Violência psicológica contra mulheres

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A violência é um tema que perpassa por toda a história da humanidade. Utilizada em várias facetas, como para a aquisição de poder ou pela sobrevivência, nos convida a estudar a história das sociedades e de que forma, por quem e por qual motivo ela é empregada. Nessa breve reflexão, trataremos a respeito da violência psicológica cometida contra mulheres.

De acordo com Souza e Cassab (2010), a violência é encarada de forma diferente com base na cultura observada, ainda assim, podemos compreendê-la como um fenômeno cotidiano e enraizado em nossa sociedade, que extrapola o espaço público e adentra o espaço privado.

Existem tipos diferentes de violência que podem ser perpetrados contra mulheres e quando falamos de gênero, a análise tem de ser cuidadosa e considerar as contingências presentes, isto é, a violência desferida contra uma mulher tem bases diferentes daquela contra o homem. Isto ocorre pois quando falamos de gênero precisamos falar sobre relações de poder. A violência contra a mulher, que tem esse nome pois diz respeito à violência promovida especificamente pelo fato da vítima ser mulher, é uma forma de dominação masculina que através de certos mecanismos busca não eliminar a mulher, mas sim mantê-la sob controle (SOUZA; CASSAB, 2010).

De acordo com a Lei “Maria da Penha”, de nº. 11.340/2006, são consideradas como forma de violência doméstica e familiar contra a mulher: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Especificamente, trata da violência psicológica como (BRASIL, 2006, p. 3):

qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Fonte: encurtador.com.br/wxJU5

A violência psicológica contra a mulher, como apontam Sacramento e Rezende (2006, p. 97), é “mais comum e menos visível”. A violência psicológica não deixa marcas no corpo como um hematoma, mas deixa marcas na autoestima, no psicológico, na capacidade de perceber o tom daquilo que ocorre ao redor, fazendo a mulher ignorar os sinais de alerta. As mulheres que sofrem esse tipo de violência vivem com um medo constante e ainda assim se sentem impelidas a sempre desculpar seus agressores; possuem a crença de que quem está errada na relação são elas, que nunca fazem o que é certo e que se o parceiro continua com elas é por caridade (SOUZA; CASSAB, 2010).

Alguns exemplos de violência psicológica são muito claros, como quando o parceiro já não chama a parceira pelo nome próprio, mas por um adjetivo depreciativo, como “cadela” e outras atitudes mais sutis, como tentar de toda forma minar a autoestima da mulher, não incentivá-la a trabalhar, estudar ou ter cuidados estéticos. Pode também privá-la do contato com familiares e amigos, insultá-la, persegui-la, controlar a maneira como fala e se veste, controlar sua vida financeira, com quem conversa e outros. De acordo com Sacramento e Rezende (2006), os sentimentos provenientes deste ataques afetam a vida psíquica da vítima, criam feridas emocionais e traumas que ficam registrados no psiquismo.

O tratamento de uma mulher vítima de violência psicológica, bem como de outros tipos, requer paciência tanto dela mesma quanto dos envolvidos pois as marcas deixadas pelo abuso psicológico não são facilmente superados (SOUZA; CASSAB, 2010). Recaídas podem ocorrer, como a vítima voltar a morar com o agressor, mas o importante é que haja acompanhamento para que a autoestima e as demandas psicológicas sejam tratadas.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Decreto Lei 11.340 de 7 de Agosto de 2006. Lei Maria da Penha: Coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília: Secretaria Especial de Política para as Mulheres, 2008.

SACRAMENTO, Lívia de Tartari e; REZENDE, Manuel Morgado. Violências: lembrando alguns conceitos. Aletheia, Canoas, n. 24, p. 95-104, dez. 2006.   Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942006000300009&lng=pt&nrm=iso>. Aceso em  11  nov.  2020.

SOUZA, Hugo Leonardo de; CASSAB, Latif Antônia. Feridas que não se curam: a violência psicológica cometida à mulher pelo companheiro. In: Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e políticas públicas, 1, 2010. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010, p. 38-46.

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O psiquiatra, o psicólogo e o psicoterapeuta como barqueiros do inferno

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No filme “Amor além da vida”, de 1998, Chris (Robin Willliams) e sua esposa Annie (Annabella Sciorra) perdem os dois filhos em um acidente de carro. Annie, então, é internada em depressão grave. Chris passa a visitá-la regularmente, como se tentasse resgatá-la de um buraco sem fundo, de onde ela própria não tinha forças nem esperança para sair. O golpe final para Annie, quando já se recuperava, é a morte do marido num acidente quatro anos após a morte de seus filhos. Daí em diante o filme passa a ser contextualizado num universo extrafísico, apresentado como uma manifestação externa do ambiente intrapsíquico.

Portanto, o cenário em que Chris é recebido por um antigo amigo e mestre, Albert, parece pintado à tinta, como se estivessem dentro de um dos quadros que Annie pintava e Chris amava. “Este é o seu céu”, explica Albert. Quando descobre que Annie cometeu suicídio, Chris quer ir até ela de qualquer jeito e não há como impedi-lo. Albert leva-o à presença de um guia, alguém experiente e capaz de conduzi-lo ao estado de “inferno” psíquico em que Annie se encontrava, juntamente com outros de estado semelhante. Chris será guiado através de uma espécie de inferno de Dante pelo mundo que seria resultado de uma construção psíquica conjunta de seus “habitantes”. O velho e sinistro guia lhe diz: “Você teme o que? Perigo físico?” e adverte que todo perigo ali é – e obviamente só poderia ser – psíquico.

Fonte: encurtador.com.br/bfuG5

A viagem é norteada pela ligação mental entre Chris e Annie, mas é momentaneamente perturbada por uma lembrança de quando, ainda em vida, ele disse ao filho o quanto o admirava, “se eu tivesse que ir ao inferno, não ia querer outra companhia que não a sua”. Percebe então que Albert é na verdade seu filho, que diz ter escolhido aparecer como Albert para ele porque pensou que só assim seria ouvido. Os três atravessam grandiosos cenários de dor e aflição, onde corpos, rostos, seres pálidos se despencam, se amontoam soterrados ou afundam no chão ou na água. Chris pergunta ao guia o que ele fazia na sua vida. Ele responde: “Na última? Eu tinha um trabalho parecido com esse”. “Era psiquiatra” – conclui Chris.

Mostrando grande familiaridade com aqueles caminhos, o guia demonstra tensão e bom humor, como se conhecesse algum belo sentido secreto de tudo que se manifestava ali. Quando se aproximam no local em que estava Annie, uma versão retorcida e sombria da casa deles, espaço mental onde ela havia se sepultado em total alienação, o guia diz a Chris que ele só teria cerca de três minutos com ela antes de enlouquecer. Como enlouqueceria? “Quando a realidade dela se tornar a sua” (compreensão fundamental para todo aquele que comparece diante do sofrimento do outro). Segue-se o esforço se Chris de salvar Annie de seu inferno psíquico, como o fez em vida quando ela estava internada. E a resistência dela ao retorno a si e à consciência da dor.

Fonte: encurtador.com.br/nGJT0

Guia do ambiente psíquico em seus vários níveis subterrâneos, o profissional “da mente”, é navegante experimentado porque tem intimidade com sua própria escuridão, a ponto de perceber que essa não é outra que não a escuridão da humanidade. O mitologema do psicopompo faz referência a esse arquétipo que move o psicoterapeuta em geral, como aquele que transita entre os mundos, constituindo, portanto, seu elemento de ligação. Um representante mais explicito é o deus grego Hermes, responsável pela “condução das almas, uma atividade que se estende até mesmo além da vida”.

Fonte: encurtador.com.br/htuU6

Hermes é o próprio devir, “o espírito de uma configuração da existência que sempre retorna nas mais diversas condições”, neste mundo e no outro, pois não transita nos caminhos prontos marcados no chão, mas sim em caminhos outros, por onde passa pairando, volátil, pelos abismos de amores incríveis, ilhas e cavernas. Seu estado “é o de estar sempre em suspenso”. “Tudo ao redor se torna fantasmagórico-improvável para ele”, livre que está para percorrer todos os caminhos levando clareza e alinhavando os mundos. Assim Karl Kerényi (Arquétipos da religião grega) descreve esse mitologema, a quem Bolen (Os deuses e o homem), citando Murray Stein, chama “o deus das passagens significativas”, para evocar o mesmo papel para os psicoterapeutas, em seu caminho fora dos caminhos, além dos mundos, para guiar almas em liberdade de ir e vir entendendo em si próprio o jogo de luz e escuridão como o próprio e natural devir da existência.

FICHA TÉCNICA

AMOR ALÉM DA VIDA

Título Original: What Dreams May Come
Origem: EUA
Ano de produção: 1998
Gênero: Romance/Fantasia
Direção: Vincent Ward
Elenco: Robin Williams, Max von Sydow, Cuba Gooding Jr.

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Minicurso abre portas ao 1º Núcleo de Audiovisual de Palmas-TO

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A experiência do VJ Vacão confere excelência aos seus trabalhos, sendo amplamente reconhecido, além de demonstrar abertura para o aprendizado nos espaços nacionais e internacionais em que já esteve

No dia 29 de junho de 2019 a instituição SESC (Serviço Social do Comércio)  do Departamento Regional do Tocantins, responsável por proporcionar educação, saúde, cultura, lazer e assistência, organizou um minicurso sobre Workshop de Vídeo Mapping (Mapeamento de vídeo) gratuito para o público que se interessasse pela temática. 

Durante a parte da manhã e tarde no SESC, Leandro Sousa, conhecido pelo nome artístico VJ Vacão ministrou aulas a fim de passar seus conhecimentos adquiridos dentro de seus mais de 10 anos de carreira, em projeção visual psicodélica, em eventos e festas.

Arquivo Pessoal

De forma acessível e buscando ter um contato direto com as dúvidas dos que ali estavam presentes, por meio de slides e exemplificação prática de seu trabalho, demonstrou que é totalmente possível a partir da curiosidade e estudo da aprimoramento das projeções visuais, abrir portas à imaginação, sensibilidade e ritmo. As cores, formatos vão de acordo com a mente de quem ministra; ouvir a música e interpretar o som, o faz ser assertivo e expressivo nas projeções. Tornando qualquer superfície uma obra viva e interativa com o ambiente, as pessoas, e as batidas da música. 

No período da noite o minicurso foi estendido ao espaço da produtora ‘Árvore seca’, responsável pela produção de artes, eventos e artistas, dando oportunidade da visualização prática do trabalho de VJ Vacão. A partir da manipulação de imagem pelo photoshop, os projetores puderam tornar pinturas estáticas, em obras vivas e em movimento, que vislumbraram uma multiplicidade de formatos artísticos pelo qual a cada batida musical, fazia com que o som se expressasse em cores.

Arquivo Pessoal

A experiência do VJ Vacão confere excelência aos seus trabalhos, sendo amplamente reconhecido, além de demonstrar abertura para o aprendizado nos espaços nacionais e internacionais em que já esteve. Profissional em edição de vídeo há 12 anos, e com a experiência em produtoras de televisão, agora, deseja também expandir seus conhecimentos, e tem como projeto em andamento estender o curso para a prática das pessoas que querem aprender um pouco sobre o mundo psicodélico e sua construção, proporcionando lazer, conhecimento, e abertura para a expressão psíquica a partir de formatos e símbolos que se limitam de acordo com a expansão da criatividade da mente de cada um.

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CAOS: violência e sofrimento psíquico no trabalho é pauta no evento

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Participante de rede envolvendo pesquisadores, brasileiros e internacionais, sobre trabalho e a sua relação com a saúde na contemporaneidade, abordará o tema por meio da Psicodinâmica do Trabalho.

Violência e o sofrimento psíquico no trabalho é um dos temas tratados no Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS), que acontecerá de 21 a 25 de agosto, no Ceulp/Ulbra. O assunto faz parte de um minicurso ministrado pela psicóloga Prof­ª. Dra. Liliam Deisy Ghizoni nos dias 21 e 22 de agosto.

O objetivo do minicurso é tratar o conceito de violência relacionada ao trabalho e suas consequências para o trabalhador na contemporaneidade. O aporte teórico para a abordagem no minicurso será o da Psicodinâmica do Trabalho. A metodologia a ser adotada será expositiva dialogada. Segundo Ghizoni, “os exemplos dos participantes são importantes de serem contextualizados teoricamente, para evitar repetições das manifestações de violência no ambiente de trabalho”.

Liliam Deisy Ghizoni – Foto: arquivo pessoal

Sobre a ministrante:

Liliam Deisy Ghizoni é doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações na UnB com Estágio Sanduíche na Université Catholique de Louvain la Neuve – Bélgica. Pesquisadora do Laboratório de Psicodinâmica e Clinica do Trabalho – LPCT/UnB. No CNPQ é líder do Trabalho e Emancipação: coletivo de pesquisa e extensão (UFT) e também membro do Grupo de Pesquisa Psicodinâmica e Clínica do Trabalho (UnB). Membro do GT Psicodinâmica e Clínica do Trabalho na ANPEPP.

A sua experiência com o tema vem das pesquisas desenvolvidas nos grupos que participa e da rede de pesquisadores brasileiros e internacionais que abordam a temática do trabalho e a sua relação com a saúde na contemporaneidade.

Por que CAOS?

A subversão de conceitos aparentemente fechados é uma das marcas das mentes mais invejáveis de todos os tempos. E pensar de forma subversiva é também quebrar com a linearidade das considerações pré-concebidas. Assim, resignificar e despir as “verdades” são a tônica de toda a produção científica, de toda a produção de saberes. Caso contrário, não se estaria produzindo ciência, mas, antes, dogmas.

A palavra CAOS, neste contexto, ganha especial sentido, já que remete à possibilidade do princípio da impermanência e da criatividade. A Física diz que é do princípio do CAOS que surge parte dos fenômenos imprevisíveis, cuja beleza se materializa na vida que se desnuda a todo instante.

É neste sentido que, também, para a Psicologia, o CAOS possibilita pensar sobre uma maneira de enxergar o Ser para além de rótulos ou de concepções a priori. Este microcosmo humano que é objeto de escrutínio do profissional de Psicologia guarda uma gama de imprevisibilidade e de originalidade que representam a própria riqueza da existência. Afinal, pelo CAOS pode-se iniciar intensos processos de mudanças, autossuperações e singularidades. É pelo princípio do imprevisível e do radicalmente distinto que se vislumbra a beleza da diferença. Estas são, em súmula, as bandeiras da Psicologia, área da ciência calcada essencialmente no Humanismo, que busca elevar a condição humana em toda a sua excentricidade, sem amarras, sem julgamentos. Esse é o princípio do CAOS, o Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia do Ceulp/Ulbra.

Mais informações:

Coordenação de Psicologia: Irenides Teixeira (63) 99994.3446
Assessoria do Ceulp/Ulbra: 3219 8029/ 3219 8100

Inscrições: http://ulbra-to.br/caos/

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Fragmentado: as fantasias libidinais de Kevin

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“A identidade do sujeito é um produto das relações com os outros. Neste sentido todo indivíduo está povoado de outros grupos internos na sua história. Assim como também povoado de pessoas que o acompanham na sua solidão, em momentos de dúvidas e conflito, dor e prazer. Desta maneira estamos sempre acompanhados por um grupo de pessoas que vivem conosco permanentemente”, dizia Pichon Rivière [1].

Mas o que fazer quando se perde o controle? Quando cada uma dessas pessoas somos nós mesmos? Fragmentado, o título em português do filme “Split” (dividido) marca a volta por cima do diretor Shyamalan, explorando um roteiro dramático, onde o suspense ganha mais espaço nas viradas e nos enquadramentos fechados de uma grande angular, que intensificam o conceito de profundidade de campo dentro da história, ao desfocar todo o fundo, torna-lo distante e trazer à tona a interpretação dos atores. Dessa forma cada expressão fala mais que as palavras, cada olhar revela mais que as imagens.

Nesse ponto, torna-se até redundante algumas falas da psiquiatra de Kevin buscando explicar o que as atitudes do personagem já haviam deixado claro, como o diálogo entre suas personalidades, a manifestação de mais de um ao mesmo tempo, dentre outras tentativas didáticas de informar o público sobre aspectos do Transtorno Dissociativo de Identidade.


Hedwig, Patricia, Dennis e Barry.

O título do filme em português remete à teoria psicanalítica sobre a fragmentação do Ego, e olhando por esse lado, se Shyamalan tivesse explorado essa abordagem a partir da personagem da terapeuta a história poderia ter ficado ainda mais intrigante. Todavia, o foco ficou mais no campo neurocientífico das reações corporais dada a manifestação de cada personalidade, sendo pouco explorados os aspectos psicológicos que geraram a patologia. Mas, vamos falar sobre Kevin. Brilhantemente interpretado por James McAvoy, o rapaz possui em si 23 pessoas, ficando a 24ª em suspense por algum tempo, entre a fantasia e a realidade, dado o fato de nenhuma das pessoas da Horda (como prefere ser chamado o grupo) terem conhecido-a.

Dentre todas as identidades que habitam o corpo de Kevin, Dennis é a dominante, ao lado de Patricia, uma dama requintada, são eles os protetores das outras personagens consideradas mais frágeis, também são eles que sustentam a existência do monstro, nunca visto, mas que acreditam ter sido criado quando o pai de Kevin partiu em um trem, e que aguarda o momento certo para aparecer e proteger o grupo dos humanos, visto que ele é o ápice do aprimoramento dos mecanismos de segurança da psique de Kevin. Nesse ponto a história de Shyamalan ganha ares de X-Men, e o que é considerado patológico e anormal pela sociedade, de outro ponto de vista é apresentado como um ganho evolutivo para a proteção tanto física quanto psíquica do indivíduo, que de outra forma poderia ser destruído. Discussão abordada por Canguilhem [2].

Dennis, uma das identidades dominantes em Kevin.

Mas, voltando à discussão sobre as identidades, cada uma surge em um momento crítico da vida de Kevin com o objetivo de protegê-lo do perigo, são partes de um Ego fragmentado que nunca conseguiu se unificar. A psicanálise de Melanie Klein [3] explica que, ao nascer o Ego rudimentar do indivíduo ainda é frágil e em formação, isto posto, diante das pressões e ameaças externas, o Ego tende a se fragmentar, gerando terreno fértil para o desenvolvimento de diversas doenças psíquicas. Para Klein, o local de fixação das doenças psíquicas estaria na posição esquizoparanoide – que termina por volta do terceiro ao quarto mês de vida – e no início da posição depressiva que a segue. Sendo assim, a origem se dá a partir dos cuidados maternos, que no caso de Kevin ficam claros terem sido precários, para não dizer maus.

Na infância que se segue, a relação entre Kevin e a mãe tem uma continuidade permeada por violência, o que favorece a fragmentação do Ego e o surgimento das diversas personalidades, uma delas é Hedwig, um garoto de nove anos assustado e que furta objetos das outras identidades para poder brincar, teme a Dennis e a Patrícia, mas confia neles e os obedece como se eles fossem o pai e a mãe que o protege das ameaças externas. Já Dennis é compulsivo por limpeza e organização, extremamente meticuloso, inteligente e forte, tem fantasias com garotas stripper, é ele o sequestrador e detentor do controle sobre o grupo, ao lado de Patrícia que, por sua vez, é uma dama requintada, elegante e também meticulosa como Dennis, se irritando até com um corte torto num sanduíche.

Patricia.

Esses dois personagens reclamam serem os mais fortes, os únicos capazes de proteger Kevin, mas que foram banidos da consciência, ficando adormecidos durante muito tempo, e agora voltaram devido às neuroses [4] de Barry, o artista, designer de moda, que ficou por 10 anos com a luz, mas teve suas angústias atualizadas mediante uma provocação sexual de duas garotas.

Não conseguindo superar a situação, a libido de Kevin retorna ao ponto de fixação de onde surgiram Denis e Patrícia trazendo-os de volta para proteger os demais das ameaçadoras garotas “impuras” que o abusaram no presente, atualizando possíveis abusos sexuais e violência vivenciados na infância. A partir desta situação entende-se o sequestro planejado das duas adolescentes, entrando a terceira no caso por acidente.

Os abusos sexuais na infância de Kevin, apesar de ficarem apenas no campo da hipótese, são evidenciados na mania de limpeza de Dennis, que busca a todo o tempo se livrar das impurezas, do pó, bem como em suas fantasias eróticas com garotas dançando nuas e, também, em sua relação com a terceira personagem sequestrada por acidente. E ainda, nas angústias de Barry, no perfeccionismo de Patrícia e na crença da eliminação das garotas impuras que, de abusadoras, passam a ser alimento sagrado para o monstro.

Este, por sua vez deseja devorar seus ventres, numa alusão à figura materna que o gerou. Este ato também remete a uma atualização do Complexo de Édipo e do mito da horda primitiva de Tótem e Tabú [5], onde, ao devorar o ventre ele tanto possui a mãe quanto destrói o pai, presente neste através da semente plantada em seu útero, o que, portanto, simboliza o devorar o próprio pai, finalmente destruindo seu opositor e se apropriando de seu falo e conquistando o poder.

REFERÊNCIAS:

[1] ALONSO, A. N. D. S., Rio de Janeiro, (2003). A importância da afetividade no relacionamento professor-aluno para o sucesso do processo ensino-aprendizagem. Disponível em: http://www.avm.edu.br/monopdf/6/ADRIANA%20NASCIMENTO%20DA%20SILVA%20ALONSO.pdf.

[2] CANGUILHEM, G., (1943,1995). O normal e o patológico, trad. Maria Thereza Redig de Carvalho Barrocas e Luiz Octavio Ferreira Barreto Leite. – 4a. Ed.- Rio de Janeiro, Forense Universitária.

[3] Klein, M. (1986b). Notas sobre alguns mecanismos esquizóides. In M. Klein (Org.), Os progressos da psicanálise (4a. ed.). Rio de Janeiro: Zahar.

CAPITÃO, Carlos Garcia; ROMARO, Rita Aparecida. Concepção Psicanalítica de Família. In: Psicologia de família: teoria, avaliação e intervenções. Porto Alegre: Artmed, 2012.

[4] FREUD, S. (1912), Tipos de Adoecimento Neurótico. In: Obras completas volume 10. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

[5] FREUD, S. (1912-1913), Tótem e Tabu: algumas concordâncias entre a vida psíquica dos homens primitivos e dos neuróticos. In: Obras completas volume 11. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

FRAGMENTADO

Diretor: M. Night Shyamalan
Elenco: James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Betty Buckley, Haley Lu Richardson
País:
 EUA
Ano:
2017
Classificação:
14

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O Lagosta: o curioso psiquismo das distopias

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Com uma indicação ao OSCAR:

Melhor Roteiro Original (Yorgos Lanthimos e Efthimis Filippou).

Banner Série Oscar 2017

“Mas o valor de uma coisa não está na vontade de cada um. A sua estima e dignidade vêm tanto do seu valor real, intrínseco, como da opinião daquele que a tomou.”
Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley [1]

Talvez uma das maiores surpresas de indicações do Oscar 2017, e com certeza a maior surpresa de sua categoria, O Lagosta (The Lobster), que estreou em 2015, concorre ao prêmio de Melhor Roteiro Original fazendo jus à indicação. A distopia com ponta de Sci-Fi do diretor Yorgos Lanthimos difere categoricamente da maioria dos filmes do gênero que se popularizaram nos últimos anos, desempenhando com maestria a tarefa de encher o espectador de questionamentos, curiosidade e expectativa.

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A trama se passa em uma sociedade de um futuro próximo, onde ser solteiro é totalmente proibido, assim, pessoas que não tem companheiros (viúvos inclusos) são enviadas para um “hotel” onde devem, em um período de tempo limitado, encontrar um parceiro. Caso não encontrem uma pessoa em cerca de 45 dias o hóspede deve selecionar um animal de sua preferência no qual ele será literalmente transformado.

É neste cenário que nos deparamos com o protagonista David (Colin Farrel), um homem de meia idade que recentemente rompera um casamento de 11 anos. Ele leva consigo seu irmão que fora transformado em um cachorro no mesmo hotel anos antes. Os administradores do hotel tomam várias medidas pedagógicas agressivas e punitivas para com os hóspedes, a fim de assegurar a junção dos pares e que todos saibam a importância disso.

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Quando questionado sobre qual animal ele gostaria de se transformar caso não se apaixone por ninguém, David responde: “Uma lagosta […] porque vivem mais de cem anos, tem sangue azul como os aristocratas […]”, denotando as principais características dessa narrativa, o criticismo e a ironia quanto à sociedade e relações humanas. Na maioria das cenas é nítida a frieza e indiferença das pessoas umas com as outras, como algo intrínseco, arraigado ao psiquismo de indivíduos constituídos pela sociedade e ao mesmo tempo constituintes dela.  Por meio da película, Lanthimos critica fortemente as heteronormatividades e a familia nuclear tradicional.

O curioso em distopias é sua capacidade de assustar com a possibilidade de sua existência e em como elas tem semelhanças com a realidade em que se vive. Assim como a obra Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, as “impluralidades” de O Lagosta acabam por definir o que é humano e não-humano, refutando qualquer possibilidade de uso do comum termo “humanização” como um substantivo de socialização benevolente. Termos como “apaixonar-se” e “amor” são totalmente ressignificados na realidade do filme, assim como já acorreu várias vezes ao longo da história da humanidade, questionando qual a essência dos sentimentos humanos, independente da sociedade, cultura e época.

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O que as distopias compartilham é o pressentimento de um mundo extremamente controlado, que segundo Bauman (2001), reduzem agudamente ou até mesmo extinguem a liberdade individual, rejeitada por pessoas coniventes a seguir ordens e rotinas estabelecidas, enquanto uma pequena elite manipula as relações de poder. A ignorância, intransigência e fleumatismo quanto às condições que degradam o homem nos levariam naturalmente a uma realidade com menos liberdade e mais controle opressor [2].

Bauman (2001, p. 66) afirma que “esse mundo não tem espaço para o que não tiver uso ou propósito. O não-uso, além disso, seria reconhecido nesse mundo como propósito legítimo”. Assim como nas interações “operacionalizadas” do filme, as relações humanas na pós-modernidade se encontram cada vez mais objetificadas e ausentes de reflexão [2]. Esse fato nos permite questionar: seria a realidade de O Lagosta, em linhas gerais, um presságio do nosso futuro?

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De acordo com Pondé [3], uma das intuições do pensamento de Bauman é que o ser humano é um “animal” que não tem solução. Portanto, a consciência da distância quanto à solução para o homem é a premissa básica da inteligência. O que vemos no filme é justamente a consequência do afastamento da racionalização quanto à imperfeição humana, com pessoas escoando sua existência para as transfigurações em signos (animais), e de maneira relutante e depressiva o que não foram enquanto humanos [3].

Entendemos ao longo do filme como a realidade social em que David foi criado permeia seus comportamentos e intenções mesmo quando ele não está na pressão aterrorizante do hotel. Segundo Lane (2006), desde o nascimento estamos inseridos em um contexto histórico, onde cada sociedade desenvolveu um padrão do que considera correto [4], desse modo as relações sociais pregressas são inevitavelmente parte da construção psíquica, independendo do local onde o individuo se encontra.

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Apesar da realidade desconfortável, O Lagosta consegue retratar o amor genuíno ainda que com tantas contingências. A ansiedade gerada pela trilha sonora impactante e grave, e pela narradora pontual que é onisciente quanto à mente de David (e posteriormente descobrimos ser uma personagem da trama); só fazem sentido com a atuação impecável de Colin Farrell, criando uma personalidade que nos parece familiar para seu personagem introspectivo. Talvez as definições do filme como sendo bizarro sejam genuínas, uma vez que o conteúdo da bizarrice nos incomoda porque sabemos que ela existe ou tem a possibilidade de existir. Uma das qualidades de um bom filme é fazer o expectador se sentir grato pela reflexão, sem dúvidas O Lagosta cumpre esse quesito.

REFERÊNCIAS:

[1] HUXLEY, A. Admirável Mundo Novo. Porto Alegre: Editora Globo, p. 282, 1979.

[2] BAUMAN, Zygmunt; Modernidade Líquida, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, p. 64-66, 2001.

[3] PONDÉ, Luiz Felipe. Invenção do Contemporâneo: Diagnóstico de ZygmuntBauman para a Pós-Modernidade – In Café Filosófico (44:12 min). Campinas: CPFL Cultura, 2011. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=qx-tRVyMphk >. Acesso em: 16 fev. 2017.

[4] LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, p. 13, 2006.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

O Lagosta (1)

O LAGOSTA

Diretor: Yorgos Lanthimos
Elenco: Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux, Ben Whishaw
Países:  Grécia, Irlanda, Países Baixos, Reino Unido e França
Ano: 2015
Classificação: 12

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O Eu dividido – Três ou quatro apontamentos sobre a existência psicótica

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“A experiência e comportamento que recebem rótulo de Esquizofrenia é uma estratégia
especial que uma pessoa inventa para viver uma situação insuportável”

R.D. Laing

Nesse resumo sucinto discorro algumas das idéias do psiquiatra escocês Ronald D. Laing contidas no livro O Eu dividido (The Divided Self – 1960), a respeito da existência psicótica.

Ronald D. Laing foi, no decorrer da sua vida, bastante criticado por algumas correntes psiquiátricas, principalmente as mais clássicas. De fato, seus estudos diversificados, misturando misticismo, psicanálise e psicopatologia ganharam entoadas diferentes e, por vezes, contraditórias, mas por nenhum momento as críticas puderam retirar-lhe o mérito de ter abordado a psicose de maneira tão afinca e profunda. O existencialismo sartreano muito influenciou as concepções do psiquiatra. Nesse sentido, Laing dizia da psicose como uma tentativa do sujeito em significar a sua própria existência. Ou seja, a psicose em si seria um significado existencial.

Ferrenhamente contrário à linguagem psiquiátrica, Ronald D. Laing objetava tudo o que tinha a função de circunscrever o sujeito, embora ele mesmo tenha criado conceitos para explicar a sua maneira de enxergar a psicose (e o sofrimento, a solidão e o desespero embutidos nela).

Um dos primeiros conceitos apresentados por Laing (e talvez o fundamento de todos os outros) no inicio de seus estudos sobre a psicose é o conceito da Insegurança Ontológica. De acordo com Gabriel e Carvalho Teixeira (2007), a Insegurança Ontológica para Laing seria uma experiência irreal ou uma sensação de não estar vivo, o que conduziria o sujeito a uma preocupação central em sua auto-preservação (ao invés de uma preocupação com a auto-gratificação). Foi a partir desse conceito que o autor introduziu o termo “o eu-dividido”, se referindo à percepção fragmentada que o sujeito psicótico tem de si. Nessa percepção, o sujeito se questiona quanto à sua existência, à sua essência e à sua identidade.

Analisando alguns sinais e sintomas nosológicos da psicose junto aos conceitos introduzidos por Laing, é possível dizer da Insegurança Ontológica como crença mantenedora ou alimentadora do embotamento afetivo e da postura esquiva frente aos relacionamentos interpessoais, já que o psicótico vai se “trancando” dentro de si mesmo, deixando de ser “um para o outro” para ser “um para si”. A noção de ser desintegrado ou dividido, aproxima-se da noção de divórcio entre um eu falso, ou self falso, e um eu verdadeiro, que não se manifesta; fica guardado somente para o sujeito. Nesse eu (que é dividido), há um que é uma casca e pode ser deteriorado, enquanto há o outro intocável, impenetrável, inatingível e inacessível. A partir dessa conceituação Laing defendeu que não há propriedade para se falar de um psicótico quando não se é um. Para o psiquiatra a psicose enquanto agravamento ou doença seria nada mais do que a retirada da casca do falso self, o que comumente chamamos de surto, ou crise.

Na Insegurança Ontológica há três tipos de ansiedade vividas pelas pessoas ditas psicóticas. O primeiro tipo é o Engulfment ou absorção, que seria uma sensação constante de perda de identidade, onde a estratégia de preservação usada é o isolamento; o segundo tipo é aimplosão, que seria uma constante sensação de vazio, onde esse vazio é o próprio sujeito e a realidade é tida como algo perigoso capaz de tomar o lugar do vazio e, por fim, destruí-lo; e apetrificação ou despersonalização como terceiro tipo de ansiedade, seria o medo constante da perda da subjetividade. Frente a essas ansiedades, muitos dos sintomas psicóticos são, na verdade, estratégias protetoras contra a Insegurança Ontológica. Algumas estratégias parecem contraditórias, mas no fundo prezam por uma existência que é, a todo instante, ameaçada.

Em suma, Ronald D. Laing defendeu a psicose como uma maneira diferente do sujeito existir no mundo, propondo uma análise fenomenológica-existencial dos sintomas ditos irracionais ao invés de uma análise neurofisiológica do quadro psicótico. Nas obras posteriores ao “O Eu dividido”, estudou e discorreu a respeito dos fatores sistêmicos relativos à existência psicótica, como vínculos familiares e aspectos culturais (e por vezes místicos) entrelaçados à temática da loucura.

 

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