Governo Federal não determinou instalação de banheiros unissex

Compartilhe este conteúdo:

Resolução do Ministério dos Direitos Humanos não possui poder de lei

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) publicou no Diário Oficial da última sexta (22/9) uma resolução que estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, e pessoas transmasculinas e não binárias – e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais – nos sistemas e instituições de ensino.

Diferente do que está sendo propagado por peças de desinformação, o documento não possui caráter legal ou de obrigatoriedade e nem cita banheiros unissex. Também não há decreto, ordem emanada de autoridade superior que determine o cumprimento de resolução sobre o tema. A resolução apenas formula orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização.

O que a resolução aponta é a garantia de uso de banheiros, vestiários e demais espaços onde haja uso de acordo com gênero de acordo com a identidade e/ou expressão de gênero de cada estudante. O documento também se ocupa de medidas que minimizem o risco de violência e discriminações, dentre elas a adoção de banheiros de uso individual, independente de gênero, para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos.

A resolução do MDHC estende as orientações aos casos de alunos menores de idade. De acordo com o documento, as instituições devem explicações registradas por escrito aos pais e responsáveis legais nos casos de negativa da garantia do uso do nome social e/ou da liberdade de identidade e expressão de gênero junto à instituição de ensino. A resolução também orienta pais e responsáveis legais pela efetivação de denúncia junto aos órgãos de proteção de crianças e adolescentes nessas eventualidades.

A orientação também se aplica aos processos de acesso às Instituições de Ensino, tais como concursos, inscrições, entre outros, tanto para as atividades de ensino regular ofertadas continuamente quanto para atividades eventuais.

Diante da constante rede de desinformação que falam em determinação governamental sobre o tema, o ministro do MDHC, Silvio Almeida, acionou a Advocacia-Geral da União pedindo apuração. “Quem usa a mentira como meio de fazer política, incentiva o ódio contra minorias e não se comporta de modo republicano tem que ser tratado com os rigores da lei. É assim que vai ser”, declarou o ministro neste sábado (23) em uma rede social.

Você conhece a Agência Brasil da EBC? Lá você encontra as últimas notícias do Brasil e do mundo, além de informações sobre políticas públicas e serviços prestados pelo Governo Federal. A Agência Brasil mantém o foco no cidadão e prima pela precisão e clareza das informações que transmite, optando sempre pelas fontes primárias. Por se tratar de uma agência pública, o conteúdo por ela disponibilizado pode ser utilizado, gratuitamente, por outras agências, TVs e rádios do Brasil e do mundo, inclusive por você! Acesse aqui a Agência Brasil.

Para obtenção de sonoras de rádio, acesse o link

Para obtenção de vídeos, acesse o link 

Compartilhe este conteúdo:

Erika Hilton: a força e a representatividade da mulher trans e negra

Compartilhe este conteúdo:

Deputada Federal, Mulher negra e Transexual, com uma oratória que marca sua presença; filha de uma mãe evangélica que a expulsou de casa e depois a acolheu por amor.

Erika Hilton fez história ao se tornar a primeira Deputada Federal negra e trans eleita no Brasil. Sua expressiva conquista de 256.903 votos em São Paulo ressalta seu impacto. Já em 2020, ela se destacou como a vereadora mais votada do país e ocupou, durante dois anos consecutivos, a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo. Sua trajetória é marcada por uma luta incansável por representatividade e direitos humanos, tornando-se um símbolo inspirador de progresso e mudança.

Nascida no interior de São Paulo, de família religiosa e matriarcal como a mesma já citou em entrevistas, Erika viu na educação o caminho para sair da prostituição compulsória que se viu, após ser expulsa de casa, situação essa gatilhada pelo radicalismo religioso que sua família estava envolta, entretanto Erika não vê a religião como rival, hoje defende o direito de expressão de fé, alinhado com os Direitos Humanos e com foco nas minorias, cabendo destacar que se posiciona contra o uso da religião como mecanismo de invalidação de pessoas lgbtqia+, por ser uma mulher transexual em um ambiente de maioria masculina tem que lidar com a transfobia, racismo, sexismo e situações afins a crimes.

Em entrevista por meio de podcast ao jornalista Reinaldo Azevedo, Erika narrou sua vida, e iniciou citando Carolina de Jesus “O que levou a onde levou, não era sorte, era audácia e coragem”, assim a Deputada Federal também se definiu. Em continuação, Erika conta da infância, e de como saiu de sua cidade natal, e foi encaminhada para outra cidade, retirada do convívio de seus amigos e origens em Franco da Rocha – SP, após sua mãe se ver pressionada pelo sentimento de culpa por não ter “corrigido” sua sexualidade não normativa já existente, conta ela que isso se deu através do fundamentalismo religioso que afetou sua família, e destaca que nada disso teve haver com fé, é possível captar em suas falas o respeito pela diversidade religiosa, citando a mãe como referência.

Com 15 anos de idade se vê sem alternativas e sai de casa, ficando exposta às ruas, onde se encontra com as mazelas da prostituição, mas também se recorda da educação que teve na infância, pois já na escola sofria preconceito por não peformar o esperado, encontrou nos estudos a fuga das violências que era alvo, por volta de seus 20 anos sua mãe à busca nas ruas, Erika narra a mãe como sendo atravessada pela religiosidade, mas que à resgatou não por discurso ideológico ou religioso, mas por amor e questionamento, com isso ela vai para a faculdade incentivada pela mãe, cursou Gerontologia e Pedagogia na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde além de começar a questionar a elite acadêmica, abre um cursinho para travestis e transexuais e por conta de ter seu nome social recusado em uma passagem de ônibus, ingressa de vez junto aos movimentos estudantis no ativismo que hoje a levou para a carreira política como Deputada Federal.

(Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=aT57A2FWlKc&t=159s)

Em entrevista no Podcast ReConversa. Erika Hilton fala sobre sua história e seu papel na Câmara dos Deputados

 

Cabe aqui destacar que no cenário brasileiro, travestis e mulheres trans, incluindo muitas de origem negra, têm se engajado em movimentos organizados e, nos últimos tempos, vêm ocupando cada vez mais espaços em ambientes universitários e pesquisas acadêmicas. Esse engajamento tem promovido a visibilidade do feminismo transexual, cujo objetivo é expor os impactos da transfobia, do racismo, do sexismo e do heteropatriarcado na vida das pessoas que se identificam como trans femininas. Além do mais, essa abordagem busca ressaltar a importância central das dinâmicas de construção e desconstrução de gênero no contexto das pessoas trans.

Diante dessa observação, Erika se destaca e personifica em (Oliveira, 2022) “quando se fala em travesti, muita gente escuta “perigosa, piranha, puta, criminosa, vulgar” e outros adjetivos negativos, que eu faço questão de demarcar e lembrar a essas pessoas que eu posso ser tudo isso, mas sou doutora e professora universitária, pesquisadora. Essa categoria precisa passar por um processo de ressignificação. […] Eu me recuso a pedir licença para ocupar o mundo, eu chego chegando, porque é assim que tem que ser”.

Fonte:https://revistaafirmativa.com.br/peticao-criada-por-erika-hilton-pela-cassacao-de-nikolas-ferreira-e-assinada-por-mais-de-200-mil-pessoas-em-24-horas/ )

Erika cria petição pela cassação de Nikolas Ferreira, após esse proferir comentários transfóbicos no plenário da Câmara.

Sua oratória, parece ser construída para sustentar respostas de todos os lados dentro da câmara dos Deputados Federais, além de contribuir com a acessibilidade ao conteúdo acadêmica para quem não tem acesso a ele, além de ser digna do questionamento provocador de Letícia Carolina Nascimento (2021), “Quem pode se tornar mulher?”.

A deputada por meio de seu ativismo, concisão nos discursos e coligações passíveis de diálogos, vem alcançando expressivos números de eleitores, mas não só isso, a sua existência vem quantificar e respaldar o básico na vida da comunidade lgbtqia+, além de buscar frear a violação de Direitos humanos básico, como o direito de ir e vir sem ser molestado, pois visto que ao tempo que se tem incerta informação de que o Brasil é o país que mais mata, informação essa vinda por meio do Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras da -Associação Nacional de Travestis e Transexuais- (Antra) percebesse que a figuras como Erika se faz necessário de quantificar e destacar, para que não seja mais necessário contabilizar mortes mas sim lugares na sociedade, e ao pontuar o números de mortes de pessoas travestis e transexuais como incerto é na certeza de que se não importar quantificar e qualificar em vida, irá importar menos ainda em morte.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

Nascimento, S. de S.. (2022). EPISTEMOLOGIAS TRANSFEMINISTAS NEGRAS: PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA MULHERIDADES MÚLTIPLAS. Estudos Históricos (rio De Janeiro), 35(77), 548–573. https://www.scielo.br/j/eh/a/DGJb8snh5xr44yXVwvgRDSB/

Compartilhe este conteúdo:

Direitos Humanos na proteção integral da sociedade

Compartilhe este conteúdo:

Os direitos humanos são um conjunto de normas que regulamentam a proteção da população a fim de fornecerem dignidade de todos os seres humanos na íntegra. A história do direito humano é um pouco antigo, em meados da segunda guerra mundial, pois quando a sociedade se viu privado de sua liberdade a sociedade presenciou um momento chave para a elaboração de normas que protegessem não somente a vida, mas a dignidade de todos os indivíduos, independentemente de credo, cor ou classe social.

            Para Bobbio (2004, p. 1):

Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos (BOBBIO, 2004, p. 1).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 assume que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, ou seja, todos têm seis direitos pelo simples fato de serem da espécie humana. Ainda, a mesma Declaração afirma que tais direitos devem ser protegidos pela lei, um ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações. Deste modo, a Organização das Nações Unidas (ONU, 2015) afirma que os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.

Os direitos humanos tem por caraterística principal a sua mudança a originalidade, no qual este depende da civilização, o tempo e a época histórica perpassada, ou seja, ela será aplicada a partir dessas perspectivas, além do mais possui uma caraterística preconizada é que está é heterogênea, pois os direitos humanos possuem diversas pretensões entre si se tornando uma caraterística bastante interessante.

Conforme Accioly, Silva e Casella (2011, p. 502), os direitos fundamentais podem ser agrupados em direitos de primeira, segunda e terceira geração. Seguindo essa mesma linha de pensamento os direitos de primeira geração são a reafirmação do direito à liberdade, onde esses direitos foram resultados de teorias filosóficas iluministas e liberais e das lutas contra o despotismo. Por isso tem-se a ideia da abstenção da atuação do Estado para o pleno exercício dos direitos. Assim, o Estado não pode coibi-los, evitando suas violações. São os direitos civis e políticos.

 Os direitos de segunda geração são os econômicos, sociais e culturais, os quais necessitam de uma ação positiva do Estado, só podendo ser usufruídos com o seu auxílio. Zambone e Texeira (2012, p. 56) declaram que a segunda geração diz respeito aos direitos de prestação, que são ações positivas do Estado.

Por final temos os direitos humanos de terceira geração, no qual de acordo com Bobbio (2004, p. 21) incluem os direitos individuais tradicionais, que são os direitos de liberdades, os direitos sociais, que consistem em poderes, e os de terceira geração, no caso das Cartas mais atuais. Os primeiros exigem obrigações negativas do Estado, limitando as ações dos órgãos públicos para proteger o ser humano. Os segundos impõem obrigações positivas. É importante observar que as gerações de direitos são complementares umas às outras.

Portanto, os direitos humanos nessa perspectiva de contextualização, onde este respectivo tema é bastante extenso e que também não foram criados de uma hora para outra. Possuem uma evolução histórica, em que as lutas sempre estiveram envolvidas. A Declaração Universal de Direitos Humanos é um grande exemplo: foi cunhada após a terrível Segunda Guerra Mundial. Assim, a luta para a concretização dos direitos humanos, e também dos direitos fundamentais dentro de cada país, é um processo que ainda não acabou. Após a conscientização de que existem direitos, vem a etapa de concretizar esses direitos, ou seja, fazer com que todos possam usufruí-los. Neste quesito, os entes estatais, União, Estados, Distrito federal e Municípios são essenciais para a consolidação dos direitos básicos do homem.

Referências:

ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 976p.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 212 p.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (Brasil). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.dudh.org.br/wpcontent/uploads/2014/12/dudh.pdf Acesso em: 29 de agosto de 2023.

ZAMBONE, Alessandra Maria Sabatine; TEIXEIRA, Maria Cristina. Os Direitos Fundamentais nas Constituições Brasileiras. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, São Paulo, v. 9, n. 9, p.51-69, 2012. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistasims/index.php/RFD/article/viewFile/3542/3199 Acesso em: 29 de agosto de 2023.

Compartilhe este conteúdo:

As eleições e o inconsciente coletivo

Compartilhe este conteúdo:

Em pleno 2022, ano de Copa… digo! Nos últimos anos temos visto a história de grandes eventos serem criados, vivenciamos grandes feitos em prol da humanidade, mas também observamos situações críticas e alarmantes, dentre elas a pandemia do Covid-19 é a que mais se destaca.

Neste ano as coisas não são diferentes, grandes eventos se iniciaram, outros estão acontecendo e alguns ainda estão por vir (Dá-lhe Hexa!). O último grande evento que se iniciou e ainda está em curso é a política nacional e estadual no Brasil.

Fonte: l1nq.com/TpJ6g

A escolha do Presidente, Senadores, Deputados Federais, Governadores e Deputados Estaduais ocorreram no último dia 02 de outubro de 2022. Para o cargo principal, a apuração de votos se mostrou bem diversificada.

Sem externar opinião política ou qualquer viés que possa influenciar o espectador, os dados oficiais demonstram que, para presidente, os candidatos mais votados receberam, respectivamente, 57.259.504 (cinquenta e sete milhões duzentos e cinquenta e nove mil e quinhentos e quatro) votos para o 1º lugar e, 51.072.345 (cinquenta e um milhões e setenta e dois mil e trezentos e quarenta e sete) votos para o 2º lugar.

Um fato que chama bastante atenção é a quantidade de Abstenções, no total, cerca de 32.770.982 (trinta e dois milhões setecentos e setenta mil e novecentos e oitenta e duas) pessoas se abstiveram de votar, um número extremamente significativo que, caso tivessem votado, com certeza definiriam as eleições ainda em primeiro turno.

Mas então, por que não votaram? Além disso, por que certas pessoas votaram no político A ou no B? E a pergunta mais importante, o que o Inconsciente Coletivo nos diz sobre isso?

Óbvio que de forma inconsciente você já deu sua opinião sobre cada uma das perguntas, certo? Bom, vamos lá!

O estudo sobre o inconsciente coletivo é muito extenso, porém, a fim de reduzi-lo em uma pequena explicação, podemos resumi-lo como sendo uma parte da psique que não pertence exclusivamente a um único indivíduo e suas experiências pessoais, mas de todos aqueles que ali residem.

Fonte: Google Imagens

Jung fala que o inconsciente coletivo é devido a hereditariedade, de modo que é algo que sempre esteve presente e não foi vivenciado exclusivamente por uma pessoa. Para simplificar trago o exemplo do Arquétipo da mãe. Independente da cultura, viés político, quando se fala da figura materna, todos pensam unanimemente na proteção e cuidado que todas as mães possuem, mesmo que suas histórias sejam totalmente incompatíveis e de classes sociais incomunicáveis.

Dito isto, temos que o inconsciente coletivo é algo que se faz presente, de forma inconsciente, na vida de grande parcela da sociedade, seja através de suas crenças e valores ou por uma questão episódica que ocorreu na sua região geográfica.

Outra informação relevante sobre o inconsciente coletivo é que Jung, em suas pesquisas, o dividiu em doze principais arquétipos que são comumente presentes na sociedade.

Respondida a última pergunta, agora fica mais fácil compreender e responder as duas primeiras.

A política, principalmente nos períodos de eleição, pode ser comparada a uma grande entrevista de emprego em que o empregador é o público votante que definirá quem irá representa-lo por um período (talvez) de quatro anos de mandato. 

Fonte: l1nq.com/OKgEl

Ocorre que para sejam eleitos, os políticos (vamos definir nesse texto que políticos são somente as pessoas que levam esse ofício como uma “profissão”, ok?) acabam por terem que utilizar-se de diversos recursos para atrair a maior quantidade de votos possíveis para garantir a ocupação de sua cadeira no cargo que almeja.

Uma das artimanhas que já é muito conhecida pelos políticos profissionais é a exploração dos arquétipos. Ora, não é incomum observamos propagandas em que colocam o candidato X que pretende ocupar o cargo Y alegando que ele é a única opção viável para salvar o país.

O arquétipo do herói é um dos mais utilizados nesse meio, principalmente no atual cenário de eleições presidenciais em que os candidatos se apresentam como antagonistas de ideais e caráter, com pautas extremamente definidas. Ambos buscam descreditar os argumentos do adversário para enaltecer a própria candidatura.

Arquétipos como o governante, o prestativo, o homem comum, até mesmo o inocente é usado neste cenário para atrair o maior público possível que se identifique com o candidato de sua preferência. É claro que existem outros fatores que induzem um indivíduo a escolher entre o político A ou B, mas vamos desconsidera-los neste texto.

Mas e a abstenção, como podemos explica-la? Bom, usando o raciocínio acima indicado é possível observar que, na maioria das vezes, aqueles que exercem o poder de escolha da presidência do país o fazem por se identificar com aspectos particulares de cada candidato. Viés político, pauta ideológica, projetos de governança, até mesmo histórico de erros e acertos. Podemos inferir que a auto identificação com o candidato ou a expectativa deste ser aquilo que almeja para solucionar os problemas pessoais é o que contribui para dar o voto.

Na contrapartida, a abstenção é exatamente a falta desta identidade similar, seja por decepção ou mesmo por questões ideológicas ou, simplesmente, por não estarem se comunicando de forma adequada com este público através dos arquétipos.

Uma coisa é certa, na política e em qualquer aspecto social, não é possível agradar a todos, mas é necessário que a maioria democrática opte por aquele que irá ditar o futuro do país.

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo.Tradução: Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva]. – Perrópolis, RJ. ed. Vozes, 2000.

DESCONHECIDO. ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE. Portal G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/apuracao/presidente.ghtml> acesso em 10 out 2022.

Compartilhe este conteúdo:

O Brasil e a banalidade do mal

Compartilhe este conteúdo:

A maioria dos genocídios ao longo da história se deu por meio de ações declaradamente violentas, sangrentas e por uso da força. Já o genocídio Bolsonarista acontece sem que os assassinos precisem sujar suas mãos ou se exporem. Basta não fazerem nada, basta deixarem que aconteça. Mesmo as ações utilizadas para acelerar o processo, são sutis e singelas. Podem até serem confundidas com um pequeno engano, uma piada, uma ignorância inocente ou uma preocupação legítima: “esquecer” do uso da máscara, compartilhar ou inventar mentiras, falar uma bobagem qualquer usando a si próprio como exemplo de validação,  indicar terapêuticas aparentemente inofensivas, criticar o isolamento social em prol do direito ao trabalho e a renda.

O genocídio Bolsonarista não precisa provocar muito barulho e nem se colocar na cena das mortes; é limpo e covarde. Sua perversão e crueldade está sobretudo, na sutileza e na invisibilidade  As pessoas podem ser enviadas para a morte com uma “inocente” mensagem de WhatsApp ou um vídeo na TV.

Hannah Arendt, em sua leitura sobre o julgamento de Eichmann por crimes de genocídio contra os judeus, afirmou que não foi necessário um monstro cruel e perverso para instrumentalizar as atrocidades comandadas por Hitler e o Nazismo, durante o Holocausto. Bastou um burocrata obediente, sensato e disciplinado, disposto a cumprir ordens e fazer o seu trabalho de modo eficiente. Bastou que Eichmann cumprisse seu papel e se deixasse levar pelo que Arendt chamou de “banalidade do mal”. O que não faz dele menos responsável, vale salientar.

Fonte: encurtador.com.br/uvA08

O Brasil de 2020 e 2021 está infestado de Eichmanns. São médicos e instituições médicas que não se pronunciam frontalmente contra o negacionismo e o uso indiscriminado de medicamentos e terapêuticas sem prescrição devida. São Universidades, instituições de ensino e pesquisa, cientistas e pesquisadores que silenciam diante de um governo que não respeita a ciência e a invalida. São empresários e comerciantes que fazem manifestação pelo direito de colocar seus trabalhadores e clientes em risco, ao invés de se mobilizarem pela vacinação em massa.  São oportunistas de toda ordem que fecham os olhos para aceitarem cargos, privilégios e promoções dentro desse governo. É o Centrão que insiste em apoiar um governo sem condições morais, éticas, intelectuais, políticas e nem mesmo estéticas, para governar nosso país. São homens da lei que se escondem atrás da legalidade e da burocracia, para promoverem mais mortes. São os cínicos que assistem o massacre do alto de seus privilégios ricos e brancos, sem nada fazer. São os veículos de comunicação que se escondem atrás da “isenção jornalística”, a fim de sustentarem os discursos que lhes convém. São os artistas, os comunicadores e influenciadores de toda ordem que “não querem se meter em política”. São padres, pastores, guias, mestres e líderes religiosos que usam o nome de Deus para matar sem culpa. São todos que, munidos de algum privilégio, influência ou poder, decidem apenas lavar suas mãos, nesse caso, literalmente. E, finalmente, temos ainda os débeis, os deliroides e os idiotas que parecem gozar e se gabar, enquanto seguem convictos e crentes, em direção à própria morte e a dos seus.

O Brasil caminha a passos largos para 400 mil mortes, e sabemos que muitas delas poderiam e podem ainda serem evitadas. Bolsonaro não é responsável por todas essas mortes sozinho, deverão ser julgados juntos com ele, todos aqueles que, como Eichmann decidiram apenas “contribuir com sua parte para o nosso belo quadro social”.

Então, se você se percebe anestesiado pela “banalidade do mal”, mas não quer ser cumplice de todas essas mortes, desperte, se mova e grite: FORA, BOLSONARO GENOCIDA!

Compartilhe este conteúdo:

Bolsonarismo: que estratégia político-terapêutica para um governo deliroide?

Compartilhe este conteúdo:

Não acho prudente, nem ético, usar a psicanálise para diagnosticar ou analisar pessoas fora do meu consultório, mas é totalmente possível ou aceitável utilizá-la para analisar conjunturas político-sociais. Mas, nem é preciso entender de psicologia para perceber que o Bolsonarismo tem um componente deliroide bastante forte. As tão faladas “Fake News” exemplificam muito bem o que eu chamo aqui de deliroide: verdades construídas a partir de fragmentos ou de indícios de realidade e tornadas verdades universais.

Eu trabalho no campo da saúde mental há mais de 20 anos, e se tem uma coisa que aprendi com esse trabalho é que o delírio não pode ser desmontado por uma simples confrontação com a realidade ou com racionalidade. Se o sujeito, em franco delírio, chega até você afirmando que tem um chip instalado na cabeça e através do qual se comunica com extraterrestres, não há absolutamente nada que se diga que mudará sua perspectiva de realidade. Nem que eu lhe mostre uma ressonância magnética do próprio crânio, ou que seja possível abrir sua cabeça para mostrar que não há nada lá, ele não se demoverá de sua verdade. Isso pelo simples fato de que aceitar desmontar tal delírio, seria desmontar a si próprio, já que, naquele momento, por uma fragilidade simbólica, o sujeito encontra-se totalmente assentado sobre aquela verdade. Se ela cair, ele cai junto. Freud dizia que os psicóticos amam o próprio delírio como a si mesmos. Resumindo, é isso.

Fonte: encurtador.com.br/jlmC0

Clarice Lispector diria isso assim: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.

Tempos atrás li um artigo do Javier Salas no El País, sobre o terraplanismo intitulado: “Você não pode convencer um terraplanista e isso deveria te preocupar”. Os terraplanistas, afirma Salas, simplesmente acreditam que a Terra é plana, e qualquer dado que possa prová-los do contrário é simplesmente ignorado ou considerado manipulação de conspiradores.  Obviamente que não é possível dizer que todos os terraplanistas são psicóticos ou doentes mentais, mas certamente, podemos falar de um empobrecimento ou fragilidade simbólicas, o que favorece o discurso que chamei de deliroide, ainda que ele não seja rigorosamente delirante.

Fonte: encurtador.com.br/mFL79

Voltamos ao Bolsonarismo, fortemente fundamentado num discurso deliroide, reforçado pela sua reprodução maciça nas redes sociais. Se o clã Bolsonaro está se aproveitando do discurso deliroide ou se acredita mesmo nele, eu não saberia dizer. O fato é que ele tem sabido utilizá-lo muito bem, desde a campanha eleitoral, e também tem sido bastante competente em agregar a si personagens igualmente deliroides (nem é necessário citá-los um a um). Diante disso, não há debate político possível. Não há racionalidade que possa confrontar os argumentos do Bolsoplanismo. Então, o que fazer? Que estratégias utilizaremos?

O que posso dizer a partir do que estudei e pratiquei todos esses anos é que, se não é possível desmentir um delírio, é possível desconstruí-lo pouco a pouco, parte por parte. Fazer pequenos furos, abalar algumas verdades, duvidar, perguntar, são algumas das estratégias que utilizamos para ir minando a certeza do sujeito delirante, fazendo-o enxergar outras possibilidades. E é muito importante que ele encontre outras possibilidades, caso contrário, voltará para sua certeza delirante, que ao menos lhe assegura um lugar.

Compartilhe este conteúdo:

Psicologia Política e política como práxis da psicologia brasileira

Compartilhe este conteúdo:

Gustav Le Bon estudou sobre o comportamento político em 1895 quando fez uso da temática massas eleitorais, e fomentou discussões sobre a interferência dos livros e dos jornais no processo de formação da opinião pública (LHULLIER, 2008). A psicologia aproximou-se da política nas obras de Freud, onde ele demonstrava interesse no que tange ao poder, civilização e pactos sociais, e a psicanálise propôs-se a substituir as questões filosóficas acerca da política racional pela análise das origens da dominação, leis de submissão que fazem parte do pacto social, ou laço social (FREUD, 1937).

 O pacto social ou laço social possui três modalidades: analisar, educar e governar, que de acordo com Freud são impossíveis de serem concluídas por completo, pois de acordo com a compreensão de sujeito e sociedade dele, existe a limitação no processo de dominação, escravização e normatização total a modelos sociais impostos ou almejados (FREUD, 1937)

Conforme Freud (1937), a psicanálise não se limita apenas a investigar o inconsciente apresentado nas práticas sociais, porém deve tornar visível a dimensão política que é apresentada na clínica.  A etimologia do termo política vem do grego, pólis –, os regimes de governo, os reinos, os sistemas republicanos, enfim, o funcionamento dos poderes públicos.

Fonte: encurtador.com.br/bxDN0

A psicologia política propõe-se a estudar as estruturas sociais com a finalidade de contribuir para modificações progressivas e o bem-estar coletivo (Penna, 1995). A psicologia comprometida com a transformação das conjunturas sociais aproxima-se com a teoria social crítica da Escola de Frankfurt, que possui o objetivo de romper com a neutralidade das ciências sociais e engaja-se de forma ativa dentro da sociedade, contribuindo para a construção de uma sociedade igualitária. Política não é excluir a referência à postura política institucional, como governo, partidos e representantes, porém é a expansão do seu significado para agrupar outros fenômenos relevantes da vida política (LHULLIER, 2008).

De acordo com Greenstein (1973), existem conexões complexas e na maioria das vezes indiretas que ligam fenômenos psicológicos e políticos, e que só são possíveis de serem estudados através da psicologia política. A Psicologia Política é a interação entre processos psicológicos e fenômenos políticos, e Deutsch (1983) afirma:

“A psicologia política visa estudar a interação de processos políticos e psicológicos, isto é, envolve uma interação de mão dupla. Assim como as habilidades, limites cognitivos afetam a natureza do processo de tomada de decisão política, também a estrutura e o processo de tomada de decisão política afetam as habilidades cognitivas. Dessa forma, crianças e adultos de cinco anos,  apesar das diferenças cognitivas, ideias muito diferentes serão formadas sobre as estruturas e processos políticos; Da mesma forma, certos tipos de estruturas e processos políticos favorecerão o desenvolvimento de certas características em adultos (inteligência, autonomia, reflexão, ação), em tanto que outros incentivam o desenvolvimento de habilidades cognitivas semelhantes às criança (imaturidade, passividade, dependência, ausência de espírito crítico) “(DEUTSCH, p. 240, tradução nossa).

Fonte: encurtador.com.br/sJV02

Martín-Baró (1991) aponta que o comportamento político consiste em tudo o que é feito dentro do Estado, e os protagonistas dessas ações são as instâncias, os cidadãos, os representantes, portanto, trata-se de uma ideia institucionalista da política. O autor utiliza o poder como uma forma de compreensão da política, pois considera o poder como um dos principais aspectos da vida social, o eixo fundamental.

Martín-Baró denota que o poder é intrínseco à vida política e social de modo geral, diante disso pode ser utilizado como componente capaz de diferenciar o comportamento político do comportamento não político, e define que: “ todo comportamento interpessoal ou intergrupal supõe algum grau de poder, por menor que seja, e consequentemente, seria político. “(Martín-Baró, 1991, p. 41). Por conseguinte, para que seja possível compreendermos o comportamento como político, é preciso analisar o impacto que ele provoca numa ordem social (Martín-Baró, 1991).

A ATUAÇÃO POLÍTICA DA PSICOLOGIA NO BRASIL

Em 1980, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) ao lado do Sistema Conselhos de Psicologia notaram que suas atuações não deveriam estar restritas somente ao âmbito da regulamentação e da prática profissional, mas que deveria abarcar também às questões político-sociais do Brasil, visando a luta para tornar os processos sociais e políticos democráticos (HUR e LACERDA JÚNIOR, 2017).

Hur (2012) aponta que o CFP participou do movimento civil Diretas Já e da Constituição Cidadã, lutando pela democracia, igualdade, direitos humanos e equidade, e na década de 90, o CFP evidenciou o compromisso social da psicologia, iniciando os anos 2000 com fortes posicionamentos da psicologia dentro das políticas públicas, dando voz e força a uma psicologia plural, que possui práticas abrangentes para diversas áreas e que dedica-se as políticas sociais, lutando pela transformação psicossocial.

Fonte: encurtador.com.br/kY289

O Conselho Federal de Psicologia desde o passado tem adotado posicionamentos e práticas que contribuem para que a sociedade, pois a luta consiste numa construção democrática e justa, que seja concebida em moldes igualitários e buscando aniquilar fatores que provoquem sofrimento psicossocial (HUR, 2012).

Sobre a relação entre a Psicologia e Política, Hur e Lacerda Júnior (2017) afirmam que:

“não só o CFP assume posicionamentos políticos, como também a própria Instituição Psicologia, seus saberes, dispositivos técnicos de intervenção e seus atores sociais (psicólogas[os]). Pois suas práticas sempre estão posicionadas social-historicamente e exercem relações de forças que culminam na gestão da vida, tanto individual, como social. É inegável que a atuação do psicólogo no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) exerce relações de forças que podem transformar a vida da comunidade. É inegável que a atividade do psicólogo no seu consultório privado, ou mesmo um psicodiagnóstico, altera as relações de forças de um indivíduo consigo próprio e com seu entorno, no qual ele pode reconfigurar e assumir não só um novo posicionamento existencial, mas também político, porque se atualizam ali novas relações de forças e desejantes” (HUR e LACERDA JÚNIOR, 2017, p. 3-4)

Dessa maneira, apesar que existam profissionais da psicologia que não consigam comtemplar o lado político de suas atuações profissionais, “sempre há produção de regimes de poder em suas intervenções profissionais” (HUR e LACERDA JÚNIOR, 2017, p. 4). Os autores defendem que não existem práticas psicológicas e científicas que podem ser exercidas de maneira neutra, visto que existe uma microfísica das relações de poder presentes nas práticas sociais. Conforme Prof. Pedrinho Guareschi apud Hur e Lacerda Júnior (2017): “Se ignoramos a política, nos tornamos vítima dela”.

Fonte: encurtador.com.br/dZ256

Durante e após a ditadura militar, a psicologia levantou e produziu conhecimento científico sobre os impactos da violência de Estado e dos regimes opressores constituídos na ditadura, tendo como objetivo questões de cunho psicoterápico e político, onde a elaboração de traumas provocados pela ditadura era trabalhada em paralelo com a produção de narrativas acerca dos fatos da época, buscando informações que iam além do que era fornecido e divulgado por meio dos meios oficiais que era utilizados no regime (HUR e LACERDA JÚNIOR, 2017).

Entretanto, observamos que os ataques as investidas contra a democracia e aos direitos sociais não são exclusivos do passado, pois no presente vimos a execução de outro golpe político, de cunho parlamentar no ano de 2016, que atacou diretamente a Resolução 01/99 do CFP, além de praticar censura à arte, regressão no âmbito do trabalho e o crescimento da onda de conservadorismo que direcionava inúmeros ataques às minorias (MACHADO, 2017).

O papel da Psicologia é fundamental na luta pelos direitos humanos, pela democracia e contra todos os tipos de opressão, e diante da fragilidade da democracia do Brasil, devemos nos manter em alerta constante, visto que os sinais de resquícios da ditadura civil-militar continuam evidentes na sociedade ainda nos dias de hoje.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável. In: EDIÇÃO Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Ed. Imago, vol. XXIII 1980. 1937

GREENSTEIN, E: “Political Psycholgy: a pluralistic universe”, en KNUTSON, J. N.,  Handbook of political psychology. Jossey-Bass Publishers. San Francisco, 1973.

HUR, Domenico Uhng. Esquizoanálise e política: proposições para a Psicologia Crítica no Brasil. Teoría y Crítica de la Psicología, (3), 264-280. 2013

HUR, Domenico Uhng; LACERDA JUNIOR, Fernando. Psicologia e Democracia: da Ditadura Civil-Militar às Lutas pela Democratização do Presente. Psicol. cienc. prof. , Brasília, v. 37, n. spe, p. 3-10, 2017. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932017000500003&lng=en&nrm=iso>. acesso em 14 de agosto de 2020.  https://doi.org/10.1590/1982-3703190002017

HUR, Domenico Uhng.U. (2012). Políticas da psicologia: histórias e práticas das associações profissionais (CRP e SPESP) de São Paulo, entre a ditadura e a redemocratização do país. Psicologia USP, 23(1), 69-90. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000100004

HUR, Domenico Uhng, & Lacerda Jr., F. (2017). Ditadura e insurgência na América Latina: Psicologia da Libertação e resistência armada. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(num esp), 28-43.

LHULLIER, Louise A. A psicologia política e o uso da categoria “representações sociais” na pesquisa do comportamento político. In ZANELLA, AV., et al., org. Psicologia e práticas sociais [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.

MARTÍN BARÓ, Ignacio.: “Métodos en psicología política”, en MONTERO, M. (Coor.):  Acción y discurso. Problemas de la psicolgía política en América Latina. Eduven. Caracas, 1991.

Compartilhe este conteúdo:

Psicologia Política e Democrática: desafios e práticas

Compartilhe este conteúdo:

No dia 15 de novembro é comemorado o dia da Democracia, e por isso o En(Cena) convidou duas psicólogas atuantes na cidade de Palmas, para um debate sobre questões pertinentes sobre psicologia política e democracia, para compreendermos mais sobre a temática.

Ana Carolina Peixoto do Nascimento possui graduação pelo Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA, Mestrado em Ensino em Ciência e Saúde, pela Universidade Federal do Tocantins, sócia fundadora do Devir Espaço Terapêutico, onde atua como psicóloga clínica no atendimento de crianças e adolescentes.

Ana Carolina Peixoto, Psicóloga, CRP 23/1253

Ester Maria Cabral, possui graduação em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO (1982), graduação em Psicologia pelo Centro Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA, especialização em Saúde Mental pela Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ.

Ester Maria Cabral, Psicóloga, Assistente Social, CRP 23/1766

As convidadas abordaram características e contribuições que a psicologia traz para a colaboração da garantia e empenho dos direitos à democracia e suas práticas.

En(Cena) – Como vocês avaliam a relação de políticas públicas e psicologia?

Ana Carolina – Durante muitos anos, a Psicologia esteve recolhida às quatro paredes dos consultórios particulares, restringindo-se a uma pequena parcela da população, aquela que
tinha condições de pagar. Com a inserção da Psicologia nas políticas de saúde, assistência social, justiça e educação, a Psicologia caminha para um processo de democratização do acesso aos serviços psicológicos, em consonância ao nosso Código de Ética Profissional, buscando reduzir as desigualdades, promovendo a inserção social, saúde e qualidade de vida, e buscando eliminar quaisquer formas de violência e negligência.

Ester Cabral – As políticas públicas no Brasil começam a ser pensadas a partir de movimentos de sistematização e mobilização de caráter científico nas décadas de 1930 a 1960, com ênfase na implantação do Estado Nacional Desenvolvimentista com o grande desafio de modernização de uma sociedade fortemente dependente de países mais avançados tecnologicamente.

A Psicologia desde os seus primórdios sempre esteve ligada a setores importantes da sociedade e o início de sua profissionalização se deu com a contribuição de duas grandes áreas do conhecimento: a educação e a saúde. No entanto, era vista como elitista e de difícil alcance da população de modo geral.

A partir da constituição de 1988, nossa constituição cidadã, percebe-se um avanço na implementação das políticas públicas no país especialmente as voltadas à Seguridade Social e neste campo a psicologia tem alcançado um espaço maior de atuação, em especial nas áreas de Assistência Social e Saúde.

É evidente que o alcance da psicologia enquanto profissão é muito maior e cabe em todos os espaços políticos, no entanto este lugar de atuação tem se restringido, apesar de vários movimentos para sua expansão, em especial na área da educação onde o profissional psicólogo ainda não tem seu espaço garantido.

As políticas de saúde pública e de assistência social já contemplam a presença do profissional psicólogo em seus dispositivos de atuação tais como: CRAS, CREAS na Assistência Social e Hospitais, Ambulatórios de Especialidades, CAPS, NASF na Saúde, porém esta atuação ainda é bastante insipiente e percebe-se que a atuação deste profissional é requerida, em sua grande maioria, para os  atendimentos clínicos.

Sabe-se que há espaço para a atuação do profissional psicólogo na gestão das políticas públicas, porém nem sempre a psicologia é contemplada para estes fins a não ser nas áreas de Recursos Humanos.

Muito se tem a fazer no sentido de estabelecer uma maior interlocução da profissão com as áreas públicas e a Psicologia Social é a que mais se destaca nesta vertente, buscando discutir com a sociedade seu papel primordial na mudança de visão que a população tem da nossa profissão, antes vista como elitista, para uma visão mais próxima dos anseios da população, especialmente a população carente.

En(Cena) – Ana Carolina, o que te levou a escolher trabalhar com a psicologia e especificamente a área de álcool e outras drogas?

Ana Carolina: Acredito que o meu encanto com a Psicologia sempre foi a nossa capacidade de transformação de realidades, mundos, jeitos de ser e de viver (nossos, profissionais Psi, e das pessoas que entram em contato com o nosso trabalho).

Durante a faculdade de Psicologia, tive a oportunidade de experimentar diversas vivências (em projetos de pesquisa, extensão, monitorias, estágios extracurriculares e curriculares) e, dentre elas, a inserção na Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Foi durante a participação no projeto de pesquisa PET-Saúde (Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde) que me inseri, pela primeira vez, no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS AD III). A princípio, foi uma experiência desafiadora, pois a primeira emoção que senti ali foi de medo (enormemente influenciada pelas reportagens e notícias veiculadas nos meios de comunicação, que desumanizam o usuário de drogas, e o representam como um “monstro”). Imaginem o meu choque, de entrar no CAPS AD esperando encontrar “zumbis” (vide referência das novelas que ousam retratá-los assim), e encontrar pessoas normais?! Essa experiência do PET-Saúde despertou o meu interesse para conhecer mais a Política, e foi quando decidi escrever o meu Trabalho de Conclusão de Curso com essa temática. Após concluir a graduação, trabalhei durante dois anos neste mesmo CAPS AD III, como psicóloga da equipe multidisciplinar, e dei continuidade aos meus estudos e pesquisas nessa área com a minha dissertação de Mestrado. E pretendo continuar no Doutorado…

En(Cena) – Ester, o que te levou a escolher trabalhar com a assistência social e posteriormente a psicologia?

Ester Cabral: Sempre gostei de políticas públicas e o Serviço Social me oportunizou o trabalho na área da Saúde Pública, atendendo a uma população em vulnerabilidades sociais graves. Como Assistente Social, trabalhei na gestão da saúde em Policlínica, depois em Serviços de Saúde Mental (NAPS e CAPS) e em hospital, na assistência à saúde. .

Ao tempo em que atuava na gestão destes serviços, também tive a oportunidade e o privilégio de acompanhar o nascimento do SUS e do SUAS,  participando de suas instâncias de controle social nos Conselhos Municipais de Saúde e de Assistência Social, o que enriqueceu minha atuação como Assistente Social à época.

Este contato com a Saúde Mental me trouxe para a psicologia e na gestão de serviços de CAPS pude perceber a riqueza da conexão entre Serviço Social e Psicologia especialmente tendo uma visão sistêmica da realidade das pessoas em sofrimento psíquico e suas famílias. A partir desta vivência, pude concluir minha segunda graduação, mesmo que agora não mais esteja atuando na área pública.

En(Cena) – Em suas atuações profissionais, quais são os maiores embates no desenvolvimento da psicologia política e garantia da democracia?

Ana Carolina – Acredito que não existe Psicologia sem Política, porque a Psicologia é, em essência, um convite a pensar na problemática social, e o social não está “fora”, mas acontece no meio, entre as relações que estabelecemos. A Psicologia é política a partir do momento que fornece os meios para romper com o massacre das subjetividades, e integra o sofrimento do sujeito ao contexto político-histórico-social.

E me parece que a Psicologia que permanece fechada em suas quatro paredes (e isso não acontece somente nos consultórios particulares, mas também podemos constatar na atuação nas Políticas Públicas) ainda carece desse debate, dessa crítica social. A constituição da Psicologia como ética-estética-política busca romper com a padronização das formas de cuidado, para criar intervenções singulares para sujeitos singulares.

Ester Cabral – Entendo que os maiores embates no desenvolvimento da psicologia política na garantia da democracia estão especialmente na luta de seus profissionais pela manutenção da garantia de direitos dos cidadãos, alcançados por meio de nossa Constituição Federal. Estes direitos já garantidos estão sendo negociados de forma nefasta por parte dos “altos poderes nacionais”, colocando em risco nossa tão frágil democracia.

Em tempos de divisões ideológicas e de um país altamente polarizado, há que se pensar nos valores que a Constituição de 1988 prega e cada profissional engajado politicamente deve se posicionar no sentido de que os espaços de diálogo da população no seio das políticas públicas já concretizados sejam preservados e que através da conversação e da construção possamos efetivar nossa democracia tão atacada ultimamente.

En(Cena) – Ana, partir dos seus estudos e experiências, por quais motivos a população está tendo, cada vez mais cedo, o consumo de álcool e drogas?

Ana Carolina – compreensão que temos das drogas se modifica a depender do contexto histórico-político-social-cultural que vivemos. Desse modo, podemos dizer que as pessoas sempre usaram drogas para diversos fins, sejam eles religiosos, políticos, recreativos, medicinais.

Quando falamos em uso de drogas, estamos falando de substâncias lícitas e ilícitas (do ponto de vista legal), ou, utilizando a definição da Organização Mundial de Saúde “qualquer substância capaz de produzir alterações no funcionamento do nosso organismo”, a isso incluem-se os medicamentos, o álcool, o tabaco, a maconha, o crack, cocaína, açúcar, café etc.. No entanto, o contexto que conhecemos hoje, de “Guerra às Drogas” tem seu princípio na proibição do álcool nos Estados Unidos, em 1970, e tem raízes racistas e morais, proibindo certas substâncias e liberando outras, como falado anteriormente, a depender do sistema de valores sociais.

Desse modo, as pesquisas recentes apontam para um crescimento significativo do uso de medicamentos (em especial os opióides e anfetaminas, como a morfina, tramadol, metilfenidato – Ritalina), com 57 e 27 milhões de pessoas em todo o mundo, respectivamente, segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC, 2020). A mesma pesquisa apontou que cerca de 19 milhões de pessoas fizeram uso de cocaína ou crack. Além disso, a Organização Mundial de Saúde publicou, em 2018, uma pesquisa apontando mais de 2 bilhões de pessoas que faziam uso de álcool, sendo mais de 280 milhões de pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool no mundo (OMS, 2018). Mas, por que é importante entendermos esses dados (e aqui estou trazendo somente um recorte)? Porque quando fala-se em “epidemia de drogas” e “Guerra às Drogas”, não está se falando do álcool e dos medicamentos, mas das substâncias ilícitas, em especial aquelas consumidas pelos estratos da população mais vulneráveis, o que evidencia a retórica falaciosa dessa Guerra, que nunca foi às drogas, mas as pessoas que usam “determinadas” drogas, em “determinados” espaços e contextos sociais. E isso é fundamental para entendermos o recorte sócio histórico em que vivemos, em que os jovens têm fácil acesso ao álcool e tabaco, em que a vida (e suas vicissitudes) é medicalizada, e o cenário proibicionista e racista encarcera e mata jovens pretos e periféricos.

En(Cena) – Ester, diante de suas experiências na assistência social e psicologia, os direitos democráticos e políticas públicas estão sendo aplicados na área da saúde mental?

Infelizmente, tudo o que se construiu e se estruturou em termos de saúde mental no país a partir da Reforma Psiquiátrica Brasileira da década de 1970 até 2015, está sendo desconstruído de forma descabida baseada em lobes políticos de instituições, que por anos usurparam o direito do cidadão com transtornos mentais de se tratar em liberdade.

É com muita tristeza que vemos o desmonte da Rede de Atenção Psicossocial, começando pela falta de financiamento, pelo estrangulamento dos serviços de CAPS, pela desconfiguração da RAPS e pela introdução de serviços privados de caráter contrário aos princípios da Reforma Psiquiátrica e do tratamento em liberdade em especial ao cuidado das pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, como as Comunidades Terapêuticas.

O desmonte da estrutura da RAPS a partir da Atenção Básica como ordenadora do cuidado, a implantação de serviços ambulatoriais para a saúde mental, deslegitimando o trabalho do NASF e dos CAPS no território são intervenções danosas aos direitos democráticos adquiridos pela população no cuidado à Saúde Mental no país.

En(Cena) – A população de Palmas tem conhecimento sobre os recursos e assistência oferecidos no combate e tratamento de álcool e outras drogas no município?

Ana Carolina – Sim, acredito que a população tenha acesso a informação e divulgação dos serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no cuidado em Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. No entanto, falta investimento do setor público, tanto nos serviços já existentes buscando qualificar e aprimorar as equipes, estrutura física e condições de trabalho, quanto na implantação de novos serviços necessários para o bom funcionamento da Rede.

Nesse sentido, a falta de investimento público vem acontecendo nos diversos níveis (nacional, estadual e municipal), ocasionando um desmonte de programas e serviços. Vale citar a Nota Técnica N° 11/2019 da Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, vinculada ao Ministério da Saúde; a Lei N°13.840/2019; o Decreto N° 9761/2019; a Lei Estadual N° 3.528/2019 (revogada pelo Superior Tribunal Federal por ser inconstitucional) e outras publicações que traduzem esse atraso.

Ester Cabral – Creio que a população sabe que existem recursos de saúde e assistência social no município, no entanto, não têm conhecimento do que é oferecido nos dispositivos existentes. Infelizmente não há uma divulgação efetiva dos serviços e recursos oferecidos à população e grande parte da população sabe que esses recursos existentes não são suficientemente ofertados para o atendimento da demanda.

En(Cena) – Quais meios de acesso você considera eficaz para que a população possa ter maiores informações a respeito de democracia e garantia da mesma?

Ester Cabral – A mídia e as redes sociais são, hoje, potentes meios de acesso e comunicação para que a população seja informada de seus direitos. No entanto, entendo que estas informações só conseguem chegar de forma mais contundente à população, em época de campanhas políticas quando os aspirantes aos cargos fazem questão de mostrar o que a sociedade tem e o que não tem.

Vejo que a sociedade organizada também é um excelente veículo de informação e de meio de acesso à estas informações exercendo seu papel de  controle social participando dos conselhos municipais e estaduais das mais diversas políticas. Foi assim que construímos o SUS e o SUAS, com a efetiva participação da sociedade e é através destes mecanismos que manteremos nossa democracia em pé.

Ana Carolina – Garantir que as pessoas tenham acesso aos seus direitos. Uma casa para morar, alimentação de qualidade, acesso aos seus documentos e aos serviços de saúde, assistência social, justiça, educação, acesso a atividades de lazer, esporte, cultura e arte. Acredito que isso é o básico, e mesmo assim existem várias pessoas que não têm nem isso. Além disso, o acesso da população aos mecanismos de controle social, como os Conselhos, é fundamental para a construção de Políticas e Programas. Penso que garantir o acesso das pessoas aos direitos previstos na Constituição Federal é o principal para se pensar democracia.

En(Cena) – Ester, quais contribuições acadêmicas você considera relevantes para a contribuição e formação de profissionais capacitados para colaborarem com a luta pela democracia?

Ester Cabral – A vida acadêmica é extremamente rica, dinâmica e potente na luta pela democracia. Se olharmos para a nossa história, vemos os estudantes nas ruas lutando por liberdade, pelas “diretas já”, por ações efetivas do poder público, por pautas importantes para nossa sociedade na defesa dos direitos das minorias, dentre outras.

Percebe-se que por um tempo, houve um hiato de participação social da comunidade acadêmica na vida política de nosso país, no entanto, vemos que os estudantes estão se interessando mais pelas políticas públicas e pela participação social, conseguindo alcançar espaços de luta e de poder.

As pautas de luta política estão cada vez mais sendo ampliadas a medida  que os direitos estão sendo cerceados e é a comunidade acadêmica quem mais se vincula à essas pautas, pois tem conhecimento científico à sua disposição e garra pela participação efetiva nesses espaços, seja na rua ou nas tribunas livres.

En(Cena) – Estamos em um período eleitoral que nos faz avaliar quais serão nossos representantes políticos. Como você avalia, de um modo geral, xs candidatxs para representação e luta na garantia dos direitos democráticos e políticas públicas?

Ana Carolina – Estamos vivenciando um momento de intensa disputa política que, por vezes, foge do debate democrático. Vemos isso na veiculação massiva de fake news, na supervalorização de pautas morais do âmbito da individualidade dos sujeitos, no negacionismo da ciência e no retrocesso das políticas públicas. É como se estivéssemos vivendo uma distopia como Admirável Mundo Novo ou 1984, um momento de pós-verdade.

 Ester Cabral – Este é um período em que devemos avaliar cada candidato, não pelo que ele diz fazer no futuro, mas pelo que ele traz de visão de mundo, de valores sociais, sua história de vida e seu engajamento nas questões sociais e de políticas públicas.

Não se pode olhar para o candidato apenas ao que ele promete fazer pelo bairro, mas pelo que ele pode fazer pela comunidade como um todo, especialmente para a manutenção da garantia de direitos já adquiridos.

En(Cena): Quais dicas e orientações você considera importantes ressaltar para os acadêmicos de psicologia a fim de contribuírem nesta luta?

Ester Cabral – Os acadêmicos de psicologia, como cidadãos de direito precisam entender a sociedade em que vivemos e suas necessidades, percebendo o que já está construído e lutar pela melhoria de vida de nossa comunidade.

Devem conhecer as políticas públicas existentes, seus mecanismos de funcionamento, sua história e como atuar na consolidação das mesmas de forma justa e ética.

A participação popular através das Conferências e outros espaços de participação é imprescindível para promover mudanças significativas nas políticas públicas existentes e para criar novas políticas que fortaleçam nossa democracia e sustentem o direito dos cidadãos e da comunidade em geral.

Ana Carolina – Embasamento teórico consistente, Código de Ética Profissional dx Psicólogx, conhecimento aprofundado das políticas públicas existentes e sua evolução sócio-histórica, conhecimento das referências técnicas do Conselho Federal de Psicologia acerca da atuação dx psicólogx nas Políticas Públicas (o CFP tem várias publicações em seu site), supervisão contínua (principalmente para xs psicólogxs recém-formadxs).

Compartilhe este conteúdo:

A democracia está em crise?

Compartilhe este conteúdo:

Quando falamos em democracia pensamos em conceitos como voto, direito de votar, direito de expressão, de ir e vir etc., enfim, são os mais variados conceitos e ideias que nos causa dúvida sobre seu real significado.

Na teoria contemporânea da Democracia, afirma Bobbio (1998), confluem três grandes tradições do pensamento político: a) clássica, segundo a qual a Democracia figura como o Governo do povo, de todos os cidadãos, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos; b) medieval, na base da qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente da soberania conforme o poder supremo deriva do povo e se torna representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior; c) moderna, segundo a qual as formas históricas de Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga Democracia nada mais é que uma forma de república, onde se origina o intercâmbio característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de Democracia, de república.

Por sua vez, a ideia de representação começa a ganhar forma na modernidade onde, de acordo com Vieira (apud MEDEIROS, 2017, s/p), tem origem a passagem do princípio da soberania monárquica para a soberania popular, protagonizada pela luta da burguesia contra o poder dos reis visando obter privilégios que só poderiam ser conseguidos interferindo na ação do Estado absolutista. “É, neste contexto, que um novo significado de representação adquire um papel essencial no esboço de reestruturação do espaço do político, devidamente adequado às novas exigências imposta pela forma de reprodução social da modernidade”.

encurtador.com.br/orwGS

Uma vez instituída a soberania popular em oposição à soberania monárquica e diante da impossibilidade de uma democracia direta, “a opção pelo sistema representativo moderno apresentar-se-ia como uma solução para esta dificuldade [do ideal de uma democracia direta]” (id., ibidem, s/p). Nesta perspectiva ainda Bonavides (2006, p. 294) destaca que “A soberania popular, o sufrágio universal, a observância constitucional, o princípio da separação dos poderes, a igualdade de todos perante a lei, a manifesta adesão ao princípio da fraternidade social”.

Para Manfredini (2008) o que tem se vivenciado no Brasil é a crise desse modelo representativo. Os representantes já não representam o povo; este, por sua vez, já não se interessa pelos assuntos políticos. O número de partidos cresce, mas as ideologias continuam as mesmas, e, o poder legislativo ainda não logrou sua independência, continua a operar com preponderância do executivo.

Ao dialogar sobre o seu livro “A Era do imprevisto: a grande transição do século XXI”, Sérgio Abranches (2017), sociólogo, cientista político e escritor, discute o distanciamento entre a sociedade e a política e consequentemente a crise deste modelo representativo. Para o pensador, esse distanciamento e crise tem relação com as grandes mudanças que ocorreram na sociedade (tecnologia de comunicação) e na economia (globalização e mercado financeiro hegemônico), de maneira muito mais rápida do que na política.  Segundo o autor, as pessoas não se sentem representadas no campo político, por figuras que ainda representam uma face/vertente tradicional e conservadora (analógica) do modo de ser e viver a política.

Abranches (2017) destaca também na entrevista, que esse tensionamento/crise/descolamento entre sociedade e política tem consequências severas e as apresenta em duas vertentes: de um lado uma alienação, com um total desinteresse das pessoas pela política e suas dimensões; por outra lado, a radicalização, com a ideia de que o modelo vigente está completamente errado e o caminho é encontrar novas formas, o que geralmente leva à todos pela estrema direita.

encurtador.com.br/aptxK

A perda de confiança da população no modelo representativo tem sido motivada por vários fatores, segundo Vieira (2006) e eles pairam entre o descrédito nos partidos, as inúmeras denúncias sobre corrupção, o mau uso dos recursos públicos, além da falta de soluções para resolver os problemas públicos que atingem direta e indiretamente a sociedade.

De acordo ainda com Moura (2016, p. 209), “A crise das instituições políticas encarregadas de processar as decisões coletivas na sociedade atual, é, ao mesmo tempo, causa e efeito dos deslocamentos de poder provocados pelo impacto das novas tecnologias e das transformações por elas geradas”. Atualmente, essas estruturas políticas não cumprem suas funções e o dinheiro público se perde na burocracia e na corrupção, o tipo de liderança baseada no poder burocrático tornou-se inadequado à nova realidade e as instituições políticas também refletem uma forma obsoleta de lidar com o conhecimento.

Mas há, segundo Abranches (2018), um caminho, alternativas que podem representar uma “democracia melhor”. Um deles seria, dentro do próprio jogo democrático, publicizando as demandas e valores no espaço público (ruas), o que poderia fomentar o surgimento de novos partidos, com o viés de representação de fato. De qualquer modo, assevera o pensador (2018), “o caminho da democracia é se digitalizar; ter mais participação das pessoas, via redes sociais, e, formando tipo uma poliesfera digital, na qual as pessoas possam conversar democraticamente […], inclusive fazer escolhas e transmitir isso para o sistema político.

Referências

ABRANCHES, Sérgio. A Crise da Democracia Representativa. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_5Fy4FaxE7s>. Publicado em 18 de maio de 2017. Acessado em 06 de outubro de 2018.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.

_______________. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

MANFREDINI, Karla M. Democracia Representativa Brasileira: O Voto Distrital Puro Em Questão. Florianópolis, 2008.

MEDEIROS, Alexsandro M. Democracia Representativa. Disponível em: <https://www.sabedoriapolitica.com.br/ciber-democracia/democracia-representativa/>. Acessado em 06 de outubro de 2018. 2017.

MOURA, Paulo G. M. de. Organizações e Participação Política e Social no Mundo Contemporâneo. In: Sociedade e Contemporaneidade. Canoas: RS. Universidade Luterana do Brasil, 2016.

SELL, Carlos Eduardo. Introdução à sociologia política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

Compartilhe este conteúdo: