As múltiplas interfaces da gestão em saúde pública no corpo humano e sexualidades

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Os primeiros relatos de gestão em saúde estão presentes na vida dos seres humanos desde os primórdios – mesmo que esse conceito e suas complexidades não possuíssem tais definições, pois culturas e povos antigos já possuíam formas de gerir e administrar recursos naturais e financeiros com a finalidade da melhoria da qualidade de vida dos indivíduos ali presentes.

Recursos financeiros inexistentes em determinadas regiões e populações, assim como a ausência de políticas públicas voltadas para a saúde biopsicossocial, foram responsáveis por determinar a relação de biopoder entre os corpos estabelecendo uma relação biocultural de quem possui (possuía) direito à saúde e a melhorias nas condições de vida ao longo dos séculos – práticas e relações de poder que permanecem até o presente no cotidiano, nas vivências e também nas políticas educacionais.

Fica evidente, numa análise antropológica e social, que toda cultura tradicional possui um curandeiro, benzedeiro e/ou xamã que utilizava da relação divindade-deidade-energia celeste-terrestre para estabelecer diagnósticos aos corpos enfermos, enfermidades físicas, psíquicas ou espirituais ou dentro das três vertentes, criando prioridades para os atendimentos. Por vezes, era necessário que esses corpos doentes fossem encaminhados ou permanecessem em local específico para o tratamento e sua reabilitação. Trazendo essa realidade para os dias atuais, pode-se entender que essa se traduz em uma das práticas e ações da gestão em saúde pública.

Não distante da realidade tocantinense, o curandeirismo, as parteiras, assim como o xamanismo e o saber local em relação às práticas de saúde ainda existem em determinadas regiões, e tais práticas, não deixam de consideradas como ações que proporcionam o bem estar físico/psíquico e espiritual dos indivíduos.

No século XXI, o desejo de controle dos corpos e suas sexualidades, mesmo após a implantação e funcionamento do SUS, incluindo toda a sua complexidade e logística, faz muitos políticos sob influência do neoliberalismo desejarem e lutarem para sua dissolução e privatização, fazendo com que os corpos que ali se encontram necessitando de qualquer nível de atenção e assistência de saúde sejam rotulados como brancos e negros, magros ou gordos, heteros ou gays – o que facilita a compactação de dados populacionais, classes sociais e, a partir de tais dados, se estabelecem as relações de incidência e prevalência de determinantes de doenças, por gênero, idade, etc.

O complexo sistema de gestão em saúde pública é permeado de interfaces que permitem que cada esfera estadual ou municipal tenha acesso e disponibilidade aos recursos físicos, financeiros, logístico, equipe multiprofissional para a manutenção em todos os seus ciclos da vida, incluindo, promoção, prevenção, recuperação e reabilitação das doenças, diagnóstico, tratamentos em todas as faixas etárias e dos mais complexos procedimentos de saúde. Todavia, a construção dos corpos não é meramente biológica, inclui outras perspectivas, como a social, a política e a histórica, ainda que se invisibilizem.

Como a saúde e a educação ainda parecem ser inimigas em determinados assuntos, como “as sexualidades”, pode-se concluir que a gestão em saúde pública, por meio da atenção primária não entra nas escolas utilizando a promoção à saúde por dois motivos: o primeiro, por desconhecimentos dos profissionais de saúde sobre a temática sexualidade e, o segundo, porque os profissionais da educação, para cumprirem metas e objetivos educacionais, são atores no palco de ideologias religiosas e políticas em que as escolas se transformaram, o que oculta formas de existir de um corpo humano sexual e seus gêneros.

Quando as escolas se deparam com situações que fogem à sua capacidade técnica-educacional e ensinagem, se limitam a promover encontros para evidenciar ações preventivas de doenças e problemas já existentes como as Infeções Transmitidas Sexualmente, gravidez na adolescência, higiene corporal, etc. Nesse caso, estabelecer uma relação de esclarecimento sobre o corpo de cada indivíduo, incluindo suas interfaces sociais, as formas violências existentes e sua construção não meramente biológica, é algo que deve ser questionado quando se ouve frases do tipo “meninos devem vestir azul, e meninas cor de rosa”.

Por outro lado, distante dessa discussão, as Conferências Nacionais de Saúde (CNS), de 2003 até 2017, apontaram a importância da discussão e da formação de profissionais no cuidado em saúde coletiva em relação às questões de gênero, sexualidade, orientação sexual e com a comunidade LGBTIQ+.

Em 2006, a Organização de Saúde (OMS) deixou clara a importância da discussão sobre a temática gênero nos currículos dos profissionais de saúde com a finalidade de diminuir a desigualdade no acesso à saúde. Mesmo diante de tantas evidências e documentos que permeiam a construção biológica-social-política do ser humano e seus corpos, a educação ainda está parada no tempo e no espaço, dificultando ações no tocante à Educação Permanente sobre os gêneros e as sexualidades, reproduzindo discursos sexistas e homolesbotransfóbicos de que o ensino de educação sexual e sexualidades transformará crianças em “viados e sapatões”.

O SUS e a Gestão em Saúde Pública

Pensar na conceituação do Sistema Único de Saúde (doravante SUS), desde a sua concepção até a sua forma prática e aplicável, como o direito a todos os cidadãos brasileiros constitui um grande marco para a universalidade do atendimento em saúde em diferentes esferas. Porém, não se pode esquecer que tal movimento de construção e consolidação do SUS somente foi possível através do Movimento Sanitário e da Reforma Sanitária nos anos de 1970 e 1980, pautados em estabelecer a igualdade, a integralidade e a universalidade no campo da saúde pública. Lembrando que, nessas décadas, o Brasil já vivenciava uma grande desigualdade entre as classes sociais e também nos serviços de saúde.

Confirmando essa ideia, Paim (2008, p. 38) afirma que, com base na tese de que a RSB representa um projeto de reforma social, poder-se-ia considerar a hipótese de que ela foi concebida como reforma geral, tendo como horizonte utópico a revolução do modo de vida, ainda que parte do movimento que a formulou e a engendrou tivesse como perspectiva apenas uma reforma parcial.

É evidente que o desenho estruturado e pensado para a Gestão em Saúde Pública do SUS não responde à sua complexidade, pois a sua concepção democrática ainda está pautada em ações políticas que impedem ou diminuem a sua eficácia, assim como a realização de ações de promoção e prevenção à saúde em sua totalidade.

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Quando se afirma que as ações políticas interferem nas ações e na gestão de saúde pública, deve-se entender seus efeitos sobre os corpos, os gêneros, as sexualidades e a Educação Permanente em Saúde, tendo em vista que a escola é um local onde circulam ideologias políticas e religiosas. Dado que os municípios possuem autonomia para gerir as ações de saúde pública, tais temáticas não são abordadas e ou implantadas nestes municípios. Para Junqueira (2009 apud ARAÚJO, 2018, p. 217), a escola como ambiente como um ambiente público representante e legitimado socialmente, assume várias vezes a função de reprodução de discurso e práticas excludentes, tornando-se muitas vezes, como um espaço institucional de opressão, o que deve, ainda, a participação ou a omissão dos sistemas de ensino da comunidade, das famílias, da sociedade, as instituições e o Estado.

Por sua vez, Castanheira (1990, p. 222) descreve algumas dificuldades, […] os conflitos entre a necessidade institucional de estabelecer normas para o atendimento, e as necessidades mais imediatas trazidas pelos usuários”; ou, ainda, “o conflito entre os interesses de grupos de trabalhadores da unidade, e de cada trabalhador individual, com as normas da instituição, de um lado, e com as demandas dos usuários, de outro.

E ainda, conforme aponta Cecílio, Mehr (2003, p. 199), […] o denominado ‘sistema de saúde’ é, na verdade, um campo atravessado por várias lógicas de funcionamento, por múltiplos circuitos e fluxos de pacientes, mais ou menos formalizados, nem sempre racionais, muitas vezes interrompidos e truncados, construídos a partir de protagonismos, interesses e sentidos que não podem ser subsumidos a uma única racionalidade institucional ordenadora.

Os novos horizontes que são propostos pelo SUS dentro dos seus aspectos éticos, cogestão, gestão e movimentos reflexivos somente terão êxito quando os novos olhares e saberes produzidos pela população, em consonância com as políticas públicas de saúde, se constituírem democraticamente, trazendo à tona a execução e a fiscalização para as quais o SUS foi pensado e estruturado.

Visando a constituição não meramente biológica e ideológica do ser humano, entendemos que os gêneros fazem parte da saúde pública, assim como as sexualidades pertencem aos corpos. Foram esses mesmos corpos que pensaram e estruturaram o SUS. Contribuindo com a construção do gênero na saúde pública, Ferraz e Kraiczyk (2010, p. 71-72) esclarecem que: se gênero é uma das dimensões organizadoras das relações sociais que produz desigualdades, então a política de saúde construída no âmbito do SUS deve reconhecer a existência dessas desigualdades e respondê-las, com vistas à promoção da equidade de gênero. […] Ao atribuir significados para a diferença sexual, categorizando e valorizando diferentemente atributos femininos e masculinos, as mais diversas culturas e sociedades transformam a diferença sexual em desigualdades que se expressarão em todas dimensões da existência humana, inclusive nos modos de adoecer e morrer.

Descrever e definir o Sistema Único de Saúde Brasileiro, não é uma tarefa simples, uma vez que implica descrever a complexidade do ser humano e sua existência em múltiplas esferas e, ainda, a evolução desses corpos em suas múltiplas interfaces e territorialidades. Isso exige disposição social e política para que o SUS tenha acesso universal. Porém, alguns pontos de conceituação e construção do SUS são necessários e devem ser evidenciados, dentre os quais está a Constituição Brasileira (1988, p. 63): Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III- participação da comunidade.

E ainda, Brasil (1990a, p. 69) descreve no Capítulo II, dos Princípios e Diretrizes:

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:  I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV – igualdade da assistência de saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V – direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI – divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII – utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII – participação da comunidade; IX – descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) Ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X – integração em nível executivo das áreas de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI – conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência e saúde da população; XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII – organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.

Ao discutir as concepções que constituem a complexidade do SUS, não se pode esquecer que a existência desse sistema de saúde se deve à pressão dos movimentos sociais que entenderam que saúde é um direito de todos. Não distante desses movimentos, para esse trabalho, o enfoque central é na sua função correspondente à educação em suas múltiplas vertentes e definições.

Porém, para que isso aconteça se faz necessário relembrar o seu financiamento, a sua diversidade e a sua própria estrutura. Entretanto, para discutir o financiamento do SUS, é preciso ter em mente que ele advém dos impostos recolhidos pelos cidadãos, ficando assim com recursos advindos da União, dos estados e municípios, além de fontes suplementares de financiamento. Isso também vale para as regiões onde não existem estruturas de saúde pública, quando o SUS contrata os serviços em hospitais particulares, não deixando a população sem atendimento de saúde.

Para que o acesso acontecesse de forma igualitária, foi utilizada a estratégia de descentralização dos serviços de saúde pública, ficando assim a União, estados e municípios responsáveis pela integralidade dos atendimentos, conforme a Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, e a Emenda Constitucional n. 29 de 2000. Contribuindo com essa afirmativa, Pereira et al (2004, p. 48) esclarece que: organizar o sistema de saúde com direção única em cada esfera de governo por meio da descentralização política, administrativa e financeira da União, estados e municípios é um meio para atingir os objetivos do SUS. Portanto, descentralização seria uma diretriz que obedece aos princípios do SUS. Em contrapartida, a descentralização tornou-se um traço estruturante do sistema de saúde brasileiro que muitas vezes confunde-se com um princípio, a ponto de alguns autores apresentá-lo dessa forma.

Nesse contexto a forma igualitária parece não contemplar todas as esferas e níveis correspondentes ao SUS, pois quando se pensa nas temáticas gêneros e sexualidades, a política individual ou coletiva assegurada pela atenção primária e suas funções não conseguem adentrar nas escolas na forma de Educação Permanente em Saúde, ou simplesmente educação em saúde, como direito de todos que ali se fazem presente para produzir esclarecimentos e reconhecimento. A questão que se impõe é: por que isso acontece? Na busca de uma resposta, chega-se à conclusão que a mesma política que assegura cirurgias de readequação de gênero, atendimentos para situações de violências e garantia para o acompanhamento psicoterápico, não é capaz de ultrapassar os muros das escolas.

Corpo, Gênero e Sexualidades nas práticas de educação permanente em saúde Pública.

Definir o que é um corpo e ter um corpo é um tanto complexo nesse momento em que se vive um retrocesso permeado de sexismo e ideologias cerceadoras. Porém, é preciso considerar que as definições e nomenclaturas não excluem a essência do ser humano, mas podem levá-lo a estados de auto reconhecimento ou de cerceamento ideológico, tendo em vista que ter um pênis/vagina não é a essência de homens/mulheres. Nesse contexto, emergem questionamentos sobre o ser e estar enfermo em um hospital onde se ouvia constantemente frases como “esse é meu filho, e ele é macho”.  Desse fato, pode-se questionar o que é ser macho? O que é ser fêmea? O que é ter um corpo estigmatizado? Será que ter um corpo estigmatizado é também ter um corpo assexuado?

Outrossim, em um primeiro momento, é evidente que as escolas excluem as sexualidades e os gêneros, uma vez que a escola é composta por seres humanos e estes possuem gêneros e sexualidades. Nessa linha de raciocínio, Sampaio (2017, p. 12) esclarece que: para viver em sociedade é essencial a transformação do homem de um ser biológico para um ser humano, e é por meio da aprendizagem com as relações experimentadas que se constroem os conhecimentos que vão permitir o seu desenvolvimento mental (interação ser humano-ambiente físico social).

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Neste caso, o ser macho e o ser fêmea, são distinções de gênero que não definem em essência o que é ser homem e mulher em um contexto mais amplo. Mas, quando se depara com as atividades de saúde pública e ou livros de biologia, fica evidente que, biologicamente, ser macho é possuir uma genitália denominada de “pênis”, e ser fêmea é possuir uma genitália denominada “vagina”. Tais atributos e formas inadequadas de interpretação, são situações que aumentam os índices de violências físicas e psicológicas entre os alunos e também no convívio social.

A estigmatização dos corpos e suas sexualidades permanece na construção dos saberes e vivências escolares e em sociedade, o que faz com que o estigma de ser gênero divergente e/ou vivenciar as sexualidades e a orientação sexual diversa de macho e fêmea heterossexual atraia o julgamento de que a comunidade LGBTIQA+ é responsável pelo amento dos números de casos de infecções sexualmente transmissíveis. Nesse sentido, a importância da Educação Permanente em Saúde (EPS) nas escolas se torna essencial como forma de esclarecimento e também de acolhimento aos alunos.

Quando nos deparamos com os inúmeros conceitos de saúde/educação nesse momento, a educação permanente atende à proposta que estamos evidenciando pois, “essa seria uma educação muito mais voltada para a transformação social do que para a transmissão cultural” (GADOTTI, 2000). Ricaldoni e Sena (2006) complementam essa ideia de educação permanente em saúde uma vez que: é necessário que os serviços de saúde revejam os métodos utilizados em educação permanente, de forma que esta seja um processo participativo para todos. Ela tem como cenário o próprio espaço de trabalho, no qual o pensar e o fazer são insumos fundamentais do aprender e do trabalhar (p. 838).

Ao reconhecer que a sexualidade é como uma impressão digital de todos seres humanos e que estes possuem dois grandes órgãos sexuais no corpo (o cérebro e a pele), fica evidente que todos os seres humanos são seres sexuais, pois a sexualidade não representa apenas o ato sexual, mas o afeto, a amizade, a orientação sexual, o amor e a reprodução. Nesse sentido, a escola é o local onde a EPS, com as temáticas sexualidades e gêneros, deve se fazer presente, independentemente da relação ideológica, religiosa e político-partidária dos municípios e estados, tendo que em vista que a escola é formada por seres humanos em processo de construção de si e seus corpos.

“Serás Deus ou Deusa, que sexo terás”: desafios para a gestão em saúde pública.

A complexidade do que é ter e ser um corpo, em suas múltiplas dimensões e ideologias, é uma tarefa difícil quando existe uma dicotomia entre o corpo produto de ciência biológica que alimenta os dados e gera a resposta da gestão em saúde pública e o corpo real que vivencia e experimenta o estar no mundo, vivenciando seu gênero social e suas inúmeras sexualidades. Veiga-Neto (2016, p. 74) esclarece que: se a sexualidade que articula o corpo com a população, é a norma que articula os mecanismos disciplinares (que atuam sobre o corpo) com os mecanismos regulamentadores (que atuam sobre a população). A norma se aplica tanto ao corpo a ser disciplinado quanto à população que se quer regulamentar[…] sem apelar para algo que seja externo ao corpo e à população em que está esse corpo.

Na dualidade existente no contexto da realidade vivida e os recursos públicos, parece existir uma lacuna, pois, como cabe lembrar, a vigilância sanitária e a vigilância epidemiológica demonstram índices crescentes acerca das inúmeras formas de doenças crônicas e também um aumento significativo de novas nomenclaturas sobre transtornos, porém ainda não definiram que os gêneros masculinos e femininos, “macho e fêmea”, não são mais a base de uma construção de saúde pública. E parece que, quanto mais se fixam ideias e afirmações de que os corpos são meramente biológicos, mais transtornos emergem, demonstrando que uma vida reprimida, coercitiva e automedicada é fruto de uma ingerência e/ou negligência por parte das três esferas de poder.

Contribuindo com essa afirmativa Moulim (2020, p. 19) descreve que: trazemos dentro de nós mesmo um novo pecado original, um risco multiforme que teve origem em nossos genes, modificado pelo nosso meio ambiente natural e sociocultural e pelo modo de vida. Na sala de espera do médico, agora, há cinco bilhões de clientes aguardando pacientemente. […] aí está o paradoxo da grande aventura do corpo no século XX, o exibicionismo da doença não é mais admissível, reduzido pelo ideal de decência.

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Tais repressões e situações são evidenciadas quando recursos de saúde pública são destinados para a atenção primária para que sejam realizadas atividades sobre educação em “saúde” com temas sobre os corpos e as sexualidades – que não acontecem por ideologias religiosas que já definiram o que é ser homem e mulher e como o sexo deve ser praticado, expresso nos livros de biologia ou em livros considerados sagrados. Ribeiro e Motta (1996, p. 40), nesse contexto, esclarecem que “não há aprendizagem se os atores não tomam consciência do problema e se nele não se reconhecem, em sua singularidade”.

Para esclarecer melhor essa dicotomia entre a função da atenção básica no tocante à Educação Permanente em Saúde e o não-poder provindo de ideologias cerceadoras, Vilanova (2018, p. 37) demonstra em seu trabalho pessoas em situação de violência sexual entre 0 e 14 anos, no ano de 2017, na cidade de Palmas, Tocantins.

Observa-se, no gráfico acima, que a forma preventiva de atenção à saúde nas escolas sobre temas que envolvem as sexualidades ainda é falha, tanto por parte da gestão e políticas públicas em saúde quanto por parte das Secretarias de Educação e Saúde, sejam elas estaduais ou municipais. Porém, como forma de direito à saúde em sua totalidade, as vítimas de violências possuem atendimento em núcleos especializados, exceto nas situações que envolvem o reconhecimento de seu corpo e de práticas sexuais abusivas.

Além disso, é significativo o aumento dos casos de transtornos dismórficos corporais, automutilações infanto-juvenil e o interesse pelos corpos estigmatizados por parte dos estados e municípios. Mas tais alterações comportamentais e vivenciais ainda não obtiveram fizeram com que os poderes públicos esquecessem suas ideologias, suas visões religiosas e políticas para permitir que a atenção básica de saúde e/ou Instituições de Ensino Superior adentrassem nas escolas para promover a educação sexual. Para Bonfim et al (2016, p. 240), o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é caracterizado por um comportamento perceptivo distorcido em relação à imagem corporal e uma preocupação com um defeito imaginário na aparência ou inquietação exagerada em relação a imperfeições corporais identificadas.

Teriam os poderes públicos medo de que as Instituições de Ensino Superior em parceria com as Secretarias de Saúde incitem o uso do divulgado, mas nunca revelado, kit gay? Ou, que tais ações esclareçam os alunos sobre as violências e o reconhecimento dos seus corpos e gêneros?

Uma tentativa de responder a esses questionamentos aponta para a criação ideológica e uma falsa política cerceadora direcionada pelo público religioso ao mesmo tempo em que se acredita que o (re)conhecimento sobre os corpos traz questionamentos que muitos professores e escolas não estão dispostos a aceitar e explicar a seus alunos. Se há a ensinagem e o discurso escolar de que a educação deve ser libertadora, torna-se essencial reconhecer, aceitar e entender alunos que nasceram e foram rotulados como macho/masculino/deuses, mas sempre se reconheceram como fêmea/femininas/deusas. Se o ato de educar é libertador, onde se coloca a liberdade de estar e viver o seu corpo enquanto indivíduo? Aqui, vale lembrar que o Estado Brasileiro é laico.

Mas, se esses temas deveriam ser abordados como forma de promoção à saúde nas escolas, na verdade, são excluídos dos projetos pedagógicos por inúmeros fatores, incluindo a ausência de carga horária para ações de educação em saúde ou a invisibilidade do saber reconhecer e agir em determinadas atitudes. De acordo com Casemiro et al (2014, p. 829-830), não é de hoje que se reconhece o vínculo entre a saúde e a educação. Sob o argumento desta íntima ligação entre as duas áreas existe ao menos um consenso: bons níveis de educação estão relacionados a uma população mais saudável, assim como uma população saudável tem maiores possibilidades de apoderar-se de conhecimentos da educação formal e informal. Dependendo do local de onde se fala e de quais tintas são usadas encontram-se os mais diferentes discursos e cenários ou, dito de outra forma, sob aquele argumento cabem as mais diversas abordagens ao tema. A escola tem representado um importante local para o encontro entre saúde e educação abrigando amplas possibilidades de iniciativas tais como: ações de diagnóstico clínico e/ou social; estratégias de triagem e/ou encaminhamento aos serviços de saúde especializados ou de atenção básica; atividades de educação em saúde e promoção da saúde.

Corroborando, Moulim (2020, p. 18) descreve que: paralelamente, a preocupação com a saúde é superior taticamente a preocupação com a doença. Se a palavra do século XVIII era felicidade, e a século XIX a liberdade, pode-se dizer que a do século XX é a saúde … a saúde passou a ser a verdade e também a utopia do corpo.

No século XXI, com inúmeras fontes explicando e evidenciando a importância de se construir esses conhecimentos nas escolas e na saúde pública, ainda me questiono por que as escolas e ideologias têm tanto medo dos termos gênero e sexualidade?

A resposta provável para essa questão pode estar ligada ao desconhecimento, por parte dos professores e gestores escolares, incluindo seus financiadores, de que o corpo não é apenas uma construção biológica, mas uma junção de muitas vivências e experiências. Essa compreensão exigiria vivenciar novas matrizes de corpos, gêneros e sexualidades, aprender a conviver e realizar leituras, sair da zona de conforto que as religiões impuseram ao longo dos tempos e, portanto, mudar todos as abordagens em todos os documentos sobre educação existentes – o que seria, para muitos, desconfortável e constrangedor.

Nesse contexto, justifica-se que a gestão em saúde pública e a própria saúde pública em suas diversas esferas e complexidades, devem aprender que nada é estanque e rígido em termos políticos e sociais. Logo, a escola, como local que proporciona o primeiro convívio de muitas pessoas para a inclusão social, deveria ser vista e vivida como ponto de partida para o novo e não uma vivência do velho imposta, muitas vezes, por um livro não-científico.

Auxiliando nesses questionamentos, Lucchese  (2004, p. 11) esclarece que “no campo da ação social, as políticas públicas de saúde têm por função definir a resposta do Estado às necessidades de saúde da população” e, nesse sentido, as afirmativas mostram que tais atitudes e ações de educação permanente em saúde sobre sexualidades e os gêneros perpassariam ações simplistas e entrariam nos princípios e diretrizes do SUS, tanto no sentido individual quanto no coletivo referente à promoção, prevenção e recuperação da saúde. Contribuindo com a discussão, esclarece-se que: a promoção da saúde enfrenta esta realidade sanitária na medida em que oferece condições e instrumentos para uma ação integrada e multidisciplinar que inclui as diferentes dimensões da experiência humana a subjetiva, a social, a política, a econômica e a cultural e coloca a serviço da saúde, os saberes e ações produzidos nos diferentes campos do conhecimento e das atividades. (BRASIL, 2002, p. 12)

Finalizando, fica evidente que a gestão em saúde pública para a promoção, prevenção e recuperação e reabilitação do ser humano, no âmbito da Educação Permanente em Saúde, por temáticas que incluem o corpo, os gêneros e as sexualidades, voltadas para a escola, é pobre em recursos, suas práticas são ineficazes e os princípios e as diretrizes do SUS não são atendidos.

Fica evidente o quão o SUS é político e, por esse motivo, existem muitas divergências, falhas e também inacessibilidade. Essa ingerência e inacessibilidade dizem respeito às várias dicotomias existentes entre os corpos que construíram e utilizam o SUS diante de tabus religiosos  (novamente, o Estado Brasileiro é laico) e políticos, sustentados por uma concepção biologizante, portanto, cerceadora, de gêneros e de sexualidades.

Proporcionar discussões e reflexões sobre as políticas públicas, gestão em saúde pública, educação em saúde é algo que deve permanecer, pois um dos primeiros contatos e momentos de socialização entre indivíduos acontece nas escolas. E são essas mesmas escolas, que pertencem a um território que constitui uma Unidade Básica de Saúde, que possuem problemas individuais e coletivos que os poderes públicos preferem se isentar ou infringir políticas públicas quando os assuntos desconstroem ideologias já impostas como por exemplo, os gêneros e as sexualidades.

E essa incoerência de ser e estar em um corpo, que possui um gênero e uma sexualidade, deveria ser esclarecido nos projetos de saúde e também nas ações de Educação Permanente em Saúde. Todavia, as escolas também assumiram para si que ensinar e esclarecer sobre as temáticas é função da família e não do Estado. E, nesse constante jogo de incoerências, ingerências e incongruências, quem sofre são os alunos e alunas que estão se construindo e também construindo seu contexto social a partir da vivência nas escolas.

 

REFERÊNCIAS

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Rotatividade dos profissionais da saúde: uma experiência prática

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A alta rotatividade da equipe do Sistema Único de Saúde (SUS) pode acarretar também em falta de profissionais qualificados, engajados e conhecedores do serviço.

A rotatividade profissional, para Tonelli et al. (2018), é definida como uma permanente entrada e saída de pessoas de uma organização, sendo estas voluntárias ou involuntárias. Dentro das organizações sempre há rotatividade, estas podem ser positivas, desde que sejam de funcionários não essenciais que estejam executando determinada atividade e venham deixar a organização. Portanto, é importante ressaltar que a rotatividade pode acarretar em perdas de pessoas estratégicas para determinada vaga, causando assim o fator de interrupção das atividades e consequentemente prejudicando no desenvolvimento da organização.

A alta rotatividade da equipe do Sistema Único de Saúde (SUS) pode acarretar também em falta de profissionais qualificados, engajados e conhecedores do serviço. Uma vez que o profissional que se encontra pertencente a instituição e conhece todo o funcionamento desta é afastado, a inserção de um novo profissional implicará em todo um processo de adaptação que poderá trazer consequências diversas para o serviço. De acordo com Gil (2006), a rotatividade dos profissionais de saúde resulta na perda de investimentos dos gestores que estão em processo de capacitação e qualificação dos profissionais para desenvolver novas práticas, como cursos de introdução aos princípios organizativos da saúde.

Outro fator que pode estar relacionado ao alto índice de rotatividade dos profissionais de saúde, pode estar interligado com a insatisfação relacionada a política da organização, pois se o profissional não acredita nesta política, o trabalho vai se tornar adoecedor e sem sentido. Para Medeiros et al (2010), os profissionais insatisfeitos com o trabalho podem apresentar maior probabilidade de fazerem parte da taxa de rotatividade. Na medida em que o profissional apresenta falta de realização e pouca motivação, começam a receber pouco reconhecimento no cargo, vivenciar constantes conflitos com a chefia e com os colegas, e ainda experimentam a incapacidade de realizar os objetivos do seu cargo.

Fonte: encurtador.com.br/hvCGR

Com o alto índice de rotatividade dos profissionais da saúde, os usuários do SUS podem apresentar dificuldade em construir novos vínculos e se dedicarem ao tratamento, devido a possibilidade da saída repentina do profissional que, por sua vez, colabora para um sentimento de insegurança. Campos e Malik (2008) acreditam que na saúde, a rotatividade pode gerar alguns impactos, como o comprometimento com os vínculos da equipe com os usuários, que pode afetar também no objetivo dos resultados esperados dentro do serviço, principalmente na Estratégia de Saúde da Família (ESF), pois o seu foco está na atenção à família na comunidade, onde valorizam-se os vínculos estreitos entre família e profissional.

A rotatividade dos profissionais dos SUS pode afetar também o andamento do tratamento do usuário, pois o profissional pode vir a iniciar uma atividade e deixá-la inacabada por conta de sua saída da organização, causando um desamparo no processo até a chegada de outro profissional, que pode ou não dar continuidade a esta atividade. Sendo assim, alguns profissionais optam por não planejar atividades que requeiram um longo período de execução, como demonstra Pialarissi (2017, p. 2)

Comprometendo a relação do sistema com os trabalhadores e prejudicando a qualidade e continuidade dos serviços prestados em razão de consequências tais quais o alto índice de rotatividade dos profissionais e a impossibilidade de se fixar projetos com processos de planejamento de médio e longo prazos

Fonte: encurtador.com.br/mqtGS

Para Guimarães, Oliveira e Yamamoto (2013), um dos aspectos que pode comprometer a continuidade e o andamento das atividades é a rotatividade dos estagiários, pois pode vir a  causar nos usuários um recomeço constante das atividades, além da necessidade de (re)criar novos vínculos entre usuários e estagiários.

Dentro do âmbito de saúde alguns projetos são colocados em prática, mas devido a rotatividade dos profissionais alguns projetos não são finalizados. Segundo Polejack et al. (2015), a descontinuidade das ações planejadas, a frequente rotatividade dos profissionais, a descontinuidade das políticas e da gestão das mesmas, podem acarretar em implicações severas para o serviço e para o papel de cada profissional.

Uma experiência de rotatividade vivenciada na prática

            O estágio em ênfase B se apresenta como um dos campos de estágio que o acadêmico do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra precisa cumprir, como matéria obrigatória para sua formação. Diante das muitas possibilidades de atuação que foram ofertadas, as estagiárias escolheram o campo do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPS AD 3).

Fonte: encurtador.com.br/LPQZ1

            As atividades no referido espaço foram iniciadas no mês de fevereiro de 2019, sob supervisão da psicóloga da instituição. Esse primeiro mês teve como objetivo principal a integração das acadêmicas ao campo, para que estas entendessem o funcionamento do serviço e acima de tudo pudessem estabelecer um bom vínculo com os usuários e com a equipe profissional.

            Diante da satisfatória integração, as estagiárias assumiram para si funções específicas, sendo: a condução de um grupo terapêutico sobre autoconhecimento, bem como a realização de atendimentos psicoterápicos individuais. Dessa forma, a inserção e atuação no campo começou a tomar forma e engajamento, e assim foi durante os meses de março e abril, até que o fenômeno da rotatividade acontecesse.

            A psicóloga supervisora tomou a decisão de não continuar mais trabalhando na instituição, por motivos específicos e pessoais. Como consequência da saída da Psicóloga, as estagiárias não puderam mais continuar na instituição, uma vez não permitida a permanência de estagiários atuando no campo sem um supervisor. Sendo assim, o abandono do campo ocorreu, e ocorreu de forma dolorosa para todos os envolvidos no processo: acadêmicas, supervisora, equipe e usuários.

            Tal abandono acarretou no desamparo dos usuários, que estavam sendo assistidos pelos grupos e pelos atendimentos individuais que eram conduzidos pelas estagiárias e pela supervisora. Além de implicar bastante nas relações de vinculação que haviam sido estabelecidas, fazendo com que todas experimentassem um sentimento de rompimento muito doloroso.

Fonte: encurtador.com.br/sFUY6

            O romper desse vínculo e suas consequências foram externalizadas na fala de alguns usuários, que ao saberem da saída das profissionais demonstraram inquietação e preocupação, questionando “por quem” e “como” eles seriam assistidos.

            Contudo, a nova realidade que se apresentava levou as acadêmicas a estagiarem em outro campo, agora a Secretaria Municipal de Saúde de Palmas (SEMUS), especificamente na área de gestão, sob supervisão da psicóloga Isabela Monticelli que se encontrava responsável pelo grupo condutor de Infectologia.

            Diante de todo o exposto, é possível perceber o quanto a rotatividade nos serviços de saúde existe e o quão nocivas elas são, tanto para os usuários dos serviços quanto para os profissionais envolvidos. Dessa forma, para as acadêmicas, ter vivenciado esse processo lhes fizeram perceber que, ao profissional da saúde pública é necessário sempre uma criatividade e expertise no que tange a sua atuação profissional, estando sempre atento para que o processo seja o menos prejudicial possível, para os usuários e para si mesmo.

            Tal expertise e atenção, pode se aplicar numa prática baseada num cuidado comprometido que seja efetivo enquanto o profissional estiver inserido naquele espaço de trabalho, tendo este a consciência de que fez o seu melhor dentro do tempo que lhe foi concedido. Além disso, entender que os usuários do serviço podem, por meio da sua atuação profissional alcançar um nível de autonomia que lhes façam ser os protagonistas de suas vidas, colaborando assim para a dissolução de vínculos de dependência não-saudáveis.

 

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Claudia Valentina de Arruda  and  MALIK, Ana Maria. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev. Adm. Pública [online]. 2008, vol.42, n.2, pp.347-368. ISSN 0034-7612.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122008000200007.

GIL, C. R. R. Práticas profissionais em saúde da família: expressões de um cotidiano em construção. 2006. 318 f. Tese (Doutorado) – Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro.

Guimarães, S. B., Oliveira, I. F., & Yamamoto, O. H. (2013). As práticas dos psicólogos em ambulatórios de saúde mental. Psicologia & Sociedade, 25(3), 664-673

MEDEIROS, Cássia Regina Gotler et al. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva, Lajeado Rs, v. 15, n. 4, p.1521-1531, jun. 2010.

PIALARISSI, Renata. Precarização do Trabalho. Rev. Adm. Saúde, São Paulo, Vol. 17, Nº 66, Jan. – Mar. 2017.

POLEJACK, Larissa. Psicologia e Políticas Públicas na Saúde: Experiências, Reflexões, Interfaces e Desafios. (2015), Porto Alegre, 1 ed.

TONELLI, Bárbara Quadros et al. Rotatividade de profissionais da Estratégia Saúde da Família no município de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Revista da Faculdade de Odontologia – Upf, [s.l.], v. 23, n. 2, p.180-185, 22 out. 2018. UPF Editora. http://dx.doi.org/10.5335/rfo.v23i2.8314.

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Docentes da Psicologia do Ceulp/Ulbra alinham ações para o segundo bimestre

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Dentre os tópicos levantados, os docentes começaram a planejar o Caos 2019

O colegiado de Psicologia do Ceulp/Ubra se reuniu nesta segunda, dia 17/09, para deliberar sobre as principais demandas do segundo bimestre, que se inicia logo após a Avaliação de Grau 1 (G1). A reunião foi conduzida pela coordenadora do curso, profa. Dra. Irenides Teixeira.

Dentre os tópicos levantados, os docentes começaram a planejar o Caos 2019 (Congresso Acadêmico dos Saberes em Psicologia), que irá abordar a sexualidade humana em seus mais variados contextos. Neste sentido, foram montadas comissões que irão conduzir a partir de agora todas as ações do evento, como Comitê Científico, Mesas Redondas, Palestras, Psicologia em Debate, Exposições, processo de Comunicação Social, Oficinas, Publicações etc.

Além disso, os docentes foram informados sobre a atualização qualitativa da equipe, que com as recentes defesas das dissertações de mestrado de três professores, agora é composto por 100% de mestres e doutores. No mais, dentre outros assuntos, foram discutidos questões técnicas relacionadas aos estágios, bem como o processo avaliativo, por parte dos acadêmicos, referente à elaboração e aplicação das provas de G1.

De acordo com a coordenadora Dra. Irenides Teixeira, ‘o encontro foi imprescindível para atualizar os docentes sobre os principais pontos a serem trabalhados até o final deste ano, além de possibilitar que a equipe trabalhe e coopere mutuamente e, também em grupo, estabeleça estratégias para atender as exigências de qualidade estabelecidas pela instituição e pelo Ministério da Educação, o que já vem ocorrendo com esmero’.

Em breve o colegiado voltará a se reunir para avaliar e ajustar as demandas apresentadas nesta segunda-feira.

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A ‘Psicologia da felicidade’

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A evolução científica nos conduz a buscar a resolução de todos os problemas, fazendo com que o foco de nossos estudos se torne as psicopatologias, dificuldades e problemas do homem. Na tentativa de criar uma nova perspectiva Martin Seligman desenvolveu a psicologia positiva ou também conhecida como psicologia da felicidade.

Durante muito tempo a psicologia dedicou-se ao estudo da patologia e da doença mental, procurando compreender e caracterizar as várias perturbações psicológicas e o seu funcionamento. Não havia, até pouco tempo atrás, uma grande preocupação em saber como as pessoas saudáveis viviam e prosperavam, mas sim uma preocupação em saber como funcionavam as pessoas doentes e o que caracterizava as diferentes perturbações psicológicas. A psicologia positiva objetiva estudar os elementos que compõem o funcionamento ótimo do ser humano, bem como seus recursos para a conquista de uma vida feliz, já que tal vertente da psicologia enfatiza aquilo que faz a vida valer a pena, logo, evita-se restringir aos transtornos que a fazer ser miserável.

Martin Seligman, que é psicólogo e professor da Universidade da Pensilvânia e ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, ao invés de se dedicar a entender as fraquezas humanas, ele buscou respostas para compreender quais são as raízes da felicidade. ‘Sabia-se muito a respeito da depressão, mas quase nada sobre a essência comum das pessoas felizes’ diz. Seus críticos argumentam que os termos da psicologia positiva são muito vagos e superficiais, eles até podem estar certos, mas o fato é que com suas ideias, Martin tornou-se autor best-seller, principalmente com seu livro Felicidade Autêntica em que o mesmo propõe que a conquista da felicidade seja um exercício diário, feito com gentileza, originalidade, humor, otimismo e generosidade.

Segundo Seligman (2004) é possível medir o grau de felicidade de uma pessoa se estivermos falando de prazeres como sexo, chocolate e compras. Nesses casos é fácil notar o que a deixa mais feliz, ao contrário da felicidade existencial que é mais difícil de medir. O que dá pra perceber é que há características comuns às pessoas que consideramos felizes. Elas tendem a ser mais queridas pelos outros, mais tolerantes, mais criativas e, principalmente, compartilham de hábitos de vida mais saudáveis, pressão arterial mais baixa e sistema imunológico mais ativo que as infelizes.

Diante das definições acerca da Psicologia Positiva, foram categorizadas algumas formas encontradas através da teoria para promover um bem estar daqueles que utilizam as mesmas. Uma delas é o flow, que pode ser considerado um estado da mente que ocorre quando as atividades intrinsecamente fascinantes e envolventes ampliam talentos em níveis satisfatórios, nos quais a pessoa perde a noção de si mesma e da passagem do tempo. Consiste em um tipo de atividade recompensadora por si só, independente de seu produto final ou de qualquer bem exterior que ela possa resultar. Caracteriza-se pela fusão entre ação e consciência: essa fusão provocará uma espécie de bloqueio da consciência, na medida em que a atenção estará focada apenas na ação que está sendo executada.

Outro termo ou método da teoria em questão é a Resiliência, um conceito bastante difundido, que consiste na capacidade de se recuperar ou de se adaptar positivamente diante das adversidades ou riscos significativos.

Um dos principais intuitos da presente teoria é ir contra o deliberado crescimento de manuais como DSM-IV e CID-10 que tem como foco único as patologias e dificuldades do homem, fazendo com que não somente os estudiosos, mas uma grande parcela da sociedade se esqueça da psicodinâmica da vida e das características não patológicas do homem. Ao invés de criar formas de tirar o indivíduo de quadros depressivos, a Psicologia Positiva vem com o intuito de potencializar o que o indivíduo já tem de melhor, deixando de usar lente de aumento para as fraquezas do mesmo e fazendo com que suas capacidades e hábitos saudáveis se tornem foco de estudo.

 

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