Conceito de Triangulação nas relações familiares na teoria de Murray Bowen

Compartilhe este conteúdo:

O conceito de triangulação sob a perspectiva sistêmica na teoria do psiquiatra e um dos precursores da Terapia Familiar Sistêmica, Murray Bowen, representa o funcionamento de um sistema inter-relacional entre três pessoas nas relações familiares que, geralmente, quando o nível de ansiedade se expressa, a terceira pessoa é convocada para aliviar a tensão entre as outras duas pessoas.

Guerin, Porarty, Fay e Kauto (1996) afirmam que a maior influência sobre a atividade dos triângulos é a ansiedade. De forma concomitante, quando a ansiedade aumenta, as pessoas tendem a sentir maior necessidade de proximidade emocional ou de distância, dependendo de sua reação ao sentir-se pressionado. Portanto, o processo de triangulação é engatilhado pelo impulsionamento da ansiedade que, como reação automática, tende a deixar as pessoas menos tolerantes umas com as outras e, consequentemente, causa o fortalecimento da polarização das diferenças.

Bowen defende que a triangulação é um processo interacional estabelecido no sistema familiar que ocorre quando duas pessoas possuem problemas que não conseguem conversar e resolver e, como saída, buscam uma terceira pessoa para tentar resolver as coisas ou para aliviar a tensão, já que ela é dividida em três relações, causando a dispersão de energia.

Os triângulos emocionais podem ser constantes dentro do sistema ou não, a depender se a participação da terceira pessoa é fixa, podendo resultar na triangulação como uma parte regular do relacionamento. Guerin e Guerin (2002) distinguiu “triângulos” como uma estrutura de relacionamento e “triangulação” um processo reativo.

É importante ressaltar que um grupo de três não é necessariamente um triângulo, pois pode haver interação entre cada dupla e cada pessoa assumir seu posicionamento sem a intenção de modificar os outros. Já na configuração dos triângulos, as interações estão relacionadas ao comportamento da terceira pessoa, sendo que cada pessoa é movida por formas reativas de comportamento sem conseguir assumir uma posição pessoal sem sentir a necessidade de mudar as outras duas. Portanto, a problemática dos triângulos é que eles caminham para se tornar fixos nas relações, modificando e rompendo o relacionamento original.

Como consequência, a triangulação resulta na falta de diálogo nas relações e, consequentemente, no congelamento da resolução dos conflitos. Portanto, a teoria boweniana também realça a importância da “destriangulação”, ato de aprender a perceber a triangulação emocional entre os membros e controlar a participação automática.

Segundo Bowen (1979), a destriangulação é o processo realizado para conseguir manter o contato com um sistema emocional que envolve a si mesmo e a outras pessoas, sem tomar partido por nenhuma das partes, sem contra-atacar nem defender-se e buscando sempre manter uma linha neutra de resposta, ou seja, a separação de um indivíduo do campo emocional de outros dois reforça. O autor reforça que os problemas nas relações podem ser resolvidos quando se tem a diferenciação do self e o reconhecimento das responsabilidades, que caminham para a procura por soluções. Os bowenianos objetivam, no processo terapêutico, bloquear a triangulação e encorajar a posição-eu.

REFERÊNCIAS

SANTOS, Nara Elisete Bender. A triangulação e seus múltiplos aspectos no contexto familiar: um olhar relacional sistêmico. Florianópolis, 2008.

NICHOLS, Michael P.; SCHWARTZ, Richard C. Terapia familiar: conceitos e métodos. 7. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2011. (biblioteca virtual)

BOWEN, M. De la familia al individuo: la diferenciación del si mismo em el sistema familiar. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1979.

Compartilhe este conteúdo:

Juntos pela conveniência?

Compartilhe este conteúdo:

Estima-se que as pessoas buscam a felicidade e fazem escolhas de forma que contribuem para chegar a esse destino. Mas por que um casal que não consegue se dar bem insiste em continuar a relação? É comum que as pessoas próximas parem de perguntar se estão juntos ou separados, porque o vai e vem se torna tão rotineiro que quase ninguém mais leva a sério as dificuldades conjugais que o casal vivencia.

Nesse tipo de configuração de relacionamento algo pode estar faltando como o sentimento do amor, vínculo afetivo ou até mesmo um senso de dignidade. Pode se ter perdido a consciência do relacionamento e o equilíbrio que é necessário para manter ele. Outro ponto que pode também ocorrer é a perda da noção de identidade, pois suas personalidades podem se emaranhar uma com a outra 1.

Por vezes a irracionalidade toma conta do casal, que fica à mercê de suas particularidades ou disfunções. Assim ambos perdem sua conjuntura de indivíduos que têm poder sobre sua própria história, e permanecem em um estado de inconsciência sobre o seu relacionamento. Algumas vezes na relação pode alternar momentos de equilíbrio, no entanto esse período torna-se passageiro e logo volta a configuração de antes 2.

Alguns sujeitos que estão inseridos nesse tipo de relação, às vezes permanecem por considerar que fará bem ao seu parceiro, mesmo que se sinta desprezado por ele. A noção de que o rompimento pode ocasionar um grande sofrimento emocional pode ser uma grande influência no momento de não optar pelo término do relacionamento2.

Ainda assim, alguns especialistas acreditam que o principal motivo para evitar rompimentos é o medo de ficar sozinho. Muitas pessoas relutam em admitir que existem problemas insolúveis, ou preferem ignorar que seu parceiro é a verdadeira fonte de infortúnio. Outra razão pode ser que algumas pessoas pensam que, se terminarem o relacionamento, serão vistas como uns perdedores sociais, por não conseguir manter um relacionamento1.

Fonte: Pixabay

A separação em sua maioria vem seguida de sofrimento psíquico, mesmo que o sentimento do amor tenha acabado e não haja mais motivos para manter o relacionamento. É por isso que muitos casais insistem em tentar manter um relacionamento que acabam ficando juntos (as) porque, emocionalmente, não conseguem ficar sozinhos (as). É necessário o amadurecimento, mas passar por esse processo pode ser doloroso, e necessita de esforço1.

O benefício de manter a relação e que com isso não é necessário aplicar esforço devido ao processo de individualização que pode ser evitado. Renunciar um relacionamento é abrir mão de seus sonhos e planos com a outra pessoa. A viagem do ano que vem, a casa que vão comprar, o negócio que vão abrir depois da aposentadoria. Tudo desmorona quando a união declara seu fim. Para quem está separando, deve cancelar todos os planos para o futuro e recomeçar. Ter filhos é ainda mais difícil. Além de começar uma nova vida sozinho, você também deve conviver com seu ex-parceiro, além disso quando um dos parceiros depende economicamente do outro parceiro, tem se o medo de diminuir o padrão de vida 2.

 Há muitas razões para permanecer em um relacionamento que terminou. No entanto, manter uma união sem sentimentos pode ter consequências negativas, a começar por viver em constante insatisfação. Compartilhar a vida, inclusive renunciar a alguns desejos, só é possível com sentimentos mútuos um para com outro e desejo de permanecer juntos. Viver juntos pode se tornar um sacrifício quando um relacionamento termina. A insatisfação afeta o relacionamento e a vida familiar. Se não for tratada, ambos ficam em sofrimento e afetam aqueles ao seu redor.

Por outro lado, é preciso avaliar se a relação realmente acabou. Se ainda há sentimentos, pode ser viável tentar encontrar uma solução. A distância que os casais constroem pode ser resultado de falta de comunicação, expectativas irreais um do outro e conflitos não resolvidos. Dê atenção especial a essas questões e, em alguns casos, pode ser possível reconstruir o relacionamento. O companheirismo e a amizade podem até sustentar um relacionamento. Mas depende de qual é a expectativa de vida de cada um que está inserido no relacionamento.

No entanto, se todas as tentativas de construir a felicidade e a convivência agradável falharem, talvez o melhor a fazer é enfrentar a mudança, apesar de o fim de um relacionamento ser em sua maioria um momento de sofrimento, posteriormente pode ser o recomeço de muitas de possibilidades, e se colocar como prioridade pode ser essencial.

Referências

JABLONSKI, B. Até que a vida nos separe: a crise do casamento contemporâneo. Rio de Janeiro: Agir, 1991.

KASLOW, F.; SCHWARTZ, L. As dinâmicas do divórcio: uma perspectiva do ciclo vital. Campinas: Editora Psy, 1995.

Compartilhe este conteúdo:

“This Is Us”: conteúdos psicológicos da premiada série americana

Compartilhe este conteúdo:

A série americana “This Is Us”, de Dan Fogelman, disponível no Brasil pela Amazon Prime Video e preimada com o Emmy de 2017, é um drama adulto melancólico focado, especialmente, nos sintomas psicológicos e nas relações intersubjetivas da família Pearson.

No elenco estão Mandy Moore (Red Band Society), Milo Ventimiglia (Gilmore Girls), Sterling K. Brown (Pantera Negra), Justin Hartley (Revenge), Chrissy Metz (Superação: O Milagre da Fé), Susan Kelechi Watson (Louie), Chris Sullivan (The Knick) e Ron Cephas Jones (Luke Cage).

Os protagonistas são três irmãos de 36 anos, dentre eles dois gêmeos (Keven e Kate) e um adotivo (Randall) nascidos em Pitsburg, na mesma data do aniversário do pai (Jack). Além deles, destacam-se a mãe da família Rebecca, seu segundo marido Miguel, os cônjuges e filhos dos irmãos Pearson: Tobe (marido de Kate); Sophie e Madison (ligadas a Keven) e Beth, Tess, Annie e Deja (esposa e filhas de Randall).

A série apresenta a história da família em épocas diferentes, alternando entre o presente e a infância dos três irmãos. No curso das temporadas, o público assiste o bem-sucedido empresário e pai Randall buscar informações sobre seus pais biológicos, Kate encontrar amor e a autoaceitação enquanto luta contra a obesidade, e Kevin enfrentar o alcoolismo e tentar seguir uma carreira mais significativa para ele.

Em This Is US, os personagens lidam com problemas realistas ligados a temas de família, paternidade, autoimagem, saúde mental e encontrar um propósito na vida de meia-idade. E, ainda, ilustram o casos de sofrimento emocional e os problemas de ordem psicológica decorrentes: de interações familiares, do lugar das pessoas na família, de questões intergeracionais e de conteúdos inicialmente inconscientes aos personagens que depois vão sendo esclarecidos ao longo do ir e vir da série.

Fonte: encurtador.com.br/kmFS5

Como exemplo, tem-se o sofrimento intergeracional causado pelo alcoolismo na família Pearson. Como o uso abusivo de álcool, o pai de Jack torna-se uma pessoa de comportamento grosseiro e violento, o que torna difícil a vida da esposa e dos filhos. Apesar do esforço que faz para adotar comportamento distinto do pai, nas relações familiares, o alcoolismo do pai, negado por Jack, acaba reaparecendo como sintoma de angústia nele mesmo, quando adulto, do irmão dele Nick, que torna-se adicto durante a guerra do Vietnã e do filho Keven que usa compulsivamente bebidas e medicamentos para dor como apoio emocional.

Um outro exemplo interessante das repercussões psicológicas das relações de família, são as constantes brigas entre a mãe (Rebecca) e a filha (Kate), a partir do início da adolescência da garota. Por ter uma relação muito próxima ao pai, Kate disputava com a mãe a atenção dele e, por não conseguir, ser parecida fisicamente com ela projeta sua raiva de modo a fazer o espectador acreditar, por bastante tempo, que era a mãe que não gostava dela. Nesse sentido, vale lembrar que a mesma Rebecca Pearson, enquanto filha, enfrentava grandes dificuldades com a própria mãe, super rígida e controladora e que, por outro lado, também assumia o papel de Kate ao ser sempre superprotegida pelo pai.

Fonte: encurtador.com.br/iluR0

Ainda falando sobre Kate, desde criança a personagem apresenta sinais de compulsão alimentar, tendo seu comportamento repreendido pela mãe e incentivado pelo pai. Ela associava o prazer de comer guloseimas, como sorvete e pudim de banana, aos longos passeios em que tinha toda a atenção do pai para si. Com isso, no futuro como adulta, enfrenta problemas de saúde e dificuldades para engravidar e manter a gestação decorrentes do excesso de peso.

Destaque-se que, Kate só conseguiu iniciar um namoro saudável e conseguiu começar a agir para minimizar os efeitos da compulsão alimentar, quando pôde associar os conteúdos inconscientes que colaboravam para a formação do sintoma: a relação com o pai e a culpa pela morte dele. Jack havia falecido 19 anos antes por parada cardíaca após ter inalado muita fumaça tentando salvar o cachorro da filha num incêndio na casa da família.

A morte de Jack e os diferentes olhares sobre este luto são conteúdo presente em praticamente todos os episódios da série a partir da segunda temporada.

Fonte: encurtador.com.br/ouIX3

Sobre o terceiro filho, Randall, a série oferece conteúdo para diversas análises à luz da psicologia. Inicialmente, é preciso destacar o trauma do menino abandonado ao nascer na porta do Corpo de Bombeiros que passa a vida toda procurando os pais biológicos e tem o bombeiro como grande herói. A devoção pelo “bombeiro” que o resgatou leva Randall a assumir por muitos anos a postura de “salvar” as pessoas de seus problemas.

Além disso, a história de Randall apresenta alguns pontos do sofrimento emocional vivido por pessoas discriminadas por racismo nos Estados Unidos.  Isso porque, ele é uma criança negra criada por pais brancos, numa comunidade majoritariamente branca e de cultura separatista.

A soma de situações tais como ser a única criança negra na escola ou o único negro da família Pearson, o reaparecimento e a morte prematura do seu pai biológico (Willian Hill) colaboraram para deixar o personagem confuso quanto a sua identidade, gerando a necessidade de ele aprender e experiencia mais a cultura afro-americana.

Isso se verifica, também, quando a personagem, deixa a terapia que estava desenvolvendo com êxito alegando que precisava de um analista que fosse negro para que este pudesse compreender determinados aspectos do seu sofrimento.

Fonte: encurtador.com.br/FIOZ6

O tema da adoção é amplamente abordado na série. Desde a experiência inicial com Randall, adotado no hospital no dia do nascimento dos irmãos gêmeos, com função inicial de tamponar a falta do terceiro gêmeo (Kyle) que morreu durante o parto.

Passando por Deja, a garota que foi adotada com 12 anos, vinda de uma família com problemas financeiros e de relacionamento e acumulando várias passagens por lares de curta permanência. A adoção tardia ilustrada na série trazia os episódios de revolta e ataques de raiva por parte da adolescente, que indicaria as dificuldades de lidar com adaptação à nova família e, especialmente, o sofrimento gerado pelo luto da perda de suas expectativas pela idealização da sua família de origem.

Fonte: encurtador.com.br/FHU09

Por fim, na última temporada, é possível acompanhar o esforço dos personagens Tobe e Kate para lidar com a ansiedade de acompanhar a gravidez de uma criança que poderia ser dada a eles em adoção.

Durante todo o percurso da série o olhar atento do espectador interessado em psicologia, verá por várias vezes as histórias de vida dos personagens se cruzarem e apresentarem maneiras distintas de percepção do mesmo fato ou momento de vida. Com esta proposta o público consegue identificar sob os diferentes pontos de vista de cada personagem as dores subjetivas causadas a cada um deles, as quais seguiriam imperceptíveis na visão dos demais.

Outro ponto interessante da série, em termos psicológicos, é que a temporada 5 se passa durante a pandemia. Nela é possível encontrar os personagens usando máscaras, mantendo cuidados de higiene, distanciamento social, lidando com as consequências emocionais do medo e da angústia trazidos pela calamidade da COVID 19.

Fonte: encurtador.com.br/vAH49

Ficha Técnica

Título: This Is Us (Season 2) (Original)

Ano produção: 2017

Dirigido por Glenn Ficarra John Requa Rebecca Asher Regina King

Classificação 14 – Não recomendado para menores de 14 anos

Gênero: Drama

Compartilhe este conteúdo:

A Maternidade e o Espectro Autista – (En)Cena entrevista Camila Vieira

Compartilhe este conteúdo:

“Não sei como ser mãe de uma criança fora do espectro,
não conheço outra realidade.”
Camila Vieira

Camila Vieira, advogada, 37 anos, mãe da Alice de 6 anos, que em novembro de 2016 foi diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA). Desde então tem acontecido uma série de mudanças nas relações familiares, que causaram impacto na rotina e no cuidado com Alice.

Nessa entrevista Camila partilha um pouco da sua visão como mãe, de quais os desafios após o diagnóstico de Alice, das intervenções realizadas, das experiências positivas, nos ajudando a ampliar nosso olhar acerca das várias formas de manejo e estímulos voltados para uma criança com esse diagnóstico.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Quando e como foi o processo de descoberta do diagnóstico?

Camila Vieira – Não tive gravidez planejada, ao contrário. Tenho ovários policísticos e todos os médicos diziam que o mais provável é que eu teria que fazer tratamento para engravidar. Meus ciclos eram tão irregulares que eu menstruava quatro vezes ao ano e isso era normal para mim. Quando fui consultar, com um ginecologista descobri que estava grávida e teria uma menina em maio. Até um 1 ano de idade, Alice teve desenvolvimento normal, sentou-se, engatinhou, amamentei pouco, desceu pouco leite, mas alternei peito e fórmula até os 3 meses. Usou chupeta. Brincava muito conosco. Fazia festa quando o pai chegava do trabalho, demonstrava atenção ao que acontecia no ambiente, portas abrindo, Tv ligando, saltos altos, coisas assim. Brincava de esconder, como toda criança, ria muito, balbuciava papai, nunca mamãe. Ela se interessava por outras crianças, mas não tinha nenhuma por perto, sendo o primeiro sinal de alerta, o atraso na fala, já que ela andou antes de um ano e atingiu os demais marcos esperados. Depois os balbucios pararam, então o pediatra disse para colocar na escolinha que os estímulos a fariam falar e entrou na escola em agosto de 2015, porém só que levar ela para a escola fez ela adoecer sequencialmente, gripava e não melhorava nunca, chegando a ter coqueluche, mesmo sendo vacinada.

Em dezembro do mesmo ano, meu marido e minha irmã levaram Alice numa consulta com uma fonoaudióloga num dia que não pude ir, na época minha irmã cursava medicina e Alice tinha um ano e meio. A fonoaudióloga simplesmente mandou esperar até dois anos e meio que a fala viria naturalmente, que estávamos sendo ansiosos demais, enfim ignoramos. Passei o semestre seguinte investigando com otorrinolaringologista se ela tinha algum problema de surdez e nada, até um episódio no fim de agosto de 2016, onde levei ela para a escola e esqueci a mochila, como era perto de casa, deixei ela na escola e voltei sozinha para pegar as coisas. Quando retornei, encontrei toda turma, professores e alunos, no pátio externo, brincando de roda, e ela sozinha na sala vendo desenho. Fui conversar com a diretora, perguntar sobre a frequência disso. E era alta “porque ela gosta mais assim”. Retruquei que ela não tem que querer, ela tem dois anos e eu sou a mãe e eles tem obrigação de me dizer esse tipo de coisa. Foi só aí que soube do problema de socialização e comecei a investigar autismo, mas só tive diagnóstico no fim de novembro em Goiânia, com um médico excelente como profissional, mas sem tato como humano. Depois uma outra médica com quem consultamos, amiga dele, disse que ele tem filho com autismo severo e eu respondi que as coisas não se comunicam.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Após o diagnóstico quais as principais providências que foram tomadas voltadas para o cuidado?

Camila Vieira – O mesmo médico sugeriu testes genéticos e perguntei para que serviriam, se guiariam a medicação ou terapia e ele disse que não fariam isso, mesmo assim acabei fazendo por insistência do meu pai, o exame de cariótipo para Síndrome do x frágil, não deu em nada. Acho inútil gastar dinheiro em testes se não vão trazer utilidade prática, vale quando se pensa num segundo filho, o que não era o caso. A primeira providência foi contratar fonoaudióloga, a primeira mesmo, na mesma semana que voltamos para Palmas e Alice está com ela até hoje, Dra. Edna Manzano e ela ama essa mulher. Ajudou demais em áreas que nem são em tese da competência da área dela, como foco, concentração, olhar nos olhos.

(En)Cena – Quais foram as principais mudanças no cotidiano ocorridas após o diagnóstico?

Camila Vieira – Eu não querer morrer antes da Alice ter independência funcional. Tive o diagnóstico da Alice na última segunda de novembro de 2016 e na primeira semana de abril de 2017 fiz bariátrica. Era inconcebível para mim não conseguir pegar minha filha direito no colo pelo tempo que ela precisasse e poder morrer de infarto a qualquer instante. Eu precisava estar viva, enquanto ela aprendia a cuidar de si mesma, então, além de organizar a busca por terapeutas para ela – primeiro veio a fonoaudióloga particular, depois conseguimos psicólogo pela Ulbra por 18 meses, Terapia Ocupacional pela Unimed, Fonoaudiologia pela Unimed (hoje ela faz com as duas, uma sabe da outra), depois conseguimos psicólogo pela Unimed, aí mudamos para terapia ABA, primeiro na clínica, agora em casa… Foram muitas mudanças. E essas foram algumas das mudanças de agenda na rotina. Nesse meio tempo fizemos seis meses de equoterapia e outros tantos de fisioterapia, um ano de balé, outros tantos meses de natação (com pandemia nem sei contar). Fim do ano passado descobrimos a Kumon para alfabetização e vinha ajudando muito até o último decreto fechar o lugar. Esse foi o mais doloroso.

(En)Cena – Como você tem lidado com essa rotina de cuidados e outras tarefas?

Camila Vieira – Não sei, não sei mesmo. Tenho transtorno de pânico generalizado, diagnosticado há mais, sei lá, quase 15 anos! Aí quando decidi levar a sério a terapia com psiquiatra, na anamnese ela descobriu que devo ter depressão desde a adolescência, o que faz muito sentido. Então não sei mesmo, faço o que dá, levo ela onde preciso. Ano passado, não consegui dar continuidade a rotina de estimulação e esse ano tentei retornar, mas não consegui. Tentei não deixar Alice perder outro ano escolar e nisso estou me esforçando mais. Estou me esforçando também para brincar mais, dar mais atenção para ela, por menos energia que eu tenha. Não consigo entregar no trabalho o que me é exigido. Home office não é pensado para mulheres com crianças atípicas. Escola a distância não é pensado para crianças atípicas. Governantes ignoram completamente a existência de famílias atípicas. Vou te dar um exemplo pessoal: ano passado eu reclamei sobre isso de EAD para crianças com autismo e a prefeita disse para mandar mensagem privada. Só que as mensagens privadas dela são BLOQUEADAS! Eu já tive simpatia pela ideia de ter uma mulher no gabinete, mas já passou. Tenho me sentido negligente com as tarefas em geral, comigo, filha, marido, trabalho, amigos, casa… Dá uma sensação de que tenho falhado em tudo. Tenho dormido mal, em horários inadequados e tido insônias frequentes.

Fonte: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Já passou por alguma situação desconfortável de preconceito no processo de inserção da sua filha nos espaços públicos? qual o tipo?

Camila Vieira – Poucas, pela minha personalidade. Sou intimidadora e tenho uma cara ruim. Só sorrio para fotos e amigos, não sou convidativa. Então, as pessoas pensam muitas vezes antes de se manifestar sobre Alice. E quando o fazem, respondo, de forma curta e grossa, que a única pessoa a agir errada é quem está reclamando. Alice está no espectro autista e tenho laudo na carteira para provar.

(En)Cena – Poderia partilhar sua experiência positiva com sua filha para que outras mães com dificuldades no diagnóstico possam se inspirar?

Camila Vieira – Depois do diagnóstico eu só pensava no que tinha perdido. Em todos os sonhos bobos de coisas que queria fazer com ela e não faria. Tipo, ela ia gostar de DC ou Marvel? Ia ser rockeira ou hippie? Que tipo de livro ia gostar de ler? Ela tinha dois anos quando recebeu o diagnóstico e eu estava de luto pela criança que nunca chegou a existir. O tempo passou. Ela foi comigo ao cinema ver Mulher Maravilha, Thor Ragnarok, Os Caça Fantasmas, Capitã Marvel. E semanas atrás, em casa, eu estava na sala, começando a rever Dr Estranho e ela se sentou no sofá comigo, então mudei o idioma para português e ela não deitou no meu colo, não foi ficar comigo, comer, nada disso, foi ver o filme. Ela está se encontrando. Está descobrindo algo que gosta. Tem quase sete anos e tem seu próprio universo de super heróis, Miraculous, as aventuras de Ladybug. Conhece e não é só um hiper foco, porque ela cria coisas que não estão no desenho. Cria kwamis, miraculous, poderes. E faz quando quer, não quando é solicitada. Acho fascinante.

(En)Cena – Como você atualmente ver o processo de evolução do tratamento de sua filha?

Camila Vieira – Confesso que mais lento que eu gostaria, mas responsabilizo a pandemia. A falta de contato social com crianças da idade dela e a quebra de rotina não só atrasaram, mas trouxeram perdas. Ainda é difícil avaliar se poderemos reverter esse quadro e quanto tempo isso vai levar, mas ter sido afastada da escola bem no primeiro ano do ensino fundamental foi o pior de tudo. Gerou depressão e ansiedade a ponto de precisar de medicação.

(En)Cena – Gostaria de deixar alguma mensagem para os nossos leitores sobre ser mãe de uma criança com diagnóstico de espectro autista?

Camila Vieira – Não sei como ser mãe de uma criança fora do espectro, não conheço outra realidade. Não posso dizer se é mais fácil, só sei que cada maternidade é única. Que não existem anjos azuis. Que crianças são crianças tenham ou não atipicidades. Que a convivência com diversidade é bom para todo mundo. Que a pandemia deveria ter ensinado as pessoas que escola em casa é um retrocesso a ser barrado e que professores precisam de salários dignos.


Para conhecer um pouco do cotidiano da Alice é só seguir no @a_incrivel_alice

Compartilhe este conteúdo:

CAOS 2020: Relações familiares e escolares são tema em sessão técnica

Compartilhe este conteúdo:

Sessão técnica é parte da programação do CAOS 2020 que acontece no Ceulp até o dia 07 de novembro.

Nesta quinta-feira (05), ocorreram remotamente as Sessões Técnicas do Congresso Acadêmico de Saberes da Psicologia – CAOS 2020. As apresentações de trabalhos por comunicação oral foram de acadêmicos e psicólogas mediados pela psicóloga e Profa. Cristina Filipakis (Ceulp/Ulbra).

A psicóloga Ester Maria Cabral apresentou o trabalho “As Relações Pessoais Da Família Pastoral E Suas Implicações Emocionais”. Discorreu sobre a compreensão das relações familiares e pessoais das famílias pastorais por meio do Pensamento Sistêmico a partir da Teoria Geral Dos Sistemas e Teoria Da Comunicação. Em sua pesquisa, Ester observou o impacto na saúde física e emocional da situação financeira, mudanças de moradia, adoecimento e solidão nas famílias de pastores presbiterianos.

As acadêmicas Isaura Rossatto e Yasmilsa Mesquita apresentaram o trabalho “Colaboração Entre Parceiros Em Relações Heterossexuais”. Pontuaram sobre a influência dos papéis de gênero na sociedade patriarcal sobre a colaboração em casais. Indicaram a importância das práticas colaborativas por meio do Pensamento Sistêmico Novo-Paradigmático e de formas de relacionar voltadas para a legitimação na convivência.

Os acadêmicos Leticia Antunes e Murilo Morais apresentaram o trabalho “Conflito Nas Relações Familiares: Parentalidade”. Discorreram sobre a família na contemporaneidade e triangulação na parentalidade a partir das relações de mãe-filha. Também refletiram acerca dos papéis femininos acumulados na família, no que tange as premissas dos indivíduos acerca do trabalho e do ideal que se têm da família socialmente.

Fonte: Arquivo Pessoal

Por fim, a psicóloga Talita dos Anjos Lima apresentou o trabalho “Psicologia Escolar: Identificando Possíveis Demandas De Dificuldades De Aprendizagem Por Meio De Protocolo De Rastreio”. Discorreu sobre a escola como campo de socialização e atuação da psicologia escolar, bem como sobre seu trabalho em atendimento educacional especializado por meio do Projeto de Atenção Interdisciplinar em Saúde Mental nas Escolas (PAISME) em Porto Nacional – TO.

Essa edição do CAOS, inteiramente de forma remota, tem como tema “Psicologia e Profissão: a avaliação psicológica em destaque”. A programação conta com palestras, mesas redondas, minicursos e sessões técnicas. Nessa edição, estar inscrito no evento é fundamental para receber certificação. Mais informações podem ser obtidas no site do evento.

Compartilhe este conteúdo:

“Uma Viagem Inesperada – Missão Especial” de uma mãe resiliente com filhos Autistas

Compartilhe este conteúdo:

As crianças que não são perfeitas são expulsas daqui?

O filme “Uma viagem inesperada – missão especial” é um drama norte americano lançado em 2004, sob a direção de Gregg Champion. Baseado em fatos reais, conta a história de Corrine (Mary Louise Parker), uma mãe de gêmeos univitelinos de cinco anos de idade, Steven (Zac Efron) e Phillip (Thomas Lewis), que são autistas. Inicialmente a mãe não compreende os comportamentos dos filhos, apenas nota que há algo de diferente então leva-os em inúmeros médicos que descobrem características do autismo. A princípio a mãe fica inconformada, ao receber a notícia que seus dois filhos são autistas.

Fonte: https://bit.ly/3gdBkjH

Ela então conta ao marido sobre o fato, e ele lhe diz que não consegue lidar com a situação. Por isso, Corrine o abandona e passa a criar os meninos sozinha. Ela então propõe que os filhos tenham uma vida normal, contrata uma babá, começa a trabalhar e coloca os filhos numa escola, não informando que eles têm autismo. O comportamento das crianças, dá espaço a interpretações descontextualizadas e os professores acusam Corrine de maus tratos; quando ela conta a verdade, eles a mandam procurar outra escola.

Corrine corre atrás de seus direitos e confronta a direção da escola, que decide por utilizar de um recurso do estado, enviando um professor de educação especial que prepara as crianças para ter aulas em sala com os demais alunos. Com os acompanhamentos do professor as crianças fazem grandes avanços e, uma década depois, os irmãos adolescentes enfrentam o ensino médio, enquanto lidam com os desafios dessa fase como as expectativas e exigências sociais e lidar com as próprias limitações.

Fonte: https://bit.ly/2D9tCYR

No decorrer do filme a família enfrenta muitos obstáculos e supera os preconceitos da sociedade, mostrando a capacidade de cada membro. Cada um de seus filhos demonstra habilidades e interesses por atividades distintas: Steven entra para uma equipe de corrida cross country e Phillip é apresentado a música por Doug Thomas (Aidan Quinn), que se mostra atencioso e interessado em participar da família. Doug apresenta-se de forma generosa, compartilhando os problemas da família, vivenciando juntos as adversidades.

O TEA – Transtorno do Espectro Autista, é definido pelo DSM-5 com um déficit persistente na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos. Suas características são, dificuldades na reciprocidade socioemocional como manter conversas e demonstrar emoções; dificuldades nos comportamentos comunicativos não verbais, como na compreensão e uso de gestos; padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, com hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais (APA, 2014).

O diagnóstico é feito por meio de observações clínicas, considerando as características acima mencionadas assim como se os sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário (APA, 2014). No filme, quando Corrine leva os filhos gêmeos ao médico, são descritas essas mesmas características, com exceção de movimentação estereotipada. Steven tem atraso na linguagem, nunca fala, e Phillip apresenta ecolalia imediata, repetindo o que ouve, mas nunca se expressando.

O conceito de autismo modificou-se consideravelmente, ao longo dos anos, deixando de ser compreendido, na definição mais recente do DSM-5, como categorias do Transtorno Autista, Síndrome de Asperger, Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação e passando a ser compreendido como um continuum de manifestações de ampla variabilidade, tanto no grau de acometimento, quanto na forma particular em que os prejuízos apresentam-se em diversas áreas do desenvolvimento do indivíduo (SELLA; RIBEIRO, 2018).

Fonte: https://bit.ly/2D9tCYR

O diagnóstico do TEA é realizado, além da observação, por meio também de entrevista com os pais ou cuidadores, para análise do histórico de desenvolvimento da criança (SELLA; RIBEIRO, 2018). O diagnóstico e intervenção precoce tem grandes benefícios para a criança e para a família. “As estratégias iniciais visam ensinar à criança a perceber o que está acontecendo a sua volta, ser mais atenta, imitar comportamentos aceitáveis, desenvolver habilidades comunicativas e etc.” (HANS, 2007).

Conforme a fala do professor de educação especial a Corrine, “o tratamento/ acompanhamento apresenta resultados com o tempo, dependendo do nível do autismo”. Os níveis de gravidade do autismo são, de nível 1 exigindo apoio; nível 2 exigindo apoio substancial; e nível 3 exigindo apoio muito substancial (APA, 2014). Nota-se que em todos os níveis do autismo exige acompanhamento e torna-se imprescindível um acompanhamento individualizado para melhor desenvolvimento e inclusão social.

Siqueira (2012) menciona sobre planejamento de ensino individualizado – PEI, uma alternativa de trabalho que individualiza e personaliza os processos de ensino para um determinado sujeito. Sua elaboração se dá com a colaboração de toda equipe escolar participante do processo, assim como dos responsáveis e demais profissionais. Nele são previstas estratégias pedagógicas que favoreçam o desenvolvimento da pessoa não só nas áreas acadêmicas, mas também social e laboral, considerando a faixa etária, o nível de desenvolvimento e do interesse do sujeito.

Fonte: https://bit.ly/3hzJxyB

Periodicamente revisado e avaliado e, tendo como base os interesses, possibilidades, conhecimentos do estudante, necessidades e prioridades de aprendizagem – como por exemplo como ensinar e quem vai ensinar, o PEI é muito importante, visto que facilita o processo de ensino-aprendizagem, respeitando singularidades e contribuindo para o estabelecimento dos suportes necessários para que o educando se desenvolva de forma plena (SIQUEIRA, 2012). No filme nota-se o acompanhamento bem próximo a realidade dos dois irmãos considerando a singularidade e interesses de cada um.

FICHA TÉCNICA:

UMA VIAGEM INESPERADA – MISSÃO ESPECIAL

Título original: Miracle Run
Direção: Gregg Champion
Elenco: Zac Efron, Bubba Lewis, Mary-Louise Parker, Aidan Quinn;
Ano: 2004
País: EUA
Gênero: Drama, biográfico; 

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014.

HANS, Linda Lee R. N. Manual sobre o Espectro Autista. Tradução: Cintia Nunes, 2007.

SELLA, Ana Carolina; RIBEIRO, Daniela Mendonça. Análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista. Appris Editora e Livraria Eireli-ME, 2018.

SIQUEIRA, C. F. O. et al. Planos de ensino individualizados na escolarização de alunos com deficiência intelectual. In: Anais do V Congresso Brasileiro de Educação Especial. 2012. p. 11671-11686.

Compartilhe este conteúdo:

“Meu Filho, Meu Mundo” e o método Son-Rise

Compartilhe este conteúdo:

Método mostra que o respeito e amor são fatores importantes para o aprendizado de uma criança.

“Son-Rise: a miracle of love” ou “Meu filho, Meu mundo” é um filme de 1979 que conta a história real de uma família que nos primeiros anos de vida do filho percebe que ele se comporta de maneira diferente das demais crianças. Sempre com um ar ausente, Raun (filho) foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e, assim, os pais buscam por algum tipo de acompanhamento médico. No entanto, os métodos utilizados na época não foram do agrado da família e, dessa forma, eles foram atrás de leituras e desenvolveram seu próprio método a base de amor incondicional.

O método Son-Rise, nome original do filme, foi desenvolvido na década de 1970 nos Estados Unidos, no qual os pais conduzem o programa, auxiliados por outras pessoas que são chamadas de facilitadoras. Assim o adulto deve seguir os interesses da criança sem direcioná-la para nenhuma outra tarefa, aceitando até mesmo os comportamentos estereotipados. Quando a criança apresentar uma abertura é que são propostas novas atividades para que sejam desenvolvidas novas habilidades.

Assim como no filme, para a utilização do método existe a necessidade da adaptação de um quarto, para minimizar distrações, ter controle sobre qualquer mudança e focar na interação com a criança. Os pais de Raun adaptaram um banheiro, no filme, com uma mesa na altura ideal para o tamanho do filho, sem muitos estímulos visuais e sonoros, com os materiais próximos para que possam ser inseridos assim que houver uma abertura.

Fonte: encurtador.com.br/bdpJN

Quanto ao tempo que se dedica a criança, o Autism Treatment Center of America (ATCA) recomenda acima de 20 horas semanais, enquanto outros profissionais indicam 30 minutos diários e ir aumentando gradativamente, conforme a necessidade da criança. De acordo com Williams e Wishart (2003, apud SCHMIDT et al., 2015, p. 416-417), na maioria dos casos, os pais acabam indo além do tempo indicado, gerando o esgotamento de ambos os lados.

Os pais de Raun, no decorrer do filme, deixam esse esgotamento bem evidente, incluindo até Nancy (babá), que os auxilia em casa, nos treinamentos e inserida, posteriormente, nas atividades com o filho. E, nesse ritmo de trabalho, aos poucos os resultados foram chegando, como expressões novas e interações maiores com os pais. Assim, esse método mostra que o respeito e amor são fatores importantes para o aprendizado de uma criança e, também, que essa relação dos pais como professores/terapeutas do filho, potencializa os resultados.

Nesse sentido, uma formação adequada dos pais e de quem os auxiliará é determinante, pois, existe uma estrutura a ser seguida e adaptada a cada criança, onde as características mudam e com elas a necessidade de modificar o estimulo para que seja eficaz a intervenção. Obter informações sobre estudos do método auxiliam também para que esse tempo investido não seja desperdiçado.

Fonte: encurtador.com.br/npVZ5

O programa visa que a criança melhore sua forma de se relacionar com os outros por meio da forma como se relaciona com os pais. Permitir que ela faça suas escolhas e se expresse da sua maneira e assim resolva os problemas que surgirem. E como os pais são o centro do processo, a forma como se portam diante das situações com o filho é de grande importância, pois, são como espelho para a criança.

Portanto, a intervenção precoce, acreditar na mudança e não mostrar desânimo diante do diagnóstico, são os primeiros passos para se iniciar o programa Son-Rise, que é baseado na aceitação e amor incondicional à forma da criança se apresentar ao mundo.

FICHA TÉCNICA:

MEU FILHO, MEU MUNDO

Título original: Son-Rise: A miracle of love
Direção: Glenn Jordan
Elenco: James Farentino, Kathryn Harrold, Casey Adams, Stephen Elliott;
Ano: 1979
País: EUA
Gênero: Drama

Compartilhe este conteúdo:

Gilbert Grape, aprendiz de sonhador: análise sobre o Transtorno do Espectro Autista

Compartilhe este conteúdo:

Dizem que eu sou um milagre
Arnie Grape

O filme Gilbert Grape: aprendiz de sonhador se passa na cidade de Endora, interior dos EUA e conta a história da família Grape, que passou por muitas mudanças, problemas e adaptações desde que o pai se suicidou. Essa família é formada por Bonnie Grape, a mãe, e os filhos Amy Grape, Gilbert Grape, Arnie Grape e Ellen Grape. A película inicia-se com a narrativa de Gilbert sobre cada componente da família, incluindo as características de cada um. Ele cita também um irmão mais velho que saiu de casa e nunca mais voltou (e que não aparece no filme). Conta sobre como seu pai, A. Grape, se suicidou (por enforcamento) e como esse fato repercutiu na vida de sua mãe, Bonnie, que entrou em depressão e obesidade mórbida, ficando sem sair de casa por cerca de sete anos. Gilbert evidencia o autismo de seu irmão Arnie, que tinha, na opinião dos médicos, uma expectativa de dez anos de vida, mas já estava prestes a fazer 18 anos de idade.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é apontado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (2019) como sendo um transtorno do desenvolvimento de ordem neurológica, que apresenta como características o comprometimento na comunicação social e a manifestação de comportamentos e/ou interesses restritos e repetitivos. O TEA pode vir acompanhado por comorbidades, aumentando assim as dificuldades que essa pessoa enfrentará e o sofrimento inerente a tais patologias envolvidas, como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, o Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC), Transtornos de Ansiedade e possível quadro depressivo (SAVALL; DIAS, 2018).

Fonte: encurtador.com.br/quR37

Arnie é um adolescente que apresenta dificuldades em compreender regras sociais e as atividades de vida diária (AVD’s), necessitando dos cuidados de seu irmão Gilbert para tomar banho, se secar e vestir. No decorrer das cenas percebe-se também que Arnie apresenta estereotipias motoras (movimentos repetitivos com os dedos) e ecolalias (repetição de frases e palavras). No autismo são comuns alterações comportamentais relacionadas a apego excessivo a rotina, estereotipias ou movimentos repetitivos, assim como o uso de objetos e fala de forma repetitiva. (APA, 2014).

No decorrer do filme, fatos cotidianos vão sendo apresentados, como o trabalho de Gilbert em uma mercearia, os preparativos de Amy e Ellen para a festa de aniversário de Arnie, os encontros casuais de Gilbert com Betty, casada e mãe de dois meninos, e a convivência da família Grape em uma casa simples e antiga, na pequena cidade de Endora. Entretanto, um fato novo acontece na vida de Gilbert. Ele conhece Becky, que logo se torna seu porto seguro em meio a tantas dificuldades na sua vida, como a responsabilidade de prover e cuidar da família, assumindo o papel do pai. Becky chegou a Endora com sua avó, com quem viaja em um trailer, o qual estragou, obrigando-as a pararem na cidade. Assim, o relacionamento entre ela e Gilbert se fortalece em demasia, assim como o vínculo entre Becky e Arnie.

Fonte: encurtador.com.br/dtw39

No desenrolar das cenas, nota-se que as áreas em que Arnie apresenta maior comprometimento relacionam-se à formação e manutenção de vínculos, assim como a necessidade de suporte para realizar tarefas básicas de autocuidado, identificando-se assim, que este personagem poderia estar incluso no Nível 2 do TEA.

Gaiato (2018) traz que o Transtorno do Espectro Autista apresenta três níveis de gravidade:

  1. A pessoa apresenta os sintomas do TEA, porém, precisa de pouco auxílio para realizar as demandas do dia-a-dia;
  2. O indivíduo precisa de mais apoio e intervenção. Os prejuízos relacionados a interação social e comportamentos restritos e repetitivos se tornam mais evidentes;
  3. A pessoa precisa de apoio intenso. Nesse grau, a comunicação verbal e não-verbal é deficitária, assim como a interação social. Os comportamentos restritos e repetitivos prejudicam o nível de funcionamento do sujeito na sociedade.

Os dias passam e a tão esperada festa de Arnie chega, marcada por momentos de alegria e brincadeiras, mas também por dois fatos infelizes: a partida de Becky e a morte de Bonnie, que é encontrada morta por Arnie. Após se conformarem, os irmãos Grape colocam fogo na casa, com sua mãe dentro, pois não queriam que as pessoas se reunissem em torno da casa para ver o corpo de Bonnie sendo retirado por um guindaste, o que seria humilhante para ela.

A cena final recupera hábitos mostrados no início do filme: Gilbert e Arnie sentados à sombra de uma árvore, aguardando a chegada dos trailers que por ali passavam todo ano.

A vida segue…

Conclui-se enfatizando que, uma pessoa com autismo necessita de intervenções adequadas e este processo pode se estender por um longo período, dependendo do grau de comprometimento cognitivo dela (RODRIGUES; FONSECA; SILVA, 2008). Com isso, muitas famílias apresentam dificuldades para providenciar atendimentos adequados aos seus filhos.

FICHA TÉCNICA:

GILBERT GRAPE – APRENDIZ DE SONHADOR

Título original: What’s Eating Gilbert Grape
Direção: Lasse Hallstrom
Elenco:Leonardo DiCaprio, Johnny Depp, Juliette Lewis, Darlene Cates;
Ano: 1993
País: EUA
Gênero: Drama; Romance.

REFERÊNCIAS:

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

GAIATO, M. B. SOS AUTISMO: guia completo para entender o Transtorno do Espectro Autista. Versos, 2018.

RODRIGUES, L. R.; FONSECA, M. O.; SILVA, F. R. Convivendo com a criança autista: sentimentos da família. Revista mineira de enfermagem, 2008.

SAVALL, A. C.; DIAS, M. Transtorno do Espectro Autista: do conceito ao processo terapêutico. Santa Catarina, 2018.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Transtorno do Espectro do Autismo. Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento, 2019.

Compartilhe este conteúdo:

Spin Out: a beleza de um esporte e o estigma de um transtorno mental

Compartilhe este conteúdo:

Patinar é como respirar. Nem imagino não patinar. E, se eu paro, sinto que estou me afogando.
(Kat Baker)

Ser um atleta profissional exige muitos sacrifícios. Uma rotina diária de treinos intensos, motivação e espírito esportivo é só algumas das exigências para se alcançar a glória no esporte. Sem levar em conta cada perda ou sofrimento suportado pelo atleta, os telespectadores como os próprios atletas não exigem menos que a medalha de ouro, além do mais é preciso que o espetáculo valha cada tempo gasto assistindo a performance e a perfeição de cada movimento marcam esportes como a patinação artística no gelo.

Spinning Out é uma série que trata deste tema de modo espetacular, além de mostrar a luta árdua de jovens atletas para se consolidar na patinação no gelo, ela fala sobre a saúde mental do desportista. Se tratando de um esporte que exige grandes habilidades artísticas, beleza e perfeição em cada movimento é o que chama atenção nesse jogo e um transtorno mental pode ser considerado a “imperfeição” que o competidor não quer trazer à tona.

 A série conta a história de Kat Baker, uma patinadora artística de alto nível que pensa em abandonar a carreira, após um evento traumatizante. Kat passa a temer patinar como antes, evita efetuar manobras arriscadas como saltos triplos; além de ter tido sequelas físicas ela também passa a ter grande sofrimento mental, como episódios de automutilação e flash backs do acontecido.

Não conseguindo superar seus medos, Kat recebe uma nova oportunidade de fazer o que mais ama, na patinação. É então convidada para ser parceira de um talentoso patinador. Com o tempo a protagonista passa a ter mais confiança em si mesma e a entender seus problemas, porém isso faz com que seus segredos venham à tona e ela acaba expondo que possui o Transtorno Afetivo Bipolar.

O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é um transtorno de humor, considerado crônico, caracterizado por episódios agudos e recorrentes de alteração patológica de humor, podendo persistir por semanas ou meses, fazendo assim com que os pacientes não possam prever seu próprio estado emocional, já que a pessoa pode passar de um estado depressivo de extrema apatia para um estado de mania com extrema exaltação, daí o transtorno ser denominado de bipolar (BIN, et al, 2014, p. 143).

Na série é visto claramente os episódios da patinadora, especialmente quando para de tomar a medicação. Contudo, Kat sofre não apenas pelo estigma de ter uma doença mental em um meio preconceituoso; sua relação com a mãe é péssima e um dos motivos disso acontecer é porque a mãe tem o mesmo transtorno e teve que abandonar sua carreira quando jovem. Isso pode ser explicado por razões genéticas, cujos fatores epigenéticos exprimem que as mulheres têm mais tendência a desenvolver o transtorno do que os homens, um dos elementos que comprovam essa teoria é o Imprinting.

Imprinting refere-se a um padrão de herança não-Mendeliana em que a transmissão do fenótipo depende da origem parental do alelo associado à doença (MICHELON, VALLADA, 2004). Observa-se que pacientes bipolares possuem com maior frequência mães afetadas do que pais afetados e mais ancestrais maternos afetados que ancestrais paternos (WINOKUR, REICH, 1970). A série explora a relação conturbada de mãe e filha, com os altos e baixos de ser viver com um transtorno mental.

Em paralelo com a trama da série é possível perceber que há muitos esportes, cuja exigência é mais do que as habilidades dos atletas, como perfeição dentro e fora do ambiente competitivo. Fazendo com que os indivíduos sofram tentando esconder suas dificuldades, a fim de mostrar apenas o que a sociedade considera agradável. Na série a personagem principal tenta esconder sua condição por medo de ser julgada incapaz de atuar dentro do esporte, fazendo com que não desfrute de modo pleno todo o seu potencial e não se sinta bem consigo mesma.

Para Mazzaia & Souza (2017), o bem-estar das pessoas que tem esse transtorno pode ser prejudicado devido às próprias características da doença, porque, nas fases de mania e hipomania, os sintomas de felicidade e confiança, estão disfarçados pela sensação de poder e capacidade que proporcionam. O que é perceptível quando a personagem decide parar o uso do remédio para patinar melhor e se deixa levar pelos sinais de seu problema mental.

Outro ponto abordado na série é a pressão da família, o abuso e a exposição do atleta para não perder e nem abandonar as competições. Isto é visto na melhor amiga de Kat, a patinadora Jenn Yu, cuja lesão no quadril lhe faz levar seu corpo e mente ao limite da dor, tentando muitas vezes anestesiar com fármacos, na tentativa de não se submeter ao fracasso diante de toda a família.

Além da intolerância em relação a saúde mental, a série mostrar outras formas que o esporte erra ao submeter o atleta ao estado de excelência. A treinadora da dupla e campeã olímpica Dasha Fedorova treinava em uma época que pessoas do mesmo sexo em hipótese alguma poderiam se relacionar. Tal afronta poderia leva-la a abusos ainda maiores e por medo teve que esconder seus sentimentos. Já Marcus, é um jovem rapaz negro que gosta do esqui no gelo, esporte predominantemente executado por brancos e dessa forma tem problemas por causa de sua cor. Por fim, temos Justin o parceiro de Kat, cujo desempenho é associado apenas ao grande investimento do pai em sua carreira, não acreditando em si mesmo, acaba deixando de apoiar Kat no seu momento mais difícil, estando sofrendo por não saber lidar com a dificuldade de sua companheira.

FICHA TÉCNICA:

SPIN OUT

Título original: Spinning Out
Direção: Elizabeth Allen Rosenbaum, Jon Amiel, Matt Hastings;
Elenco Kaya Scodelario, Evan Roderick, January Jones, Amanda Zhou;
País: EUA
Ano: 2020
Gênero: Drama.

REFERÊNCIAS: 

BIN, et al. (2014). Significados dos episódios maníacos para pacientes com transtorno bipolar em remissão: Um estudo qualitativoJornal Brasileiro de Psiquiatria, 63(2), 142-148. doi: 10.1590/0047-2085000000018.

MAZZAIA, M. C.; SOUZA, M. A. Adesão ao tratamento no Transtorno Afetivo Bipolar: percepção do usuário e do profissional de saúde. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Porto, n. 17, p. 34-42, jun.  2017.

MICHELON, L.; VALLADA. H. Genética do transtorno bipolar. Rev. Bras. Psiquiatr. Vol.26 suppl.3 São Paulo Oct. 2004.

WINOKUR, G.; REICH, T. Two genetic factors in manic-depressive disease. Compr Psychiatry. 1970;11(2):93-9.

Compartilhe este conteúdo: