Gozo e desordem

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O grupo de estudos FaLA – Percurso de Freud a Lacan traz dia 29 de abril, às 9h encontro temático virtual com a psicanalista Fernanda Otoni, Membro da EBP-AMO. Mestre em psicologia pela UFMG, Doutora em Sociologia y Ciências Políticas pela UFMG/EHESS-Paris. Nessa ocasião, a psicanalista irá discorrer sobre o tema “Gozo e Desordem” para os estudantes de psicanálise participantes do Grupo FaLA. Contudo, há vagas destinadas ao público em geral.

Figura 1: Foto da Fernanda Otoni extraída da Rádio Lacan

Inscreva-se no instagram: @falapercurso

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Novo livro detalha o autismo em Lacan

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O psicanalista argentino Patrício Alvarez Bayon faz parceria com a Escola Brasileira de Psicanálise para lançar seu no livro para “El autismo entre lalengua y la letra”.

No texto, o autor destaca retoma os três estatutos do simbólico em Lacan: a língua, a letra e a linguagem. Para ele, “a linguagem não existe”, pois pressuporia um encontro subjetivo impossível entre dois sujeitos. E a “língua é um conjunto indiferenciado de uns”, com ausência de significantes que lhe ofereçam sentido. Somente a letra, que representa o momento em que algo, extraído do zumbido da língua, se inscreve no inconsciente do sujeito, é que faz furo no real e articula à linguagem.

No caso do autismo, a foraclusão do furo produz consequências na letra e, por consequência, na linguagem. E o desafio da clínica do autismo é usar a lalengua para apoiar o saber fazer do paciente para travar uma relação com a linguagem.

Ficha técnica:

Título: El autismo entre lalengua y la letra

Gênero literário: livro técnico

Editora: Grama

Preço: R$ 59,90 + frete para o Brasil

Links para comprar: https://www.gramaediciones.com.ar/br/produtos/el-autismo-entre-lalengua-y-la-letra-patricio-alvarez-bayon/

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O amor em tempos de negacionismo

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É a forma de lidar com o real do Covid-19 – pela rejeição da nossa limitação e finitude – que mais nos coloca em risco de morte.

A questão da morte é um tema muito presente no consultório dos psicólogos e psicanalistas. Os analisandos falam muito do medo da morte, mas vou ousar afirmar que eles falam muito mais sobre uma certa aposta na morte, como uma das saídas possíveis para escapar das angústias da vida. A morte como uma espécie de abertura para uma outra vida, não necessariamente transcendente.

Minha experiência como analista me ensinou que, na imensa maioria das vezes, quando as pessoas falam sobre o desejo de morrer ou do impulso para a morte, elas não estão falando necessariamente em suicídio. O que elas estão dizendo é que, de algum modo aparentemente contraditório, só é suportável viver e passar por determinadas situações em vida, se tivermos como horizonte a morte, incluindo a possibilidade de dar fim à própria vida, mesmo que a maioria das pessoas nunca chegue a tal ponto.

Com isso, aprendi a escutar com mais tranquilidade o tema do desejo pela morte, sem a todo momento identificar suicidas em potencial. Ou, dito de outro modo, entender que, em última análise, todos somos suicidas em potencial, simplesmente porque a vida contém em si a morte.

Fonte: encurtador.com.br/diLU7

Nesses tempos de pandemia por Covid-19, a questão da morte se faz extremamente próxima e presente, e dessa vez como uma experiência do real. Deixa de ser uma promessa, uma saída idealizada ou fantasiada, para ser uma realidade, e, nesse caso, uma realidade compartilhada por todos.

Mas, diante do real que invadiu nosso cotidiano nos últimos tempos, é interessante perceber como muitos analisandos vêm ressignificando a posição diante da própria finitude. Como se a possibilidade real de experimentar a morte – a própria ou a de um outro próximo – os tivesse levado a apostar na vida de um modo novo, a lutar por ela e a compreender que, no final das contas, desejam viver. Que talvez o que não desejavam ou desejam mais, é a vida que vinham ou vem vivendo.

Diante da morte, e de uma política que aposta na morte, tenho escutado no meu consultório afirmação da vida e desejo de viver. Mesmo que venham com modos obsessivos e neuróticos de cuidar de si e dos seus, é pulsão de vida, o que eu vejo.

Fonte: encurtador.com.br/nyEIN

Por outro lado, temos visto vários discursos e manifestações que negam a pandemia e seus riscos. Entendo que também não deixa de ser uma tentativa de apostar na vida, só que um modo débil, delirante e equivocado; negando a morte. E é exatamente essa forma de lidar com o real do Covid-19 – pela rejeição da nossa limitação e finitude – que mais nos coloca em risco de morte. Ou seja, muito pior do que pensar na morte como saída possível para a vida, é negar que que a morte exista. Desdenhar da morte é se deixar arrastar por ela. Não acredito que seja necessário ter medo da morte, mas é preciso sim, ter respeito e cuidado ao lidar com ela.

O verdadeiro suicida não é aquele que pensa na morte, mas aquele que a nega.

Admitir, assumir a morte como destino é a única via possível para quem deseja viver.

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Quando uma mulher fala, é melhor ouvir

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A convite da idealizadora da série “A mulher não existe! O que significa ser mulher no Brasil na Pandemia?”, Carolina Vieira de Paula (acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra e estagiária do Portal (En)Cena), sinto uma urgência. Uma exclamação onde deveria haver um ponto me convoca a escrever sobre esse tema que tenho um verdadeiro apreço. Foi justamente esse sinal que me deu o tom de intensidade, de afeto e de ânimo para tentar me aproximar, através da escrita, do modo de sofrer singular da mulher brasileira na pandemia. Seguindo esse famoso aforisma lacaniano e, não sem o ponto de exclamação, vemos que algo excede às palavras desde o título dessa série tão importante que visa dar voz e fazer falar o sofrimento singular de cada uma.

O aforisma é conhecido, a novidade que se faz presente aqui é o ponto de exclamação que o excede, transborda e consegue dizer mais do que as palavras postas no título. De um ponto de exclamação que dá o tom de intensidade e de surpresa, ao ponto de exclamação com um tom imperativo, temos no meio disso até uma junção de um ?!, que pode expressar dúvida e surpresa, sem deixar de lado a intensidade. A intensidade que está presente na exclamação, é o que excede, é o que carrega de sentido sem muito dizer ou explicar.

A intensidade se aproxima do gozo (opaco e feminino) justo por exceder ao significante que tenta dar conta de pôr em palavras qualquer experiência ou afeto no mundo dos humanos. O tom carregado de intensidade também se faz presente nas palavras de tom imperativo, que nós da psicanalise costumamos chamá-las de superegóicas [1], como por exemplo uma noção de sofrer que está mais ou menos presente em grande parte das falas das mulheres entrevistadas nessa série, algo como “devo ser boa em todos os papéis, sem demonstrar fraqueza ou falha”. De surpresa à uma ordem de ferro imperativa, a intensidade deixa de ser aberta para o inesperado para tornar-se uma ordem, motivo de um sofrer excessivo para o sujeito submetido a ela. Será que suportar tudo, sem falhas, é o único lugar que resta para a mulher?

Fonte: encurtador.com.br/ryQ04

O título dessa série expressa o que Freud e, posteriormente Lacan, tentaram localizar de sofrimento específico e de singular no feminino, em cada mulher. Freud chamou de “enigma” para aquilo que ele não conseguia dizer sobre o feminino. Já Lacan criou o aforisma “A mulher não existe”, para tentar dizer do caráter impossível de generalizar e de definir o que é A mulher, no sentido de que é impossível definir um conjunto, um grupo ou um plural de mulheres. Vejo que ambos apostaram na ausência de uma definição universal, o que me faz pensar em um lugar vazio de definição. Dizer que A mulher não existe ao mesmo tempo em que aponta para a inexistência de uma definição universal da mulher, transmite a noção de que a mulher existe, cada uma, de forma singular.

Essa aposta de um lugar vazio contrasta com uma série de impropérios ditos sobre a natureza da mulher no decorrer da história da humanidade. Se fizermos uma pesquisa rápida não faltarão exemplos disso, como no livro Gênesis quando Deus afirma que a mulher induziu o homem a comer o fruto proibido e lança uma punição, dizendo: “Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará”. Para acrescentar, podemos revisar os ditos de alguns filósofos, como por exemplo Voltaire (sec. XVIII): “Uma mulher amavelmente estúpida é uma bendição do céu”; e também Hegel (sec. XIX): “A mulher pode, naturalmente, receber educação, porém, sua mente não é adequada às ciências mais elevadas, à filosofia e a algumas artes”.

A investigação clínica do sofrer feminino foi a forma de entrada da psicanálise e, desde então, essa práxis se reinventa de acordo com as mudanças da sociedade. De Freud a Lacan e, hoje com os psicanalistas de nossa época, o percurso que se faz no tratamento clinico é sempre uma aposta de conseguir dizer sobre o sofrimento de uma forma singular, de qualquer ser falante, independentemente de sua identidade de gênero. É que a psicanálise vai além da identidade, seja ela qual for. No fim de sua obra, Lacan consegue inclusive formalizar esse ponto ao dizer que o gozo feminino é o gozo como tal e o nomeia de gozo opaco em que todo sujeito, independente de seu genital, possui um gozo (ou modo de sofrer) da ordem do indizível. Isso significa dizer que toda tentativa de apreender uma experiencia através de um conceito tem o efeito de se perder sempre uma parcela da experiencia. O conceito nunca consegue definir totalmente uma experiência, e isso é o mesmo que pensar que toda palavra não consegue dizer de forma exata como um sujeito sofre ou que o significante não consegue dar conta do gozo por completo. Portando, o gozo feminino ou gozo opaco na psicanálise é um modo ser e/ou sofrer específico, sem palavras que o definam e que atravessa qualquer ser de linguagem independente de sua identidade sexual.

Fonte: encurtador.com.br/egjoV

A realidade que a situação atual nos impõe é de uma solidão forçada com um adicional de sofrimento, causado pela ausência de uma solução coletiva por parte de nossos governantes para enfrentar a Pandemia da Covid 19 e, por isso, o Brasil hoje ocupa o segundo lugar no ranking de número de mortes e de casos confirmados no mundo (OMS). Com nossa curva ascendente e sem uma proposta de enfrentamento a Covid 19, a questão levantada nessa série sobre o sofrer da mulher na pandemia tem uma importância ímpar, e a exclamação de A mulher não existe! comporta um grito e uma urgência em fazer-se ouvir.

Dar voz ao que não tem ou ao que insiste em calar-se, é uma aposta em fazer existir um sofrimento em palavras para fazer parte do mundo simbólico do qual está excluído. Fazer um esforço da escrita que consiga questionar e delimitar certo modo de sofrer específico de cada mulher brasileira durante a pandemia é uma aposta valiosa, afinal estamos investigando o modo de sofrimento intenso de cada uma: um sofrimento que aparece nas relações que a mulher estabelece com o mundo. O que é isso que faz a mulher suportar mais coisas? A força da mulher extrapola limites. O que excede os limites é àquilo que chamamos de gozo, pois é isso que extrapola os limites da linguagem. Por um lado, temos a coragem, que é uma característica típica de sujeitos que “não tem o que perder”, por outro lado isso pode apontar para o excesso: manter relações de sofrimento, manter relações excessivas de trabalho e o resultado disso é um mal-estar constante.

Me parece que a preocupação com a excelência vem da tentativa de reconhecimento por parte do outro, o que não é comum acontecer. Na tentativa a qualquer preço de não se haver com a própria solidão e com o próprio sofrimento, a mulher faz uma aposta pela via da parceria, por pior que ela seja. Há que saber perder, há que conseguir perder, mas perder o que? Talvez a fantasia de que a solidão possa ser resolvida com alguém.

@aloisam_ https://www.instagram.com/p/CMhhG05MqPE/?igshid=1kbxw749v859s

A artista Laís Freitas, em um post que fez na sua conta do Instagram (@aloisam_), consegue transmitir algo da solidão, tanto na pintura quanto na escritura, de uma maneira singular. Ela escreve: “Dia 31/jul/2020, pintei-me aos prantos em forma de preocupação e angústia de ver um coração que no futuro seria livre. Tentei me esconder em espadas de São Jorge e faces que não a minha, disfarçando o que eu sentia, para tentar consertar as coisas, com medo da minha previsão estar certa. Por estar acostumada a aguentar a fome e o excesso, me culpei por optar seguir sozinha pelo meu bem. Falei que o coração estava livre de você e que “ninguém pode pegar o que é seu”. Menti. Idealizando mais uma vez o sofrimento, vivendo uma ilusão que agora que encontrei um conforto em “cristalizou em mim a solidão” se desvinculou de mim.” A saída que cada uma encontra para lidar com a própria solidão é única e aqui estamos em um terreno que não cabe qualquer ensinamento.

Nota:
[1] “Qual é a essência do supereu? […] Qual é a precisão do supereu? Ele se origina precisamente nesse Pai original mais do que místico, nesse apelo como tal ao gozo puro, isto é, à não castração. Com efeito, que diz esse pai no declínio do Édipo? Ele diz o que o supereu diz. […] O que o supereu diz é: Goza!”. E acrescenta: “ É essa a ordem, a ordem impossível de satisfazer, e que está, como tal, na origem de tudo o que se elabora sob o termo “consciência moral”, por mais paradoxal que isso possa parecer” (Lacan, [1971] 2009. p. 166).

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Bolsonarismo: que estratégia político-terapêutica para um governo deliroide?

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Não acho prudente, nem ético, usar a psicanálise para diagnosticar ou analisar pessoas fora do meu consultório, mas é totalmente possível ou aceitável utilizá-la para analisar conjunturas político-sociais. Mas, nem é preciso entender de psicologia para perceber que o Bolsonarismo tem um componente deliroide bastante forte. As tão faladas “Fake News” exemplificam muito bem o que eu chamo aqui de deliroide: verdades construídas a partir de fragmentos ou de indícios de realidade e tornadas verdades universais.

Eu trabalho no campo da saúde mental há mais de 20 anos, e se tem uma coisa que aprendi com esse trabalho é que o delírio não pode ser desmontado por uma simples confrontação com a realidade ou com racionalidade. Se o sujeito, em franco delírio, chega até você afirmando que tem um chip instalado na cabeça e através do qual se comunica com extraterrestres, não há absolutamente nada que se diga que mudará sua perspectiva de realidade. Nem que eu lhe mostre uma ressonância magnética do próprio crânio, ou que seja possível abrir sua cabeça para mostrar que não há nada lá, ele não se demoverá de sua verdade. Isso pelo simples fato de que aceitar desmontar tal delírio, seria desmontar a si próprio, já que, naquele momento, por uma fragilidade simbólica, o sujeito encontra-se totalmente assentado sobre aquela verdade. Se ela cair, ele cai junto. Freud dizia que os psicóticos amam o próprio delírio como a si mesmos. Resumindo, é isso.

Fonte: encurtador.com.br/jlmC0

Clarice Lispector diria isso assim: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.

Tempos atrás li um artigo do Javier Salas no El País, sobre o terraplanismo intitulado: “Você não pode convencer um terraplanista e isso deveria te preocupar”. Os terraplanistas, afirma Salas, simplesmente acreditam que a Terra é plana, e qualquer dado que possa prová-los do contrário é simplesmente ignorado ou considerado manipulação de conspiradores.  Obviamente que não é possível dizer que todos os terraplanistas são psicóticos ou doentes mentais, mas certamente, podemos falar de um empobrecimento ou fragilidade simbólicas, o que favorece o discurso que chamei de deliroide, ainda que ele não seja rigorosamente delirante.

Fonte: encurtador.com.br/mFL79

Voltamos ao Bolsonarismo, fortemente fundamentado num discurso deliroide, reforçado pela sua reprodução maciça nas redes sociais. Se o clã Bolsonaro está se aproveitando do discurso deliroide ou se acredita mesmo nele, eu não saberia dizer. O fato é que ele tem sabido utilizá-lo muito bem, desde a campanha eleitoral, e também tem sido bastante competente em agregar a si personagens igualmente deliroides (nem é necessário citá-los um a um). Diante disso, não há debate político possível. Não há racionalidade que possa confrontar os argumentos do Bolsoplanismo. Então, o que fazer? Que estratégias utilizaremos?

O que posso dizer a partir do que estudei e pratiquei todos esses anos é que, se não é possível desmentir um delírio, é possível desconstruí-lo pouco a pouco, parte por parte. Fazer pequenos furos, abalar algumas verdades, duvidar, perguntar, são algumas das estratégias que utilizamos para ir minando a certeza do sujeito delirante, fazendo-o enxergar outras possibilidades. E é muito importante que ele encontre outras possibilidades, caso contrário, voltará para sua certeza delirante, que ao menos lhe assegura um lugar.

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Caso pequeno Hans – Sintoma ou Inibição?

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A inibição é considerada um processo relativo às funções do ego, e isso não é necessariamente algo patológico,logo, podemos dar o nome de uma função a uma restrição normal da mesma. Ao contrário do sintoma que apresenta essa conotação relacionada a doença, o que define assim a diferença entre sintoma e inibição. O sintoma é um “fenômeno subjetivo que constitui, para a psicanálise, não o sinal de uma doença mas a expressão de um conflito inconsciente” (Meira, 2004, p.1 apud Chemama, p.203). É algo mais complexo, ele pode se manifestar em ações indesejadas e que acabam gerando angústia ou desprazer, podendo afetar o indivíduo durante toda a vida.

No caso do pequeno Hans, Freud explica que a criança possui conflitos psíquicos, as relações do processo de recalcamento e da castração, auxiliaram na aquisição de sua fobia. A incapacidade de sair de casa para outros ambientes externos, é uma demonstração de inibição. Já o medo de Hans, em ser mordido por cavalos, é uma demonstração do sintoma fóbico.

Fonte: encurtador.com.br/qzFV6

Dessarte, a autora traz um axioma sobre a forma como a Psicanálise discute o sintoma, o que é basicamente um conceito, sob as evidências da linha teórica de Freud, expressamente argumentado através do caso da fobia do pequeno Hans. Assim, segundo escreveu Meira (2004), Freud evidencia que o sintoma é tecido pelos processos de deslocamento e condensação, sendo a escolha do cavalo um traço decorrente das brincadeiras de Hans com o pai e ao mesmo tempo relacionado à pulsão reprimida de hostilidade contra este.

Logo, há uma enfatização sobre o fato de o deslocamento refere-se ao processo metonímico, enquanto a condensação se refere ao processo metafórico.

Dessa forma, o artigo também faz entender-se a conceituação de sintoma sob a ótica da teoria Lacaniana, como sendo linha metafórica e subjetivante, seja como formação clínica ou estrutural. Por isso, cabe ao indivíduo estabelecer um caminho para guiá-lo para uma existência que coexiste harmonicamente com seus sintomas. Com a dor, seu motor criativo, transbordando, descobrimos os sintomas psicopatológicos e, diante dela, a clínica se mostra como possibilidade de intervenção. Não fazendo com que o sintoma desapareça, mas dando lugar à palavra, uma vez que a própria Psicanálise atribui poder terapêutico às palavras, chamando essa prática de associação livre.

Referências

Inibição, sintoma e Angústia – S.Freud – Obras Completas, Ed. Biblioteca Nueva, Espanha, 1973.

Análise da Fobia de uma criança de quatro anos – S.Freud Obras Completas, Ed. Biblioteca Nueva, Espanha, 1973.

MAIA, Aline Borba; MEDEIROS, Cynthia Pereira de; FONTES, Flávio. O conceito de sintoma na psicanálise: uma introdução. Estilos clin.,  São Paulo ,  v. 17, n. 1, p. 44-61, jun.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282012000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  04  jun.  2021.

MEIRA, Ana Marta. Reflexões sobre o sintoma na psicanálise. Disponível em: https://www.ufrgs.br/psicopatologia/anamartameira.pdf. Acesso em: 04 jun. 2021.

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O simbolismo do filme “Ensaio Sobre a Cegueira”

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O filme ‘Ensaio sobre a cegueira’ mostra a contaminação da perda de visão que assola uma cidade. Adaptado da obra original “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago (1995), a obra propõe uma situação onde uma cidade, sem nome definido pelo autor, é acometida subitamente por uma condição de cegueira, esta denominada de “mal branco”. A partir daí você acompanha diversos personagens, estes também sem nome definido, lidando com as consequências dessa endemia.

 A primeira vítima da cegueira é um motorista que procura um médico oftalmologista, no qual também se contamina. A única pessoa que não perde a visão é a esposa do médico, que em compensação, é quem fica responsável por gerenciar muitas decisões e situações práticas por ainda conseguir enxergar, pois todas as pessoas contaminadas foram levadas para um manicômio abandonado e passaram a ficar em isolamento.

A trama se desenvolve mostrando as tentativas de adaptação e sobrevivência das pessoas a partir da nova condição de cegueira, conforme os dias passam, os instintos primitivos como fome, sono, desejo sexual afloram nos personagens e tudo isso os leva a embates civilizatórios contundentes.

Assim, os aspectos levantados serão analisados através da abordagem psicológica psicanalítica interpretando a perda de visão como um processo psíquico de luto e suas possíveis formas de elaboração e buscando possíveis associações simbólicas psicanalíticas relacionadas ao mal branco que atinge os personagens.

Fonte: encurtador.com.br/uvRZ9

 Luto e Inclusão

            Ao observar o filme, o espectador pode compreender a importância de trabalhar a inclusão para a construção de uma nova mentalidade que exige mudança de todos indivíduos que convivem em uma sociedade, e não somente dos personagens; mas também dos próprios espectadores. De acordo com Mesquita (2017), a proposta da inclusão tem como parâmetro o princípio das diferenças, não  o princípio da igualdade; essa proposição exige muito mais que oferecer recursos para sanar diferenças e igualar os sujeitos.

Diante desse fato, a política da inclusão vai ao encontro do respeito das diferenças e pela construção de caminhos alternativos e criativos para proporcionar desenvolvimento humano e superações de todos os envolvidos no processo. Assim, quando o espectador analisa o contexto do filme, pode inferir que eles próprios se colocam nessa sociedade de exclusão. O filme utiliza como metáfora a cegueira em que as pessoas estão cegas para valores básicos da solidariedade social e que evidência é  uma sociedade que exclui as diferenças (MESQUITA, 2017).

Segundo Gomes (2012, p. 687 apud MESQUITA), a diversidade é “compreendida como construção histórica, social, cultural e política das diferenças, que se faz por intermédio das interações de poder e do aumento das desigualdades e da crise econômica”, assim, é importante articulação de políticas para o  reconhecimento das diferenças.

Diante do que foi supracitado em relação à inclusão,no filme, o espectador percebe essa falta de articulação dos membros da sociedade, chefes de estados, cientistas em conhecer as diferenças, e a falta de conhecimento, compreende-se o  que deixa a humanidade extremamente fragilizada é uma sociedade não inclusa e não a cegueira biológica. Essa análise pode ser observada no trecho do filme, quando a mulher do médico faz um jogo de palavra agnosia, agnosticismo, ela infere que pode estar interligada com a com ignorância e a descrença; também pode interligar com a desesperança, a tristeza. Daí, o filme pode sugerir porque a esposa do médico é a única não contaminada; uma vez que no decorrer do filme, a esta se mostra uma pessoa extremamente empática com o próximo.

Fonte: encurtador.com.br/hAJPU

Diante do contexto do filme, compreende que os personagens perderam a visão e, em seguida, passaram por um processo de luto. Dessa forma, pode ser entendido como um conjunto  de sentimentos e comportamentos que normalmente se verificam depois uma perda, como o indivíduo experiencia essa nova realidade. É primordial que a pessoa se ajuste a viver com a ausência para que se possa elaborar de forma adaptativa essa situação (WORDEN, 2003, apud NAZARÉ et al., 2010, p. 36).

Sobre aspectos do luto, Elisabeth Kübler-Ross (1969), ganhou grande destaque ao aprofundar seus estudos sobre o tema, pois ela definiu tal situação em estágios de negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação; sendo caracterizado como mecanismos de defesa psíquica para enfrentamento da situação dolorosa.

Em 1917, Sigmund Freud discute que o luto é uma experiência a partir da perda de vínculo emocional, físico e ou psíquico de alguma pessoa ou de uma ideia. Quando essa experiência é vivida através da melancolia, pode haver indícios de predisposição genética para tal desenvolvimento. Porém, o mesmo autor ainda afirma que o luto não deve ser compreendido como algo patológico, e que ao longo do tempo será vencido, e “achamos que perturbá-lo é inapropriado, até mesmo prejudicial” (FREUD, 1917, p. 128).

De acordo com Souza e Pontes (2016), através de seus estudos sobre Freud, durante o estado de melancolia, é percebido um comportamento de repreender-se que pode estar interligado a queda na autoestima caracterizado como o diferencial nesta situação. Isso se dá porque a pessoa não quer repreender a si mesma, mas o objetivo de amor que foi perdido. Então, o “empobrecimento do Eu” pode ser compreendido por uma identificação do sujeito com o objeto perdido, uma vez que o investimento objetal não foi forte o suficiente para deslocar-se para outro objeto, retornando, então, ao próprio sujeito.

O filme mostra que o médico mesmo possuindo muito conhecimento sobre oftalmologia não consegue solucionar certas situações que surgem ao longo do filme. Por exemplo, quando uma das vítimas pela cegueira bate a perna e tem um ferimento na perna que pode evoluir para uma infecção, pelo fato do médico também estar acometido pela doença, ele pede ajuda e orientação à esposa para que juntos possam acompanhar e intervir sobre o ferimento do rapaz. Assim, percebe-se que o médico tem recursos psíquicos e científicos para resolução de problemas, e nessa situação, controle emocional para tomada de decisão diante de um fator delicado.

Fonte: encurtador.com.br/xyBLM

Simbologia no Filme

A maneira como o filme conta a história levanta questionamentos acerca da origem da cegueira que assola a população daquela cidade. Na obra original Saramago (1995) e o diretor Fernando Meirelles em sua adaptação trazem ao público uma doença de causas misteriosas e de sintomática bastante simbólica. A cegueira é chamada no universo do filme de “mal branco” e em sua essência atinge os indivíduos cegando-os como uma luz que excede os limites da visão humana.

Numa visão simbólica, a cegueira poderia ser uma analogia ao excesso de informações e pela rotina aos quais somos expostos, o que inibiria a psique do acesso a subjetividade e a formas de pensamento mais complexas. Saramago é brasileiro, e é interessante as minúcias na sua obra quando este demonstra a primeira pessoa a ser acometida com a cegueira a um indivíduo no trânsito. O ato de dirigir em grandes metrópoles, estar preso em uma caixa de metal, alheio aos rostos dos pedestres e dos motoristas ao seu redor, é tudo muito significativo ao estado final de cegueira proposto.

“Por isso, supomos, a cegueira branca indica não uma cegueira, mas um excesso de visão. Encontramos um homem que perde seu anteparo criado pelo recalque e que se desorienta quando passa a ver demais, jogando por terra todos os construtos que mantêm sua estrutura social de pé. Ele vislumbra as consequências do fim do recalque e a explicitação desordenada das pulsões. Saramago não cegou o homem; ele o fez ver algo insuportável, abriu seus olhos e o fez ver demais: fez o homem ver a si mesmo.” (CAMARGOS, 2008, p.132).

No livro, o médico explica a cegueira para um personagem, e esclarece que é como se as vias que levam as imagens dos olhos para o cérebro tivessem ficado congestionadas. Para a psicanálise são essenciais para a sobrevivência da espécie as funções que produzem os sonhos, através da digestão das nossas emoções e do conteúdo sensorial enviado para nosso cérebro, como fica claro em texto de Freud (1914, p. 145-157).

Fonte: encurtador.com.br/bOW78

O indivíduo deve ser capaz de fazer a elaboração adequada para digerir adequadamente conteúdos psíquicos, e as imagens e a capacidade visual são parte fundamental desse processo. Ou seja, os indivíduos ali estariam sujeitos a uma distorcida representação da realidade, onde sem a função da visão estes teriam de rearranjar a maneira como abstraem o mundo a sua volta, com diversas funções psíquicas prejudicadas devido a  situação atípica.

A cegueira pode também ser uma maneira de se observar a natureza do ser humano para além do véu da civilização. O filme propõe essa reflexão à medida que te põe em companhia de uma personagem que de maneira misteriosa não é afetada pelo mal em questão, e ela, como um último bastião de qualquer noção de civilização, observa toda a jornada a sua volta, sendo muitas vezes obrigada a ceder a barbárie.

“Desde Sófocles e a cegueira de Édipo, o olho foi simbolizado como órgão máximo para o deslocamento da castração genital concreta. Talvez não apenas porque, diante da consumação real do drama edípico, o Tyrannos de Tebas tenha furado seus olhos como punição pela culpa por ter concretamente satisfeito o desejo incestuoso. A cegueira também é mais que uma metáfora da prévia incapacidade de Édipo de ver sua origem e a causa de seus atos.” (LOPES, 2019, p. 25-46)

Mesmo desejando não ser capaz de ver muitas coisas nesses momentos, a personagem esposa do médico (Julianne Moore) embarca em uma jornada desagradável em um mundo incapaz de ver a razão do mal que o atinge, ou mesmo uma solução para este problema.

Fonte: encurtador.com.br/hpqOT

Conclusão

É notável que a personagem principal passa por uma mudança significativa na vida e, na metáfora do filme, ela precisa se adaptar a um contexto totalmente diferente, onde sua condição de pessoa capaz de enxergar a obriga a buscar maneiras de se incluir nessa nova configuração social.

O grande ponto da obra é a perda da visão generalizada, então esta perda gera um estado de luto coletivo, a personagem de Moore observa os indivíduos em sua jornada em estado de negação, enraivecidos, barganhando com o mundo, depressivos com tudo aquilo e por fim, se reorganizando num estado social primitivo, regido pelas pulsões do ser humano e por líderes déspotas, enquanto a esposa do médico assiste a tudo embasbacada.

Tudo é muito simbólico no filme, José Saramago põe nas páginas do livro muitos significados e Fernando Meirelles adapta com primazia para a mídia audiovisual; a perda da visão se dando como um “mal branco”, onde a visão não escurece mas sim é tomada a uma situação análoga a uma luz muito forte, que cega.

Os indivíduos afetados pela cegueira serem isoladas em um manicômio é uma prévia dos horrores que viriam a seguir, as pessoas se rendendo a suas pulsões primitivas enquanto organizam de maneira rudimentar, a personagem de Moore assiste, como uma mera testemunha de um mundo civilizado acompanhando a morte da civilização.

O esforço que a personagem faz para se incluir nesse mundo novo acaba por custar muito a ela. E no final da obra, os personagens mesmo voltando a enxergar, ficam com um gosto amargo após toda a experiência vivida, como o homem que Platão tira da caverna, a visão retorna de repente para que tudo aquilo seja ressignificado.

Conclui-se que, na analogia proposta, o luto mal elaborado pela perda de algo tão precioso no dia-a-dia somado a incapacidade de enxergar e ressignificar os processos, aliados a toda a simbologia por trás do mal branco culminam na ruína daquela sociedade, um provável alerta de Saramago a quem quer que se aventure por sua obra original.

FICHA TÉCNICA

Ensaio sobre a cegueira

Título original: Blindness

País: EUA

Ano: 2008

Gênero: Thriller/Ficção científica

Direção: Fernando Meirelles

Elenco: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga

REFERÊNCIAS

CAMARGOS, Liliane. A psicanálise do olhar: do ver ao perder de vista nos sonhos, na pulsão escópica e na técnica psicanalítica. 2008.

FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. Trad., introdução e notas /Marilene Carone. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

FREUD, Sigmund. Recordar, repetir e elaborar. Obras completas, v. 12, 1914.

KUBLER-ROSS, Elisabeth, 1926. Sobre a morte e o morrer; o que os doentes têm para ensinar a médicos, enfermeiros, religiosos e aos seus próprios parentes. 7ª ed.- São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LOPES, Anchyses Jobim. Cabeça de Medusa: de Caravaggio a Freud e Lacan-sobre pintura e psicanálise. Estudos de Psicanálise, n. 51, 2019.

MESQUITA, Raquel. Inclusão na impossibilidade da educação: Uma proposta de intervenção psicanalítica. UFMG, 2017.

NAZARÉ, Bárbara; FONSECA, Ana; PEDROSA, Anabela Araújo. CANAVARRO, Maria Cristina.  Avaliação e Intervenção Psicológica na Perda Gestacional.  Peritia | Edição Especial: Psicologia e Perda Gestacional 2010.

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Freud: sobre o início do tratamento

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A seguir, algumas recomendações do pai da psicanálise concernente ao início do tratamento.

1ª: Aceitar o paciente, a princípio, provisoriamente, por período de uma ou duas semanas. Seria uma sondagem, a fim de conhecer o caso e decidir se ele é apropriado para a psicanálise. Longos debates preliminares têm consequências desvantajosas, como o paciente encontrar o médico com uma atitude transferencial já estabelecida e que o médico deve, em primeiro lugar, revelar lentamente, em vez de ter a oportunidade de observar o crescimento e desenvolvimento desde o início.

2ª: Evitar ao máximo possível encarregar-se do tratamento de pessoas com quem esteja em termos de amizade ou laços sociais, ou entre suas famílias. Se isso inevitavelmente acontecer, laços podem ser rompidos, há de se fazer o sacrifício.

3ª: Tempo e dinheiro. Ceder uma hora determinada a cada paciente, a qual pertence a ele que é responsável por ela.

Dizer ao paciente que a psicanálise é sempre questão de longos períodos, de meio ano ou de anos inteiros – de períodos maiores do que o paciente espera.

Não obrigar os pacientes a continuar o tratamento por um certo período, permitir a cada qual interrompê-lo quando quiser. Mas não esconder que, se o tratamento é interrompido após somente um pequeno trabalho ter sido feito, ele não será bem-sucedido, e poderá facilmente, como uma operação inacabada, deixá-lo em estado insatisfatório. Há lentidão com que se realizam as mudanças profundas na mente, atemporalidade dos processos inconscientes.

Fonte: encurtador.com.br/uxHWZ

Sobre dinheiro, tratar com a mesma franqueza natural com que deseja educar nas questões relativas à vida sexual do paciente, rejeitando falsa vergonha, dizendo voluntariamente o preço em que avalia seu tempo. Não acumular grandes somas de dinheiros, mas solicitar pagamentos a intervalos regulares bastante curtos – mensalmente, talvez. Abster-se de fornecer tratamentos gratuitos e não fazer exceções em favor de colegas ou suas famílias.

4ª: Fazer com que o paciente se deite num divã, enquanto o analista se senta atrás dele, fora de sua vista. Motivo pessoal: Não suportar ser encarado fixamente por outras pessoas durante oito horas (ou mais) por dia. Visto que, enquanto escuta o paciente, o analista também se entrega à corrente de seus pensamentos inconscientes; evitar que expressões faciais deem ao paciente material para interpretação ou influenciem-no no que conta.

5ª: O material com que se inicia o tratamento é, em geral, indiferente – a história de vida do paciente, ou a história de sua doença, ou suas lembranças de infância. O paciente é livre para escolher em que ponto começará.

6ª: Se, no decorrer da análise, o paciente necessitar temporariamente de algum outro tratamento médico ou especializado, é muito mais sensato chamar um colega não analista do que fornecer esse outro tratamento.

7ª: Se, na primeira ocasião, o paciente, alegando não conseguir pensar em nada para dizer, solicitar que o psicanalista lhe diga sobre o que falar, não atender esse pedido. Afirmar energética e repetidamente ao paciente que é impossível que não lhe ocorra ideia alguma ao início, e que o que se acha em pauta é uma resistência contra a análise.

8ª: Começar a fazer a comunicação com o paciente, ou revelar-lhe o significado oculto das ideias que lhes ocorrem, e iniciá-lo nos postulados e procedimentos técnicos da análise, somente após uma transferência eficaz ter-se estabelecido no paciente, um rapport apropriado com ele. Demonstrar interesse sério nele, cuidadosamente dissipando resistências que vêm à tona no início e evitar certos equívocos, então, o paciente por si só fará uma ligação transferencial e vinculará o psicanalista a uma das imagos das pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição.

9ª: Evitar a vaidade e falta de reflexão de, com o mais breve conhecimento sobre o analisando, dar um diagnóstico-relâmpago.

Referência:

SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO (NOVAS RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE I) (1913).

Artigo originalmente publicado no site <https://comunidadepsi.com/>

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Luís Paulo Lopes: “É preciso passar pelo aflitivo fogo da transformação que queima nossas ilusões infantis”

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“O homem contemporâneo é como uma criança vislumbrada em um parque de diversões, correndo extasiada para brincar nas atrações; e, neste frenesi, acaba ficando perdida e logo chora em desespero sem saber para onde ir”, diz terapeuta junguiano

Falar de Psicologia Analítica geralmente é um fascínio, pois é uma abordagem que nos remete ao estudo dos símbolos, mitologias, arquétipos e da própria psique humana, temas esses que ao longo da humanidade sempre estiveram em alta e que trazem consigo uma forma de entendimento através dos seus significados e a importância dos mesmos para nossa vida.

Nessa entrevista o psicólogo, professor e terapeuta junguiano Luis Paulo Lopes destaca algumas perspectiva da abordagem, bem como suas percepções acerca do cenário atual e o contexto histórico de construção da Psicologia Analítica no Mundo e no Brasil. Também comenta de forma clara sobre vários mal entendidos e pré-conceitos acerca da abordagem e do seu fundador, Carl Gustav Jung, bem como sobre a sua ruptura com Sigmund Freud, pai da psicanálise.

(En)Cena – Por que você trilhou esse percurso? O que foi que te interessou nessa área?

Luís Paulo Lopes – Cheguei em Jung quando era ainda bastante jovem. Após o segundo grau, entrei para a faculdade de biologia, quando tive uma crise psicológica muito intensa e desagregadora que eu não saberia nomear através da psiquiatria, e nem acho que seria o caso. Nessa ocasião, fiquei muito invadido por conteúdos do inconsciente que me tiraram completamente a liberdade; o que me levou a uma reclusão de praticamente um ano em casa, e em meio à muitas questões; certamente aquelas grandes questões da humanidade. Este momento, talvez tenha sido o mais difícil da minha vida até hoje; era um desafio tremendo sair de casa e me relacionar com outras pessoas. Eu vivia aprisionado num mundo de imagens difíceis; era como se eu tivesse sido dilacerado, como Osíris, quando Seth o desmembra e espalha seu corpo pelo Egito. No mito, Isis é quem faz o trabalho de reunir, aos poucos, os pedaços do corpo de Osíris para poder reconstituí-lo. Foi mais ou menos isso que aconteceu comigo nesta época, e aí começa então, uma busca que definiria meus caminhos.

Inicialmente, era uma busca para sair daquela condição aterradora, como se um forte instinto de sobrevivência tivesse despertado em mim e me dizia para encontrar um caminho; do contrário eu ficaria para sempre preso naquela condição. Vida ou morte, esta era a minha sensação. Comecei a me interessar pela psicologia transpessoal, e encontrei um autor muito interessante chamado Stanislav Grof. Naquela época, eu devia ter uns 18 ou 19 anos. Grof mencionava Jung, e fiquei interessado em conhecer o que o sábio de Zurique dizia. Comecei a ler alguma coisa de Jung; no início comprei o “fundamentos de psicologia analítica”, que hoje integra “a vida simbólica vol.1”; são os 5 primeiros capítulos (as conferências de Tavistock). Eu não conseguia entender nada do que estava escrito ali, mesmo sendo um texto onde Jung tem uma linguagem um pouco mais acessível. Eu lia e não conseguia entender, mas fiquei com uma “pulga atrás da orelha” e então comecei a ler livros de comentadores, introdutórios, como “introdução à psicologia junguiana” e coisas do tipo. Assim, fui começando a entender um pouquinho melhor aquela teoria difícil, estranha e fascinante. Após estes estudos introdutórios, consegui começar a ler alguma coisa de Jung nas “Obras Completas”; embora meu entendimento não fosse muito bom, continuava estudando mesmo sem conseguir compreender totalmente. Minha sensação era a de que havia encontrado um grande tesouro, e foi isso que me manteve insistente apesar das dificuldades que tive inicialmente para compreender a teoria junguiana.

Com o tempo, fui me apropriando deste olhar e conseguindo compreender melhor; até que chegou um momento da minha trajetória em que precisei fazer uma escolha. Até então, cursava a faculdade de biologia e estudava psicologia por conta própria; e finalmente decidi começar a cursar psicologia. Durante um tempo, fiz os dois cursos ao mesmo tempo; cursava biologia a noite e psicologia de dia; e foi um ano dessa forma, até me formar em biologia e, alguns anos depois, em psicologia.

Quando me formei em biologia, comecei uma pós-graduação em psicologia junguiana, e cursei junto com a graduação em psicologia. Cerca de um ano após concluir a pós-graduação, fui chamado para ser professor no mesmo curso, que era na Universidade Veiga de Almeida, na época. Como professor, as coisas começaram a ficar mais sérias e precisei estudar ainda mais para poder ensinar, e, com certeza me ajudou a aprofundar muito mais na teoria junguiana. Ainda nesta época, tive algumas experiências muito significativas que, no entanto, mantinha em total sigilo em relação às pessoas que estavam a minha volta. Estas experiências me exigiam elaborar algumas questões muito fundamentais, como por exemplo “o que é a realidade?” ou “o que é a consciência?”. Minhas elaborações sobre essas questões eram bastante incomuns e cheias de paradoxos; o que me levantou a suspeita de que talvez estivesse enlouquecendo, pois não encontrava nada parecido com as minhas conclusões em lugar nenhum. Entretanto, tive um grande alívio quando, por acaso, descobri o advaita vedanta, ou vedanta não-dual, de Shankaracharya. Encontrei aí, com muita surpresa, elaborações sobre a realidade muito semelhantes as minhas próprias e pude respirar tranquilo; pois alguma outra pessoa já havia visto as coisas que eu também estava vendo. Esse momento marcou o início do meu interesse pelas tradições espirituais e a mitologia; que são muito importantes para mim até hoje.

Voltando a Jung… seu pensamento me chamava atenção pela grande profundidade. A sensação que eu tinha era de que Jung possuía uma vivência muito profunda e autêntica naquilo que ele ensinava. Ele não olhava o fenômeno a partir de fora, mas falava de dentro. Possuía uma vivência do inconsciente; o que ficou claro posteriormente com a publicação do “Livro Vermelho” e, agora dos “Livros Negros”, que trazem registros das vivências mais íntimas de Jung neste vasto e misterioso campo chamado inconsciente.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En) Cena – Luis, você falou uma coisa, que foi um diferencial do Jung em relação a psicanálise, ele não nega a análise redutiva do Freud principalmente no que se refere às neuroses, mas aí ele aposta também na perspectiva teleológica, que é para onde aponta esses sintomas. Nesse momento que ele fez a ruptura com Freud parece que ele inaugurou uma psicologia bastante moderna, ele dizia que para ser analista tem que ser analisando também, o analista tem que se submeter ao seu próprio processo de análise também, por um colega. Você acha que a psicologia se perdeu muito nesse processo? Isso é mais uma regra da psicologia analítica, da psicanálise por exemplo? Porque ele (Jung) diz que você não pode pedir para o seu cliente/paciente ir além do que você mesmo foi. Como você vê isso? E foi ele que inaugurou isso, o Jung?

Luís Paulo Lopes – Eu gosto do termo terapeuta, prefiro até do que analista. Me vejo como um terapeuta que pode estar como analista se a situação assim exigir. Jung coloca como sendo uma questão ética de grande importância que o terapeuta viva a própria vida com seriedade. Estou me referindo à vida com V maiúsculo; com a participação do inconsciente. Portanto, não me refiro à vida estéril de sentido como nos é ensinada pelo espírito desta época; onde temos como único objetivo tornamo-nos boas engrenagens de uma máquina cega. Me refiro à Vida que realiza o seu próprio sentido, isto é, que realiza quem realmente somos; e que para tal, exige que passemos pelo aflitivo fogo da transformação que queima nossas ilusões infantis e, também, pelo terrível desamparo que faz nascer um sentido a partir de nosso centro interior; nos forjando, gradualmente e na medida do nosso ato, em um individuum. Penso que é justamente isso que Jung quer dizer quando afirma que “ser normal é a meta dos fracassados”; isto é, a individuação me parece uma condição indispensável para que se realize com qualidade o ofício de terapeuta. É a questão do curador ferido. Aquilo que realmente somos está profundamente mergulhado no inconsciente e como que anseia ardentemente ser realizado conscientemente. Perceba que me refiro a um inconsciente bastante distinto daquele preconizado por Freud, ou o inconsciente do recalque; mas a um inconsciente criativo, como algo vivo, que intenta a construção de um caminho no sentido de sua própria realização e que, para isso, precisa da colaboração do ego. Esta é uma gigantesca diferença entre Freud e Jung. Note que não se trata mais de curar um problema específico, tal qual o pensamento médico tradicional preconiza e que está presente também em Freud (embora a psicanálise o tenha superado atualmente). A cura, em nosso caso, é como que um processo vivo, com um curso que lhe é próprio, que nasce a partir do inconsciente e é catalisada, por assim dizer, pela relação com o terapeuta e o trabalho clínico. Não se trata, absolutamente, de acessar conteúdos sexuais reprimidos, embora possa também envolver isso.

Se analisarmos os famosos casos clínicos discutidos por Freud, veremos se tratar de neuroses que foram supostamente curadas a partir da técnica psicanalítica. Havia a ideia de um procedimento quase médico – a psicanálise –, que prometia a cura das enfermidades psíquicas através de seu método quase infalível. Não deixo de notar o caráter de propaganda que está implícito nas discussões dos casos clínicos de Freud; o que pode ser perfeitamente compreendido se considerarmos o contexto histórico em que Freud se esforçava para mostrar o valor científico da psicanálise. O método freudiano, era focado na anamnese e, na redução das fantasias transferenciais a suas causas biográficas, comumente associadas ao complexo de Édipo. Entretanto, o inconsciente vivo ou criativo formulado por Jung muda a forma como se entendia o processo analítico; pois, não se trata mais de voltar ao passado para encontrar a origem do problema no conteúdo recalcado (análise redutiva), mas, além disso, em nos indagarmos sobre a finalidade do processo inconsciente; isto é, a análise deixa de apontar unicamente para o passado e passa a apontar para o futuro; quer dizer, para a construção de um caminho em colaboração com o inconsciente, no sentido da realização da finalidade deste último em colaboração com o ego. É isso o que Jung chamava de cura da cisão neurótica da personalidade.

O foco não é mais eliminar um problema, mas (em muitos casos) atravessar estados psíquicos difíceis e, assim, produzir uma renovação da personalidade. Jung traz várias definições sobre a neurose, a partir de vários ângulos distintos, por isso, não há como definir de uma forma simples a neurose na perspectiva junguiana. Apesar disso, Jung nos permite pensar a neurose como uma espécie de doença sagrada; nesse sentido, uma experiência iniciática criada pelo inconsciente com a finalidade de produzir uma passagem; isto é, que aponta para um fim específico. Essa é uma diferença importante entre Jung e Freud; o inconsciente junguiano, por assim dizer, abarca o inconsciente do recalque freudiano e vai além, pois é também um inconsciente criativo que aponta para uma finalidade e busca produzir uma totalidade, quer dizer, uma nova atitude que una a consciência e o inconsciente.

Jung traz inovações que são absolutamente relevantes e tornam a psicologia junguiana bastante distinta em relação à psicanálise freudiana. Em grande medida isso ocorreu pelo fato de Jung ter tido uma grande influência do romantismo alemão, por suas experiências do inconsciente (como as descritas no livro vermelho), e por ter bebido das tradições espirituais do mundo inteiro e, especialmente do esoterismo ocidental. Jung conhecia mitologia, conhecia os textos sagrados e esotéricos das principais religiões do mundo. Existe uma busca milenar muito mais antiga do que a psicologia contemporânea por isso que os antigos sintetizavam no símbolo da ressurreição, da salvação, da iluminação, do ouro filosófico dos alquimistas ou outros símbolos análogos. A mentalidade contemporânea, impregnada de racionalismo e materialismo, entende esses símbolos de forma extremamente concreta e poderíamos até dizer, ingênua. Jung permite um novo olhar, simbólico, sobre toda essa literatura; e assim, podemos extrair uma espécie de tintura extremamente valiosa para o campo psicológico. Há elaborações riquíssimas em outras tradições que são absolutamente úteis para a psicologia contemporânea. Penso que nossos esforços devem considerar tudo isso que já foi produzido no campo do espírito e não vejo sentido em querer inventar novamente a roda. Toda árvore precisa ter as raízes saudáveis e Jung tinha excelentes referências em sua biblioteca particular. A psicologia junguiana está afinada com esse material muito mais antigo e podemos ver essas fontes citadas pelo próprio Jung ao longo de sua obra; principalmente em seus escritos sobre a alquimia, que mostram um Jung mais maduro e com um conhecimento enciclopédico sobre essas tradições. Apesar de considerar Jung como fazendo parte de uma tradição mais antiga, acho que seu grande trunfo foi ter desenvolvido uma ciência psicológica moderna e com bases epistemológicas extremamente sólidas. Ele traz uma bagagem importante de milênios de experiências acumuladas; apesar disso, não aborda nenhuma dessas tradições a partir de uma perspectiva metafísica, mas, aplicando com rigor uma perspectiva simbólica, observa todo esse material como imagens psíquicas; isto é, como um fenômeno estritamente psicológico.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En) Cena – Você concorda que a resistência que o Jung obteve, parece que agora vem diminuindo, de certa forma? Há a ampliação de espaços de diálogo com a psicologia analítica, principalmente na academia, nas universidades, talvez de forma tardia em relação a psicanálise freudiana… Você acredita que o Jung ainda hoje é incompreendido? Pois em artigos científicos é muito comum ver as pessoas se referindo à psicologia analítica como uma espécie de misticismo, elas aparentam não entender o sentido mais profundo inclusive do que seria o Místico e de que forma isso pode ser analisado pelo prisma psicológico.

Luís Paulo Lopes – Com certeza. Jung é não somente mal compreendido, mas, também utilizado para justificar formas de pensar que são absolutamente distintas da dele. Podemos ver isso com clareza na apropriação da teoria junguiana pelo movimento new age; o que somente acentua o preconceito em relação à psicologia junguiana e dificulta sua inserção nas universidades. Sou supervisor clínico em uma universidade e quando inicio uma turma nova, costumo perguntar: “o que vocês pensam sobre Jung?”. Já escutei algumas lendas, no mal sentido do termo, como uma ideia de que Jung aborda coisas mágicas ou metafísicas. Uma ideia de que a psicologia junguiana não é tanto psicologia assim e, por isso, não deveria ser tomada com seriedade. Esse mal entendido normalmente é desfeito com facilidade depois da primeira aula. Quando os alunos conhecem um pouco da teoria junguiana, costumam se interessar bastante e, não tenho dúvidas, começam a levar a sério como qualquer outra abordagem psicológica. Acho que isso em parte se dá por uma campanha difamatória que se iniciou no passado e, até hoje, ainda se estende. Quando houve a ruptura da sociedade psicanalítica de Zurique (Jung) com a de Viena (Freud), iniciou-se uma verdadeira guerra difamatória abastecida por calúnias. Jung não foi o único que sofreu por isso; poderíamos trazer outros autores que foram alvos de campanhas difamatórias como Ferenczi, Adler, Reich e vários outros. Inclusive há um livro do Shamdasani, “Os arquivos Freud”, onde o autor faz uma maravilhosa pesquisa historiográfica utilizando principalmente cartas escritas pelos psicanalistas do Círculo de Viena e de Zurique da época; e você percebe este falatório. Predominavam os argumentos a partir de falácias, “ad hominen”.; tentava-se desacreditar o homem, a pessoa, a personalidade, para descreditar toda sua obra. Freud tinha a pretensão de que sua psicanálise fosse considerada como única possibilidade de psicologia profunda e sentia-se profundamente incomodado com as dissidências de seus antigos colaboradores.

Entretanto, parte da fama de Jung como místico provinha do próprio Jung; precisamos reconhecer isso. Depois da publicação do “Livro Vermelho” tivemos acesso a uma série de experiências místicas do próprio Jung e pudemos perceber o quanto essas experiências foram cruciais para a criação de sua psicologia. Agora, com o lançamento dos “Livros Negros”, este debate certamente será novamente aquecido no campo junguiano. Hoje, está muito claro que o interesse de Jung pelo esoterismo e por místicos de várias épocas e tradições não era somente uma curiosidade intelectual, visto que ele mesmo viveu uma série de experiências extraordinárias que poderíamos muito bem denominar como experiências místicas. Entretanto, este é um fato absolutamente rodeado por preconceitos, mesmo dentro do campo junguiano. Alguns chegam a chamar as experiências de Jung de psicóticas, o que é uma flagrante falta de compreensão sobre a natureza da experiência mística; muito embora, ambas sejam experiências do inconsciente coletivo, por assim dizer. A questão, portanto, não é negar as experiências místicas de Jung, mas de considerar a experiência mística a partir da perspectiva psicológica do próprio Jung. Ele nos permite considerar estas experiências a partir de uma perspectiva que não é nem psicopatológica, nem metafísica. Jung considerou com seriedade estas experiências e, inclusive, reconheceu a importância delas para o campo da saúde mental. Quando passou a utilizar o método da imaginação ativa, na prática, introduziu a experiência mística no setting analítico a partir de uma perspectiva absolutamente psicológica. Os antigos gregos utilizavam a palavra “gnose” para designar um tipo de conhecimento que, poder-se-ia dizer, provém diretamente do inconsciente coletivo e que teria um efeito absolutamente transformador. A “gnose” se refere a um conhecimento que não cabe nas palavras e que, embora seja anterior à própria imagem, só pode ser exprimido e ampliado através das imagens. Penso que deveríamos levar isso muito mais a sério, pois o próprio campo junguiano contemporâneo passou a ver com preconceito este aspecto do pensamento de Jung, por pura ignorância. E, na tentativa de proteger Jung das acusações de místico, passou a minimizar a importância da experiência mística na vida e na obra de Jung; jogando, quase que literalmente, a criança fora junto com a água do banho.

Fonte: encurtador.com.br/adlG6

(En) Cena – Já havia, naquela época, uma política de cancelamento, sim?

Luís Paulo Lopes – Havia sim. Freud tinha pretensão de criar uma psicologia que oferecesse uma resposta única para o problema da psique. Hoje sabemos o quanto essa pretensão era fantasiosa. A pluralidade do campo psicológico contemporâneo está aí para provar. Freud, por exemplo, considerava a libido como tendo uma qualidade fundamentalmente sexual, e não estava disposto a aceitar qualquer outra possibilidade de olhar que dissesse o contrário. Este tipo de posição de Freud fez com que Jung, várias vezes, o acusasse de dogmatismo. A questão da libido é um bom exemplo de um ponto de divergência radical entre Freud e Jung que acabaria colaborando decisivamente para a ruptura entre ambos. Jung afirmava, por exemplo, que o instinto de nutrição era anterior ao instinto sexual e, além disso, que outros instintos eram igualmente importantes, inclusive o que chamou de instinto religioso. Jung traz o inconsciente coletivo com sua multiplicidade de formas arquetípicas como sendo o fundamento psíquico mais radical e a libido como energia pura e simples em seu movimento de progressão, represamento e regressão; impulsionando a transformação das imagens em um processo que parte de uma causa e busca uma finalidade específica. Para Freud, isso era uma ameaça sem precedentes, pois questionaria toda a sua psicanálise. Imagine este fato em um contexto onde a psicanálise sofria constantes ataques e tentativas de desqualificação; e, ainda lutava para se estabelecer como um campo que gozasse de algum prestígio social.

(En)Cena – E como fica a Psicologia analítica, neste ínterim? E no Brasil, qual o perfil acadêmico dos adeptos da teoria?

Luís Paulo Lopes: Podemos pensar na chegada da psicologia junguiana aqui no Brasil com a Dra. Nise da Silveira. Ela organizou grupos de estudos em sua casa que atraíram muitas pessoas interessadas em estudar Jung; e isso, muito antes da tradução das obras completas de Jung para o português. Meus principais professores de psicologia junguiana estudaram com a Dra. Nise, que foi a grande ponte para a chegada da psicologia junguiana no Brasil. Graças a ela e à importância do trabalho que ela desenvolveu com a psicose no antigo Hospício do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, a obra junguiana passou a ser estudada com seriedade no Brasil. Não fosse isso, talvez não estaríamos tendo esta conversa aqui hoje.

A psicologia junguiana teve uma difusão lenta no Brasil. Os junguianos sempre foram pouco numerosos e somente alguns se dedicaram a seguir uma carreira acadêmica. Hoje em dia, não é fácil pensar no mestrado em psicologia junguiana, principalmente a depender do estado em que resida; pois, são poucos os professores que orientam pesquisas neste campo. Mas, esse cenário vem mudando muito rapidamente. Cada vez mais, há professores junguianos nas universidades. Os cursos de pós-graduação em psicologia junguiana se alastram por todo o país, assim como muitos institutos junguianos que não têm ligação com alguma universidade. Percebo que a possibilidade do virtual e das plataformas online, herança da pandemia do coronavírus, tem permitido uma expansão ainda maior do campo junguiano. Muitos eventos importantes como palestras, grupos de estudos, aulas pelo youtube, lives, seminários e congressos têm acontecido através destes novos recursos. Hoje, é muito fácil para o estudante encontrar algum grupo ou curso para iniciar os estudos na teoria junguiana; basta procurar pelo facebook. Entretanto, advirto para que procurem analistas ou professores sérios, pois não é incomum encontrarmos coisas pela internet que não são de qualidade. Veremos como isso vai caminhar. Mas, tudo aponta para um grande crescimento do pensamento junguiano no campo da psicologia brasileira. Há um programa de pós-graduação em psicologia junguiana na PUC-SP, por exemplo. Creio que isso é algo muito significativo sobre a penetração da teoria junguiana nas universidades brasileiras.

(En)Cena –  Tem um pela Universidade Federal do Paraná, tem também pela Universidade Federal do ABC Paulista, há também algo na UNIP, mas são poucos em relação a quantidade de programas de Mestrado, porque Doutorado é mais difícil ainda… pois bem, Luís, mudando um pouco de assunto, aparentemente há uma disputa muito grande dentro do próprio Brasil entre as diferentes formas de fazer a leitura do Jung. Qual sua opinião sobre isso?

Luís Paulo Lopes – Acho que as diferentes abordagens são inevitáveis, pois, em psicologia, o objeto de estudo é também o sujeito do mesmo estudo. Temos essa interessante peculiaridade em relação às demais ciências, o que torna a psicologia algo extremamente plural e complexo. É possível olhar para a alma a partir de diferentes perspectivas e, apesar da possibilidade da objetividade, o componente subjetivo, ou equação pessoal (como chamou Jung), tem grande importância na elaboração da teoria. Por isso, ao falar sobre psicologia, precisamos falar sempre no plural – psicologias. O psicólogo, devido a essa pluralidade, costuma estar à vontade para lidar com diferentes epistemologias; com diferentes pontos de vista. Podemos considerar que embora todas as abordagens psicológicas tenham uma validade relativa, nenhuma jamais terá validade absoluta. No campo junguiano não é diferente. Jung fez um trabalho definitivamente monumental; o que permitiu diferentes linhas de desenvolvimento teórico a partir deste ponto inicial. Podemos considerar três principais correntes de pensamento dentro do campo junguiano: a psicologia junguiana clássica (principalmente os autores que estiveram mais próximos de Jung), a psicologia junguiana desenvolvimentista (que produziu mais diálogos com a psicanálise) e a psicologia arquetípica (de James Hillman). Há, atualmente, um grande autor chamado Wolfgang Giegerich, que traz uma abordagem distinta em relação às outras três e parece ter força para criar uma quarta corrente de pensamento no campo junguiano; veremos. Essa pluralidade dentro de um mesmo campo não é sem tensões, como seria de se esperar. De qualquer forma, as disputas e alfinetadas mútuas entre os diferentes autores são sinal de saúde; pois, significa que a psicologia junguiana está bastante viva e pulsante, produzindo novos conceitos e ideias. Isso quer dizer que a psicologia junguiana não se enrijeceu em um dogmatismo e, é exatamente isso que garante que nosso campo prospere e avance para o futuro.

É importante avançar, pois estamos no século XXI e não mais na primeira metade do século XX. Quais são os problemas da nossa época? O quanto nós, hoje, conseguimos enxergar e que o próprio Jung não podia, devido ao limite imposto por sua época? Por exemplo, hoje, temos um pensamento feminista dentro da psicologia junguiana que não seria possível na época de Jung. Essa corrente traz algumas críticas importantes em relação ao machismo do próprio Jung. As críticas internas são sempre mais poderosas do que as críticas que vem de fora e, pelo mesmo motivo, são potencialmente mais transformadoras. As críticas de psicanalistas em relação a Jung, por exemplo, costumam ser risíveis; sem fundamento e baseadas em lendas criadas pelas campanhas difamatórias do passado. Coisas do tipo que não se deve nem perder tempo para responder. Mas, as críticas internas são diferentes, pois vem de quem realmente conhece a teoria junguiana. São estes autores que podem fazer críticas bem fundamentadas e, pelo mesmo motivo, criar desdobramentos teóricos.

Fonte: encurtador.com.br/xCIN3

(En)Cena – Em termos de produção de literatura junguiana no Brasil, como você considera que está no momento?

Luís Paulo Lopes – Acho muito importante que haja uma produção robusta de literatura junguiana nacional; e, principalmente que considere as especificidades da psique brasileira. Todo povo tem uma história que influencia radicalmente a psicologia do indivíduo. Quais são os fantasmas que habitam esta terra chamada Brasil e que ainda hoje nos assombram a todos de uma maneira ou de outra? Vivemos, por exemplo, numa terra que, há não muito tempo, foi palco de uma brutal de escravidão. A tortura pública e a brutalidade eram banais nestas terras há não muito tempo atrás e permanecem bastante vivas nas periferias e presídios, por exemplo. Seria mais fácil se esquecer de tudo isso e continuar como se nada estivesse acontecendo; não à toa dizem que o brasileiro tem pouca memória. Entretanto, o inconsciente se recusa a esquecer aquilo que a consciência preferiria fingir que nunca existiu. Quais são os nossos traumas culturais? E como eles nos influenciam ainda hoje? Tenho visto um esforço significativo entre alguns junguianos brasileiros no sentido de produzir pesquisa e literatura exatamente nesta área tão importante. Destaco Walter Boechat e Roberto Gambini. É bastante animador perceber este movimento na psicologia junguiana nacional. As editoras Vozes e Paulus são grandes colaboradoras na difusão do pensamento junguiano, nacional ou internacional; e temos revistas de psicologia junguiana ligadas a SBPA (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica) e a AJB (Associação Junguiana do Brasil). Mas, apesar disso, em termos gerais, penso que ainda escrevemos pouco no Brasil e, ainda estamos longe de poder ostentar uma produção de literatura junguiana significativa e capaz de dialogar com os principais autores internacionais.

(En)Cena – Em relação à Anima Mundi, como é que você vê esse resgate da alma do mundo?

Luís Paulo Lopes – O conceito junguiano denominado como processo de individuação me parece um caminho para pensar esta questão, muito embora seja um conceito que levante certas polêmicas e divergências no pensamento pós-junguiano. Particularmente, considero que para uma correta compreensão sobre o que Jung chamou de processo de individuação é preciso mergulhar no pensamento dos antigos alquimistas; e nesta área, somente a experiência em seu próprio e privado laboratório e a gnose que daí pode nascer, poderia trazer alguma elucidação. Por exemplo, considero o conceito de “cultivo da alma”, em Hillman, como algo absolutamente distinto em relação ao que Jung chamava de processo de individuação. Tenho pensado, embora ainda não tenha chegado a uma conclusão definitiva, se não poderíamos considerar “o cultivo da alma” hillmaniano e a individuação junguiana como formas distintas de subjetivação, válidas para diferentes tipos de pessoas. Isso teria importantes desdobramentos clínicos.

O mito da queda de Sophia trazido pelos antigos gnósticos nos ajuda a pensar essa questão. Sophia teria gerado filhos sem o consentimento do Pai e sem a participação de seu consorte, o Cristo. Sophia e Cristo como uma sizígia, refere-se ao tema largamente desenvolvido pelos alquimistas da união entre a Alma e o Espírito. A Alma, portanto, originalmente estaria indissociavelmente unida ao Espírito, porém, quando decidiu gerar filhos sem a participação deste último, deu à luz aos Arcontes, seres ignorantes em relação aos desígnios do Pai. Os Arcontes, por sua vez, são comumente representados pelos sete planetas que estão associados aos metais que o alquimista deveria transmutar para a produção do ouro. O mito narra como Sophia foi aprisionada na matéria e como é violentada e oprimida pelos Arcontes que a impedem de retornar à sua morada eterna; até que não podendo mais encontrar consolo nas ilusões da matéria, em estado de profunda privação, Sophia se arrepende de seu erro e implora por seu consorte e salvador, o Cristo. Somente após esta união da Alma com o Espírito, Sophia é gradualmente liberta da submissão em relação aos Arcontes e se aproxima de seu verdadeiro fundamento. Esta é a Sophia discutida por Jung como sendo o quarto grau de desdobramento da anima e associada ao Eterno Feminino ou à Sabedoria Divina. Embora as imagens sejam muito mais enigmáticas do que os conceitos, penso que exprimem muito melhor uma ideia universal.

(En)Cena – Isso é o próprio processo de individuação?

Luís Paulo Lopes – Certamente. O processo de individuação não tem nenhuma relação com o que o senso comum chama de “auto realização”. Pelo contrário, o que se entende hoje como “auto realização” seria equivalente a estar totalmente perdido e definido pelo espírito da época; por isso, está longe de ser uma solução, mas, na verdade é um sintoma do problema que desafia a humanidade, a ignorância. O processo de individuação, ao contrário, fala sobre a transformação do homem no sentido de seu próprio centro e que só pode ser realizada a partir do indivíduo. Me lembro de uma passagem em que Jung diz que o maior trabalho político, social e espiritual que podemos fazer é integrar a nossa própria sombra e, assim, parar de projetá-la nos outros. Tendo a concordar com esse ponto de vista. Nossa cultura dominou a técnica como nunca na história da humanidade, entretanto, espiritualmente somos como crianças birrentas disputando pelos melhores brinquedos. Veja o perigo desta situação se considerarmos a existência da bomba atômica.

É preciso mergulhar profundamente no passado para que as raízes de nossa cosmovisão se estabeleçam na terra fértil dos grandes espíritos da humanidade. Nos tempos atuais, é preciso ter muito cuidado com a novidade, que tenta vislumbrar o homem a se perder na superficialidade; tornando-o ainda mais escravo da ignorância. Assim como a flor arrancada logo perece por ser privada de suas raízes, também o homem contemporâneo adoece quando é desligado de seu passado e privado da sabedoria dos antigos sábios. Precisamos de uma nova pedagogia, não somente para as crianças, mas sobretudo aos adultos. Uma pedagogia enraizada na tintura dos grandes espíritos que passaram por este mundo; para que a tão importante novidade de que tanto necessitamos hoje seja um novo ramo nesta antiga árvore da sabedoria. Mas, a pretensão pueril do homem moderno olha para o passado com desdém, afirmando se tratar de um tempo obscuro de superstição e ignorância; e assim, vangloria-se com suas próprias invenções como se fossem tremendamente superiores. Entretanto, a maioria não passa de vãs distrações que fazem com que o homem se perca cada vez mais no lodo escuro da ignorância; e assim, segue destruindo o mundo. O homem contemporâneo é como uma criança vislumbrada em um parque de diversões, correndo extasiada para brincar nas atrações; e, neste frenesi, acaba ficando perdida e logo chora em desespero sem saber para onde ir (normalmente a problemática da segunda metade da vida). Se a cosmovisão não tiver longas raízes que penetrem profundamente no passado, na terra dos grandes espíritos da humanidade, ficará restrita à superfície desta época. O homem permanecerá como uma criança mimada, a doença mental crescerá como erva daninha e o mundo continuará a ser destruído. Esta é a minha definição para a miséria espiritual da nossa época.

(En)Cena – Aos 63 a 64 anos, Jung falava continuamente que o que diferencia muito ele – inclusive de Freud  – é que ele era um homem ambivalente, imperfeito. Como você enxerga isso?

Luís Paulo Lopes – Ele e todos nós; sem dúvida nenhuma. Jung deixa claro que a individuação não é um caminho para a perfeição, mas para uma maior integridade. Integridade implica ter consciência da própria escuridão, das próprias imperfeições; e conviver com elas de forma consciente. Entretanto, ao tentarmos ser perfeitos, fechamos os olhos para tudo aquilo que não se encaixa na perfeição que imaginamos e, por isso, nos alienamos de nós mesmos; precisamente, a definição de neurose para Jung. Mas, convenhamos, admitir nosso lado sombrio é algo tremendamente difícil e nós joga em conflitos penosos e no desamparo arquetípico. Entretanto, este mesmo desamparo pode ser muito bem o início de um processo (penoso, é verdade) de nascimento de um individuum; isto é, fala sobre a possibilidade da cura de cisão neurótica da personalidade. Esta cisão neurótica faz com que a mão direita haja sem saber como a mão esquerda está agindo, como Jung certa vez afirmou; entretanto, mesmo com a superação da cisão neurótica, o homem continua tendo uma mão direita e outra esquerda, muito embora, agora elas possam estabelecer uma relação. Esta é a nossa ambiguidade fundamental e insuperável. Há uma boa passagem bíblica atribuída a Jesus que serve bem como imagem simbólica para essa verdade psicológica: “Eu não vim para chamar justos, mas pecadores” (Marcos 2:17). Quem conhece as discussões de Jung sobre a relação simbólica entre Cristo, o conceito de Self e o processo de individuação, compreende essa analogia sem nenhuma dificuldade.

Fonte: encurtador.com.br/frvAI

(En)Cena – Pode ser que alguns terapeutas junguianos tenham um sistema pré-moldado, pré-definido, um sistema cognitivo, do ponto de vista da compreensão dele do mundo, e ele não consegue fazer essa separação, fora do espectro da autoridade, e as vezes ele passa a impressão de que o processo de individuação se aproxima daquele “Ideal Asceta” que o Nietzsche criticava dentro do Cristianismo. Você enxerga dessa forma? Como é que se pode desmistificar isso, ou como o paciente pode perceber isso?

Luís Paulo Lopes – Quanto mais o homem se aproximar de um ideal, mais distante estará de si mesmo. Por isso, os ideais de perfeição necessariamente produzirão uma sombra de igual intensidade que tenta compensar o ideal sobre o qual a consciência está identificada. Veja o exemplo do nazismo na Alemanha; o ideal de perfeição, beleza e pureza ariana carregava de forma subterrânea o horror, a feiura e a sujeira da sombra alemã. Enquanto o povo alemão estava possuído por este ideal de pureza, era incapaz de perceber que ele mesmo era o monstro repugnante que tentava derrotar, e  assim, o perseguia projetado em seus inimigos. Vivemos algo muito semelhante hoje em dia no Brasil com o ideal do cidadão de bem, por exemplo. Veja o quanto é sedutor um ideal como esse; pois afirma que aquele que se identifica com ele é uma pessoa perfeita, como se estivesse salva do diabo que habita a sua própria casa. Qualquer ideal deste tipo, não importa se é político, religioso, ou de qualquer outra natureza, produz este mesmo efeito. A integração da sombra, para Jung, significa tornar-se humano, ou seja, um pecador. Veja como poderia ter sido salutar se o povo alemão tivesse tomado consciência do pecado que carregava, mas que era incapaz de reconhecer. Nesse sentido, a individuação não significa “subir no pódio” como o espírito desta época gastaria de pensar, mas ao contrário, é “cair do cavalo”. É levar um tombo do alto de sua inflação. A identificação com esta persona heroica ou santa é desfeita e o ego precisa confrontar a natureza sombria da alma. É necessário manter a tensão entre os opostos para que a integração aconteça; nesse sentido é exigida coragem para encarar a verdade de que somos todos pecadores.

(En)Cena – Por fim, gostaria que você falasse um pouco sobre o “necessário manter a tensão” para, a partir disso, integrar…

Luís Paulo Lopes – Manter a tensão, suportar a tensão… Jung discute o conceito de função transcendente, como uma função que unifica a consciência e o inconsciente, os opostos, em um terceiro termo, uma nova atitude. Quando o ego finalmente encara os aspectos sombrios da alma, um conflito irrompe. O conflito tende a ser uma experiência aflitiva e, por isso, a tendência natural é que o oposto inconsciente que está incomodando as pretensões unilaterais da consciência, seja reprimido novamente; e assim, o conflito cessa sem qualquer resolução. Não quero dizer com isso que os conflitos devam ser solucionados, pois como Jung nos ensina, os grandes conflitos humanos são contradições insolúveis. Tentar encontrar uma solução para eles é impossível, pois a consciência é naturalmente unilateral e, portanto, incapaz de considerar uma solução que inclua ambos os opostos. Tudo o que a consciência pode fazer é suprimir o conflito. Este é o motivo pelo qual é preciso sustentar ou suportar o conflito; pois se não podemos solucioná-lo, só nos resta suportá-lo para que não nos alienemos de nosso lado sombrio. Se o conflito for sustentado tempo suficiente, da tensão entre os opostos surge um terceiro elemento que unifica os opostos, a função transcendente. Há uma ampliação da consciência devido a integração do inconsciente e, a partir desta nova perspectiva da consciência, agora ampliada, o antigo conflito perde a importância; e mesmo que não tenha sido definitivamente solucionado, realizou o seu propósito.

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