Monopólio Tecnológico e a Modelagem do Comportamento Humano: quem controla nossas escolhas?

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Nos últimos anos, as gigantes da tecnologia, como Meta, Apple e Google, têm enfrentado ondas de críticas e investigações devido ao impacto de suas práticas de mercado sobre os usuários, principalmente no que diz respeito à saúde mental, privacidade e autonomia. O caso mais recente envolve o Google, com o Departamento de Justiça dos EUA propondo que a empresa venda o navegador Chrome para reduzir seu domínio no mercado de buscas e publicidade digital. Esse episódio reforça como as BigTechs vem usando de artifícios como algoritmos, publicidade direcionada e design persuasivo para influenciar o comportamento humano, levantando questões éticas e regulatórias sobre quem, de fato, controla nossas escolhas. [1-3]

Fonte: Freepik

Os algoritmos são os pilares desse novo ecossistema tecnológico. No caso de empresas como o Google, os algoritmos são a base da abordagem de personalização de serviços. Cada consulta, vídeo assistido e anúncio clicado é processado por modelos matemáticos, refinando a capacidade corporativa de prever e até influenciar as ações dos usuários.

No entanto, essa personalização tem seu preço.  Ao moldar a experiência do usuário com base em padrões de comportamento passados, os algoritmos normalmente criam “bolhas de filtro”, que limitam visões alternativas, condicionando o internauta a se saturar daquilo que ele já consumiu. De fato, como Eli Pariser, autor de The Filter Bubble, detalhou, essas práticas podem amplificar vieses existentes ao isolar os usuários nessas realidades digitais altamente curadas.  O caso contra o Google reflete justamente uma tentativa de mitigar os impactos nocivos desse controle algorítmico sobre a tomada de decisões dos usuários. [6]

Fonte: Beware online “filter bubbles” de Eli Pariser.

A publicidade direcionada – estratégia dentro do marketing digital – é uma das áreas mais lucrativas para empresas como o Google. Ao utilizar massivas quantidades de dados pessoais coletados dos usuários, as BigTechs podem entregar anúncios altamente detalhados e personalizados, aumentando significativamente as taxas de conversão. Segundo um relatório da Statista, o Google é atualmente líder global em publicidade digital, ocupando cerca de 28,8% da participação total no mercado.[5]

Fonte: iStock

Em outra análise, essa prática  molda escolhas e comportamentos de consumo de maneira tão sutil que o usuário nem sente a influência. As preocupações sobre privacidade e manipulação nunca foram tão reais. Não é exagero dizer que, até certo ponto, o poder que o Chrome detém, juntamente com a integração que ele possui com outros produtos do Google, como Gmail e YouTube, realmente intensifica todos esses riscos, justificando os apelos por ações antitruste.

Outra estratégia importante de influência comportamental é o design persuasivo, o design de interfaces atraentes e altamente intuitivas para engajar os usuários por meio de princípios psicológicos voltados para ações específicas, como clicar em um anúncio ou permanecer mais tempo em plataformas. Por exemplo, o Chrome está repleto de serviços do Google que incentivam o uso do ecossistema da empresa.

Segundo Tristan Harris, fundador do Center for Humane Technology, esse tipo de design pode transformar plataformas em “máquinas de manipulação do comportamento humano”. A crítica é que essas técnicas não são aplicadas apenas para “melhorar a experiência do usuário”, como é argumentado a cada atualização de interface. Elas também limitam a autonomia do usuário, direcionando escolhas para beneficiar objetivos comerciais.[7]

Os casos contra o Google sinalizam preocupações globais contra os impactos dos monopólios tecnológicos. Enquanto algumas regulamentações buscam maior transparência nos algoritmos e na coleta de dados, outras, como a recente proposta de separação do Chrome, visam reduzir a concentração de poder. A União Europeia, por exemplo, lidera esforços nessa área, com legislações como o Digital Markets Act (DMA), que restringe práticas anticompetitivas. [4]

O DMA é uma iniciativa regulatória da União Europeia que busca estabelecer regras claras para limitar o poder de mercado de grandes empresas de tecnologia, conhecidas como “gatekeepers“. A partir de 7 de março de 2024, empresas como Alphabet (Google)[8] , Amazon, Apple, ByteDance (TikTok), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e Microsoft foi instituido que essas empresas se adequassem às normas, que somam mais de 20 serviços considerados essenciais no ambiente digital.

Fonte: Ivan Marc/Shutterstock

Principais Obrigações do DMA:

  • Proibição de autopreferência: As plataformas estão vedadas de favorecer seus próprios produtos ou serviços em detrimento de concorrentes, buscando assim assegurar maior equilíbrio no mercado.
  • Interoperabilidade: Serviços de mensagens deverão permitir comunicação entre diferentes plataformas, promovendo mais liberdade de escolha para os usuários.
  • Acesso a dados: As plataformas deverão garantir acesso aos dados gerados por suas atividades, beneficiando tanto empresas menores quanto consumidores.
  • Proibição de combinações de dados sem consentimento: Empresas não podem combinar dados obtidos de diferentes serviços sem o consentimento explícito do usuário, protegendo a privacidade.

Em termos de penalidades, o descumprimento das regras pode acarretar multas severas, chegando a 10% do faturamento global da empresa. Em casos de reincidência, essa penalidade pode aumentar para 20%.

O DMA reflete o compromisso da União Europeia em construir mercados digitais mais justos, competitivos e inovadores, restringindo práticas anticompetitivas e dando aos usuários maior controle sobre suas escolhas no ambiente digital. Nos EUA, o movimento é mais fragmentado, mas as investigações do Departamento de Justiça sinalizam um grande passo para garantir maior equilíbrio no mercado. Além disso, especialistas defendem a prioridade da educação digital, onde o usuário será capaz de entender exatamente como está sendo influenciado e assumir o controle sobre suas escolhas.

O Brasil tem feito avanços em suas iniciativas para regulamentar as BigTechs, com o objetivo de prevenir práticas monopolistas e promover uma concorrência mais equilibrada no mercado digital. Em outubro de 2024, o Ministério da Fazenda apresentou um conjunto de 12 medidas legais e infralegais para regular economicamente essas plataformas e fomentar a competição no setor.[9]

Fonte: Beautrium / Shutterstock.com

O caso do Google Chrome é apenas a ponta do iceberg em um debate muito maior sobre como os monopólios tecnológicos estabelecem nossa agenda. Em benefícios, são tecnologias convenientes e personalizadas; no entanto, as implicações éticas não devem ser ignoradas devido à inovação tecnológica. 

É ótimo desfrutar das comodidades oferecidas pelos novos recursos tecnológicos, isso é um fato. Muitas dessas ferramentas são disponibilizadas gratuitamente, e, caso não fossem úteis para nós, consumidores, a adaptação a outros serviços seria apenas uma questão de tempo e esforço. Mas é preciso salientar que o que parece “grátis” tem um custo real – e, nesse caso, os nossos direitos são a moeda de troca.

Fonte: imagem gerada pela IA DALL-E do Chat GPT

Autonomia, privacidade e transparência. Esses e tantos outros direitos fundamentais estão sendo silenciosamente transformados e manipulados em favor do lucro de grandes empresas que já dominam seus setores. Por isso, é preciso ter uma postura crítica diante do que consumimos, dado o modo como nossas decisões estão sendo guiadas por forças quase imperceptíveis. A questão que ainda permanece é: quem realmente está no controle?

Referências

[1]https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/11/21/departamento-de-justica-dos-eua-quer-que-google-venda-o-navegador-chrome.ghtml

[2]https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2024/11/21/eua-propoem-separacao-do-google-e-venda-do-chrome-para-corrigir-monopolio-de-buscas.ghtml

[3]https://www.nytimes.com/2024/11/20/technology/google-search-chrome-doj.html?searchResultPosition=1

[4]https://techcrunch.com/2024/03/07/europes-dma-rules-for-big-tech-explained/

[5]https://www.statista.com/statistics/539447/google-global-net-advertising-revenues/

[6]https://www.theverge.com/interface/2019/11/12/20959479/eli-pariser-civic-signals-filter-bubble-q-a

[7]https://www.humanetech.com/youth/persuasive-technology

[8]https://www.cnnbrasil.com.br/economia/mercado/alphabet-dona-do-google-surpreende-ao-somar-receita-de-us-847-bi-no-2o-tri/ 

[9]https://exame.com/economia/fazenda-apresenta-medidas-para-regulacao-economica-e-de-competicao-de-big-techs-no-brasil/?utm_source=chatgpt.com

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Especialistas discutem sobre os apelos excessivos da publicidade infantil

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As crianças, de um modo geral, têm um alto poder de absorção de qualquer tipo de conteúdo. Por exemplo, toda Páscoa, chovem propagandas sobre chocolates entre outros itens. O resultado é o consumo exagerado de doces que só pioram a saúde dos pequenos.

Por meio de diversas técnicas, as marcas conseguem exercer um poder de influência muito grande em cima das crianças para que possam incentivar os pais a comprarem brinquedos e guloseimas. Mas quais são efeitos negativos e como lidar com os desejos causados pela publicidade?

Para a psicóloga Livia Marques, as propagandas abusivas acarretam grandes influências negativas nas crianças. Ela diz que o efeito disso surge de uma forma muito ruim na mente delas, fazendo com que fiquem inflexíveis ao não e a qualquer argumento. “Tanto na TV como na internet, o conteúdo massivo pode causar uma fixação muito grande na mente delas”.

Livia fala que os sinais de que algo está errado com o desejo de ter um brinquedo ou de lanchar é refletido geralmente no comportamento agressivo e inflexível ao pedir aos pais. “Há casos que a criança não aceita de forma alguma o limite que é imposto”.

Fonte: Pixabay

Para Dario Perez, professor acadêmico e especialista em publicidade e marketing, o problema está no fato de que muitas empresas acabam “perdendo a mão” em suas ações publicitárias e comentem alguns excessos. Ele comenta que o público infantil é extremamente sensível a qualquer tipo de técnica de marketing que possa ser utilizado dentro dos parâmetros de um comercial de TV ou na internet, por exemplo.

– As crianças absorvem com muita facilidade todos os tipos de influências direcionadas. Mesmo as campanhas, que não possuem um bom comercial ou técnica apurada de publicidade, conseguem converter a venda, utilizando-se de uma comunicação lúdica e aspiracional, aproveitando personagens para gerar empatia e elevar sua credibilidade – explica.

Dario diz ainda que um dos objetivos da publicidade é gerar, por meio da influência, a sensação de felicidade através do consumo. Dessa forma, as crianças falam para os pais sobre a necessidade de ter tal produto. Eles, por sua vez, acabam satisfazendo o desejo para a alegria dos filhos.

Fonte: encurtador.com.br/adgkQ

Como lidar

A psicóloga Livia diz que a melhor forma de proteger a família é por meio do diálogo. Ela comenta que é importante os pais saberem dizer não, mesmo quando é muito difícil. Por outro lado, é preciso mostrar o porquê do não, talvez pela falta de condições financeiras, se a criança já tem muitos brinquedos e ganhou algum recentemente ou até explicando que determinado lanche ou doce pode fazer mal se comer muito dele.

– A conversa é fundamental. A criança também precisa saber para compreender e respeitar. Os responsáveis precisam entender também que a permissividade não pode ter espaço nessas lacunas – reforça.

Regulamentação

Para o especialista em marketing e publicidade, a regulamentação da publicidade infantil ainda é muito delicada no Brasil. Segundo o profissional, existe um projeto de lei mais rigoroso e voltado para a proteção da criança durante a exposição de alguma marca. Porém, ainda não foi aprovado. “Enquanto isso, observamos alguns efeitos colaterais, como, por exemplo, o alto índice de consumo de alimentos ditos como não saudáveis”.

– Segundo o Ministério da Saúde, uma em cada três crianças no Brasil estão com sobrepeso. Além disso, o segmento de brinquedos para crianças só cresce, segundo os dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). Claramente isso são reflexos do poder persuasão – destaca.

Dario diz que para que as marcas respeitem a ética, é preciso, primeiro, assumir sua responsabilidade no processo de influência das crianças.  Segundo, é fundamental que as empresas sejam claras. Ou seja, elas devem encarar do ponto de vista educacional, mostrando os benefícios e os malefícios desses produtos. “Não quer dizer que é preciso fazer uma campanha socioeducativa. E, sim, ser mais transparente”.

– Por exemplo, pode avisar que a criança não deve beber determinada bebida todo dia, pois pode fazer mal para a saúde. Isso vai mostrar que aquele produto em alto consumo pode gerar efeitos negativos – comenta.

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Cosmética pós-moderna: Velhice ou Terceira Idade?

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A velhice é um assunto que demanda delicadeza ao ser tratado atualmente, pois pensar no que tange a ser velho não é algo tão simples quanto se imagina.  Um ser humano é considerado idoso, de forma geral, ao atingir seus 60 anos de idade, independentemente de seu estado biológico, psicológico e social (SCHNEIDER, 2008). Desse modo fica nítido que, para a maior parte das pessoas, existe um momento para envelhecer, o momento em que se adquire uma idade determinada, como uma espécie de prazo a ser atingido.

No mundo, a quantidade de pessoas com a faixa etária superior a 60 anos vem crescendo rápido, e estatísticas do final do século XX ao início dos anos 2000 provam isso. O contingente de idosos, pessoas com 60 anos ou mais, cresceu 7,3 milhões entre 1980 e 2000, gerando um total de mais de 14,5 milhões em 2000 (World Health Organization – WHO, 2005). Os motivos para tais aumentos são vastos, entre eles: aumentos no custo de vida nas cidades, êxodo rural e políticas de controle de natalidade, que permeiam as grandes nações e começaram a ser cada vez mais comuns – por exemplo, o governo chinês que adotou a chamada política do filho único entre 1970 e 2015.

Para uma parcela considerável da sociedade, o sujeito que se encontra em estado de velhice é associado a uma sucessão de características negativas, como invalidez e a fragilidade, além das doenças que supostamente sucedem esse período da vida (SCHNEIDER, 2008). E dependendo do país, toda uma aura de respeito ainda se mantém sob os idosos, o conhecimento daquilo considerado antigo e a experiência deles tem seu lugar ao sol. Isso reflete diretamente na maneira como a sociedade os trata, sendo respeito a palavra chave para entender como se dá essa relação; as pessoas respeitam a vivência do idoso, ouvem seus conselhos, mas os mesmos ocupam um papel secundário, pois seriam obsoletos às dinâmicas contemporâneas.

Mas será isso mesmo? Seriam os idosos tão obsoletos e excluídos assim? A mídia parece ter vindo com força para provar que não. Analisando o aumento da população idosa, surgiu-se um novo público de mercado, e consequentemente um novo jeito de se ver a velhice. Agora sendo chamada de Terceira Idade, os que pertencem a ela não estariam condenados a cadeiras de rodas ou camas, mas sim buscar a tão sonhada qualidade de vida e saúde. Com isso, toda uma sucessão de acontecimentos para esse período da vida se estabeleceu; agora idosos também se exercitam, cuidam da pele e saem para se divertir.

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Fonte: http://migre.me/vmMNi

Velhice x Terceira Idade

O vocábulo velhice vem gradualmente sendo substituído pela expressão terceira idade, e isso é devido a uma série de fatores. Palacios (2004) analisou e verificou essa relação conflitante dos dois termos em uma pesquisa com 247 anúncios publicitários de cosméticos, que circularam na década de 1990. Percebeu que os anúncios gradualmente amenizavam o tratamento para com os idosos; antes usando termos como velhice, que remetem a algo desgastado e decrépito, e ao longo do tempo, sendo atingidos pelas mudanças de valores e de atitudes relacionadas a pós-modernidade, os anúncios ficam mais amenos, tratando como terceira idade esse período mais avançado da vida. Tudo isso acarretando mudanças nas práticas de consumo também.

As transformações e mudanças nessas práticas de consumo ocorridas na sociedade não são invisíveis à publicidade, pois a mesma é responsável por influenciar e muitas vezes moldar tais práticas. Para entender o mundo que nos cerca, temos que o olhar para a forma que as mercadorias são consumidas, pois muitas vezes os sentidos são conferidos a vida via consumo onde o indivíduo vai construindo seu estilo de vida. Com os idosos desse estudo não foi diferente: o jeito como eles consumiam havia mudado. Novas necessidades surgiam naquele meio social (dos indivíduos mais velhos, próximos a velhice) e os publicitários enxergaram ali uma oportunidade.

Com os anúncios podemos dizer que foi estabelecido um novo marco biológico preconizando os cuidados com o corpo, trazendo essa preocupação para pessoas mais jovens, entre 20 a 30 anos de idade, sendo que tal cuidado teria o início somente décadas no futuro. A publicidade vem mudando aos poucos a sociedade, influenciando o indivíduo na maneira de ser e ver o mundo a sua volta; as identidades sociais são estabelecidas pelos discursos publicitários mesmo que muitas vezes isso vá contra o real significado do ser e se denominar algo, ou em algum estágio do ciclo vital.

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Fonte: http://migre.me/vmN5d

O termo terceira idade se mostra mais ameno no trato dessas pessoas, trazendo mais conforto ao ouvinte e participante. Ele também é mais abrangente e permite uma análise mais profunda do indivíduo inserido nele.

Atualmente, os especialistas no estudo do envelhecimento referem-se a três grupos de pessoas mais velhas: os idosos jovens, os idosos velhos e os idosos mais velhos. O termo idosos jovens geralmente se refere a pessoas de 65 a 74 anos, que costumam estar ativas, cheias de vida e vigorosas. Os idosos velhos, de 75 a 84 anos, e os idosos mais velhos, de 85 anos ou mais, são aqueles que têm maior tendência para a fraqueza e para a enfermidade, e podem ter dificuldade para desempenhar algumas atividades da vida diária. (SCHNEIDER, 2008)

Essa divisão mais ampla é para os indivíduos, uma fonte de ânimo e autoestima, e dá mais ênfase no caráter heterogêneo do fator envelhecimento; se analisar profundamente, não é a idade – o tempo decorrido do nascimento até o ponto atual na vida – que determina se o ser humano está ou não velho, mas sim todo o contexto de vida dele e como ele está aplicado nesse contexto. Seu corpo como fator biológico também é determinante, levando em conta que cada um evolui e envelhece de modo único, a seu próprio ritmo.

Ao descrever sobre o termo velhice e a palavra terceira idade, Palacios (2004) enfatizou a relação que há entre tais conceitos e ao mesmo tempo discorreu sobre a ideia de mudança discursiva observada em anúncios publicitários. Com esta pesquisa, Palácios observou a existência de duas percepções opostas de velhice. A primeira, mais tradicional, entende o processo de envelhecimento como um período sombrio, no qual predomina o medo da morte, o desencadeamento de doenças, tendo como consequência o isolamento social.

Fonte: http://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/fragilidade-aumenta-risco-de-morte-em-idosos/

A segunda visão retrata a existência de uma terceira idade, a qual faz-nos pensar na possibilidade de outras fases anteriores, como a primeira e a segunda, ou seja, infância e a maturidade, “a terceira idade é postulada como o ponto culminante de uma linha abstrata, convencionalmente instituída como condutora da vida. Estaria posicionada subsequentemente a uma segunda idade, que compreende a maturidade, e uma primeira idade, que compreende a infância.”(PALACIOS, 2004, p. 4).

Na esteira de seus argumentos, Palacios também afirma que os anúncios publicitários permitiram identificar a presença de dois pensamentos divergentes. Por um lado, a velhice é vista como algo que deve ser combatida. Por outro lado, a juventude emerge como o ideal a ser percorrido, mesmo na velhice. Desta forma, “[…] a busca pela juventude resulta em um comportamento ativo de combate à velhice e/ou que o estado de ser velho deve ser sempre acompanhado da busca pela conservação da juventude.” (PALACIOS, 2004, p. 20).

Entretanto, é importante ressaltar o apontamento que Amaral (2015) faz, no artigo sobre as “representações sociais”. A autora deixa claro que envelhecer torna-se algo cada vez mais difícil numa sociedade que prega e valoriza o visual, na qual se ocultam as rugas e os cabelos brancos. Amaral (2015) destaca que, nas sociedades atuais, a idade cronológica se apresenta como marcador para dividir o ciclo de vida das pessoas em três momentos, sendo que o primeiro se refere a preparação para o trabalho; o segundo momento diz respeito a atividade profissional e o último tempo relaciona-se com a reforma.

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Fonte: http://migre.me/vmO9K

A autora apresenta que há um consenso em afirmar a existência de preconceito e discriminação envolvendo as faixas etárias, incluindo a velhice e a juventude.  Para Amaral,

O termo ageism, idadismo em português, refere-se tanto à discriminação etária que os jovens como os mais velhos podem ser objeto. Quantas vezes ouviram jovens a verbalizar que são atendidos de forma diferente dos seus congéneres de idades mais avançadas nos locais de comércio? Quantas vezes presenciaram atitudes de incompreensão relativas a congéneres com gestos lentificados em filas do comércio?. (AMARAL, 2015, p. 294)

Na Contemporaneidade

O atual grupo da terceira idade representa uma “velhice” muito distinta da que era predominante até a década de 30. Ao falar sobre as visões conflitantes que se tem dessa fase, Annamaria Palacios coloca que “o processo de envelhecimento representa uma época sombria, decrépita, repleta de temores da morte, de acontecimentos de doenças, que culmina no isolamento do indivíduo dos processos de socialização em sua fase final da vida.” (PALACIOS, 2004, p. 90).

Diante disso, as formas de representação desse idoso na mídia estavam ligados a produtos farmacêuticos e prevenção de doenças, tendo esse grupo sempre papel secundário. O ato de associar o idoso a tais produtos de embelezamento, traz o estigma negativo que gira em torno desse pensamento pessimista sobre eles à tona, como se algo estivesse errado em se conformar com as mudanças que o tempo acarreta e que se o indivíduo não lutar contra isso, está agindo de maneira errada.

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Fonte: http://migre.me/vmPyq

É perceptível que essa imagem negativa foi substituída por outra muito mais ativa e saudável. Isso se dá pelas mudanças políticas e culturais advindas da pós-modernidade, como o direito a aposentadoria e a oferta de oportunidades para o autodesenvolvimento, aliado aos dados demográficas que apontam o crescente número de idosos desde o final do século XX. Todo esse contexto social foi acompanhado pela mídia, uma forte influenciadora de opiniões e comportamentos. Assim, ela se tornou uma grande colaboradora, não só na construção da nova imagem da terceira idade, mas também na maneira como a convivência de diferentes gerações.

Quando falamos de produtos e serviços destinados a esse grupo, assunto de grande destaque no artigo Velhice, palavra quase proibida; Terceira idade, expressão quase hegemônica, a mídia possui papel fundamental na disseminação da ideia e no despertar do interesse de consumo. Ada Bezerra pontua:

No espaço midiático então, o velho é incitado a adquirir novos hábitos para manterem o corpo saudável e um espírito jovem, com participação social e valores modernos. Para isso, um arsenal de produtos e serviços de rejuvenescimento, cosméticos, eletrodomésticos modernos, centros de lazer, agências específicas de turismo, serviços bancários, e outros produtos são criados e direcionados ao consumo desse gênero. (BEZERRA, 2006, p. 6)

Nessa perspectiva, torna-se claro que a imagem do idoso de espírito jovem não representa a realidade da terceira geração do século XXI, e existe apenas para atender a lógica de mercado vigente que supervaloriza a juventude e a torna uma conquista possível em qualquer momento da vida através de produtos e estilos de vida adequados.

REFERÊNCIAS:

BEZERRA, Ada Kesea Guedes. A construção e reconstrução da imagem do idoso pela mídia televisiva. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. Campina Grande, jan. 2006.

DANIEL, Fernanda; ANTUNES, Anna; AMARAL, Inês. Representações Sociais da Velhice. Análise Psicológica, [s.l.], v. 33, n. 3, p.294-294, 23 set. 2015. ISPA – Instituto Universitário. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.14417/ap.972>.

PALACIOS, A. R. J. P. Velhice, palavra quase proibida; terceira idade, expressão quase hegemônica: apontamentos sobre o conceito de mudança discursiva na publicidade contemporânea. Comunicação apresentada no XX Encontro da Associação Portuguesa de Linguística (APL). Lisboa, 2004.

PALACIOS, A. R. J. As múltiplas idades e os múltiplos usos: cultura, consumo e segmentação de público em anúncios de cosméticos. Comunicação, Mídia e Consumo/Escola Superior de Propaganda e Marketing. v. 3, n. 6, São Paulo, 2006.

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Loucura, loucura: o uso insano das paródias na dança eleitoral das cadeiras

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Pegue e a camisa de força, ajeite o fone de ouvido: vem muita maluquice em ritmo de musiquinha…

Com a proximidade das eleições municipais e de todo quadro cômico que se desenha durante o processo, tenho me esforçado ao máximo numa preparação psicológica e emocional à espera dos fatídicos e irreparáveis materiais publicitários desenvolvidos durante a campanha, em alguns casos, pelos próprios candidatos. Pensando bem, irreparável é pouco, a coisa chega a ser irremediável, pois algumas peças são mesmo de morrer, padecem de uma doença crônica chamada amadorismo total, uma disritmia de tudo que deveria ser assertivo para o bom tom das propagandas eleitorais.

Logo, logo as ruas serão invadidas, tomadas por carros de som, equipes vermelhas, verdes, azuis, amarelas, quase tudo muito igual e parecido, porém, com um elemento diferenciador que chama atenção não pela ausência de qualidade, mas sim pela mediocridade emprestada em alto e bom som, tom. Algo que chega cantando. Vêm aí as famosas musiquinhas pessimamente adaptadas com rimas fáceis ou falta destas na tentativa alucinada de expor o nome, número e a legenda do candidato. Tudo no ritmo de axé, axé music, sertanejo, sertanejo universitário, brega, tecnobrega, o mesmo de sempre (percebem?) reinventado com uma moléstia a mais, que é sempre a batida atual do sucesso musical “inteligentemente” escolhido para transformar-se em paródia. Prepare-se para as novas versões de “Ai, se eu te pego” e “Eu quero Tchu, quero Tcha” para falar dos valores e pontos positivos de seus candidatos. É algo triste de se ouvir, pois foge ao conceito original de um verdadeiro jingle de campanha, com todas as suas emoções, funções e obrigações de criar um elo de particularidade entre a mensagem e o candidato. As tais musiquinhas não fazem isso, quando muito caem no ridículo.

Não escondo de ninguém o meu desdém pelas frágeis e tolas paródias. Possuem letras forçadas em versos e rimas que nada oferecem de “bacana” enquanto ferramenta de publicidade. Não sou totalmente contra paródias, mas é verdade que poucas conseguem qualidade e efeito inovador, elementos essenciais numa campanha política. Por isso não cumprem o papel de jingle, no máximo ganham a simpatia e o status de musiquinhas. Somos obrigados a ouvir versões insanas de um sucesso nacional que na maioria das vezes também já cansou em sua versão original. O resultado disso tudo não é saudável, faz um estrago emocional nas pessoas cujo comportamento oscila entre os sentimentos de amor, simpatia, ódio, aversão, aceitação, reprovação e até mesmo momentos de ansiedade. É a manipulação e controle das emoções humanas da forma mais sensacionalista e cruel. Exige do sujeito que ele cante a sua própria tristeza disfarçada de alegria. Nesse tipo de mensagem, peça, ferramenta, deveria vir ao final de cada uma o famoso alerta do tipo “o ministério da saúde adverte, musiquinha de campanha do tipo paródia é prejudicial ao voto, pois é um barulho do tipo que cega a gente de raiva!”. Se você ainda não identificou o problema, vou ser mais enfático sobre o que estou falando: ninguém convence o outro tentando empurrar sequências do tipo “ eu vou votar, eu vou votar, eu vou votar, tá, tá, tá, tá, tá” ao ritmo de “Tchu, Tcha, Tacha Tchu, Tchu Tcha”.  Mas é o que ouviremos, não tenha dúvida disso.

Paralelo às musiquinhas, um off à parte: receio que nesta eleição veremos crias do Siquerido. Já parou pra pensar nos mascotes, bonecos, personagens que surgirão tendo o Siquerido como fonte de inspiração e crença máxima de que tudo nesse sentido dá certo, funciona? É o tipo de coisa que sempre surge por parte daqueles que acreditam que “de médico, louco e publicitário todo mundo tem um pouco”. Eu mesmo tenho é medo. Temo pelos tipos de personagens, desenhos ou figura (angelical ou demoníaca) que possam nascer do cruzamento entre um Siquerido de sucesso e a imaginação limitada, repetitiva de quem assume o papel de pai da coisa. O Siquerido teve sua razão e emoção de ser, nasceu de uma necessidade e tinha uma identidade única com o sujeito o qual foi inspirado; cópias, adaptações, criações bizarras, tudo que possa parecer como criativo e inovador nesse sentido vai cair no ridículo. Para estes casos, defendo um controle sério e rígido de natalidade, ou seja, sou a favor do aborto prévio de todo tipo de ideia gratuita inspirada no Siquerido para que sua criatura não venha nos matar de desgosto.

Ligando o play novamente, sou a favor do jingle suave, que emociona, pode ser em qualquer ritmo, mas que seja original, que tenha sua própria cara, alma, perfil e identidade do candidato para empatia fácil e posicionamento único na memória do eleitor. Minha experiência enquanto eleitor e cidadão exige versões menos patéticas e menos poéticas para essas adaptações.  Não entregue sua campanha para o queridinho de casa, o certinho da família, o amigo saudável. Esse tipo de negócio exige gente profissional, que vê e faz as coisas sob outra óptica. Pra você, pode parecer tudo muito doido, maluco, diferente e é exatamente isso de que precisa sua campanha: de algo inovador, maluco e gente alucinada que sabe exatamente o que é preciso fazer na disputa frenética por votos. Então, que venham as eleições, suas pérolas e ideias mirabolantes, ambulantes. Eu vou ficar sentado à beira do caminho, à espera de ver o circo passar pra visualizar o que nos traz como espetáculo gratuito na busca pelo meu, o seu, o nosso voto e nossa preciosa e sensacionalista condição de eleitor.

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