A ansiedade é caracterizada como uma sensação desagradável, vaga, cheia de apreensão, medo do novo, tensão, preocupação, angustia que todos os seres humanos experimentam durante a vida em determinadas situações do dia a dia. Já era um fenômeno natural e com a Pandemia, tem agravado esses casos de ansiedade. Para explicar mais sobre esse assunto, entrevistamos a Psicóloga Samira Brito formada na PUC-GO.
(En)Cena – A pandemia pode ter resultado no aumento dos casos de ansiedade? As informações, mensagens e notícias sobre a COVID aumentam a ansiedade? Por quê?
Samira Brito – Sim. Tudo aquilo que foge do nosso controle tem probabilidade de nos assustar. Aquilo que é novo nos assusta. A incerteza assusta. Falar em pandemia é unir a falta de controle, com o novo e o incerto. Quanto mais informações temos, mais vemos o quanto estamos vulneráveis à doença. Não é fácil aceitar a vulnerabilidade.
Fonte: Arquivo Pessoal
(En)Cena – Como lidar com a ansiedade durante a pandemia?
Samira Brito – Entendendo que só podemos controlar o que depende de nós: nossos comportamentos e emoções. Aquilo que não depende cabe a nós aceitarmos e desenvolvermos habilidades de enfrentamento, como autoconhecimento, autocontrole, cuidados com a saúde física e imunológica, se concentrar no momento presente, foco no positivo e nas maneiras de resolver as dificuldades, menos foco nos problemas.
Para controle da ansiedade: aceitar que é só uma ansiedade, não é prejudicial e nem perigosa. Respiração calma e lenta, se conectar a tudo que gera prazer e satisfação (lista de atividades que geram prazer e satisfação), se conectar ao momento presente, questionar os pensamentos negativos (quais provas reais eu tenho de que isso vai acontecer comigo? Se já aconteceu uma vez, qual certeza eu tenho de que vai acontecer de novo?). Importante não lutar contra a ansiedade.
(En)Cena – A ansiedade afeta o sistema imunológico? A alimentação, atividade física e o sono influenciam na redução da ansiedade?
Samira Brito – Sim. De maneira MUITO significativa. Aumentam a sensação de prazer, bem-estar e foco no presente.
(En)Cena – Como identificar a ansiedade? O que acontece durante uma crise?
Samira Brito – Comece avaliando o seu corpo. O que está sentindo? Quais são os sintomas físicos? Está prejudicando alguma área da vida? Interfere no dia a dia? O que você sente é algo que te paralisa? Existe sensação de medo? Durante uma crise de ansiedade o corpo entra em estado de alerta, os músculos enrijecem, o coração dispara, sensação de que aquilo não vai passar. Vontade de fugir daquela situação ou daquele lugar, pensamentos desordenados e negativos.
(En)Cena – Como lidar ou como gerenciar a ansiedade nesse momento de pandemia?
Samira Brito – Aceite a ansiedade no seu corpo; se conecte ao presente; observe o que acontece à sua volta, fora do seu corpo; faça exercícios de respiração (quanto mais calma, melhor); desenvolva ao longo do dia ao mínimo 1 atividade prazerosa; se alimente bem e faça atividade física; tenha pequenas pausas durante o dia para relaxar; se possível, pratique mindfulness.
Fonte: encurtador.com.br/irNY8
(En)Cena – Como saber diferenciar a ansiedade normal da ansiedade patológica?
Samira Brito – Por ser uma emoção saudável e necessária para a nossa sobrevivência, todos nós temos ela escondidinha no nosso corpo. Enquanto nossas ações forem proporcionais às situações, ela é normal. A partir do momento que começam a surgir sintomas que venham a interferir na condução natural do dia a dia, pode ser um indício de que a ansiedade está aumentando. Falta de concentração, diminuição do rendimento pessoal e profissional, relações sociais e familiares prejudicadas, todos sintomas da ansiedade patológica.
(En)Cena – Com a flexibilização do isolamento, muitas pessoas estão enfrentando medo de sair de casa e sofrendo com sentimentos como ansiedade. Quais são as causas desse cenário?
Samira Brito – A falta prolongada de contatos físicos, do toque, dos encontros. Habilidades antes treinadas deixaram de existir. Muitos passaram a viver uma introspecção por obrigação, muitos de repente se viram sozinhos consigo mesmos e sentiram a dor emocional da solidão. O medo de adquirir a doença se tornou mais frequente.
(En)Cena – Quais orientações podemos seguir para reduzir a ansiedade?
Samira Brito – Aceite a ansiedade no seu corpo; se conecte ao presente; observe o que acontece à sua volta, fora do seu corpo; faça exercícios de respiração (quanto mais calma, melhor); desenvolva ao longo do dia ao mínimo 1 atividade prazerosa; se alimente bem e faça atividade física; tenha pequenas pausas durante o dia para relaxar; se possível, pratique mindfulness.
(En)Cena – Como lidar com a ansiedade no luto vivido quando se perde alguém próximo para a COVID?
Samira Brito – Se permitir viver as 5 fases do luto: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Entender que cada um tem sua maneira individual de passar pelo luto e respeitar a SUA maneira de lidar com a dor.
Fonte: encurtador.com.br/CIZ59
(En)Cena – Quando devo procurar um profissional para tratar da ansiedade?
Samira Brito – Se perceber os sintomas surgindo e você não sabe como lidar com eles, mesmo que não chegue a interferir no dia a dia já é importante buscar ajuda.
(En)Cena – Quais técnicas posso utilizar para acalmar uma pessoa que esteja em crise?
Samira Brito – Ensinar a respirar calma e suavemente, ajudar a mudar o foco do que sente no momento para o mundo exterior, observando tudo o que acontece ao seu redor. Aqui, é possível pedir à pessoa que descreva por exemplo tudo o que está vendo, puxar um assunto totalmente aleatório e que seja do entendimento desse indivíduo. Vale oferecer algum alimento que possa aumentar a sensação de bem-estar no corpo ou escutar uma música agradável.
(En)Cena – Quais os impactos no comportamento ou sintomas físicos que a ansiedade pode causar?
Samira Brito – Sensação de morte, sensação de estar paralisado, ao mesmo tempo, agitação interna e motora.
(En)Cena – A pandemia pode agravar os quadros de quem já tem ansiedade patológica?
Samira Brito – Sim. Se já existe o quadro ansioso no indivíduo, aumenta a probabilidade de intensificarem os sintomas, mesmo se estiver em tratamento. Isso porque o ansioso cria expectativas, geralmente negativas.
(En)Cena – Quais os sintomas físicos que a ansiedade pode causar?
Samira Brito – Taquicardia, falta de ar, sudorese, sensação de cansaço, tremores no corpo, tensão muscular, perda ou aumento de peso, náusea.
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Garota Interrompida: transtornos da personalidade antissocial e borderline
As particularidades e manifestações de ambos os transtornos vivenciados pelas duas jovens emergem no convívio dentro do manicômio, gerando atritos em relacionamentos e dificuldades interpessoais.
O filme “Girl, Interrupted”, “Garota, Interrompida”, em português, dirigido por James Mangold e lançado em 1999, narra a trajetória de Susanna Kaysen, uma jovem de 18 anos em conflito existencial e posteriormente diagnosticada com transtorno de personalidade limitante (atualmente, mais conhecido como transtorno limítrofe ou borderline). Após tentar suicídio, durante uma conversa com seu psiquiatra, Susanna assina seu protocolo de internação e passa meses sob cuidados profissionais em uma instituição manicomial.
No local, conhece várias outras mulheres que também tiveram o curso de suas vidas interrompido por um transtorno, entre elas Lisa, uma jovem diagnosticada como sociopata. Oscilando entre momentos de extrema angústia e satisfação, Susanna constrói vínculos no lugar e vive as dificuldades de seu transtorno, além de se envolver em diversas situações conflituosas durante seu tempo de internação.
Focado na percepção da jovem em relação ao mundo, o filme aborda as peculiaridades de uma personalidade afetada por um transtorno, as dificuldades e especificidades das relações interpessoais do sujeito diagnosticado e também traz reflexões sobre os tratamentos manicomiais e psiquiátricos, conforme o contexto histórico da trama, que se passa nos anos 60, perpassando o conceito de loucura vigente na época e ainda hoje reforçado.
Susanna, interpretada pela atriz Winona Ryder, tem 18 anos e mora com seus pais. Contando apenas com o seu diário para externalizar seus pensamentos e emoções, a jovem, no auge de seus conflitos internos, desconhecendo as motivações de suas tristezas e inquietações, tenta suicídio ingerindo diversas pílulas. O incidente a leva a consultar um psiquiatra, que propõe a ela que tire um tempo de sua vida para descansar afastada do convívio social dentro de uma casa de repouso, ou seja, em uma instituição psiquiátrica. Alencar, Rolim e Leite (2013), numa revisão histórica sobre o conceito de loucura, falam sobre as primeiras práticas asilares pensadas para tratar o que viria a ser chamado de transtorno ou disfunção mental, logo durante o surgimento da psiquiatria (alienismo) no século XVIII.
Fonte: encurtador.com.br/rtBGT
É exposto pelas autoras que, com o advento dessa área, o conceito de loucura/doença mental sofreu várias alterações. Entre elas, trazendo uma contribuição positiva, pode-se ressaltar o distanciamento entre a instância psíquica e questões espirituais, algo defendido pela sociedade como um todo. Explicações metafísicas sobre a doença mental foram sendo substituídas por estudos científicos, e o fenômeno passou a ser visto como uma condição médica passível de cura. Entretanto, de acordo com Júnior e Medeiros (2007), muitos teóricos de saúde mental alegam que as contribuições da psiquiatria para o entendimento dos transtornos mentais são reducionistas e biologicistas, colaborando para, muitas vezes, intensificar no indivíduo o que é chamado pela sociedade de loucura.
Os autores afirmam que esse conceito, analisado pelas lentes dos estudos em psicologia e saúde mental, é mais abrangente e engloba uma série de condicionantes sociais e culturais, indo além de explicações meramente orgânicas. A estigmatização social imposta ao indivíduo considerado louco, para essas abordagens teóricas, constitui a própria condição mantenedora do transtorno, que é carregado de rótulos e estigmas legitimados pela prática da psiquiatria (JÚNIOR e MEDEIROS, 2007). Apesar das concepções acerca do conceito de loucura e doença mental terem sofrido alterações durante os séculos e as discussões e práticas direcionadas a cura de pacientes psiquiátricos terem ganhado força, o modelo de internação, ao longo da história, assumiu como principal finalidade retirar do convívio social o indivíduo considerado louco, não chegando, muitas vezes, a adotar uma perspectiva terapêutica propriamente dita. Essa dinâmica foi sendo modificada com o tempo, mas a segregação social promovida pelos manicômios e asilos continuou constituindo um pré-requisito para o tratamento da loucura, conforme exposto na trama.
O psiquiatra de Susanna adota esse modelo de tratamento, trazendo atrelado a ele uma série de problemas que serão observados ao longo da trama, no que se refere ao modo como o transtorno mental é concebido dentro da instituição e como as práticas terapêuticas são conduzidas e aplicadas. Como uma dessas problemáticas, pode-se citar o fato da própria jovem desconhecer seu diagnóstico, somente entrando em contato com ele na metade do filme, quando ela e as outras garotas invadem a sala do psiquiatra e leem as pastas referentes ao caso de cada uma. Susanna passa meses de sua internação sendo submetida aos tratamentos de rotina sem de fato entender os motivos de estar tomando os remédios e estar frequentando as sessões, assim como o resto das pacientes.
As práticas dentro do manicômio da trama tornam-se, assim, mecânicas e vazias de sentido, privilegiando um modelo de assistência pautado na hegemonia e superioridade do profissional de saúde, que detém todo o conhecimento sobre a condição dos pacientes e segura em suas mãos o destino dessas pessoas. As garotas do filme, dessa forma, mostram-se totalmente alienadas quanto às suas condições de saúde, e possuem pouco ou nenhum controle do processo terapêutico que estão vivenciando. O engajamento nas atividades propostas pelos profissionais do local é incentivado e até mesmo exigido, entretanto, mesmo quando esse engajamento existe, as pacientes contribuem com o processo tendo em mente uma possibilidade de sair do local e serem curadas de uma condição que nem mesmo as próprias entendem ou conhecem.
Fonte: encurtador.com.br/iuyLX
Apesar dos inúmeros aspectos negativos inerentes às próprias práticas manicomiais presentes no filme, é preciso levar em consideração o contexto histórico em que se passa a trama. As discussões a respeito de saúde mental, nos anos 60, ainda eram frágeis e muito pautadas no discurso biologicista, e as contribuições da psiquiatria ajudavam, como já discutido anteriormente, a legitimar práticas desumanas. É possível também, olhando por outra perspectiva, observar vários pontos positivos no que tange ao manejo e cuidado das pacientes durante o filme.
Como uma prática que foge aos modelos de internação em que as pessoas são isoladas da sociedade, durante o filme, pode-se citar uma atividade promovida pela enfermeira Valerie, em que as pacientes saem do encarceramento e vivem uma espécie de dia de lazer fora das dependências do manicômio. Apesar de em alguns pontos perderem a sensibilidade com as mulheres, a maioria dos funcionários do local são colaborativos e desenvolvem afetividade pelas pacientes, como é o caso de Valerie, que, em várias cenas do filme, demonstra um enorme carinho tanto por Susanna quanto pelas outras garotas, até mesmo pelas consideradas mais problemáticas, como Lisa.
A partir dessas considerações, pensando também no contexto histórico e social do que é considerado loucura e como essa condição tem sido tratada ao longo dos séculos, podem ser tecidas algumas discussões a respeito dos transtornos de Susanna e Lisa.
Reflexões sobre saúde mental
Susanna e Lisa, vivida por Angelina Jolie, são as personagens principais do filme, ambas diagnosticadas com transtornos de personalidade distintos. Numa das primeiras aparições de Lisa no filme, ela é apresentada como sociopata, uma das categorizações dentro do chamado transtorno de personalidade antissocial. Já Susanna, alheia às motivações de seus sentimentos e comportamentos, só descobre seu diagnóstico quando acessa a sua pasta no consultório psiquiátrico.
Fonte: encurtador.com.br/adrtA
As particularidades e manifestações de ambos os transtornos vivenciados pelas duas jovens emergem no convívio dentro do manicômio, gerando atritos em relacionamentos e dificuldades interpessoais. Retomando as discussões anteriores, é possível afirmar, principalmente no caso de Susanna, que tanto a maneira como seus pais, a sociedade e os profissionais do manicômio encaram o seu transtorno é rotuladora, visto que seus conflitos poderiam ser abordados de outra maneira que não através da internação psiquiátrica.
O estigma de “louca” recai sobre a personagem como um peso, agravando, pode-se inferir, sua condição. Para entender o funcionamento das duas personagens no mundo e o modo como ambas interagem com este, com as pessoas e consigo mesmas, faz-se necessário tecer algumas reflexões a respeito dos dois transtornos e seus respectivos contextos históricos.
Atualmente, tanto o transtorno de personalidade borderline como o antissocial estão presentes no DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), encaixados na categoria dos transtornos de personalidade. Entretanto, as concepções e nomenclaturas a respeito dos transtornos psicológicos nem sempre foram bem definidas como na última década. O diagnóstico de borderline, por exemplo, foi estruturado apenas em 1980, na publicação do DSM-III (DALGALARRONDO & VILELA, 1999). A utilização do termo borderline pela primeira vez se deu em uma publicação de um autor chamado Stern, em 1938.
O transtorno era tido como uma espécie de esquizofrenia latente, onde haveria uma flutuação entre o estado de psicose e neurose. A categorização desse conjunto de sintomas como borderline se deu, definitivamente, pelos estudos de Robert Knight, em 1953, o que permitiu o surgimento das primeiras classificações desse transtorno nas edições do DSM e sua consequente desvinculação com a esquizofrenia, sendo tratado como um transtorno de personalidade (DALGALARRONDO & VILELA, 1999). A edição mais recente do DSM cita como uma das características próprias do transtorno de personalidade borderline a instabilidade nas relações, na autoimagem e uma impulsividade acentuada.
Fonte: encurtador.com.br/koqAL
Essas características são observadas no comportamento de Susanna ao longo do filme, principalmente durante suas explosões de raiva ou angústia movidas por impulsos. Como um exemplo da sua instabilidade nas relações, é possível citar seus padrões de relacionamentos amorosos, que são de curto prazo e desprovidos de apego emocional significativo. A impulsividade da jovem se manifesta em seus comportamentos autodestrutivos, como a tentativa de suicídio, que, inclusive, configura como um critério para o diagnóstico do transtorno, conforme o DSM-V. Também há prevalência de instabilidade no humor, o que é observado durante as explosões de raiva, tristeza e euforia da personagem.
Apesar de todas essas características, que certamente reúnem dados o bastante para ser firmado um diagnóstico, o próprio DSM-V alega que há um contexto cultural influente sobre indivíduos diagnosticados com borderline (principalmente adolescentes e adultos jovens), onde existe a presença de atitudes e vivências inerentes a questões existenciais experienciadas por esses indivíduos que são percebidas como possíveis sintomas de um transtorno, e assim patologizadas e tratadas. Como discutido anteriormente, no contexto histórico da trama, os conflitos e questões de ordem psicológica, ainda mais do que atualmente, eram diagnosticados e trabalhados a partir de um viés estigmatizador, reforçando a perspectiva manicomial, farmacológica e psiquiátrica, sem considerar a subjetividade do sujeito no processo.
Abrangendo esses fatores, pode-se então levantar a hipótese de que Susanna foi inserida nessa dinâmica, sendo rotulada e tratada como uma paciente psiquiátrica, ainda que não se encaixasse nessa classificação. Carneiro (2004) aponta para alguns problemas referentes a práticas que promovem o isolamento de pessoas com uma possível sintomatologia e diagnóstico de borderline, visto que o encarceramento de pessoas nessa condição pode reforçar crenças e pensamentos autodestrutivos além de problemas com a autoimagem, aproximando-as do “limite da loucura”. A autora classifica o transtorno como um estado transitório entre a loucura e a razão, sendo assim, tais práticas levariam o paciente a apresentar com mais frequências os sintomas (CARNEIRO, 2004). Isso é observado durante os primeiros momentos de Susanna na instituição, mas, com seus próprios esforços e com o apoio de colegas e funcionários, a jovem consegue reverter o contexto de seu transtorno e sair do isolamento manicomial, no final do filme.
Por outro lado, como antagonista da trama, há Lisa, uma jovem diagnosticada como sociopata. Susanna, antes mesmo de conhecê-la, descobre sobre sua enorme influência dentro da instituição, entrando em contato com o fato de que até mesmo uma ex-paciente do local havia cometido suicídio devido a ausência de Lisa (que, como fez anteriormente e continuou fazendo ao longo do filme, havia fugido da instituição). Conforme Hodara, a sociopatia é um dos vários desvios de personalidade incluídos dentro da classificação de Transtorno de Personalidade Antissocial. Como uma das características desse transtorno, pode-se citar o desprezo pelo sentimento dos outros (redução ou ausência de empatia) e por regras e normas da sociedade. (HODARA). O DSM-V aponta ainda, como um critério próprio do transtorno, a recorrência de episódios em que a agressividade é manifestada fisicamente e/ou verbalmente.
Fonte: encurtador.com.br/iwPY0
Lisa, durante todo o filme, demonstra o seu descaso para com todas as pessoas de seu convívio, sejam elas suas colegas da instituição ou os funcionários. Em uma das cenas mais fortes do filme, a personagem chega a servir de gatilho para que uma jovem, ex-paciente da instituição, cometa suicídio em sua própria casa, após desmoralizá-la verbalmente. O acontecimento se deu quando a personagem fugiu do manicômio e se hospedou na casa da jovem, levando com ela Susanna.
Sua reação ao suicídio da garota foi de total indiferença, enquanto Susanna se desestabilizava e chorava diante da cena. Em várias outras ocasiões, a personagem agiu com extrema crueldade e frieza ao tratar-se com os outros. Não só agressiva no sentido verbal, Lisa também mostrou ser capaz de usar da agressividade física, como quando os funcionários a trouxeram de volta para a instituição após uma de suas fugas. Os autores Pereira e Biasus ressaltam que, apesar dos aspectos de sociopatia e psicopatia estarem sob o prisma dos Transtornos de Personalidade Antissocial, nem todos os indivíduos diagnosticados com Transtorno de Personalidade Antissocial são necessariamente psicopatas ou sociopatas.
O que determina essa diferenciação, ainda de acordo com os autores, é a capacidade de controlar ou não os impulsos para a agressividade e hostilidade. Diagnosticada como sociopata, Lisa apresenta, como já discutido, uma grande tendência a manifestar em seus comportamentos traços das características citadas, sendo, de fato, relacionada às condutas referentes à psicopatia e sociopatia. Entretanto, uma das características mais marcantes da personagem, e também algo bastante manifestado em seu comportamento, citada também como uma das características próprias de indivíduos diagnosticados com TPAS, é sua capacidade de manipulação. Visando os próprios interesses, Lisa com frequência influencia as colegas de convívio a fazerem o que ela deseja. Até mesmo Susanna acaba sendo vítima dessa manipulação quando decide fugir da instituição junto da personagem. Em outra situação, quase no final do filme, Susanna recebe alta.
A informação chega a Lisa, que, buscando um meio de manter a colega no local provocando nela uma crise, expõe o diário da jovem às outras mulheres do local, cheio de desabafos e ofensas direcionadas às pacientes. Várias das mulheres, guiadas por Lisa, se juntam para intimidar Susanna. A personagem chega a se sentir mal e fica perto de ter uma crise, mas consegue devolver para Lisa todo o ódio destilado por ela. Assim, pela primeira vez, a antagonista sente na pele o peso das ofensas e humilhações, entrando em crise ao invés de Susanna. A cena revela um lado sensível da personagem, mantido em segredo atrás de muros de hostilidade construídos com o intuito de protegê-la do mundo (ou de si mesma). Nessa situação específica, Lisa utiliza seu poder de manipulação para um propósito bem mais abrangente do que apenas humilhar a colega. A intenção da personagem, pode-se afirmar, era manter Susanna na instituição, visto que a jovem havia construído com ela um vínculo, ainda que abusivo e mantido por relações de poder.
Fonte: encurtador.com.br/uyDNS
Conclusão
“Garota, Interrompida” passa longe de ser um filme em que os transtornos mentais são estereotipados e banalizados. Apesar de nem todos os distúrbios apresentados pelas várias personagens serem trabalhados a fundo, há no filme um grande foco nas relações interpessoais desenvolvidas por indivíduos diagnosticados com um transtorno, principalmente os que se enquadram na categoria de desvio de personalidade.
Algo observado na trama, bastante pertinente para futuras discussões a respeito das psicopatologias, é a subjetividade dos sujeitos implicada em seus respectivos adoecimentos. Um exemplo disso se expressa por Lisa, que, apesar de ser diagnosticada com um transtorno cujas características são a falta de empatia e sensibilidade, consegue construir um vínculo interpessoal, ainda que frágil e sabotado, além de demonstrar momentos de vulnerabilidade emocional.
Susanna, apesar de sua condição existencial limitante, consegue reverter muitos de seus impasses e se direciona à autorrealização. A mensagem final, e talvez a mais importante, consiste em olhar para o indivíduo não como um depósito de sintomas e rótulos psicopatológicos, mas como um sujeito além de estereótipos, dotado de uma subjetividade capaz de proporcionar mudanças. Para que esse entendimento de ser humano seja alcançado, ainda é necessário um longo e árduo trabalho de conscientização, lutando contra os conceitos generalizantes de loucura e normalidade e as perspectivas manicomiais de internação. É um caminho a ser trilhado e um desafio a ser abraçado pelos profissionais de saúde mental e pela sociedade como um todo.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
GAROTA INTERROMPIDA
Título original: Girl, Interrupted Direção: James Mangold Elenco: Winona Ryder, Elisabeth Moss, Angelina Jolie País: EUA, Alemanha Ano: 2000 Gênero: Drama,Biografia
Referências
ALENCAR, A.V. ROLIM, S.A.; LEITE, P.N.B. A história da loucura. Revista de Psicologia, novembro de 2013, vol.1, n.21, p. 15-24. ISSN 1981-1189.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition. Arlinton, VA: American Psychiatric Association.
CARNEIRO, Lígia. Borderline – no limite entre a loucura e a razão. Ciências & Cognição, 2004; Vol 03: 66-68.
DALGALARRONDO, Paulo; VILELA, Wolgrand. Transtorno borderline:história e atualidade. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., II, 2, 52-71, 1999.
HODARA, Ricardo. Sociopatia.
JÚNIOR, Francisco; MEDEIROS, Marcelo. Alguns conceitos de loucura entre a psiquiatria e a saúde mental: diálogos entre os opostos? Psicologia USP, 2007, 18(1), 57-82.
PEREIRA, Lucas; BIASUS, Felipe. Transtorno de personalidade antissocial: um estudo do estado da arte.
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‘O Silêncio dos Inocentes’ e as relações humanas sob uma perspectiva fenomenológica-existencial
O filme aborda aspectos como os traços psicóticos da personalidade de serial killer, o reflexo dos traumas de infância no desenvolvimento e suas consequências na vida adulta
Considerado um clássico do terror psicológico, ‘O Silêncio dos Inocentes’, lançado no início dos anos 90, apresenta uma narrativa extremamente cativante, capaz de prender o espectador com maestria durante duas horas de filme. A história, permeada de suspense, se desenrola e ganha intensidade a cada minuto até atingir seu clímax. Vencedor de cinco prêmios Oscar em 1992, a obra é, sem dúvidas, um dos grandes marcos e uma das maiores contribuições do diretor Jonathan Demme para o cinema.
Muito além de apenas uma narrativa de suspense e terror, “O Silêncio dos Inocentes” convida o espectador a refletir sobre a natureza humana e suas infinitas peculiaridades, apresentando personagens com perfis psicológicos complexos e bem trabalhados. Acompanhamos a dura trajetória de Clarice Starling, a tímida, mas forte e determinada detetive do FBI, durante o desenrolar do caso Buffalo Bill. Seus encontros com o psiquiatra e temido assassino em série Hannibal Lecter não só a tocam profundamente como contribuem para o próprio processo de investigação criminal.
Fonte: https://bit.ly/2XYcDij
Esses encontros desempenham um papel importante na trama e formam uma peça chave para entender como se dá na prática a relação fenomenológica entre dois sujeitos totalmente inversos em valores e vivências. O encontro entre a doçura e determinação da jovem Clarice e a postura intimidadora do sagaz e analítico Hannibal Lecter é o eixo narrativo que deverá pautar a discussão ao longo do texto, de modo a tecer considerações a respeito da fenomenologia existencial como base filosófica para compreender as relações humanas.
Resumo do Filme
Clarice Starling é uma estagiária do FBI que é designada para desempenhar um grande papel nas investigações do caso Buffalo Bill, um serial killer de mulheres cujas motivações seguem desconhecidas pelas autoridades. Como parte da investigação, ela é também a estagiária escolhida por seu superior para exercer uma tarefa um tanto quanto assustadora: visitar o terrível assassino Hannibal Lecter em sua cela, de modo a obter informações a respeito do caso. Na sua primeira visita, Clarice é intimidada e confrontada pelo psiquiatra, que chega a provocá-la com comentários irônicos e ofensivos, mas a jovem detetive consegue manter sua postura e conduzir a investigação sem demonstrar estar se sentindo atacada.
O diálogo entre os dois segue permeado por uma atmosfera de tensão, e Hannibal cada vez mais demonstra interesse pelas particularidades da personalidade da jovem detetive. A expectativa quanto ao interesse de Lecter em ajudar nas investigações era baixa, mas ele decide colaborar a seu próprio modo: utilizando-se de enigmas, anagramas, pistas e jogos mentais, envolvendo Clarice em sua teia de manipulação. Dessa forma, ele rejeita o questionário investigativo proposto pela detetive e faz sua primeira jogada, dando a ela a primeira pista sobre o caso, escondida atrás de um anagrama.
Seguindo as orientações e pistas de Hannibal, Clarice chega a uma garagem e encontra o cadáver de um homem, tendo o primeiro êxito na investigação. Sua segunda visita à cela do psiquiatra é ainda mais reveladora, e o vínculo entre os dois começa a se desenvolver com mais propriedade. A vítima encontrada na garagem era conhecida por Hannibal, mas não havia sido assassinada por ele, mas sim pelo próprio Buffalo Bill, que já havia tido um laço amoroso com o homem. Enquanto isso, o serial killer segue atrás de vítimas. Ele consegue enganar e sequestrar a filha de uma importante senadora, o que moverá ainda mais as autoridades posteriormente na trama.
Fonte: https://bit.ly/2Cn02vM
Trazendo mais pistas para o caso, um dos corpos das cinco vítimas do assassino é encontrado. Durante a necrópsia, é identificado na boca da mulher um objeto um tanto quanto incomum: uma pupa de mariposa. Esse item torna-se um dos padrões observados em cada vítima, além do fato de serem mulheres de corpos grandes e de terem tido suas peles retiradas.
Quando o sequestro da filha da senadora torna-se de conhecimento público e surgem os primeiros indícios de que ela teria sido mais uma vítima de Buffalo Bill, as investigações ganham mais intensidade. Em uma das cenas mais memoráveis do filme, Hannibal concorda em ajudar Clarice com mais pistas, sob uma condição: que ela exponha o mais íntimo de sua alma a ele. Inicialmente hesitante, a jovem detetive acaba por revelar uma importante parte da sua história a Lecter, contando sobre sua difícil infância. Órfã de pai aos dez anos, Clarice foi morar na fazenda de seu tio, mas uma situação fez com que ela fosse encaminhada para um orfanato: uma criação de ovelhas estava sendo mantida em cárcere para que tivessem suas peles posteriormente retiradas. Os gritos dos animais levaram a jovem Starling a tentar resgatar uma das ovelhas, mas, infelizmente, ela foi encontrada com o animal após fugir dos limites da fazenda. Hannibal, fascinado com a história, faz um paralelo entre a situação e o comportamento atual da detetive, que se vê obrigada a ajudar as jovens sequestradas pelo serial killer. O encantamento do psiquiatra com Clarice torna-se ainda mais evidente, e o vínculo entre os dois ganha mais força.
Em outra visita a cela de Hannibal, a jovem propõe outro acordo a ele: caso seus esforços para colaborar com a investigação e o resgate da filha da senadora sejam frutíferos, ele será presenteado com regalias especiais, como poder passar momentos numa ilha sob escolta policial. É organizado um encontro entre ele e a senadora, e mais informações são passadas. Ainda não convencida das intenções do psiquiatra, Clarice o visita uma última vez e tenta retirar dele a verdade sobre a identidade do serial killer, mas seu tempo com ele acaba e ela é retirada à força do local. Numa cena envolvida em tensão, dois policiais visitam a cela do psiquiatra para trazer comida, e ele consegue traçar uma estratégia de fuga, matando ambos e retirando a pele do rosto de um deles, para logo após trocar de roupa com ele, de modo a enganar as autoridades e a ambulância. É encontrado no teto do elevador um corpo com as roupas de Hannibal, mas é revelado que, na verdade, se tratava do corpo de um dos policiais. Dessa forma, o possível sobrevivente levado na ambulância era o próprio Hannibal, disfarçado com roupas de policial e com o rosto retirado da vítima. Com essa estratégia, Dr. Lecter consegue mais uma vez enganar as autoridades e fugir.
Fonte: https://bit.ly/2Favuz7
Enquanto isso, a jovem filha da senadora é atormentada por seu sequestrador, que a mantém presa dentro de um buraco. O serial killer, excessivamente maquiado e vestido com roupas femininas, faz uma grande pressão psicológica na vítima. Nas cenas que mostram seu esconderijo, entramos em contato com o fato de que Buffalo Bill é, na verdade, um transexual, ou que ao menos se enxerga dessa forma, e que o sequestro e assassinato das mulheres sempre teve como propósito usar suas peles para finalidades estéticas, de modo que ele conseguisse se sentir na “pele” de uma mulher. As pupas de mariposa, cuidadosamente alojadas na boca das vítimas, simbolizavam a transformação desejada pelo assassino e concretizada com a retirada das peles das vítimas.
As pistas dadas por Hannibal levam as autoridades a um caminho, mas Clarice, seguindo a sua intuição, decide continuar a investigação por si mesma. Ela visita a casa da primeira vítima do serial killer e descobre mais informações relevantes para o caso, inclusive o fato dele estar usando as peles para fazer suas próprias roupas. Reunindo pistas e informações, a detetive chega a casa do assassino, enquanto o FBI segue as orientações dadas por Hannibal e chega a outra casa. Clarice, sem ter ideia disso, conversa com o próprio Buffalo Bill buscando por mais informações, e só tem a certeza de que o homem em sua frente é o assassino que ela procura quando enxerga ao fundo uma mariposa exótica voando – a mesma espécie cujas pupas eram colocadas na garganta das vítimas. Inicia-se então o que pode ser classificado como o ápice do filme: a detetive persegue o homem dentro de sua própria casa e encontra a filha da senadora dentro do buraco.
Em um dado momento, as luzes são desligadas e somos levados a crer que o serial killer conseguirá matar Clarice, mas a jovem, com sorte, consegue mirar e atirar nele, encerrando de vez o caso e, finalmente, “silenciando as ovelhas”. Clarice consegue muito prestígio e reconhecimento pelo FBI e pela sociedade, e, no final do filme, Hannibal lhe faz uma ligação, parabenizando-a pelo seu sucesso, deixando evidente sua admiração e carinho pela jovem detetive.
Fonte: https://bit.ly/2TC2nxv
Análise
‘O Silêncio dos Inocentes’ é, sem dúvidas, um prato cheio para o estudo da psicologia. Repleto de nuances que trabalham a complexidade da psique humana, o filme aborda aspectos como os traços psicóticos da personalidade de serial killer, o reflexo dos traumas de infância no desenvolvimento e suas consequências na vida adulta, e questões para além do campo psicológico, como o machismo no ambiente de trabalho. Indo ainda mais além do que já foi citado, há presente no filme algo ainda mais delicado e complexo de se debruçar sobre: a relação entre Hannibal e Clarice.
O primeiro contato entre a detetive e o psiquiatra dá-se quando ainda há um grande distanciamento entre os dois, expresso não só pela cela que separa Hannibal da jovem, como também pela própria história, personalidade e universo de ambos. Os encontros, para Clarice, possuíam um único e claro objetivo: colher informações sobre o caso Buffalo Bill. Para Hannibal, a presença da detetive significava uma rotina já vivenciada por ele inúmeras vezes antes, repleta de interrogatórios, questionários e entrevistas. As percepções individuais de cada um dos polos envolvidos na relação, no caso, Hannibal e Clarice, refletem a história de vida de cada um, ou seja, seus modos de existir, o ser-no-mundo.
Para a fenomenologia existencial, o ser-no-mundo reflete a maneira de existir de cada ser humano, baseada em suas vivências e percepções (TEIXEIRA, 1997). As formas de existir estão atreladas a três tipos de relações: o homem com o meio que o cerca, o homem com o outro e o homem consigo mesmo. Trazendo para o contexto do filme, Clarice e Hannibal, com a soma de suas vivências individuais e suas vivências sociais com seus respectivos meios, se encontram na dimensão da relação eu-outro, construindo assim um vínculo inicial que se desenrolará ao longo da trama.
Conforme Teixeira (1997), o ser-no-mundo torna-se patológico quando as relações do indivíduo são infrutíferas no âmbito pessoal, ou seja, quando o ser é incapaz de adentrar seu mundo interno e estabelecer conexões saudáveis consigo mesmo. Partindo desse ponto, o indivíduo também seria incapaz de manter boas relações nas outras esferas (eu-outro e eu-meio). Essa dinâmica é observada em Hannibal, cujas atitudes e vivências no mundo foram conduzidas de modo a trazer sofrimento ao outro e satisfazer o próprio desejo.
Fonte: https://bit.ly/2HwMSjq
A incapacidade do indivíduo de tecer uma reflexão sobre as próprias atitudes ao relacionar-se consigo mesmo levaria à incapacidade desse mesmo indivíduo de se relacionar com o meio e com outras pessoas. Dessa forma, o primeiro encontro entre os dois personagens é permeado pelo fenômeno patológico de Hannibal, que se manifesta na relação através de comentários irônicos, sarcásticos e até mesmo ameaças contra a detetive. Essa dinâmica de relação pouco a pouco sofre alterações. De encontro a encontro, Clarice e Hannibal fortalecem o vínculo e passam a enxergar além dos rótulos de detetive e assassino para enxergarem a essência de cada um, o ser-no-mundo como ele é. Para isso, um elemento mostra-se indispensável.
De acordo com Silva (2013), o diálogo é a base para que a relação eu-outro seja construída e se desenvolva de maneira saudável. Sem a presença de uma relação dialógica, a dimensão eu-outro é ineficaz e não gera frutos. Como observado no filme, os diálogos entre Hannibal e Clarice, apesar de serem poucos e acontecerem em curtos períodos de tempo, servem como uma ponte entre o muro que os separa. A aproximação entre os dois personagens atinge o ápice quando o psiquiatra pede que a jovem conte sobre sua infância e seus traumas – dessa maneira, o rótulo “detetive” é substituído pela pessoa Clarice, e o foco da relação acontece no encontro entre duas pessoas, muito além do significado social da existência de ambos.
Feijoo e Mattar (2014) atentam para os preceitos filosóficos da fenomenologia de Sartre. Entre eles, as autoras citam um aspecto que norteia a visão fenomenológica como um todo: a importância de ver as coisas como elas são, para além da objetividade e subjetividade. O objeto, para a fenomenologia, deve ser apreendido pelo ser da maneira mais pura e reduzida possível, ou seja, sem um viés objetivo e prático e muito menos emocional, subjetivo ou individual. Enxergar o mundo dessa forma significa, em outras palavras, enxergá-lo como ele acontece – sem ideias pré-concebidas, sem o peso de uma análise. Em O Silêncio dos Inocentes, tanto Hannibal quanto Clarice sentem-se desafiados e até mesmo intimidados pela presença um do outro, e apreendem a realidade da relação entre eles de um modo carregado de análises, percepções e hipóteses.
A redução fenomenológica (epoché), ou seja, o ato de reduzir o fenômeno ao modo como ele acontece, puro e simplesmente, apresenta-se como um desafio durante a trama. O distanciamento evidente entre Hannibal e Clarice dificulta que a relação seja construída desprovida de estigmatizações e hipóteses. Entretanto, uma aproximação acontece entre os dois, ainda que tímida e com restrições, e nela o vínculo é formado. A curiosidade de Hannibal em conhecer a individualidade da jovem, mesmo servindo como uma forma de colher material para análise, o aproxima da essência de Clarice. Há, então, uma tentativa de chegar ao núcleo desse objeto (o outro), atravessando as inúmeras barreiras sociais entre os dois, a cela real e simbólica que os divide. É possível dizer que, após esse nível de percepção ter sido alcançado, Hannibal passa a enxergar Clarice como uma pessoa, humanizando-a. A relação do psiquiatra com o outro é baseada na desumanização.
Fonte: https://bit.ly/2u8Vl4m
Dessa forma, cria-se um distanciamento entre a sua pessoa e a pessoa da vítima, que é tratada por ele como um pedaço de carne, literalmente. Deve-se ao vínculo formado entre ele e Clarice e pela relação embasada no diálogo e na vivência real, sem interferência de elementos externos, o fato da jovem não se tornar um dos seus alvos no final do filme. A própria tem certeza de que não será perseguida pelo psiquiatra quando este consegue fugir.
Outro fenômeno relevante presente na trama, já mencionado anteriormente, é o modo como as vivências passadas de Clarice afetam seu aqui e agora. Barco (2012) conceitua o fenômeno da presentificação ou presentação como o ato de direcionar a consciência para o momento presente, agindo sobre o agora, ainda que os meios para chegar a esse estado sejam pela imaginação ou fantasia. Atrelada aos traumas de seu passado, é possível inferir, ainda que esse não seja o propósito de uma abordagem fenomenológica, que a detetive age no presente guiada por experiências de seu passado, como a morte do pai (por um assaltante) e seu insucesso em salvar as ovelhas que teriam as peles retiradas. Ambos os eventos podem estar diretamente relacionados com o contexto de sua vida adulta: sua atuação no FBI, guiada por um senso de justiça possivelmente despertado logo após a morte do pai e também dos animais, e sua atuação no caso Buffalo Bill, onde as vítimas tinham o mesmo propósito das ovelhas. A solução de seus conflitos do passado é presentificada e vivida na cena que conclui o caso, quando a detetive atira e mata o serial killer, fazendo justiça pelas vítimas e, em analogia, pelas ovelhas e seu pai.
Sem dúvidas, há uma complexidade de relações intra e interpessoais que são trabalhadas em O Silêncio dos Inocentes, e são inúmeras as possibilidades de interpretação dos personagens e eventos da trama. A aproximação de Hannibal e Clarice, inusitada pela diferença de valores e preceitos de cada um, convida o espectador a refletir.
O filme evidencia que, por mais diferentes que sejam os indivíduos, um encontro é possível – e a relação sempre terá como resultado um produto capaz de tocar a essência de cada sujeito que esteja em interação. Ser-no-mundo é individual e intrapessoal. Ser-com é um convite para o encontro, para o estabelecimento de relações interpessoais. E as duas maneiras de existir se completam para formar um produto que é dotado de possibilidades: o ser humano, com seus fenômenos e complexidades, capaz de transformar e de ser transformado.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
Fonte: https://bit.ly/2TFfTR0
O SILÊNCIO DOS INOCENTES
Título original:The Silence of the Lambs Direção: Jonathan Demme Elenco: Jodie Foster, Anthony Hopkins, Ted Levine, Scott Glenn; País: EUA Ano: 1991 Gênero: Suspense; Terror
REFERÊNCIAS:
BARCO, Aron Pilotto. A constituição do espaço na
fenomenologia de Husserl. 109 f. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012.
FEIJOO, Ana Maria; MATTAR, Cristine Monteiro. A Fenomenologia como Método de Investigação nas Filosofias da Existência e na Psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa; Out-Dez 2014, Vol. 30, n. 4, pg. 441-447.
SILVA, Edna Maria. O ser na relação com o outro. Revista de Psicologia, Edição I. pg. 123-124, 2013.
TEIXEIRA, José A. Carvalho. Introdução às abordagens fenomenológica e existencial em psicopatologia (II): as abordagens existenciais. Análise Psicológica, 2 (XV). pg 195-205. 1997.
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Epidemia de Doenças Mentais em Tempos de Capitalismo Ultraliberal
Não é necessário ser especialista para ver “a olho nu” o que algumas pesquisas, aqui e acolá já constataram: as desordens psíquicas ou psiquiátricas estão em uma reta ascendente. Diante desta realidade, as perguntas que vou fazer a seguir não são de modo algum inéditas, mas precisam ser repetidamente levantadas: Será que estamos mesmo adoecendo mais da nossa psique? Será que estamos apenas conseguindo diagnosticar, pelo avanço das ciências médicas e psicológicas, problemas que antes não conseguíamos? Ou será que ampliamos tanto o espectro do que é considerado “patológico” que transformamos quase tudo em doença mental?
Diferentemente de outros campos da medicina, a psiquiatria traz consigo uma particularidade, especialmente no que se refere ao diagnóstico, já que grande parte das doenças mentais não é comprovada por exame. Ou seja, mesmo que o sujeito não apresente nenhuma anomalia ou disfunção que possa ser observada em um laboratório de análises clínicas ou de imagem, ainda assim, por um conjunto de sintomas e sinais, ele pode ser diagnosticado como portador de algum transtorno mental. Essa peculiaridade leva a algumas questões éticas que perseguem a psiquiatria desde o seu nascimento: Qual é o limite que distingue a loucura da normalidade? Como fazer esta medição?
Fonte: https://goo.gl/hx2jx7
A novela Machadiana, O Alienista, ilustra bem esse incômodo ético. Simão Bacamarte é o médico que envereda pelo ramo da psiquiatria e que, autorizado pelo rigor da sua ciência, acaba por internar todos os cidadãos de Itaguaí, até que só resta ele mesmo fora do hospício. Publicada pela primeira vez em 1882, o texto de Machado de Assis nos soa mais como uma profecia. Hoje, o DSM – Bíblia da psiquiatria americana exportada para o mundo que está na sua V edição – transforma quase todos os nossos mal-estares em patologia.
Mas, diante das três questões que levantei no início do texto, defendo que, a última responda mais ao que temos tomado como direção em nossos tempos de capitalismo ultraliberal. Ampliamos sobremaneira o limite utilizado para diagnosticar os males que atormentam nosso ser, transformando-os em alguma doença, de preferência medicalizável. E seria ingenuidade pensar que isso se deve a um suposto avanço científico que “descobriu” novas doenças. A verdade é que “fabricamos” novas doenças, e para um propósito muito simples, para que sejam vendidas no mercado.
Fonte: https://goo.gl/BkZ6x2
Dany Dufour – em A arte de reduzir as cabeças – vai dizer que, o avanço do capitalismo, representa a morte do sujeito crítico kantiano e do sujeito neurótico freudiano; ambos sujeitos modernos. Ele nos lembra que, tal como formula Lacan quando nos diz que “o inconsciente é a política”, esse Outro que já está posto aí quando chegamos ao mundo não é um organismo fixo, ele modifica ao longo do tempo, o que, consequentemente, interfere no tipo de sujeito que irá emergir em determinada época. Assim sendo, o sujeito dos nossos tempos – balizado pelo Outro da política do capitalismo ultraliberal – seria o sujeito pós-moderno; um sujeito sem limites. Na busca da radicalidade da sua “liberdade” tal sujeito rejeita se submeter a qualquer tipo de categoria ou determinação, seja no campo da sexualidade, da identidade ou da geração. Ao rejeitar o recalque como estratégia, acreditando que assim teria mais garantia de satisfação, o sujeito pós-moderno favorece a plenitude do capitalismo, afinal, quanto menos barreiras (externas ou internas), mais interessante a esse modelo político-econômico. Se o sujeito que faz mover o capitalismo é o consumidor, ele é tanto mais interessante quanto mais flexível, descontruído e mutante for. O novo capitalismo, dirá Dufour, tem como objetivo principal destruir sistematicamente todas as instituições e todas as referências culturais e simbólicas que possam entravar a livre circulação das mercadorias.
Mas, voltando ao tema dessa nossa psiquiatria que serve ao mercado de consumo, é curioso que, em tempos de defesa irrestrita a tantas “liberdades individuais”, as diferenças que emergem sejam cada vez mais capturadas pelo mercado, incluindo o de diagnósticos e medicamentos. Atenta a tanta diversidade, a indústria farmacêutica – uma das três mais poderosas do mundo – não para de crescer e de se diversificar. Todo dia há uma nova pílula para cada novo mal-estar do ser.
Fonte: https://goo.gl/g2z98E
E enquanto o sujeito freudiano tinha interesse em decifrar seu mal-estar, interrogá-lo para saber mais sobre seus sintomas e o véu que os encobria, o sujeito pós-moderno não quer saber nada sobre isso, na medida em que não acredita que haja qualquer simbólico que o anteceda e o determine de algum modo. O sujeito pós-moderno parece querer viver sem referências, ou seja, sem passado, usa o seu presente para consumir e o futuro para pagar a fatura do cartão. E, sem uma barreira identitária ou simbólica que o marque e que o determine em seu passado, temos sujeitos que não se sentem impelidos a escolher entre uma coisa e outra, já que eles podem, tranquilamente, querer as duas coisas. E se sabemos que desejar implica em escolher entre uma coisa e outra, o sujeito que interessa ao nosso tempo não deseja, pois ele quer tudo. Então, que consumidor maravilhoso ele se tornou!
Para esse mal-estar sem passado, sem recalque e sem desejo, resta a prateleira de medicamentos, que serve muito bem à nossa epidemia de doenças do ser, chamadas de mentais, quem sabe apenas para caber no discurso da ciência. Talvez não seja possível resgatar o sujeito freudiano, mas, talvez seja necessário sustentar uma ética do desejo, tal como a psicanálise propõe. Isso significa escutar o sintoma como algo que diz da matéria-prima da qual fomos feitos e que serve, sobretudo, para nos manter desejantes. Tal ética inaugurada por Freud nos alerta que é impossível eliminar todos os nossos sintomas sem perder junto com eles, aquilo que representa nosso estilo de ser, aquilo que nos aproxima da obra de arte e nos afasta de sermos mera cópia de um original previamente definido, higienizado, polido e considerado normal.
Nesse sentido, o deprimido de nossos tempos, talvez, seja menos doente do que supomos. Quem sabe seja apenas esse sujeito que foi alijado do desejo e que, consumindo a si mesmo, nos denuncia que consumir não é a saída?
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TDAH: Transtorno situacional ou patologia? Um olhar à luz da fenomenologia
TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE (TDAH): O que é e quais suas causas? É um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que tem surgimento na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda sua vida adulta, tem como características a desatenção, inquietude e impulsividade. É reconhecido por vários países e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (ABDA, 2002). Como já descrito o TDAH se caracteriza pela junção de dois sintomas, a desatenção e a impulsividade. Ao nos depararmos com um diagnóstico de um Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), nos deparamos também com problemas de atenção focalizado no perceptor e hiperatividade no motor. Podemos dizer que essa perturbação/problema pode se caracterizar por uma desorganização de atuação do indivíduo com o meio em que se relaciona, entre espaço e tempo (MATOS, 2013).
Segundo Abda (2002), o TDAH trás a tona as dificuldades que crianças sentem em se relacionar com outras crianças como também com os próprios pais e, por conseguinte, professores. Desta forma essas crianças seguem com estereótipos do tipo “crianças lentas, estabanadas, sem noção de lateralidade, ligadas nos 220 w, etc.” Assim, visualizamos que se há problemas na percepção e motor dessas crianças, de fato acumulam-se todos esses sintomas de desatenção e impulsividade, limites e regras se tornam mais complexos para serem atingidos. Na vida adulta ocorrerá no trabalho dificuldades de iniciar e terminar o que foi proposto, sempre se esquecendo das atividades laborais, ansiedade em alto grau, e inquietação.
Assim, Seno (2010), retrata que o TDAH afeta de 3 a 5% das crianças e é na vida escolar que pais e educadores conseguem perceber este transtorno, mesmo a priori não se conseguindo identificar cura para tal transtorno, a manifestação deste segue tendência a diminuir com uso de fármacos, para melhor aprendizagem e concentração a fim de alcançar os objetivos pedagógicos. Podemos identificar a relação estreita entre a medicação e o transtorno frente às possibilidades que quietude nestas crianças, mas também se torna visível o outro lado destes fármacos, como sonolência e aumento da agressividade até se conseguir a dose certa para cada caso/criança.
Tentamos aqui identificar a hiperatividade como algo que pode aparecer na relação mente (psicológico) e corpo de uma criança de forma que expressa seu modo de ser ou constitui uma patologia. Tal transtorno tem sido estudado incansavelmente em pesquisas científicas para que possam ser aprimorados seus critérios diagnósticos a fim de conhecer melhor e saber o surgimento, causa deste transtorno, em contrapartida em relação à dimensão psíquica da criança é pouco discutida e estudada.
Fonte: https://goo.gl/q23tSh
Foco no indivíduo e não no TDAH- O Olhar FenomenológicoNa fenomenologia existencial buscamos trabalhar com a multidimensionalidade do ser humano, nosso enfoque é a relação (contato) e estudo desse ser.
A tendência do pensamento científico moderno começa a sinalizar uma mudança na concepção de saúde e doença. A nova noção de doença apresenta uma perspectiva de múltipla causalidade, renunciando à ideia antiga de que há apenas um único fator etiológico. Salienta a influência ambiental nas ações e no comportamento do indivíduo e a importância da subjetividade nas formas de manifestação da patologia. Antony e Ribeiro (2005)
A abordagem fenomenológica enxerga a patologia como intrapsíquica ou individual, vista como produto da subjetividade que se caracteriza por ser, ou seja, intra-subjetividade. Portanto a Gestalt-Terapia traça um histórico de pensamentos que tudo é uma totalidade, tudo muda e tudo se relaciona com algo mais. É um prisma relacional, que assinala a patologia com um produto da desconfirmação do ser enquanto existente, enxergando o homem como um ser de relações (HOLANDA, 1997). “A doença é relacional. Não existe doença em si. Doença é fenômeno como processo; como dado, existe em alguém, e não como realidade em si mesma”. O enfoque gestáltico, assim, visa ir além da descrição dos sintomas, busca o sentido da patologia e as vivências da pessoa adoecida (ANTONY; RIBEIRO, 2005).
Pela Fenomenologia caracterizamos o indivíduo pelos seus anseios, vontades e necessidades que geram impulsos internos, destacando-se a figura do fundo. Deste modo é necessário que haja contato com o meio a modo de realizar a tomada de consciência para que o indivíduo possa estabelecer experiências frente aos tipos de contato.
A hiperatividade nos últimos anos vem sendo estudada a partir da perspectiva de que é um tipo de transtorno que tem uma visão singular voltado para os princípios diagnósticos e a origem, em que cientistas atribuem à criança como o transtorno. Diversas pesquisas estão sendo pautadas na busca de encontrar uma causa que seja de ordem biológica que esclareça o que é o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Porém comprovações de lesão e disfunção neurofisiológicas são pouco relevantes e permanecem incertas (ANTONY; RIBEIRO, 2005). No entanto tem se aumentado a procura de pais que desejam um diagnóstico plausível e saber o que realmente os filhos possuem, nesta busca procuram por profissional afim de que sejam sanadas tais dúvidas e incertezas.
Fonte:https://goo.gl/NZ7ju1
Então, uma criança hiperativa ou distraída, vai se encaixar em três processos caracterizados pelos autores (ANTONY & RIBEIRO 2005, apud MUNHOZ, 2011) como o da deflexão, que é identificado pelo contato rápido que ela instaura em seu meio, é uma atitude de defesa em combate a ansiedades e tensões, tal como não fosse possuinte dos seus desejos, e não tivesse a compreensão de si a ponto de se direcionar a alguma coisa ou alguém, que a induza a constituir ligação, ou seja, evitasse o contato direto, desvia o olhar e a energia do objeto primitivo; a projeção, um mecanismo obstante da sua atitude, já que ela própria, depois de ser tanto repreendida, acaba acreditando que não consegue fazer de um jeito diferente, o que indica que a sua baixa autoestima é resultante de seus lapsos em sua estrutura corporal, deslocando assim, a própria responsabilidade para o meio; e o egotismo que a faz toda poderosa, com instabilidade emocional e comportamentos impetuosos, apesar de em forma de mecanismo de compensação, tendendo a ser generosa com relação à separação de seus bens, é um reforço deliberado das fronteiras de contato para reinvestir a energia do ego, é narcísica e uma etapa do processo terapêutico.
TDAH é, juntamente com o Transtorno Desafiador Opositivo e o Transtorno de Conduta, um dos três transtornos mais comuns no dia a dia profissional de pediatras, psicólogos e psiquiatras. Sua prevalência é estimada em 3% a 6% da população infantil geral, mas outros estudos encontraram índices de prevalência com ampla variância (de 3% a 26%) no mesmo tipo de população (MATOS, 2013).
Tamanha variação não deixa de impactar o nível de diagnósticos dados, um desvio considerado do desenvolvimento infantil que afeta de 3% a 5% das crianças, uns que a consideram uma doença biológica, neste seguimento o índice populacional afetado é bem maior e se tornando cada vez mais impossível de ser definido. Chegamos à discussão relevante de que uma visão patológica biológica do TDAH, quando diagnosticado uma criança passa a fazer uso de medicações anfetaminas e metilfenidato, partindo do pressuposto que a síndrome é uma disfunção neuroquímica. Assim o transtorno está intimamente ligado ao uso desta medicação metilfenidato, onde se teve um aumento de 700% de crianças fazendo uso de psicoestimulante, onde surgiu uma overdose de diagnósticos errados (MATOS, 2013).
Esses dados são uma forma de alarmar tanto aos pais quanto os profissionais da saúde que diagnósticos feitos de maneira errônea podem trazer consequências graves as crianças que foram somente medicadas sem ter um acompanhamento preciso, ocasionando um excesso de tantos medicamentos que foram ingeridos de forma descontrolada. Dessa forma esses dados são um jeito de repensar a maneira de se diagnosticar e adequar um tratamento que seja preciso, e não só a base de medicamentos.
A síndrome de déficit de atenção foi identificada em 1902 por um médico inglês que na época associou a hiperatividade ao aspecto motor da consciência, assim essas funções perturbadas são as mesmas as quais Freud atribuiu à inibição, desta forma encontramos aqui um modo para começar a pensar a esclarecer o TDAH, seria este pensamento pela inibição, percebemos que essa vinculação não é feita pela psiquiatria (MATOS, 2013). Começamos então a entender sobre a psicopatologia clássica a fim de esclarecer como se trata o pensar mais que um transtorno, mas como também a respeito da função que é perturbada por tal transtorno, a consciência.
Fonte: https://goo.gl/z9ghbd
Define-se a consciência de forma clássica como a junção de dois vocábulos latinos: cum (com) e scio (conhecer), indicando o conhecimento compartilhado com outro e, por extensão, o conhecimento “compartilhado consigo mesmo.” Já na língua portuguesa, a palavra consciência tem três diferentes definições: A primeira pela neuropsicologia define consciência no sentido de estado vígil, para consciência é fundamental estar desperto, acordado, lúcido, ou seja, um nível de consciência. Na segunda temos a definição psicológica, onde a conceitua como soma total das experiências conscientes de um determinado momento pelo indivíduo, é a dimensão subjetiva da atividade psíquica que se volta para a realidade, relação do Eu como o meio, é a capacidade de entrar com a realidade, perceber e conhecer seus objetos. E por último a definição ético-filosófica, usada com mais frequência na ética, filosofia e direito, aqui se refere à consciência a capacidade de tomar ciência de seus deveres éticos e assumir seus direitos. Tratando-se da consciência moral e ética (DALGALARRONDO, 2008).
Quanto à atenção a definimos como a direção da consciência, conjunto de processos psicológicos que torna o indivíduo capaz de selecionar, filtrar e organizar informações significativas. Já com as anormalidades da atenção encontramos a hipoprosexia que se relaciona com a perda básica da capacidade de concentração e fragilidade quanto à percepção de estímulos ambientais. Encontramos também a hiperprosexia a qual consiste em um estado exacerbado de atenção somente em algum estímulo, tais transtornos podem ser encontrados em pessoas com transtorno de humor, obsessivos compulsivos e esquizofrênicos (DALGALARRONDO, 2008).
Torna-se perceptível que toda essa alteração na capacidade de estado vígil, tanto em aumento quanto em diminuição altera-se também a percepção de tempo cronológico, uma vez que altas e baixas perdas de concentração implicam-se a falta de ordem temporal e espacial, tais eventos ficam perceptíveis no ambiente a partir que consciência é afetada (MATOS, 2013).
Diante disso, precisamos estar atentos aos sintomas do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade que provavelmente pode começar na vida escolar, falta de concentração na escola, percepção de ordem espacial e temporal afeta também na vida das crianças que são diagnosticadas, por isso é importante o acompanhamento diário dos pais na vida e no desenvolvimento das crianças, para estar atentos aos sintomas, que quanto mais cedo forem percebidos melhor para iniciar o tratamento o quanto antes.
Fonte: https://goo.gl/tP6Y7W
No TDAH, o marcante é a dificuldade de prestar atenção a estímulos internos e externos, sentem dificuldades em organizar e planejar tarefas, como também controlar seus comportamentos e impulsos. Crianças com TDAH têm dificuldades na filtragem de estímulos irrelevantes, embora questionasse aqui se essa filtragem é ou não o principal problema das pessoas com TDAH (DALGALARRONDO, 2008).
Se compararmos os modos de vida de indivíduos contemporâneos aos sintomas do TDAH, iremos identificar semelhanças quanto ao modo acelerado de fazer as coisas, a falta de envolvimento com tarefas dentre tantos outros. Se estas são características de crianças e adolescentes com TDAH podem identificar também hiperatividade, desatenção e impulsividade em pessoas que não são diagnosticadas com TDAH (ARAÚJO, 2015). Entende-se que o TDAH é uma forma que expressa um adoecimento manifestando múltiplas variáveis e que ainda não são tão claras. Se os sintomas que caracterizam a patologia são ditos normais encontrados em outras pessoas, então o que separa o normal do patológico não são os aspectos qualitativos e sim a intensidade em que se apresentam.
Em busca de aprimorar conhecimentos, conhecer a história de vida e todo contexto familiar e social de uma criança ou adolescente, a psicopatologia fenomenológica busca ir ao contrário de julgamentos pré-estabelecidos, desta forma procura aproximar a experiência de vida do indivíduo. Tal postura fenomenológica compreende a genética dos fenômenos psicopatológicos não se restringindo a descrição, mas buscando aspectos construtivos a fim de aproximá-los, é ir além do que ser observável (ARAÚJO, 2015).
Muitas vezes, a certeza de um diagnóstico é formada de modo prematuro, não havendo tempo para um olhar mais global, que considere os seus aspectos biológicos, psicológicos, sociais, culturais, históricos e políticos, dentre outros, que se apresentam entrelaçados no fenômeno psicopatológico, Araújo (2015).
Como a característica marcante de uma criança com TDAH é a impulsividade por estar em movimentação corporal durante uma execução de uma atividade, a criança responde aos múltiplos estímulos ambientais, sem selecionar com consciência entre tarefa e ação/objeto. Isso revela uma desarmonia entre o sentir, pensar e agir. Na Gestalt o contato e a awareness formam o eixo básico para ser compreendida esta forma de pensar, agir e sentir. A awareness trás o significado e sentido desta experiência, contato então é o processo psíquico ou comportamental por onde o indivíduo fará relação consigo e o outro (ANTONY; RIBEIRO, 2004).
O caminho da saúde é o resgate da consciência sobre o seu corpo, pensamentos e sentimentos, de forma a tornar-se uma presença consciente. Aprender a assumir responsabilidade sobre suas ações e escolhas. Ser capaz de criar metas e reconhecer limites para dar sentido a sua existência. Exercer a auto-regulação de forma consciente para poder hierarquizar as suas necessidades e se ajustar criativamente ao meio. O TDAH vem anunciar a totalidade da condição humana que está inserida em uma totalidade mais ampla que forma a realidade holística relacional. O TDAH está nas crianças assim como está no mundo com seu ritmo acelerado, retratando a desatenção humana e a inquietação ansiosa presentes na sociedade moderna. O todo está nas partes e a parte está no todo. Somos a sociedade que produzimos e que nos produz. O TDAH é colocado totalmente no domínio da patologia, o que não é correto. Há talentos oriundos dessa alta excitabilidade – a intuição, a criatividade, a afetuosidade, a vitalidade – que devem ser sobrepostos aos supostos déficits, Antony e Ribeiro (2004).
Portanto, é preciso haver a consciência do seu corpo e seus pensamentos e sentimentos para que no caminho da saúde haja o que chamamos de tornar-se uma presença consciente. Poder criar metas, e tornar-se responsável pelas suas escolhas para que sua existência tenha um sentido. Exercendo a sua autorregulação, e tornando como prioridades as suas necessidades e ir se ajustando criativamente ao meio em que vive. Por conseguinte o TDAH vai estar presente na vida dessas crianças assim como o mundo está dentro delas, e por isso seremos frutos do que produzimos na sociedade e o que ela produz em nós.
Fonte: https://goo.gl/xhPHmL
As principais características de que uma criança pode estar com o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade é a inquietação, por exemplo, professores direto acabam lidando com crianças que não conseguem ficar quietas por muito tempo em sala de aula, questionamentos exagerados, quando a criança faz perguntas frequentes, crianças que não conseguem prestar atenção na metodologia da aula, ou seja, da didática aplicada pelo professor, acaba se distraindo facilmente, não ter paciência para estudar, e a criança também acabar fazendo mais esforço do que os colegas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final de toda pesquisa podemos descrever que o TDAH é visto como uma excitação de alto nível do organismo e suas funções emocionais se eleva pela mudança de altos e baixos, vivenciando o mundo e respondendo com hiperatividade. Com diagnósticos muitas vezes mal elaborados descrevem qualquer mudança de comportamento em crianças ou adolescentes como TDAH.
As crianças hiperativas vão ter dificuldades em se adequar em determinados contextos como nas escolas, por exemplo, onde os profissionais educadores terão que analisar como é o processo de aprendizagem da criança e de forma flexível e criativa criar atividades onde a criança consiga aprender da forma como ela consegue, ou seja, adaptar atividades da escola de acordo com a forma que ela consegue aprender, visando também suas habilidades onde possui talento, não somente focando em suas deficiências. Em casa também há um grande desafio para os pais em se adaptar ao desenvolvimento da criança, então é importante que ao dar informações e instruções que sejam pequenas e abreviadas, fazer com que a criança reforce o que foi dito ou educado, destacar e trabalhar com a criança mais suas habilidades do que as suas dificuldades (ANTONY; RIBEIRO, 2004).
As relações que acercam o modo em que é tratada por família, amigos e sociedade devem estar de acordo com o que essas crianças necessitam; muitas vezes por termos preconceitos culturalmente estabelecidos, pela forma que enxergamos superficialmente essas crianças, tal ato nos impede de ter um olhar diferenciado e tratá-las de forma mais amável e respeitosa. Não é fácil lidar com crianças que fogem dos padrões estabelecidos pela sociedade, porém se faz necessário que tenhamos esse olhar diferenciado, pois enquanto psicólogo fenomenológico esse é nosso papel, enxergar no outro potencialidades.
Fonte: https://goo.gl/4h9i1K
Desse modo, crianças com o transtorno de hiperatividade precisam ser trabalhadas para que tomem consciência de si, das suas necessidades e as do meio em que vivem, a todo o momento buscando se ajustar criativamente de forma que a ajude no seu progresso, ou seja, no seu desenvolvimento.
Buscar um diagnóstico tardio é capaz de ocasionar falhas relevantes no processo de aprendizado e matemática o que geralmente acarretará complicações na vida escolar da criança. Dentro do ambiente escolar é preciso que os educadores saibam conhecer o diagnóstico para identificar se a criança está devidamente medicada. É preciso também que haja uma metodologia mais interessante, onde o tom de voz seja de forma que a criança entenda, para que ela se sinta compreendida e reconhecida pelo desenvolvimento da sua aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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ANTONY, Sheila; RIBEIRO, Jorge Ponciano. A Criança Hiperativa: Uma Visão da Abordagem Gestáltica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 20, n. 2, p.127-134, ago. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ /ptp/v20n2/a05v20n2.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2018.
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DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2. ed. São Paulo: Artmed, 2008.
MATOS, Roberto Pires Calazans. Elementos para entender o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade – TDAH. Estilos da Clínica, Minas Gerais, v. 18, n. 2, p.342-357, ago. 2013. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282013000200009>. Acesso em: 29 mar. 2018.
HOLANDA, Adriano. Saúde e Doença em Gestalt-Terapia: Aspectos Filosóficos. Estudos de Psicologia, Florianópolis, v. 15, n. 2, p.29-44, out. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v15n2/02.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
MACHADO, Adriana Marcones. Os psicólogos trabalhando com a escola: Intervenção a serviço do quê?( 2013, pag. 771),
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ANGELUCCI, Carla Biancha. Por uma clinica da queixa escolar que não reproduza a lógica patologizante.(Pag. 354).
LEANDRIN, kizzy Domingues,SARETTA Paula. Atendimento em grupo de crianças com queixa escolar: Possibilidades de escuta, trocas e novos olhares,(pág 381).
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Identidade: a neuropsicologia e o Transtorno Dissociativo de Identidade
Identidade (Identity, 2003), filme dirigido por James Mangold, baseado no romance de Agatha Christie, Ten Little Niggers, desenvolve seu enredo em um motel de rodovia no qual dez pessoas se abrigam durante uma forte tempestade e, misteriosamente, começam a ser assassinadas tendo um número como elo perturbador entre eles. O que parecia desgraça coletiva se revelou uma trama sinistra de suspense e emoções fortes envolvendo a IDENTIDADE patológica de um homem que provoca a imaginação ao mostrar as várias faces da dor.
A busca pela gênese da violência é tema recorrente, não se chegando a uma resposta ainda que pesquisas apontem para fatores biológicos e, para citar algumas, os processos disfuncionais nas regiões sobcortial e cortical, além de lesões morfológicas de certos centros cerebrais, particularmente o sistema límbico, lobos temporais e frontais que se destacam no presente estudo. A maior parte do lobo frontal está reunida sob o termo “funções executivas”, designando o lobo frontal como responsável por controlar antecipadamente as ações de planejamento, seleção de respostas, inibição, atenção no acompanhamento enquanto a ação se desenrola, verificando o resultado posterior. O resultado do funcionamento normal das funções executivas permite ao sujeito instrumentalizar, neurologicamente, o processamento de suas ações através da memória operacional, parte da cognição que o leva a análise, planejamento, tendo presente as consequências do que vai fazer. Caso contrário, fica à mercê da satisfação imediata por lhe faltar a atuação dessa função.
Transtorno Dissociativo de Identidade
De acordo com Junior, Negro e Louzã (1999, s/p) os Transtornos Dissociativos, apresentam como características centrais o “distúrbio das funções integradas de consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente”. No caso do personagem principal, o Transtorno é Dissociativo de Identidade (TDI), que segundo o DSM V (p. 292) tem como característica essencial “a presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou a experiência de possessão”. É o que se passa com o protagonista da trama, que exibe personalidades distintas, com sexos opostos, faixas etárias diversificadas, apesar de histórias de vida com traços semelhantes, no caso, a data de aniversário e o nome que faz apologia a cidades americanas.
Segundo Freud (1910, 1909/1996, p. 35 apud Faria, 2008) “num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro”. Isso era bastante perceptível no filme, uma vez que mesmo uma personalidade sendo assassinada a outra continuava ilesa e sem consciência de quem era o verdadeiro assassino. A morte das pessoas/personalidades se dá pelo fato do condenado estar submetido a um tratamento psiquiátrico que visa destruir as personalidades secundárias e isolar a personalidade primária, que no geral apresenta aspectos contrastantes com as ideacionais.
Ono e Yamashiro (s/d) apontam a relação causal entre patologia e um evento traumático, no qual o sujeito não vê mais solução além de “abandonar” sua mente, para preservá-la. Os autores falam ainda, que crianças utilizam muito esse mecanismo a fim de se defenderem contra a dor física e emocional, o que consta também no DSM V (p. 294), que diz que o TDI “está associado a experiências devastadoras, eventos traumáticos e/ou abuso ocorrido na infância”. Podemos, mais uma vez, perceber um vínculo entre a história pessoal do paciente/protagonista e a patologia atual, uma vez que ele foi abandonado por sua mãe em um hotel, quando criança, sendo essa uma experiência extremamente dolorosa e que possivelmente desencadeou o transtorno.
Quando a alternância dos estados de personalidade não é percebida diretamente, dois conjuntos de sintomas auxiliam no diagnóstico sendo eles “alterações ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e de domínio das próprias ações e amnésias dissociativas recorrentes” (DSM V, p. 292 e 293). No longo metragem o personagem não apresentava recordações acerca de suas outras personalidades. Percebendo-se, portanto, a alteração na memória de curto prazo. Para Gonçalves (2014) a consolidação temporal da memória de curto prazo é composta pelo hipocampo, amígdala, o giro para-hipocampal e pelo córtex entorrinal, em seguida as informações são encaminhas para áreas de associação do neocórtex parietal e temporal.
Em paralelo com o descrito a cima, a película demonstra as diferentes identidades interagindo entre si através das personagens: Policial Rhodes (Ray Liotta), Ed Dakota (John Cusack), motorista particular de uma artista Caroline Suzanne; um casal em viagem, Ginny e Lou; Robert Maine o prisioneiro escoltado e uma família com filho. Ainda sobre memória de curto prazo , vê-se que o hipocampo “intervém no reconhecimento de determinado estímulo, configuração de estímulos, ambiente ou situação, se são novos ou não, e, portanto, se merecem ou não ser memorizados” (GRAY (1982, apud Gonçalves, 2014, s/p). Já a amígdala, para Gonçalves (2014) tem participação nos processos de seleção, e como consequência, sua função é de modular a consolidação da memória em situações estressantes.
Vermetten et al (2006) apresenta em seu estudo a relação direta do volume hipocampal e amigdalar com o TDI, esses autores examinaram o volume do hipocampo e da amígdala em pacientes com TDI. O transtorno tem sido associado com a história da terre infância, e traumas ocorridos nesse período. Como resultado o volume hipocampal foi 19,2% menor e a amígdala foi 31,6% menor em pacientes com TDI, comparado com sujeitos saudáveis (sem o diagnóstico). A relação desses volumes foi significativamente diferente entre os grupos como exemplifica o gráfico 1.
Gráfico 1 – Volume hipocampal e amigdalar em pacientes com TDI comparado com sujeitos saudáveis
Alguns neurotransmissores também podem contribuir para o processo de memorização, exemplo deste, é a substância P que pode reforçar ou prejudicar a memória, isso dependerá do local onde ela se encontra, destaca Gonçalves (2014). Vermetten et al (2006) apresenta um estudo de Riscoll et al. (2003), o qual afirma que neurotransmissores como o glutamato e a serotonina poderiam ter efeitos no volume do hipocampo e da amígdala.
O Glutamato é o neurotransmissor mais abundante e excitatório no cérebro e atua também no desenvolvimento neural, na plasticidade sináptica, no aprendizado, na memória, na epilepsia, na isquemia neural, na tolerância e na dependência a drogas, na dor neuropática, na ansiedade e na depressão. Ele também possui mecanismos que fazem parte da base fisiológica de processos comportamentais como cognição e memória. Além disso, pode funcionar como toxina poderosa capaz de produzir doenças neurodegenerativas quando em elevadas concentrações (Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica, Parkinson, e Doença de Huntington) e quando em baixas concentrações pode levar a esquizofrenia (VALLITI; SOBRINHO, 2014).
Já a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica. Assim como Vermetten, Sancar (1999) comenta que está determinado que o estado de extremo estresse (também presente no TDI) está relacionado com aumento na produção de neurotransmissores como norepinefrina (noradrenalina), dopamina e serotonina.
Fonte: http://zip.net/bktJ1n
Nesse sentido a noradrenalina, também conhecida como norepinefrina, é definida como o hormônio precursor da adrenalina ou como o neurotransmissor que aumenta a pressão sanguínea através da vasoconstrição periférica generalizada. Também é usada no sistema de alerta e na memória. Ela é liberada em resposta a modificações no meio e em resposta a stress, e ajuda na organização de respostas a estes desafios. O desequilíbrio entre ela e outras substâncias pode causar diversas doenças como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, ansiedade e recuperação após lesão cerebral traumática (SCHERER, 2008; ANDRADE et al, 2003).
A dopamina, por sua vez, faz parte da família das catecolaminas de neurotransmissores, juntamente com a norepinefrina e epinefrina. Trata-se de um inibidor e possui diferentes funções em diferentes, dependendo de sua localização. Junto com a endorfina é responsável pelo sentimento de euforia, é capaz de acalmar a dor e aumentar o prazer. Esse neurotransmissor é essencial para execução de movimentos suaves e controlados e sua falta é a causa da doença de Parkinson, a qual faz a pessoa perder a habilidade de controlar seus movimentos (Andrade et al, 2003).
E a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica.
Fonte: http://zip.net/bqtKYq
Além destes, outro neurotransmissor importante é o hipotálamo, que atua em praticamente todos os processos comportamentais humanos, entre eles a alimentação, comportamento sexual, sono, regulação da temperatura corporal, comportamento emocional e movimentos corporais. Além disso, vale ressaltar a importância do hipotálamo no controle da produção de diversos hormônios do corpo, por meio de sua interação com a hipófise, apontam Kolb e Whishaw (2002). De acordo com Meneses (2006) o hipotálamo é responsável por controlar e harmonizar funções metabólicas, endócrinas e viscerais, agindo como uma interface entre meio externo e o meio interno. Além de exercer controle sobre a produção de diversos hormônios do corpo, por meio de interação com a hipófise.
O longa metragem Identidade expõe ao telespectador contemporâneo a realidade vivenciada pela pessoa que é acometida pelo TDI. A realidade fictícia permito o espectador vivenciar a conturbada experiência subjetiva do TDI. Esse transtorno está no grupo daqueles que, por enquanto, não há pesquisas conclusas; no sentido que não se tem comum acordo quanto sua etiologia e ainda seu tratamento. O tratamento para tal desordem é feito de forma sintomatológica e a busca de minimizar os prejuízos, por exemplo, tratar o estresse e a depressão, fatores que já se sabe estarem ligados na manutenção do TDI (NATHAN e GORMAN, 2002). Dessa forma, o filme provoca ao profissional da saúde a necessidade de compreender os transtornos em seus fatores biopsicossociais.
REFERÊNCIAS:
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (Arlington). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 948 p.
Driscoll I, Hamilton DA, Petropoulos H, Yeo RA, Brooks WM, Baumgartner RN, Sutherland RJ. The aging hippocampus: cognitive, biochemical and structural findings. Cereb Cortex.2003;13:1344–1351.
ANDRADE, R. V. SILVA, A. F. MOREIRA, F. N. SANTOS, H. P. DANTAS, H. F ; ALMEIDA, I. F. LOBO, L. P. NASCIMENTO, M. A. .Atuação dos Neurotransmissores na Depressão. Revista das Ciências Farmacêuticas, Brasília, v1. nº 1, 2003.
FARIA, M. A.. O Teste de Pfister e o transtorno dissociativo de identidade. 2008. Disponível em: <http://migre.me/wGEp0>. Acesso em: 18 de Março de 2016.
IDENTIDADE. Direção de James Mangold. Produção de Cathy Konrad. Roteiro: Michael Cooney. Música: Alan Silvestri. 2003. (91 min.), son., color. Legendado.
JUNIOR; NEGRO; LOUZÃ. Dissociação e transtornos dissociativos: modelos teóricos, 1999. Disponível em: http://migre.me/wGEjR Acesso em: 17 de Março de 2016.
KOLB, Bryan; WHISHAW, Ian Q. Neurociência do Comportamento. Barueri: Editora Manole Ltda, 2002.
MENESES, M. S. Neuroanatomia Aplicada. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2006
NATHAN, P. E.; GORMAN, J. M.. A guide to treatments that worl. 2. ed. New York: Oxford University Press, 2002. 680 p. Disponível em: <http://migre.me/wGEm8>. Acesso em: 19 mar. 2016.
ONO, M. K.; YAMASHIRO, F. M. Múltiplas personalidades: o distúrbio dissociativo da identidade. Disponível em: <http://migre.me/wGEmm>. Acesso em: 18 de Março de 2016.
SANCAR, F. Exploring Multiple Personality Disorder. 1999. Disponível em: <http://migre.me/wGEoe>. Acesso em: 13 mar. 2016.
SCHERER, E. A. Estudo de Neurotransmissores Relacionados à depressão e psicose em amostras de cérebro humano de pacientes submetidos á cirurgia por epilepsia de lobo frontal. Ribeirão Preto, 2008. 117 f. Tese (Doutorado em Ciências Médicas) – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
VALLITI, L. G. SOBRINHO, J. A. Mecanismo de Ação do Glutamato no Sistema Nervoso Central e a relação com Doenças Neurodegenerativas. Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria. 2014.Disponível em: <http://migre.me/wGEkDf>. Acesso em: 15 mar 2016.
VERMETTEN, E. et al. Hippocampal and Amygdalar Volumes in Dissociative Identity Disorder. The American Journal Of Psychiatry. Rockville, p. 630-636. 4 abr. 2006.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
IDENTIDADE
Diretor: James Mangold Elenco: John Cusack, Ray Liotta, Amanda Peet, Alfred Molina; País: USA
Ano: 2003 Classificação: 16
Tal relato teve como base o evento Psicologia em Debate, realizado no dia 03/05/2017, por dois acadêmicos do curso de Psicologia do Centro Universitário Luterano de Palmas e trouxe como tema o livro “A CORROSÃO DO CARÁTER – consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo”, de autoria de Richard Sennet. No decorrer do debate vários temas foram abordados, tais como: Caráter X Rotina X Natureza Flexível, Trabalhador Disciplinado e Trabalhador Flexível, Rotina, Flexibilidade no Trabalho, a Ética do Trabalho e Natureza Flexível.
Os acadêmicos discorreram cada tópico com bastante afinco, e explanaram as ideias do autor acerca de cada um, que na atualidade é motivo de discussões e cuidado, pois os indivíduos muito tem se “perdido” ou mesmo não se dão conta dos seus atos, diante de rotinas exaustivas. Considerou-se um dos fatores, a natureza flexível, que pode ser descrita como na forma de rigidez, uma rotina exagerada, e os diversos significados dados ao trabalho. Tais atos podem provocar nos indivíduos uma série de patologias na qual nem eles mesmos se dão conta do que as provocaram. Para o autor isso seria a corrosão do caráter, já que nos com o exagero no campo do trabalho nos distanciamos da esfera moral, no qual ele descreve como sendo “(…) o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros.” (SENNET, 199, p.10)
Fonte: http://zip.net/bhtJ3k
Dois modelos de trabalhadores são citados pelo mesmo. O trabalhador disciplinado e o trabalhador flexível. Os dois são afetados pelo capitalismo. O primeiro tem uma rotina disciplinada, burocratizado e busca um futuro “equilibrado”, construindo sua própria história. Este perfil tem grandes chances de contrair doenças. O segundo, como o próprio nome já diz, é flexível, não se preocupa em manter relações duradouras, rotinas aceleradas, formas burocráticas e nem se preocupa com futuros distantes. Considera-se que, indivíduos com este perfil, são mais difíceis de adoecer, a menos que, á frente, ela perca por completo a dimensão histórica de sua existência, o que pode resultar numa espécie de vazio existencial.
Na atualidade a rotina é fatigante e, consequentemente, provoca desgaste físico e psicológico. Diante deste quadro o ser humano busca uma “otimização” de tempo, criando novas formas de aproveitamento do mesmo, uma delas descrita pelo autor é a substituição do controle face-a-face pelo eletrônico. Diante desse quadro percebe-se que novas formas são re(inventadas), mas o predomínio continua sendo do capitalismo.
Fonte: http://zip.net/bxtKMy
Por fim o autor descreve que na atualidade, diante de tanta tecnologia e flexibilidade, os jovens têm maiores chances no mercado de trabalho, pois são mais “adaptáveis” as diversas formas de trabalho. No entanto, deve-se refletir acerca do verdadeiro valor humano, onde foi citado pelos próprios acadêmicos o exemplo do padeiro, que durante muitos anos se dedicou todos os dias, ele mesmo a preparar a massa para os pães. De repente não existe mais a necessidade dele fazer o trabalho, pois foi substituído por uma máquina de última geração que de agora em diante fará todo seu trabalho.
REFERÊNCIA:
SENNET Richard. A Corrosão do Caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Dados de pesquisa do CREPOP – Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas, realizada em 2009, trazem que a maior dificuldade alegada pelos psicólogos escolares está em convencer a equipe que seu trabalho não é clínico. No entanto, este é um caminho necessário para se atender a demanda da psicologia escolar, pois cabe ao psicólogo escolar articular os saberes produzidos nos campos da Educação e da Psicologia Escolar.
Fonte: http://zip.net/bmtGTZ
As propostas sugeridas nesse trabalho estão de acordo com as orientações e princípios do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre a atuação do psicólogo na educação.
Defendemos, a partir desses princípios, uma Psicologia Escolar crítica e contextualizada. Esta é possível de ser desenvolvida também por psicólogas (os) que trabalham em áreas que interagem com a Educação, como por exemplo, as áreas da Saúde e da Assistência Social. Para isso, é importante que também esses profissionais, além das (os) psicólogas (os) escolares/educacionais, tenham conhecimento das políticas públicas nacionais de Educação, da rede de atendimento e que encontrem espaços de interlocução para integrar seus conhecimentos e ações (CFP, 2013, p. 68).
O CFP chama a atenção ainda para outro desafio importante que se refere, no âmbito das políticas públicas, ao retorno da visão medicalizante/patologizante que atribui a deficiências do organismo da criança as causas da não aprendizagem.
Fonte: http://zip.net/bqtHZz
Daí a necessidade de um profissional de psicologia dentro de uma escola ter cuidado com a alta demanda de solicitações de diagnósticos e testes que podem estigmatizar a criança sendo que, muitas vezes, o problema pode estar na escola e não no aluno. Sobre isto o CFP adverte, “é importante chamar a atenção para a gravidade do atual momento histórico, em que ocorre uma maior incidência de avaliações da qualidade da escola pública e privada oferecida às crianças e jovens brasileiros” (CFP, 2013, p.72). Em relação aos alunos considerados problema, é preciso considerar que a vida escolar é apenas um fragmento da vida da criança. Caso contrário corre-se o risco de estigmatizar pessoas.
REFERÊNCIAS:
CFP, Conselho Federal de Psicologia. Referências técnicas para Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica. Conselho Federal de Psicologia, Brasília: 2013.
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O impacto do contraste entre eterno e efêmero na percepção experiencial
Nada é para sempre. Tudo o que possui início apresenta consigo o meio e o fim – ainda que de forma implícita, rejeitada ou ignorada. Esse evento pode ser expresso nas seguintes disposições: “…sem saber que o ‘pra sempre’ sempre acaba” (RUSSO, 1984) e “mesmo sabendo que um dia a vida acaba, a gente nunca está preparado pra perder alguém” (SPARKS, 2010). E, então, o que fazer diante de algo tão desafiador? Qual a forma mais adequada de lidar com as mudanças que a vida nos impõe? De que forma resistir a não retornar às fases de desenvolvimento anteriores, que contavam com a presença do objeto de amor perdido? Canguilhem (1966) afirma que, quanto mais maleável, adaptável e ajustável às transformações pertinentes à vida o indivíduo for, maior é sua manutenção de condição saudável.
O estado patológico é caracterizado exatamente pela normatividade (regularidade) da não-habituação à constante transição. Nesse momento, nos deparamos com outra ambivalência: o desejo de eternizar o momento e o consolo de que a dinâmica presente na relação ou na condição permeada por satisfação apresentou pontos que propiciaram desenvolvimento, que ajudaram na constituição da história individual. Quando a primeira opção é satisfeita trazendo o advento de sentimentos de impotência, insatisfação ou mesmo de negação, raiva e depressão (como já explanados por Kubler-Ross em 1969), que tipo de comportamento se deve emitir, aumentar ou diminuir a frequência?
Fonte: http://migre.me/vl0LU
Temos diversas alternativas. Como: fugir/se esquivar de toda probabilidade de desprazer; se revoltar com o novo contexto apresentado; experimentar processos ou pessoas similares até conseguir alcançar determinado nível de estabilidade emocional; criar para si representações de alegria e incorporar o medo e a insegurança de se doar a novas vivências, visto que a efemeridade temporal se encarregou de afastar para longe a experienciação apreciada. Pode-se compreender o quão delicado é o desenvolvimento de um afeto, de uma ligação a partir do que Bowlby (2001, p. 172) afirma: “A formação de um vínculo é descrita como ‘apaixonar-se’, a manutenção de um vínculo como ‘amar alguém’ e a perda de um parceiro como ‘sofrer por alguém’ ”.
Frankl (1984, p 107-108) se atentou para a segurança que a recordação, a convicção de que um acontecimento existiu, consegue proporcionar:
Aquilo que viveste nenhum poder do mundo tirará. Aquilo que realizamos na plenitude da nossa vida passada, na abundância de suas experiências, essa riqueza interior nada nem ninguém nos podem tirar. Mas não só o que vivenciamos; também aquilo que fizemos, aquilo que de grandioso pensamos, e o que padecemos, tudo isso salvamos para a realidade, de uma vez por todas. Essas experiências podem pertencer ao passado; justamente no passado ficam asseguradas para toda a eternidade! Pois o passado também é uma dimensão do ser, quem sabe, a mais segura. (FRANKL, 1984, p 107-108)
Além disso, é perceptível nossa falta de controle e domínio no que tange àquilo que se descortinará no futuro. Não é possível controlar o devir. Skinner (1955-1956) ressalta que a base da epistemologia é a iniciação do movimento a partir das forças que são opostas ao sujeito, ou seja, a ação conforme as contingências instauradas no ambiente.
Fonte: http://migre.me/vl0Ap
Assim, o medo vem à tona. Mas “o que pode um corpo com medo? Pouco, ou quase nada (…) precisamos ultrapassar as forças reativas, agir mais do que reagir, aumentar nossa capacidade de ser afetado, em vez de se fechar” (TRINDADE, 2016). Para lidar com a situação adversa ainda vale ressaltar que Rogers (1961), para a relação terapêutica, questiona quanto à capacidade de a pessoa respeitar de forma corajosa os sentimentos e necessidades tanto dela quanto do outro e a verificação do eu quanto a estar apto ou não a lidar com as possíveis necessidades de dependência e escravização de amor geradas por outro ser. Existindo, é claro, de forma conjunta, os sentimentos e direitos que são pertinentes ao indivíduo. Nesse caso, podemos nos referir a relacionamentos interpessoais de forma geral.
Havendo tais características, os processos de fortalecimento do ego, diferenciação e diferenciação do self tornam-se possíveis. O tão eminente encontro conosco, com o que há de mais autêntico em nós! Processo que está disponível nas modalidades intra e interpessoal, como já maravilhosamente previu Sartre (1943): “(…) nos descobrimos na rua, na cidade, no meio da multidão, coisa entre coisas, homem entre homens”.
Fonte: Fonte: http://migre.me/vl0xn
REFERÊNCIAS:
CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996. 129 p. Disponível em: Disponível em: <http://observasmjc.uff.br/psm/uploads/GeorgesCanguilhem-ONormaleoPatologico.pdf>. Acesso em: 18/10/2016.
COSTA LEITE, Lúcio Flávio Siqueira. ‘Pedaços de pote’, ‘bonecos de barro’ e ‘encantados’ em Laranjal do Maracá, Mazagão – Amapá: Perspectivas para uma Arqueologia Pública na Amazônia. Dissertação de Mestrado. Disponível em: http://ppga.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/dissertacoes/LucioCostaLeite%20(Dissertacao_de_Mestrado)%20revisada.PDF>. Acesso em: 19/10/2016.
ESPINOSA, Baruch de; SKINNER, B. F. (Revisão:Johny Brito). Espinosa e Skinner –Clínica da Experimentação. (Texto da série: Contra-história da Psicologia.) Disponível em: <https://razaoinadequada.com/2016/08/14/espinosa-e-skinner-clinica-da-experimentacao/>. Acesso em: 19/10/2016.
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