos pessoais são sempre muito difíceis. A exposição do nosso eu interior, do que sempre fizemos questão de esconder, será descoberto e “solto” na internet, mas um ditado popular vale bem para esta situação: “quem está na chuva é para se molhar”, então cá estou eu “debaixo de toda a chuva” da exposição.

Sempre fui considerada “a menina estranha”, a “adolescente estranha”, a “pessoa estranha”, gostava de ficar em casa e não era de muita conversa. Minha vida escolar até a primeira versão do ensino médio (explicarei a história da primeira versão mais adiante) era uma verdadeira tortura, a escola era um lugar totalmente hostil e nada fácil de conviver. Minha introversão era entendida como algo “estranho”, somando a isso sempre fui de uma timidez imensa. Eu sei, quem me conhece há pouco tempo não consegue imaginar, mas sim, socializar sempre foi muito difícil. Não que não gostasse de socializar, gostava, mas não era sempre e em qualquer situação. As pessoas não entendiam que eu gostava do meu mundo, onde tudo era mais fácil e seguro. Agora imaginem ser assim e pertencer a uma família com alto nível de extroversão?!

Não. Não era fácil mesmo. Principalmente vinda desta família de festeiros extrovertidos e as comparações com minha irmã, nos círculos sociais, na escola, entre os parentes era uma constante: “mas por que você não é como sua irmã que conversa com todo mundo… que tem bom desempenho escolar”? A resposta, hoje, parece bastante óbvia: apenas eu tenho minha própria individualidade, interesses e modos de ver a vida. Mas, o que hoje é “fácil” de entender, afinal, sou uma adulta e tenho consciência disso, naquelas ocasiões eram de extrema dificuldade para entender e aceitar. Por que não me deixavam em paz no meu mundo e não respeitavam meu modo de ser?

Bom, falando um pouquinho sobre personalidade. A palavra personalidade vem do latim e significa “persona”, uma máscara social teatral usada por atores romanos nos dramas gregos, as quais eram usadas para projetar um papel ou falsa aparência. Assim, entende-se, de modo geral, que personalidade é um conjunto de características psicológicas que influenciam o modo como uma pessoa pensa, sente e age. Não existe apenas um tipo de personalidade e aqui destaco o foco do texto: introversão e extroversão.  Personalidade extrovertida é aquele indivíduo marcado pela capacidade de sociabilidade, energia e entusiasmo exteriores, gostam de estar no centro das atenções e são bastante falantes e sociáveis. Já o introvertido é aquele sujeito marcado pela quietude, calma e reflexão, preferem ambientes mais tranquilos e privados e tendem a ser mais reservados em situações sociais. (Feist, Feist, Robert, 2015)

pixabay.com.br

Agora quanto a timidez, confesso que é de certa forma complicado caracterizar a timidez em um espaço tão pequeno, mas a melhor definição encontrada, sem uma limitação de correntes de pensamentos: algumas correntes dizem que a timidez é caracterizada por uma incapacidade de uma pessoa de se comunicar ou interagir bem com outras pessoas, algo que faz parte do sujeito. Outra corrente de pensamento diz que a timidez pode ocorrer com qualquer pessoa em situações de interação. Já uma terceira corrente diz que a timidez está associada a problemas narcísicos causados pela inibição das pulsões. (Vieira, 2017)

Agora imaginem uma pessoa com alto nível de introversão e timidez, quando não se falava muito sobre o assunto. Na minha infância e adolescência tudo ficava a cargo do “é esquisita”. Esquisita por não estar sempre disposta a conversas desinteressantes, pelo menos para mim, as tais conversas de meninas, quando na verdade estava mais interessada nas histórias da aliança galáctica ou das batalhas da Terra Média. Sim, sempre uma aficionada por Star Wars e O Senhor dos Anéis, algo a mais para ser considerada estranha já que era coisa de meninos e eu deveria estar mais interessada em aprender a usar maquiagem e qual melhor esmalte de unha. Por isso preferia sempre estar em outros mundos, sendo reais ou imaginários.

Amava e amo ouvir música clássica e da arte renascentista, as coisas de “velho”, mas sempre me remeteu a paz necessária para viver tranquilamente, mas adolescentes tinham que gostar de sair e se divertir, conversar com as pessoas da minha idade. Não que não gostasse, apenas não me via nos círculos podendo ser quem realmente era e falar sobre o que realmente gostava, portando, interagir me causava um grande desconforto e sugava minhas energias, mesmo que sentisse falta de algum contato com pessoas da minha idade, mas com quem eu pudesse interagir sem a necessidade de outra “persona”, mas ser eu mesma e não ser julgada por ser como era e gostar do que gostava.

Na adolescência e juventude me via forçada a sair e participar de ocasiões sociais, principalmente pela minha família. Mas era a máxima do sábio Renato “festa estranha com gente esquisita… eu não tô legal”, mantra que perdurou por muitos anos, ouso dizer que até os dias de hoje.

Estava aí um dos meus maiores problemas em frequentar a escola. Desde os primeiros anos a escola era uma tortura para mim, ter que falar com pessoas desconhecidas e que me chamavam de “esquisita”, assim, quando terminei o ensino fundamental veio a “difícil” escolha. Na realidade que eu vivia teria a opção de cursar o ensino médio ou um curso técnico profissionalizante, equivalente ao ensino médio. Ocorre que para filhos de pobre o ensino profissionalizante era o mais recomendado pois te direcionaria para o mercado de trabalho. Assim fiz, com 16 anos entrei no ensino técnico normal (professora de ensino fundamental), entrei em uma sala com 30 donas de casa, algumas tinham a minha idade ou um pouco mais velhas. Mais um local de pessoas que não tinha possibilidades de interações. Tentei em outro curso, sem sucesso. Desisti na época depois de três tentativas, sendo esta a primeira versão que mencionei no início. Após algum tempo eu voltei com um pouco mais de maturidade e consegui cursar o tal ensino médio profissionalizante.

Quando surgiu o desejo pela docência eu me vi em pânico: como poderia eu, a pessoa mais introvertida e tímida que conhecia conseguir encarar uma sala de aula? Bom, demorou. Mas consegui me engajar nesta carreira. A “solução” encontrada? Me travestir em outra “persona” e encarei o personagem. Busquei no humor sarcástico um refúgio para encarar todos os desafios que se apresentavam, e assim ainda vivo até hoje. E sim, participo de festas e encontros sociais, mas prefiro os mais reservados e é normal dar minhas “fugidas” para repor as energias.

Outra coisa que muito ajudou foi o advento das redes sociais que para muitos é considerada um fator de separação de pessoas. Para mim, foi de grande relevância, pois poderia conversar com pessoas diferentes com os mesmos interesses que os meus sem me colocar tão presente fisicamente.

Quando nosso mundo foi atingido pelo maior drama do nosso tempo, a covid 19, e me informaram que eu teria que passar tempos em casa isolada, me senti estranha, o sentimento mais que conhecido para mim. Mas esta estranheza era diferente, obviamente sentia muito medo pelas pessoas e sentia muito por todas as mortes e perdas inimagináveis a que a humanidade estava passando, mas, no meu caso, eu não sofri por não poder ter interações sociais, pelo contrário, me sentia tranquila por poder ficar no meu “canto”.

Enfim, relatos pessoais são difíceis e por que escolhi esta parte para falar? Bom, sempre achei que era estranha e diferente. Hoje, entendi que esta é apenas uma parte de mim e é perfeitamente normal, então, para quem está lendo e acha que não é uma pessoa normal entenda que é sim, e não há a necessidade de encaixe em nenhum tipo de comportamento apenas tentar viver da melhor forma possível.

Referências:

FEIST, J., FEIST, G. J., ROBERT, T. Teorias da Personalidade. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Revisão Técnica: Maria Cecília de Vilhena Moraes, Odete de Godoy Pinheiro. 8 Ed. Porto Alegre, 2015

VIEIRA. M. B. Timidez e Expressividade Afetivo-emocional: Um Estudo Walloniano. (Dissertação de Mestrado) PUC-SP. 2017. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/19986/2/Mariana%20Batista%20Vieira.pdf . Acesso em: 09/04/2023

Compartilhe este conteúdo:

Narcisismo e a personalidade histriônica nas redes sociais

Compartilhe este conteúdo:

O imediatismo da internet é cada vez mais latente na sociedade, aquilo que era moda ontem, hoje já pode ser considerado cringe. Tendências mudam de direção tão rápido quanto os ventos do Oeste.

Por esta razão, tornou-se cada vez mais comum se deparar com vídeos e imagens extremamente chamativos que tem uma única finalidade, atrair para um indivíduo toda uma atenção midiática – seja positiva ou negativa (quem não se recorda da banheira de Nutella!?).

Falem mal ou falem bem, mas que falem de mim, tal frase se tornou comum, e até um mantra neste meio. Baseada na mitologia grega de Narciso, o Transtorno de Personalidade Narcisista carrega como característica a necessidade do indivíduo de preocupar-se e admirar sua imagem, buscando sempre atenção para afirmação daquela vaidade exacerbada.

Noutra banda, o Transtorno de Personalidade Histriônica completa o pilar do narcisista nas redes sociais. Nesta condição mental, o indivíduo utiliza seu corpo e suas características para ter atenção sobre si. Vestes extravagantes e chamativas ou com forte apelo sexual podem ser fortes indícios do histrionismo na vida de uma celebridade.

Fonte: Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Nada obstante, é perceptível que esse comportamento é, de certa forma, incentivado pelos fãs destas celebridades que são sedentos por mais e mais conteúdos e das mais diversas formas possíveis.

Porém, nem tudo são flores. No mundo virtual as pessoas tendem a elevar e destruir carreiras com forte engajamento. Se tornou comum os movimentos de cancelamento nas redes sociais de atores e atrizes que dão opiniões consideradas polêmicas ou que possuam um cunho pejorativo.

Este é o ponto que torna possível diferenciar o narcisista do TPH nas redes sociais. No momento de crise de imagem, o narcisista tenta, a todo custo, manipular seu público para que voltem a ter uma admiração por sua pessoa, mesmo que isso vá contra seus princípios e ideologias. Todavia, portadores da TPH mantém seus comportamentos perante a crise, muitas vezes estes ainda incitam a discórdia, aumentando ainda mais as discussões e debates sobre este.

Com isto, é possível inferir que a presença destas pessoas no universo midiático e famoso é massivo, principalmente em seguimentos da moda onde as tendências de vestimentas são determinadas.

REFERÊNCIAS

GOMES, Alice Chaves de Carvalho; PEDROSA, Raimundo Benone de Araújo, e; TEIXEIRA, Leônia Cavalcante. Nem ver, nem olhar: visualizar! Sobre a exibição dos adolescentes nas redes sociais. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica [online]. 2021, v. 24, n. 1 [Acessado 19 Agosto 2022], pp. 91-99. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1809-44142021001011>. Epub 19 Abr 2021. ISSN 1809-4414. https://doi.org/10.1590/1809-44142021001011.

Barbosa, Caroline Garpelli, Campos, Erico Bruno Viana e Neme, Carmen Maria Bueno. Narcisismo e desamparo: algumas considerações sobre as relações interpessoais na atualidade. Psicologia USP [online]. 2021, v. 32 [Acessado 19 Agosto 2022] , e190014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0103-6564e190014>. Epub 23 Ago 2021. ISSN 1678-5177. https://doi.org/10.1590/0103-6564e190014

Compartilhe este conteúdo:

A escuta na clínica psicanalítica

Compartilhe este conteúdo:

Freud observou que talvez exista um tipo de fala que seja precisamente valiosa, porque até o momento foi simplesmente proibida – isso significa, dita nas entrelinhas

Lacan (1974-1975, 8 de abril, 1975)

A escuta é parte primordial da clínica psicanalítica, porém é necessário compreender que trata-se de uma escuta que vai além do simples ouvir palavras proferidas pelos pacientes que procuram a análise. Sempre que pensamos em um campo analítico, nos vem a imagem de um bom ouvinte nos esperando para que possamos através da fala, elaborar questões que nos incomodam, ou que mesmo nem sabemos que nos incomodam, um mundo psicoterapêutico de descobertas.

Fink (2017), coloca que surpreendentemente ainda são encontrados poucos bons ouvintes na clínica psicanalítica, isso se deve principalmente à nossa tendência em ouvir tudo que se relaciona com nós mesmos. Geralmente quando nos é contada uma história, imediatamente nos reportamos a algo similar que vivemos ou que acessamos, por meio das nossas vivências, onde passamos a relacionar com a experiência de que está falando e dizemos coisas como “sei o que você quer dizer” ou “sinto sua dor”.

Dessa maneira a escuta habitual é altamente narcisista e egocêntrica, já que demonstramos uma forte inclinação em relacionar o conteúdo trazido pelo outro, com nós mesmos. Lacan (1901-1981), coloca que essa situação acessa a dimensão imaginária do analista, ou seja, quando o ouvinte se compara ou mensura o discurso do outro, no tipo de imagem que se reflete por meio desse discurso, nesse caso o analista fica preso a sua autoimagem e ouve apenas o que reflete nela.

Escutar dessa forma não permite ao analista que ele consiga ouvir o que o paciente transmite na sua fala, por meio dos atos falhos, algo que inicialmente não faz sentido, pois não reflete algo sobre ele mesmo, e portanto, ao ignorar não se aprofunda em algo que se manifesta de forma representativa e pode ser simbolizado na análise. O trabalho do analista no modo imaginário reduz ou mesmo anula a compreensão do conteúdo trazido pelo paciente (FINK, 2017).

O que portanto, o analista deve escutar? Freud (1912) recomenda que na primeira vez que vai se abordar um caso, o analista não se preocupe em presumir nada, mantendo então, sua atenção flutuante, pois somente assim será capaz de ouvir as associações livres do paciente, aquilo que se apresenta de novo, diferente do que é simplesmente dito, sendo algo considerado contrário ao que queremos ou esperamos ouvir.

Fonte: Pixabay

A escuta na clínica psicanalítica se inicia quando o analista não se preocupa em compreender rapidamente o que mostra o discurso do paciente, por que a aliança não vai se dá nessa tentativa, que pode ser falha, mas sim quando ouve o que não está sendo dito em palavras, aquilo que não foi entendido, mas que por meio delas se expressa. Segundo Lacan (1993) o discurso inter-humano é a demonstração do mal entendido e para tanto, deve se levar em conta para relação, o interesse apresentado pelo analista em escutar com atenção seu paciente, deixando que ele fale longamente, interrompendo apenas para trazer para a análise a lacuna entre o que foi transmitido e o que não foi, em palavras (FINK, 2017).

Freud ao introduzir a ideia da associação livre coloca que tudo que é apontado no discurso do paciente se torna igualmente importante e a escuta é da ordem do inconsciente, por isso trata-se de uma escuta criativa, na qual está implícita um tipo de atividade silenciosa de interpretação do que se expressa por meio de várias linguagens, sendo a atenção flutuante uma forma de associação livre do analista, tendo como ponto de partida as associações do seu paciente e não o que traz no seu inconsciente (ROUSSILLON, 2012).

Figueiredo (2014) ressalta que o psiquismo inconsciente encontra formas de expressar o sofrimento, que vão além das palavras e diz que ele trabalha como um poeta a procura de imagens, analogias, metáforas, que possam expressar a realidade de um conteúdo, que foi experimentado pelo sujeito, antes mesmo que houvesse a aquisição da linguagem, por isso a escuta analítica deve privilegiar a realidade psíquica e suas diversas formas de expressão.

A história contada pelo paciente se apresenta repleta de fragmentação, lacunas e buracos, que inicialmente pode não fazer sentido, pois ainda que exista a tentativa de expressar as vozes internas, o sofrimento se apresentará por meio de sintomas, inibições, angústias e atuações. O analista confia que o sujeito se engendra na análise por que deseja simbolizar e sua escuta deve se ocupar dos estratos psíquicos silenciados por condições traumáticas que o constituíram, bem como com o significante que faz surgir o sujeito da significação, para que o material apresentado inicialmente sem sentido, passe a ter pouco sentido, até se chegar a um sentido diferente (FINK, 2017). 

Escutar a mensagem invertida transmitida na análise, por meio da articulação dos significantes trazidos pelo paciente faz surgir o analista, sua ética, sua disposição peculiar, que orienta sua prática, abrindo espaço para a manifestação do inconsciente vivo, que produz efeitos no cotidiano do sujeito e se apresenta enquanto experiência emocional inscrita no psiquismo, mas que pode produzir em análise um valor simbólico.

Referências:

FIGUEIREDO, L.C. Escutas em análise: escutas poéticas. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 48, n.1, p. 123-137, 2014.

Fink, B. Fundamentos da técnica psicanalítica: uma abordagem lacaniana para praticantes; tradução de Carolina Luchetta, Beatriz Aratangy Berger. São Paulo: Blucher, Karnac, 2017

LACAN, J. Escritos. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.

MINERBO, Marion. Diálogos sobre a clínica psicanalítica. São Paulo: Blucher, 2016.

ROUSSILLON, R. As condições da exploração psicanalítica das problemáticas narcísico-identitárias. ALTER- Revista de Estudos Psicanalíticos, Brasília-DF, v. 30, n.1, p. 7-32, 2012.

Compartilhe este conteúdo:

Compêndio da Psicanálise: considerações sobre a obra não finalizada de Freud

Compartilhe este conteúdo:

O Compêndio da Psicanálise foi iniciado por Freud em 1938 e não finalizado devido a sua morte. A partir desses escritos, realizaremos considerações sobre os três primeiros capítulos do livro.

No primeiro capítulo, o Aparelho Psíquico, somos apresentados à uma introdução que faz menção à metapsicologia e à justificação do inconsciente, conteúdos presentes no livro Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916) que servem de embasamento para os estudos da personalidade sob uma perspectiva psicanalítica. O aparelho psíquico diz respeito ao id, ego e superego. A mais antiga dessas instâncias é o ego, aquele que serve como intermediário entre o id e superego, herdado e estabelecido desde nossa infância.

Em algum momento no desenvolvimento, essa instância se transforma e então se estabelece uma nova, o id, que é o mediador entre o ego e o mundo externo. Vale ressaltar que essa transformação se deu diante da recepção de estímulos e a proteção contra eles e aí reside umas das primeiras funções do id, que é a de autoconservação. Ele experimenta desprazer quando alguma tensão não é solucionada e prazer quando encontra evasão à essa tensão. Quando existe este desprazer, ele pode sinalizá-lo como medo motivado pelo perigo sentido na situação. Como características da autoconservação podemos citar a fuga, adaptação, armazenamento de experiências e a modificação do mundo exterior ao seu favor, o que vem a ser atividade.

encurtador.com.br/htDR4

Para a introdução do superego no aparelho psíquico, Freud se utiliza da teoria econômica de distribuição da energia psíquica. Durante o desenvolvimento na dependência dos pais, se cria no indivíduo uma nova instância em que “essa influência parental tem continuidade” (FREUD, 2015, p. 50). Por sua vez, ela diverge do id e lida com suas demandas, do ego e da realidade, conciliando essas forças. No superego estarão presentes os discursos da família, da cultura, da sociedade, educadores e seus substitutos. Assim como afirma Freud, existem influências do passado presentes no ego e no superego, que apesar de sua diferença elementar, compartilham, no ego: de algo herdado e no superego de um passado que lhe é introduzido pela família e os demais.

Em Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916) muito é falado sobre as pulsões do eu e do objeto, bem como a dinâmica dessas e seus deslocamentos. No segundo capítulo, a Teoria dos Impulsos, sintetiza essas duas pulsões como aquelas presentes em eros, que é a pulsão de vida, de criação, autoconservação e o seu contrário é a pulsão de morte, também conhecida como tânatos, que busca o estado inorgânico das coisas. À energia presente em eros, se dá o nome de libido, que cumpre o papel de neutralizar as tendências destrutivas existentes no id-ego e que podem ter destinos variados, como vimos no livro citado anteriormente, que poderá 1) fazer com que o afeto continue no todo ou em parte, 2) se transformar e tornar-se angustia ou 3) ser suprimido. Ainda sobre a libido, devemos ressaltar a sua mobilidade e fixação. Na primeira, existe uma função desejada do dinamismo da libido, em que passa de um objeto para o outro e na segunda um estado que pode perdurar por toda a vida e que leva à um empobrecimento psíquico.

encurtador.com.br/uDW69

No terceiro capítulo, o Desenvolvimento da Função Sexual, aponta-se que há quatro fases, a oral, anal, fálica e genital. Primeiramente, é falado sobre o escândalo que a psicanálise causou em sua época quando formulou que a sexualidade está presente desde a infância e influencia os indivíduos de forma pontual, mas procura esclarecer que a genitalidade é diferente de sexualidade e que na vida sexual o ganho de prazer existente num primeiro momento nada tem a ver com reprodução.

O primeiro órgão que faz solicitações libidinosas é a boca, que busca satisfação biológica e que aspira pelo ganho de prazer. Por esta razão, se faz sexual. Neste capítulo, Freud adentra na questão edípica de que na mulher falta o pênis e que o processo de finalização do édipo não se dá como no menino, pois ela se percebe sem o falo e vive uma frustração, se distanciando por algum tempo da vida sexual. Esta teoria teve contribuições posteriores e novas perspectivas através dos estudos psicodinâmicos.

As três primeiras fases não acontecem quando uma finaliza, mas se justapõem e uma se acrescenta à outra. A organização completa se dá na fase genital, em que alguns processos são finalizados com sucesso e outros são recalcados, salientando que nem sempre essa organização se dá de forma impecável. A construção desse pensamento finaliza-se na importância de estudar esses fenômenos pelo ponto de vista dinâmico e econômico e que a etiologia das perturbações deve ser estudadas no primeiro período de vida do indivíduo.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Compêndio da Psicanálise. Porto Alegre: L&PM, 2015.

FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Tradução de: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Compartilhe este conteúdo:

Teresa Amorim: as pessoas devem ser estimuladas a superar seus medos e responsabilizar-se pela vida

Compartilhe este conteúdo:

Uma das Gestalt-terapeutas mais conhecidas do Brasil fala ao (En)Cena sobre o panorama da abordagem na atualidade

A Gestalt-terapia é, atualmente, uma das terapêuticas mais usadas com base humanista e fenomenológica. Ainda assim, possui uma gênese centrada na psicanálise e nas filosofias orientais, no entanto, avança sobre estes sistemas de interpretação do mundo e foca nas potencialidades humanas, a partir do reconhecimento de que todo ser humano já dispõe de condições para gerir e curar-se a si próprio. Neste sentido, este conjunto de técnicas e teorias aponta para uma forma de estar no mundo, onde a dimensão do presente é valorizada e o passado só é requisitado na exata medida em que se busca conhecer um ponto de partida. Assim, os gestalt-terapeutas desestimulam veementemente que os clientes ‘façam morada no passado’.

Historicamente, os baluartes da Gestalt-terapia foram o psiquiatra Fritzs Perls, a psicóloga Laura Perls e o sociólogo Paul Goodman. Mais á frente, a abordagem passa a ser estruturada a partir de duas correntes, uma teórica/epistemológica – conduzida por Laura – e outra mais focada no desenvolvimento pessoal prático – a partir das contribuições de Fritzs Perls.

Atualmente a abordagem é uma referência mundial, com vários institutos presentes em cidades globais, além de ser alvo de um crescente interesse do meio acadêmico. No Brasil, um dos mais profícuos institutos de Gestalt-terapia fica no Rio de Janeiro – o Instituto Carioca de Gestalt-terapia – e é conduzido pela psicóloga Teresa Amorim, que tem mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela UFRJ (2011) e especialização em Filosofia Contemporânea pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2007).

Teresa Amorin, numa entrevista exclusiva para o EnCena, destaca o panorama da Gestalt-terapia no Brasil, além de abordar temas como o ‘self-falso’, o narcisismo, a Teoria Organísmica e a neurose, dentre outros temas. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.

(En)Cena – Hoje provavelmente a senhora é uma das psicólogas mais ativas na Gestalt-terapia, em todo o Brasil. Pelo seu olhar, a que se deve a crescente procura por esta abordagem?

Teresa Amorin – Possivelmente pelo fato de ser uma abordagem com uma linguagem simples, direta, onde a postura do terapeuta precisa ser ativa e acolhedora. Outra grande razão pode ser o fato de a Gestalt-Terapia estar a cada dia mais presente nas universidades e consequentemente com mais visibilidade.

(En)Cena – A Gestalt-terapia tem como uma de suas bases teóricas a Fenomenologia Existencial, com forte ênfase no fenômeno que se apresenta no momento presente. É possível associar as técnicas da Gestalt com o Mindifulness, por exemplo? De que forma?

Teresa Amorin – A Gestalt-Terapia tem como pressupostos filosóficos a Fenomenologia e o Existencialismo, além disso trabalha com o Método Fenomenológico, ou seja, está atenta aos fenômenos que se revelam na sessão terapêutica. Penso que a Gestalt-terapia possui uma variedade de experimentos que tem como objetivo colocar o cliente em contato com a sua questão existencial, que muitas vezes é evitada no processo de “falar sobre”. Nosso convite é para o cliente sair da evitação de contato e “falar com” sua gestalt aberta, por exemplo. A abordagem gestáltica trabalha sempre voltada para o aqui e agora e a conscientização do processo. Gostaria de registrar que não conheço bem a Mindifulness, mas acredito que a Gestalt-terapia não precisa dessa técnica pelo fato de já desenvolver a conscientização e concentração em todo o processo terapêutico.

(En)Cena – A sociedade atual, de acordo com muitos sociólogos, apresenta-se com fortes traços de narcisismo. De que forma esta demanda se manifesta na clínica, sob o prisma dos distúrbios de fronteira?

Teresa Amorin – A partir desse evento, podemos aqui sinalizar a questão do self-falso em nossa sociedade que eventualmente surge em nossos consultórios. Muitos desses sujeitos não gostam de frequentar o espaço terapêutico, provavelmente pelo receio de revelar a sua existência frágil. O processo psicoterapêutico desses clientes inclui um mergulho em si mesmo, e por certo, a deflação interna – um grande vazio infértil, em contraste com a inflação – a grandiosidade narcísica que tenta apresentar diante do mundo.

(En)Cena – A senhora faz um profícuo trabalho de divulgação da Psicologia tanto pela televisão quanto pelas redes sociais. Que conselho daria para estudantes e psicólogos que ainda têm resistência em utilizar a internet como aliada profissional?

Teresa Amorin – A internet, redes sociais, novas mídias são dispositivos tecnológicos disponíveis em nossa sociedade contemporânea e inegavelmente fazem parte de uma nova realidade de contato e comunicação. O atendimento online, a saber, faz parte dessa nova forma de contato e prestação de serviço. Precisamos ultrapassar e utilizar essas novas ferramentas.

(En)Cena – Qual a contribuição da Teoria Organísmica dentro da Gestalt-terapia?

Teresa Amorin – Pode-se dizer que a questão central da Teoria Organísmica é pensar que o sintoma do nosso cliente precisa ser visto como um todo, ou seja, o que afeta uma parte afeta todo o organismo do sujeito. Em outras palavras, o gestalt-terapeuta observa o cliente como um todo em seu processo terapêutico. O conceito de ‘autorregulação organísmica’ nos ajuda a compreender os mecanismos do nosso cliente para lidar com a sua vida e as dores emocionais.

(En)Cena – A patologia tem um sentido diferente dentro da Gestalt-terapia. Poderia falar mais sobre o tema?

Teresa Amorin – Dentro desta perspectiva, podemos afirmar que a Gestalt-terapia entende a patologia como um processo, nosso diagnóstico é processual, uma vez que entendemos que o sintoma patológico é uma autorregulação organísmica/ neurótica para lidar com o meio, muitas vezes ameaçador.

(En)Cena – É um erro considerar que a Gestalt-terapia não leva em conta o passado do sujeito. Mas, afinal, em que medida este passado é trabalhado no setting terapêutico? Há um limite para abordar o passado?

Teresa Amorin – Sim, é um erro. Talvez seja conveniente ressaltar que a Gestalt-terapia é uma abordagem que trabalha o passado do cliente no aqui e agora, entendemos que muitas vezes nosso cliente narra alguma ‘gestalt aberta’, e neste momento, ele está falando de alguma situação inacabada, um passado que se faz presente no aqui e agora. Podemos trabalhar de diversas formas, inclusive com experimentos que tem como objetivo auxiliar o cliente a entrar em contato com o ‘negócio inacabado’ e fechar a gestalt.

(En)Cena – Qual o impacto da neurose no âmbito da Gestalt-terapia?

Teresa Amorin – Mais especificamente podemos pensar que a neurose é uma evitação de contato, muitas vezes acompanhada de um comportamento fóbico, o sujeito evita o contato com a dor emocional. O que podemos observar é uma estagnação no desenvolvimento, e o sujeito aprende a manipular o ambiente para conseguir sobreviver. Um aspecto interessante da neurose é que basicamente ela se apresenta como um conflito entre a autorregulação organísmica (necessidades internas) versus a regulação externa (exigências da sociedade). Assim, para melhor entendê-la podemos afirmar que o neurótico não consegue perceber as suas necessidades, cria expectativas em relação aos outros, tem medo de arriscar e assumir responsabilidade pela sua existência.

Compartilhe este conteúdo:

O amor narcísico no contexto familiar

Compartilhe este conteúdo:

 

Nossa sociedade cresceu cognitivamente de tal forma, que diferentemente dos nossos ancestrais, a família passou de uma configuração para sobrevivência a instituição geradora de desejos.

 

Precisamos falar sobre família e, sobretudo, temos de reavaliar os títulos que damos as nossas instituições enraizadas. Somos a princípio ‘pequenos sapiens’ em extrema necessidade de cuidados básicos, e nosso primeiro contato social, é o olhar da mãe juntamente com as carícias e segurança do cenário materno; claro, nos casos em que esse indivíduo é desejado. E sobre as mãos dessas pessoas que nos prestam as boas vindas, somos como reais massinhas de modelar, já que de fato, somos novatos no mundo, e tudo que nos é mostrado durante a infância poderá influenciar diretamente nas próximas fases da vida.    

 

encurtador.com.br/kN789

 

Nossa sociedade cresceu cognitivamente de tal forma, que diferentemente dos nossos ancestrais, a família passou de uma configuração para sobrevivência a instituição geradora de desejos. E como massinhas que somos, moldando-se dia pós dia, nem sempre as mãos que nos lapida são as de nossos pais ou cuidadores, logo, todo o contexto nos influencia e por vezes nos tira da projeção que nos foi dada desde o concebimento.   

Quem somos, ou quem queriam que nós fôssemos, tal qual o desejo de nossas famílias, é um processo que se inicia antes mesmo do nascimento da criança, que carrega o sexo e ‘as caixas de gênero’, assim como outras necessidades completamente particulares, que muitas vezes refletem alguma frustração dos pais que os influenciará, nas áreas como a profissão, hobbies, educação, e seus desejos exacerbados de sucesso e uma inteligência acima da média. Um ser humano de fato idealizado.   

Não seria problema o desejo, se não houvesse por vezes uma pressão sobre essa criança que cresce em sua maioria sobre olhares e comandos que os apertam de todos os lados. Parte da infância e da leveza única desta etapa é cortada ou dividida em curtos tempos, para que o pequeno prodígio possa ser construído, saciando dessa forma, o sonho que esses pais desejaram um dia para si. Aquele velho arrependimento “se eu tivesse começado mais cedo, eu poderia ser o que eu sonhava” passa ser projetado nesse filho, logo, uma segunda chance daqueles que nos concebem surte, sobre uma negligência devastadora.  

 

http://twixar.me/CWs3

 

É comum que a obsessão pelo projeto mirabolante e falho chegue a um patamar pelo qual pais (ou cuidadores), entendendo que seus filhos não atingiram o grau de rendimento esperado, os levam aos psicólogos em busca que sejam indicados urgentemente a um psiquiatra, pois constata-se por si só que se tem Déficit de atenção ou TDH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), quando na verdade esses pequenos só estão distraídos observando o novo mundo que os cerca ou agitados em suas aventuras que são de fato cruciais para seu desenvolvimento. Mas a busca incessante da perfeição e a quebra das etapas desses indivíduos leva essas mães tomarem drásticas decisões, medicando sem que haja real necessidade, já que não se tem compreensão do mal que os fazem. 

 

http://twixar.me/qWs3

 

O espelho que os pais projetam sobre os filhos, notoriamente, boa parte das vezes não condiz com a imagem que lhes veste, logo inicia-se por consequência uma vida familiar com atritos sobre a personalidade do indivíduo que se criou sobre e longe de seus olhares. A contingência desproporcional ao almejado se mostra, a frustração e o estresse juntamente com as consequências psicológicas desses indivíduos que agora crescem por si só e desejam suas vidas com objetivos diferentes, chocam e quebram toda a expectativa planejada. É como se os pais tivessem aprendido a amar seus desejos, voltando-se para si, e por consequência usando a criança como objeto de amor, que se classifica como amor narcísico. 

Quando os filhos se mostram com traços vindo de seus próprios erros, herdados pela convivência e aprendizado, assim como a expressão da personalidade individual, esse amor se quebra, e o luto inicia-se, pois, a projeção morre e tudo que resta é frustração e atrito.   

 

http://twixar.me/kWs3

 

A saída para boa parte dos problemas vem da compreensão. Os pais que aqui existem também tem suas histórias de vida. Se analisássemos profundamente cada caso veríamos que há motivos pelos quais esses são como são. Há sempre algo a se desvendar e revelar dentro de nossas ações e relações com o outro, e parte delas se justifica ou se entende levando-se em conta a trajetória anterior do sujeito. Se olharmos de forma micro para qualquer indivíduo, dificilmente entenderemos suas motivações internas que se exterioriza em ação; a busca de reavaliar e compreender faz parte das interações bem-sucedidas.   

Pertence ao crescer, o rompimento dos laços de simbiose que se inicia na amamentação, assim como é do processo que as pessoas sejam únicas dentro de seus contextos e realidades. Ser adulto é entender que de fato, não seremos agradáveis a todo instante; é preciso seguir caminhos em busca de nós mesmos. Tal momento acontece de forma muito dolorosa quando os filhos se tornam objeto de desejo. O sentimento de fracasso e de desafeto acomete os adultos que se formam, pois não podem ser por toda uma vida um projeto, afinal, são pessoas, e têm o direito de viverem sua liberdade. 

É preciso quebrar o paradigma de que família é um laço saudável necessariamente, pois nem sempre essa é a realidade. Não é justo desejar que se tenha uma relação abusiva e que esse indivíduo ali se mantenha só porque há laços consanguíneos. Mais que dar a vida, é necessário que a família dê condições psicológicas para que eles tenham uma boa vida.  

 

http://twixar.me/fZs3

 

Os pais precisam urgentemente compreender que cedo ou tarde o cordão umbilical se desfaz, e tudo que restará são os alicerces que os deram durante a infância quando ainda eram um andaime. Se essa base não for bem formada e alimentada, dificilmente será possível dizer as frases clichês sobre a importância da família, pois serão nada mais que sombras ou lembranças negativas para seus filhos, cuja tendência é o afastamento, caso não haja a compreensão das falhas de seus pais por sua parte. 

Aqueles que alimentam seus filhos com seus melhores aprendizados, respeitam o seu espaço, e entendem suas fases, terão mais segurança e verão de perto seus filhos crescerem, não se sentirão tão amedrontados com seu afastamento pois tem em si a clareza que todos seus ensinamentos estarão gravados em suas memórias e os influenciarão por toda a vida; e caso precisem, esses filhos se sentirão gratos em retornar, e os titular de família.

 

Compartilhe este conteúdo:

Kim Kardashian e o perigo do narcisismo nas redes sociais

Compartilhe este conteúdo:

Especialista explica como isso se dá e por que ​pode ​ser uma armadilha para a pessoa.

Kim Kardashian é uma personalidade conhecida por ser uma narcisista assumida. A bela já declarou ter tirado mais de 6 mil selfies durante as viagens que fez. Além disso, já estrelou um comercial fazendo piada do próprio narcisismo e ensinou em vídeos na web como fazer a selfie perfeita.

Para o psicanalista João Nolasco, do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, Ciências Humanas e Sociais (IBRAPCHS), o narcisismo surge na mitologia grega onde um jovem chamado Narciso se destacava por sua beleza. Ele atraia o amor de muitas mulheres, porém sofria de um forte amor e admiração pelo próprio corpo, e com isso não conseguia aceitar o amor de ninguém. “Conta-se que um belo dia ao ver seu reflexo num lago ficou tão excitado com sua imagem que se lançou morrendo afogado. ”

Fonte: https://goo.gl/6p6s4U

– Narcisismo também pode ser definido como um conceito da psicanálise que define o indivíduo que admira exageradamente a sua própria imagem e nutri uma paixão excessiva por si mesmo.  Para Freud o tema é uma característica normal em todos os seres humanos e está relacionado com o desenvolvimento dos desejos”.

Para João, as redes sociais são as vitrines para a apresentação do “Eu idealizado”, ou seja, onde se tem a oportunidade de vender uma imagem para obter poder, glamour e amores. “Temos, hoje, um padrão de comunidade virtual onde o que adquire maior adicionamentos, curtidas e comentários torna-se celebridade”.

O psicanalista diz que pessoas como a Kim se consideram as melhores no que fazem, são vaidosas e gostam de ser aplaudidas e bajuladas. Ele diz que todo ser humano possui características narcísicas desde os primeiros meses de vida. “Mas é possível superar essa fase se a criança tiver um desenvolvimento sadio”.

– Caso contrário, poderá se tornar uma pessoa com a autoestima vulnerável, tornando-se muito sensível a críticas e a opiniões contrárias as suas – reflete.

No entanto, a exposição excessiva traz alguns perigos. Por exemplo, a socialite sofreu, em 2016, um assalto milionário em que virou refém de homens armados em Paris. Para Nolasco, as redes sociais muitas vezes se tornam uma espécie de diário que desperta a curiosidade dos outros.

– Não tem como ter o controle de onde as imagens podem chegar, tão pouco das interpretações e pensamentos de quem está visualizando. Esta exibição faz com que a pessoa fique à mercê de qualquer situação, principalmente a este tipo de risco como no caso dela – alerta.

Para se prevenir disso, o psicanalista destaca que a primeira a dica é não postar tudo o tempo todo, como por exemplo, o local onde está, onde trabalha ou o que está comprando. “Assim dificulta situações de risco como as vividas pela famosa”.

Fonte: https://goo.gl/6XtVLc

Segundo Nolasco existe cura para o narcisismo. Para isso, é necessário reconhecer a doença. “ É preciso aceitar e procurar ajuda com psicanalistas e/ou psiquiatras”, responde.

João alerta ainda que é importante ir em busca de uma estabilidade emocional. Para Nolasco, o melhor caminho é o gerenciamento das emoções. “Isso só possível quando nos dedicamos a reconhecer nossas limitações, sentimentos e emoções”.

Compartilhe este conteúdo: