Em 2014, o antropólogo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), uma ONG que historicamente tem produzido dados sobre a discriminação contra a comunidade LGBTQIAP+ no Brasil, lançou um livro intitulado “São Tibira do Maranhão – 1613-1614, Índio Gay Mártir”. Este livro acendeu a luz para que enxergássemos a figura, até então, desconhecida: Tibira do Maranhão.
Tibira do Maranhão, um indígena pertencente à etnia tupinambá, foi executado em 1614 por causa de sua orientação sexual, especificamente por ser homossexual. A decisão de condenar a morte foi tomada por líderes religiosos católicos que estavam em uma missão no Brasil naquela época. Um desses líderes foi o entomólogo francês Yves d’Évreux (1577-1632), um frade capuchinho que colonizou o Brasil. D’Évreux detalha a execução de Tibira do Maranhão em seu livro intitulado “História das Coisas Mais Memoráveis Acontecidas no Maranhão nos Anos de 1613-1614”.
Desde então, Luiz Mott tem trabalhado incansavelmente para aumentar a visibilidade desse episódio. Ele teve apoio de um líder religioso que vem de uma visão cristã independente, o arcebispo primaz da Santa Igreja Celta do Brasil, que expressou seu reconhecimento pelo martírio e pela santidade de Tibira do Maranhão. Desde que seu livro foi publicado, Mott liderou uma iniciativa para que Tibira do Maranhão fosse reconhecida não apenas como mártir, mas também como uma figura santa, assim iniciando o processo de canonização. Em 2016, as autoridades do Maranhão marcaram esse reconhecimento ao inaugurar uma placa em homenagem a Tibira na Praça Marcílio Dias, localizada em São Luís.
Uma pesquisa realizada com base nos dados do Sistema Único de Saúde (SUS) evidenciou que a cada hora uma pessoa LGBTQIAP+ é agredida no Brasil. Entre o período de 2015 e 2017 analisou-se esses dados, 24.564 notificações de violências contra pessoas da comunidade foram registradas, o que entende-se que, em média, são mais de 22 notificações por dia, ou seja, quase uma notificação por hora (PUTTI, 2020). São Tibira foi, infelizmente, o primeiro caso de homofobia registrada no Brasil, sendo um indígena morto pelas mãos de um colonizador de forma bruta, por sua etnia já era considerado por eles um ser sem notoriedade e por sua orientação, o mesmo foi condenado à morte.
Falando de identidade sexual é importante falar sobre a cisheteronormatividade, a qual é responsável por tentar ditar qual a identidade sexual e de gênero é a correta, a conformidade à cisheteronormatividade advém de uma visão do mundo cristão monoteísta (ORNELAS, 2021). Com a história do São Tibira vale analisar a colonização das sexualidades, que pode estar relacionada a dispositivos políticos, ideológicos, raciais, econômicos e científicos que estão profundamente entrelaçados (FERNANDES, 2017).
Fonte: Theodor de Bry/Reprodução
Cena descrita por Pietro D’Anguiera em “De Orbe Novo”, com Vasco Nuñez de Balboa assassinando o irmão de um cacique no Panamá e 40 de seus companheiros por estarem vestidos de mulher, em 1513.
Esses mecanismos afetam várias comunidades (rurais, urbanas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, entre outras) por meio da imposição da cisheteronormatividade, que é uma parte integrante da estrutura de poder colonial que molda as normas morais e familiares, bem como a divisão de papéis de gênero no trabalho. Nesse contexto, é crucial entender que a sexualidade desempenha um papel fundamental na compreensão da dinâmica colonial, abrangendo questões que vão além do âmbito estrito do sexo, como casamento, laços familiares, vida doméstica, alianças políticas, habitação e outras mais, não sendo fechado ao sexo, estrito senso (FERNANDES, 2017).
A cisheteronormatividade e a imposição compulsória da heterossexualidade, instaladas durante o período da colonização europeia, estão enraizadas em discursos e práticas religiosas, políticas e civilizacionais que se baseiam em fundamentos científicos, teológicos e socioculturais (FERNANDES, 2017). Esse processo de colonização e imposição de uma cultura dominante afeta diretamente os corpos e as identidades sexuais, planejando estabelecer uma norma moral baseada no modelo de família cristã binária e hegemônica, criando assim dinâmicas de exploração e subordinação como meio de manter o poder e preservar a cultura branca, patriarcal e heterossexual da era moderna/colonial (FERNANDES, 2017)
A colonização sexual afeta diretamente a vida dos povos originários, já que os mesmos eram obrigados a seguir as idealizações colocadas por colonizadores, como forma de apagarem suas identidades. Em uma entrevista para à Rádio CNN, Danilo Tupinikim afirma que “é sempre importante pensar no quanto a colonização afetou os povos indígenas, e com questões de gênero e sexualidade não foi diferente”.
Fonte: Yasmin Velloso/Mídia NINJA
Povos indígenas e LGBTQIAP+ enfrentam batalha dupla contra o preconceito
O processo de colonização imposto às comunidades indígenas representou um esforço deliberado de implementação de um ‘projeto de civilização’ que envolve a negação e a destruição de suas visões de mundo e conhecimentos, abrangendo seus costumes linguísticos, hábitos alimentares, práticas educacionais, identidades sexuais, sistemas religiosos e todas as outras formas de convívio comunitário. Esse processo e projeto continuam a ter impactos significativos até os dias atuais. A perspectiva colonizadora, que se estende desde o mito renascentista do ‘bom selvagem’ até a desumanização dos povos originários, está profundamente entrelaçada com a religião cristã e sua ênfase no ‘puritanismo ocidental, que valorizava a virgindade, o celibato, o casamento e outros valores semelhantes (Trevisan, 2018).
A visão dos missionários jesuítas no Brasil foi centrada na percepção de que o corpo ameríndio era visto como refletindo uma natureza corrompida. A atenção primordial dos jesuítas recai sobre o corpo ameríndio, abordando questões como a cauinagem, a luxúria (incluindo a sodomia), a nudez, os rituais antropofágicos e a poligamia, entre outros aspectos. No entanto, para os jesuítas, essa intervenção não se limitava ao corpo físico dos indígenas, mas visava, sobretudo, à transformação da alma por meio do corpo (Fernandes, 2017).
A história de São Tibira do Maranhão, o primeiro caso de homofobia documentado no Brasil, serve como um trágico lembrete das profundas raízes da discriminação contra a comunidade LGBTQIAP+ e não só isso, como a colonização ajudou na dissipação da identidade sexual dos povos originários em nosso país. São Tibira do Maranhão está em processo de tornar-se um mártir para a história do Brasil e, de modo geral, que isso nos sirva como lembrete de que na comunidade LGTQIAP+ não existe apenas uma luta, e que há sujeitos com mais de uma luta que vai para além da homofobia.
REFERÊNCIA
FERNANDES, Estevão R. “Existe índio gay?”: a colonização das sexualidades indígenas no Brasil. Curitiba: Editora Prismas, 2017. 245p.
GARCIA, Amanda; VIDICA, Letícia; BRITO, Leticia. Indígenas da comunidade LGBTQ sofrem duplo preconceito. CNN Brasil. 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/indigenas-da-comunidade-lgbtq-sofrem-duplo-preconceito-afirma-ativista/>. Acesso em 13 setem. 2023.
ORNELAS, Gabriel Mattos. Se há LGBTfobia não há agroecologia: coletivos de juventudes LGBTQIAP+ e processos educativos sobre diversidade afetiva, sexual e de gênero. ReDiPE: Revista Diálogos e Perspectivas em Educação, v. 3, n. 2, p. 92-102, 2021. Disponível em: <https://periodicos.unifesspa.edu.br/index.php/ReDiPE/article/view/1693> Acesso em 11 setem. 2023.
PUTTI, Alexandre. Um LGBT é agredido no Brasil a cada hora, revelam dados do SUS. 2020. Disponível em:<https://www.cartacapital.com.br/diversidade/um-lgbt-e-agredido-no-brasil-a-cada-hora-revelam-dados-do-sus/>. Acesso em 11 setem. 2023.
TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à
atualidade. 4ª ed – Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.
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Em Nome de Deus: dominação masculina, abuso sexual intrafamiliar e relações de poder
Pierre Bourdieu (2002) em sua obra A dominação masculina aponta que a força masculina não necessita de justificativas, ela se apresenta como natural e não precisa ser legitimada. A ordem masculina é privilegiada pela forma como a sociedade se estrutura, que constrói o corpo como realidade sexuada, que segue fundamentos de divisão sexualizante, ou seja, que o corpo é construído de forma social, e a partir da visão sexuada do mundo que traz ao corpo a distinção entre os sexos, que fundamenta a separação entre os gêneros a partir da perspectiva mítica presente na dominação masculina sobre as mulheres.
De acordo com Saffioti (1992) o gênero se constrói através da dinâmica existente nas relações sociais, onde o indivíduo se constrói como é, conforme a relação com os outros, visto que, cada ser humano é aquilo que vive nas suas dinâmicas de relações sociais, que são atravessadas por contradições de gênero, raça e classe. Saffioti (1992, p. 45) defende que apesar das diferentes visões de feministas acerca do gênero e aspectos do mesmo, existe um consenso onde: “gênero é a construção social do masculino e do feminino”.
Reprodução: Globoplay
Diante dessa breve conceituação sobre gênero e dominação masculina, que será complementada ao longo do texto, iremos começar com a análise do segundo episódio da série documental Em nome de Deus, onde nos primeiros minutos aparecem alguns homens amigos e conhecidos de João Teixeira, que o defendem das acusações que são estão sendo feitas.
É interessante perceber que os homens que aparecem para defende-lo representam autoridade dentro da cidade, entre eles há um ex-prefeito da cidade de Itapaci, um empresário local e um amigo de infância, usam como argumento que se fossem só algumas mulheres tudo bem, mas desconfiam dos números alarmantes, tais como 50, 100, 200 mulheres. Como se caso fosse apenas 3 ou 4 estaria tudo bem. Eles se expressam como se o abuso pudesse ser visto como algo aceitável sim, o que tira a credibilidade são os números serem altos.
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Adedi Santana apresenta um argumento sobre a validação do homem poder ter muitas mulheres, e respalda seu posicionamento na história bíblica do Rei Salomão, que foi o terceiro rei de Israel, filho de David com Bate-Seba. Que segundo a Bíblia no livro de I Reis teve 700 esposas de classe principesca e 300 cuncubinas. Cuncubinas correspondiam às mulheres que estavam unidas a um homem, mas ocupavam um lugar inferior ao de esposa, apesar de desempenhar às funções desta.
Adedi ainda culpabiliza as mulheres pelo pecado do homem ao utilizar a frase: “a mulher é danada pra fazer o homem pecar”. A Bíblia no livro de I Reis quando denota sobre o número de mulheres do Rei Salomão, finaliza o versículo dizendo que essas mulheres perverteram o coração dele. A colocação de Adedi possui ligação direta com o trecho bíblico que ele mesmo citou, e que reforça, valida e legitima a ideia de que a mulher é culpada pelo que o homem faz de errado.
João Teixeira está sendo acusado de abuso sexual contra mais de 500 mulheres, mesmo assim ainda possui apoiadores e defensores que culpabilizam as vítimas e o inocentam. De acordo com Carloto (2001), o gênero demonstra a discrepância na repartição de responsabilidade na sociedade, pois a sociedade impõe a divisão de responsabilidades para além do desejo dos indivíduos, e essa distribuição é realizada com requisitos sexistas, racistas e classistas. Conforme a posição ocupada dentro da sociedade, o indivíduo poderá ou não ter acesso a meios de sobreviver segundo o sexo, raça e classe.
Seguindo essa linha de raciocínio, vemos como o a responsabilidade do homem é opcional e submetida ao viés do engano, enquanto a mulher mesmo em situação de violência é vista como culpada, ainda mais quando se trata de mulheres que não possuem o mesmo lugar de poder social que João Teixeira estava inserido. Ele era alguém influente dentro da sociedade, possuía prestígio social e espiritual dentro daqueles que eram detentores dos mais altos níveis de poder.
Para Davis (1975), a finalidade do estudo de gênero é compreender a dimensão que os papéis sexuais possuem e qual o espaço ocupado pelo simbolismo sexual ao longo das sociedades e diferentes épocas, de modo que seja possível encontrar como operavam para preservar a ordem social e para alterá-la. Conforme Zanello e Bukowitz (2011), os papéis de gênero e toda a abrangência que a categoria traz se complementam e fazem parte da mesma estrutura de funcionamento social.
O argumento de Adedi ao usar o número de mulheres que o Rei Salomão possuía está ligado também ao mito judaico-cristão responsável pela transição do matriarcado para o patriarcado, que é a história de Eva e Adão. Onde Eva é vista como inferior desde a sua criação e nascimento por ter sido formada a partir da costela de Adão, que reforça a ideia da necessidade masculina de não aceitar a igualdade de gêneros. Além disso, Eva é culpada por ter tentado Adão e pela expulsão que receberam do paraíso. Eva foi o exemplo de mulher trazido para o Ocidente, a mulher que não deveria ser tida como exemplo a ser seguido. Esse mito judaico-cristão implantou no imaginário coletivo que o feminino deve ser visto como subversivo, e não confiável (CABRAL, 1995).
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O empresário Mauro, fala em tom sarcástico sobre a sua dúvida de que João Teixeira pudesse ter se relacionado sexualmente com mais de 300 mulheres, onde ele diz que “é muita potência”, como se João Teixeira não fosse capaz de cometer tantos abusos sexuais assim devido às suas condições físicas. Ele relata não acreditar que João fez isso, e manifesta sua dúvida em relação aos depoimentos e denúncias feitas pelas mulheres.
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Juca Martins, amigo de infância de João Teixeira além de duvidar que ele cometeu abusos sexuais com todas essas mulheres, ainda retruca ao dizer que as vítimas retornaram “lá de novo”, se referindo à Casa Dom Inácio. Esse comportamento de Juca reforça a desmoralização das vítimas, visto que, elas perdem a razão quando apresentam qualquer aproximação ou inclinação ao seu abusador. Ameaças, chantagens e violências são desconsideradas, afinal, a vítima escolheu a reaproximação do abusador.
Bourdieu (2002) afirma que a dominação masculina nas formas de exploração e a expressão pura do masculino trazem honra ao homem, serve como uma maneira afirmativa de sua virilidade. Bourdieu aponta que o assédio sexual corresponde a uma maneira de afirmar a dominação masculina.
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João Teixeira recebeu o apoio não somente de pessoas próximas, mas de uma grande multidão que o esperava na porta da Casa Dom Inácio. Pessoas vindas de vários lugares, que já frequentavam a Casa, e que estava ali gritando a inocência de João Teixeira. As pessoas trajavam branco, assim como ele, e formaram um escudo ao redor dele afastando os jornalistas e pedindo que a imprensa deixasse o “pai” em paz.
João respondeu aos jornalistas apenas dizendo que era inocente, antes disso dentro das instalações da Casa, ele disse aos fiéis que continuava sendo o João de Deus, e que iria se entregar a Lei Brasileira, mas continuava sendo o João de Deus. Logo se despediu com palavras religiosas e declarou sua inocência aos jornalistas presentes que tentavam falar com ele.
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A apresentadora Xuxa Meneghel foi a primeira pessoa famosa a se manifestar em relação ao caso de João de Deus estar sendo acusado de abuso sexual de mulheres. Ela se pronunciou numa rede social, onde pedia desculpas aos seus fãs e seguidores por já ter indicado e falado muito bem do trabalho espiritual desempenhado por João de Deus. Ela relata se sentir envergonhada por ter indicado alguém como ele, por ter colocado pessoas em risco sem saber.
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Xuxa relata sobre ter sido resistente no primeiro momento em relação às denúncias, mas ao entrar em contato com os relatos das mulheres releva ter se sentido conectada a elas por dividirem o mesmo trauma em comum: o abuso sexual. Ela fala sobre as semelhanças nos relatos, sobre o silêncio de tantos anos, sobre o medo e sobre a forma como as mulheres revelaram sobre os abusos sofridos.
De acordo com Chauí (1985), a violência corresponde a uma relação hierárquica de desigualdade, que possui a finalidade de dominação, exploração e opressão, que é efetivada no silêncio da vítima e na passividade. Além disso, a violência está ligada ao poder, ao passo que um dos lados é dominador, o outro é então dominado, violentado. Onde de um lado há a dominação e no outro a coisificação, entretanto a violência e o poder não correspondem a características intrínsecas e inatas do ser humano.
A apresentadora traz informações sobre quando João Teixeira acompanhou a mãe dela num período crítico de adoecimento decorrente da doença de Parkinson, e de como ela se encontrava fragilizada e qualquer coisa que ele dizia, ela se agarrava porque não havia mais nada que ela já não tivesse tentado. Xuxa conta sobre as ligações que ele fazia a ela, onde ele dizia que iria realizar uma cirurgia espiritual à distância enquanto a mãe dela estivesse dormindo, e que no outro dia ele sempre ligava para perguntar se ela havia melhorado. Xuxa embarga a voz ao relatar sobre como qualquer melhora que a mãe dela tinha, ela atribuía aos cuidados espirituais dele e qualquer coisa era devido ao trabalho dele.
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Os relatos começam a ficar mais pesados quando Dalva, filha de João Teixeira aparece e começa a relatar que foi vítima de abuso sexual dele desde os 10 anos de idade. Dalva traz informações muito fortes, e agora nessa parte do texto eu gostaria de informar sobre a densidade das informações que serão trazidas sobre abuso sexual infantil, violência física, violência patrimonial e violência psicológica. Além de abuso de álcool e outras drogas.
Se você não se sente confortável com os temas citados, peço que não veja a série documental e que não continue a leitura, visto que, os relatos são intensos, e para caso isso seja um gatilho emocional para você, por favor, não continue.
Dalva é filha biológica de João Teixeira de Faria, e relata ter sofrido abuso sexual por parte dele inicialmente aos 10 anos de idade, entretanto os abusos se estenderam até a vida adulta dela, e sempre envoltos de manipulação, chantagem e dominação de João Teixeira.
Ela conta que morava com sua mãe quando João Teixeira chegou para buscá-la, e ela não queria ir, mas foi forçada a ir com ele. João chegou até a fazenda onde Dalva residia dirigindo um carro importante e caro da época, o que demonstrava seu status de poder aquisitivo naquele momento. Dalva era uma criança e estava brincando na beira da estrada, relata que vivia uma vida simples e humilde, e que a partir daquele dia não teve mais tranquilidade. Ela usa a expressão de que é melhor ter pouco com Deus do que muito com o diabo ao se referir as posses que o pai estava começando a possuir devido a expansão de sua fama no Brasil e no mundo.
O relato sobre o primeiro abuso sofrido por ela ocorreu na casa de João Teixeira, quando ele se disse a ela que precisava fazer um trabalho com ela (se referindo a trabalho espiritual), ele então se deitou com ela e começou a acariciar o seu corpo. Ela diz que no momento se sentiu confusa, mas confiava nele, afinal, era o seu pai e aquilo não era nada que ela devesse se preocupar.
Para Morales e Schramm (2002), o abuso sexual intrafamiliar possui uma estrutura assimétrica, visto que, o abusador ocupa um lugar de vantagem por ser mais velho, por possuir autoridade e por impor de alguns meios, como chantagem emocional, intimidação e opressão.
Nos dias que seguiram ele começou a proibi-la de ter amigos e amigas, também a proibiu de namorar, de sair e de relações sociais. Ela relata que ele não deixava que ela se relacionasse ou se aproximasse de amigos. Entretanto, quando Dalva tinha por volta de 9 anos e 6 meses, João Teixeira, pai de Dalva, a levou para o quarto dele onde ocorreu o primeiro abuso. Dalva relata que ele arrancou toda a sua roupa e então começou a tocá-la, ele tentou penetrá-la, ela então disse que estava machucando e saiu correndo.
Dalva engravidou aos 14 anos de um rapaz, João Teixeira ao saber começou a agredi-la com ferramentas utilizadas em vaquejadas, ela ficou muito ferida e teve um aborto espontâneo. Dalva se casou aos 14 anos e permaneceu casada até os 20 anos, e relata que foi o único período que não sofreu abusos do pai. Ao se separar, ela foi morar próximo a rua onde ele morava, João então passou a frequentar a casa de Dalva e a tentar ter relações não consentidas com ela novamente.
João de Deus passou a proibir Dalva de ter amigos, de sair de casa e de se relacionar com outras pessoas. Ele passava na porta na casa dela ao longo do dia acompanhado de seus capangas, entrava na casa de Dalva pra verificar se ela estava lá, se havia alguém.
Dalva conta que foi abusada por João de Deus na Casa Dom Inácio também, e disse que naquele momento ele não tocaria nela de novo. João então disse que ele afirmou que tiraria os filhos dela, a casa, o carro, o dinheiro e tudo o que ela tinha, que ela iria ficar na lona, mas seria dele. Dalva concordou em ficar na lona, pois só queria ficar longe dele e livre dos abusos.
Ela procurou João Teixeira num momento onde não tinha nada para comer nem para dar para os filhos comerem, ele então responde que não tem nada a ver com isso, que ela deveria pedir para o pai das crianças e não para ele. Dalva perdeu a guarda dos filhos por não ter condições mínimas de cuidar deles, ela relata que quando isso aconteceu, ela começou a ter problemas com o abuso de álcool.
Segundo Papalia e Feldman (2013), as consequências dos maus-tratos em crianças podem ser físicas, emocionais, cognitivas e sociais, e essas consequência geralmente estão inter-relacionadas. De acordo com Zanello (2011), o sofrimento psíquico é construído socialmente, visto que o sofrimento acontece a partir dos valores de gênero. Nesse caso, o sofrimento de Dalva a deixou depressiva e em estado de desesperança, pois havia perdido tudo. Ainda conforme Araújo (2002), a violência consiste na violação do direito de liberdade e de poder ser dono da própria história, que contém todas as formas de opressão, maus-tratos e agressão, tanto físicas como emocionais, pois provocam sofrimento.
Num momento onde Dalva visitou a sua família, João Teixeira se aproximou dela e pediu para levá-la em casa, naquele momento Dalva residia em Goiânia. Ele a levou num apartamento novo, perguntou a ela se ela gostaria de morar ali e de ter os filhos de volta. Em seguida mostrou o quarto que nomeou como sendo dos filhos, e o outro como sendo “deles”.
João impôs a condição de tê-la para que ela pudesse ter a moradia e a guarda dos filhos. Dalva encontrava-se muito fragilizada devido a ausência dos filhos, e aceitou. Ela foi em busca dos filhos e os levou para morar com ela, João aparecia no apartamento poucas vezes na semana, mas queria exclusividade, ele havia proibido Dalva de namorar com outros homens. Ele diz que pode ter qualquer mulher do mundo, mas que ele quer tê-la. A submissão da mulher estava contraposta as noções de autonomia do sujeito dentro da esfera pública e capitalista, e o que a vida doméstica possui objetivos contrários a liberdade (KEHL, 2007).
Reprodução: Globoplay
O filho de Dalva, Paulo Henrique, explana sobre a boa convivência que tinha com João Teixeira, que ele era generoso e dava muitos presentes, e que naquele momento ele não suspeitava de nada, mas achava estranho. Até que um dia, João ficou furioso com o irmão de Paulo Henrique, e enfiou a cabeça do garoto dentro do vaso sanitário e deu descarga várias e várias vezes.
O medo e o pânico tomaram conta de Paulo Henrique, ele passou a desconfiar de João de Deus, e se escondeu dentro do quarto da mãe. Paulo Henrique presenciou a mãe sendo abusada sexualmente e ser agredida fisicamente. Ele relata que ele bateu nela e que tiveram relações sexuais.
Paulo Henrique diz que João era apaixonado por Dalva, e diz sobre ter percebido que as visitas se tornavam cada vez mais frequentes, que o clima ficava ainda mais estranho. Ele relata sobre ouvir as ameaças que a mãe sofria, e que ele apesar da pouca idade começou a entender as coisas, entender o motivo da mãe não poder ter namorado e por isso namorar escondido.
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O filho mais velho de João, João Augusto de Faria, diz que nunca sofreu nenhum tipo de abuso do pai, e que até que Dalva falasse sobre isso, ele era muito próximo dela. João relata que seu pai era generoso, que tudo o que ele tem hoje ele não precisou trabalhar para conseguir porque foi dado pelo seu pai. Ele diz ainda, que Dalva está motivada pelo dinheiro, e que ela e os filhos dela estão mentindo para conseguir dinheiro.
Quando houve a denúncia de Dalva sobre os abusos sofridos, João Teixeira divulgou um vídeo onde ela aparece acariciando sua cabeça e dizendo que nunca foi abusada por ele, que sempre foi amada e cuidada.
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Dalva diz que foi coagida a gravar o vídeo ao lado de João Teixeira e na presença dos advogados e comparsas dele. Ela estava sendo ameaçada e teve medo, então resolveu gravar o vídeo fazendo o que eles estavam pedindo. O roteiro foi pré-estabelecido e a gesticulação também. Ela seguia às ordens que estavam sendo dadas para que pudesse ser liberada em segurança, e ter a segurança dos filhos.
Ela afirma que rompeu o contato com todos os irmãos porque eles não acreditaram nela, que nunca acreditaram que ela foi abusada pelo pai. Ela diz que nunca mais teve contato nem proximidade com nenhum dos irmãos desde que teve coragem de expor toda a situação, mas que se sente bem e em paz por não estar próxima de pessoas que não acreditam em algo tão grave.
O episódio termina com Dalva dizendo que após as denúncias e a prisão de João Teixeira, ela passou a andar de cabeça erguida, que não sente mais medo ao andar pelas ruas da cidade.
FICHA TÉCNICA
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EM NOME DE DEUS
Argumento e criação:Pedro Bial Roteiro:Camila Appel e Ricardo Calil Produção musical:Dé Palmeira Direção de fotografia:Gian Carlo Bellotti e Dudu Levy Produção:Anelise Franco Direção de conteúdo:Fellipe Awi Direção:Gian Carlo Bellotti, Monica Almeida e Ricardo Calil Produção Executiva:Erick Brêtas e Mariano Boni
(A série documental está disponível para assinantes Globoplay).
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, M. F. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, 7(2), 3-11. 2002.
AZEVEDO, M. A., & Guerra, V. N. A. Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 2. ed. São Paulo: Cortez. 1993
BOURDIEU, P. A dominação masculina. 2.ed. Trad. de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
CABRAL, J. T. A sexualidade no mundo ocidental. 2.ed. Campinas: Papirus, 1995.
CHAUÍ, M. (Participando do debate sobre mulher e violência. In Cavalcanti, M. L. V. C.; Franchetto, B., & Heilborn, M. L. (Orgs.) Perspectivas Antropológicas da mulher (pp. 25-62). Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
MORALES, Á. E; SCHRAMM, F. R. A moralidade do abuso sexual intrafamiliar em menores. Ciência & Saúde coletiva, 7(2). 265-273. 2002
SAFFIOTI, H.I.B. Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, A.O.; BRUSCHINI, C. (Orgs.) Uma Questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992
______. Violência de gênero: lugar da práxis na construção da subjetividade. Revista Lutas Sociais, São Paulo, n. 2, 1997
KEHL, M. R. Deslocamentos do feminino. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 2007
PAPALIA, Diane E. Desenvolvimento humano [recurso eletrônico] / Diane E. Papalia, Ruth Duskin Feldman, com Gabriela Martorell; tradução: Carla Filomena Marques Pinto Vercesi… [et al.]; [revisão técnica: Maria Cecília de Vilhena Moraes Silva et al.]. – 12. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: AMGH, 2013.
ZANELLO, Valeska; FIUZA, Gabriela; COSTA, Humberto Soares. Saúde mental e gênero: facetas gendradas do sofrimento psíquico. Fractal: Revista de Psicologia, [s.l.], v. 27, n. 3, p.238-246, dez. 2015.
ZANELLO, Valeska.; BUKOWITZ, B. Loucura e cultura: uma escuta das relações de gênero nas falas de pacientes psiquiatrizados. Revista Labrys Estudos Feministas. v. 20-21, 2011.
ZANELLO, Valeska. A saúde mental sob o viés do gênero: uma releitura gendrada da epidemiologia, da semiologia e da interpretação diagnóstica. In: ZANELLO, V.; ANDRADE, A. P. M. (Org.). Saúde mental e gênero: diálogos, práticas e interdisciplinaridade. Curitiba: Appris, 2014ª
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Jeremias da Turma da Mônica: reflexões sobre a negritude representada nas histórias em quadrinhos brasileira
Ao longo dos anos, com a intensificação das discussões sobre o racismo, diversos âmbitos da sociedade passaram a sofrer lentas modificações para contemplar as narrativas vinculadas à negritude. Nesse processo, o conceito de representatividade ganhou força, denotando a necessidade de que pessoas negras fossem incluídas em espaços de trabalho, cultura, lazer, mídia etc.
Essa demanda impulsionou, no âmbito do entretenimento, a criação de filmes, seriados e personagens voltados às raízes étnicas, culturais e religiosas da população negra. Isso, inevitavelmente, refletiu no processo criativo da série de histórias em quadrinhos Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa, que, em 2017, introduziu uma personagem negra chamada Milena, que viria a assumir em algumas histórias o papel de protagonista.
Entretanto, apesar de ser recorrentemente referida como a primeira personagem negra da turma, há um outro, criado e desenvolvido por Maurício de Sousa antes mesmo dos protagonistas da turminha (Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali). Trata-se de Jeremias, personagem inicialmente introduzido no ano de 1960, antes da própria criação da Turma da Mônica como hoje é conhecida.
Fonte: encurtador.com.br/sFI56
De acordo com Agostinho (2017), as primeiras aparições do personagem datam dos anos 1960. Seu papel nas histórias era quase sempre de coadjuvante, e, ao longo dos anos, passou a ocupar o espaço de figurante. A caracterização inicial de Jeremias era feita com tinta nanquim, quando as histórias ainda eram impressas em preto e branco. Posteriormente, após a década de 1970, com a criação da Turma da Mônica e o advento da impressão colorida, o personagem seguia sendo retratado com a coloração em nanquim, o que, nas palavras do autor, configura o fenômeno do blackface, que expressa a exageração dos traços negros com o intuito de estereotipar ou até mesmo, de modo velado ou não, ridicularizá-los.
Ao longo de sua trajetória como personagem, Jeremias nunca havia apresentado uma identidade sólida. Suas aparições pareciam atender à necessidade de incluir um personagem negro na história, e comumente, em diferentes histórias, o personagem era retratado de diferentes formas, variando suas características e comportamentos, o que denotava a ausência de uma personalidade construída.
Fonte: encurtador.com.br/gV135
Em uma história publicada em 1987, chamada Jeremim em O Príncipe que Veio da África, o personagem teve seu primeiro momento de protagonismo. A narrativa gira em torno do contexto histórico da escravidão, e posiciona o personagem como um príncipe africano levado para trabalhar como escravo. É um dos primeiros momentos da Turma da Mônica se apresentando como um veículo impactado pelos movimentos antirracistas, e nesse ponto, Jeremias era representado alternadamente com a cor nanquim ou em marrom, num movimento de ajuste do processo criativo das histórias, rumando às alterações suscitadas pela discussão racial.
Ao final da década de 1980, o tom de pele de Jeremias passou a ser retratado apenas na cor marrom, sem alternâncias com o nanquim, e assim permaneceu até hoje. Apesar de nítidas evoluções na caracterização e utilização do personagem nas histórias, Jeremias seguiu sendo ignorado em muitos contextos, e utilizado em outros em que precisava-se de um personagem negro. Em 2009, uma historinha chegou a retratá-lo como presidente do clubinho da turma, aludindo ao contexto histórico vigente na época, com a eleição de Barack Obama para presidente dos Estados Unidos.
Fonte: encurtador.com.br/corA3
Participando em diferentes produções de Mauricio de Sousa, o personagem poucas vezes chegou a ser desenvolvido claramente. É possível problematizar essa situação, partindo do pressuposto de que as criações culturais brasileiras muito foram e ainda são impactadas pelas intercorrências explícitas e veladas do racismo, o que reflete diretamente na construção e representação de personagens negros.
Entretanto, apesar do processo de invisibilização do personagem, reforçado pela introdução de Milena com a premissa de ser a primeira personagem negra da turma, há uma produção da Maurício de Sousa Produções (MSP), em formato de Graphic Novel, que merece atenção por abordar o personagem Jeremias de um modo até então jamais feito. Trata-se de Jeremias – Pele, lançada em abril de 2018, que o retrata como protagonista de uma história de luta contra o racismo. A graphic novel, pela qualidade e seriedade com que abordou a temática, chegou a ganhar o Prêmio Jabuti de Histórias em Quadrinhos.
Fonte: encurtador.com.br/mBF45
Levando em consideração a importância do conceito de representatividade, e pensando no público alvo dos gibis da Turma da Mônica, é imprescindível que personagens como Jeremias e Milena ganhem cada vez mais espaço e desenvolvimento. Para isso, é importante também que tais personagens não tenham suas narrativas circunscritas à questão racial, como se suas personalidades fossem definidas exclusivamente por isso, mas que cada vez mais sejam reconhecidos por suas paixões, aspirações, conquistas e particularidades, colaborando não só com a disseminação da representatividade, mas também com o rompimento de estereótipos vinculados à negritude que muitas vezes são refletidos nós âmbitos culturais.
Referência:
AGOSTINHO, Elbert de Oliveira. Que “negro” é esse nas histórias em quadrinhos?: uma análise sobre o Jeremias de Maurício de Sousa. Rio de Janeiro, fevereiro de 2017.
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Caos 2019: Família, religião e sexualidade é tema de minicurso
Durante a tarde do dia 21 de maio, no CEULP/Ulbra, o Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS) abordou o tema Família, Religião e Sexualidade, ministrado por Tássio de Oliveira Soares, psicólogo especialista em Gestão pública e sociedade, com formação superior em teologia, e Wayne Francis Mathews, psicólogo mestre em terapia familiar e de casal.
Na ocasião foi debatido a influência e interferência da religião na sexualidade e vice-versa, e como ambos são vistos no ambiente familiar, sendo que a relação com a religião e sexualidade do indivíduo se inaugura na família.
A junção desses temas é algo novo na psicologia, devido a ser tratado como tabu nos lares, nas igrejas e nas escolas durante muitos anos, entretanto, o CAOS 2019 visa a quebra de paradigmas e superação de estigmas sobre tais assuntos que são inerentes ao ser humano.
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Piettro Lamounier: ‘Temos a necessidade de mergulhar na nossa dimensão mais profunda’
Psicólogo explica o seu processo de aproximação e desenvolvimento na Psicologia Analítica
A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung é uma das vertentes mais profícuas no campo do desenvolvimento humano. Interdisciplinar, envolve bases epistemológicas da Psicologia, Medicina, Ciências da Religião, Antropologia, Mitologia e Arte. Tem sua gênese focada no princípio da autorrealização dos seres humanos, a partir do princípio da integração dos opostos (superar visões unilaterais e integrar os aspectos sombrios). Neste sentido, defende uma visão bem mais ampla sobre a libido e aponta para o princípio da função transcendente. No país, é uma linha teórica com grande aceitação e está em franco crescimento, tanto entre psicólogos e acadêmicos, quanto entre interessados em se beneficiar das técnicas deixadas pelo médico suíço e seus discípulos.
Para discorrer um pouco sobre este tema, o EnCena entrevista o psicólogo egresso do Ceulp/Ulbra Piettro Lamounier, que atua na clínica e tem em sua formação cursos sobre Tipos Psicológicos e o Arquétipo de Sombra, além de formação em terapia ayurvédica. Também trabalha em paralelo em suas profissões de ator e músico, além de ser um estudante incansável das obras Junguianas, e de contar em seu histórico com uma forte pegada social, uma vez que também atua na Psicologia Comunitária. Para Piettro, a paixão pela Psicologia Analítica e por aspectos da Psicologia Transpessoal surge por se configurarem como tecnologias que fazem o mergulho nos estudos das tradições como forma de reconectar o homem à sua natureza.
EnCena: A Psicologia Analítica de Jung, hoje, vem despertando muito a atenção de jovens psicólogos e estudantes. A que se refere este movimento, de acordo com o seu ponto de vista?
Piettro Lamounier: Acredito que este movimento se deve à necessidade que a psique, de um modo geral, tem de buscar o profundo, o que está escondido na escuridão do ser que foge à dimensão biológica ou lógica. A matematização do ser humano moderno levou a tornar tudo um objeto de consumo, mas algo dentro da totalidade do ser quer ser vivido e entendido, algo que a matemática ainda não pode explicar. A Psicologia Analítica ajuda a ler essas informações, mas não percebo como a única, existem outras formas de aprendermos a ler esse universo onde palavras e números não comportam todo fenômeno.
EnCena: Edgar Morin diz que não é mais possível falar de ciência sem, antes, também levar em conta a Filosofia e os saberes tradicionais. Esse caminho já permeia a Psicologia, ou ainda há um longo percurso pela frente?
Piettro Lamounier: A Psicologia Analítica leva em consideração toda a criação do inconsciente. É a natureza intuindo no homem uma forma de lê-la. Então os saberes tradicionais ou ancestrais carregam uma forma de ler o mundo e se equilibrar diante dele, uma forma de se adaptar rapidamente diante dele. Cada forma de ler é um processo que tem base cultural, mas na essência, se comparadas todas as tradições, elas carregam informações parecidas, arquetípicas. O homem moderno tem fugido de sua própria natureza e se desequilibrado, o retorno é necessário e as culturas tradicionais ajudam neste retorno.
EnCena: Os detratores de Jung o acusavam de ser um místico, ao invés de cientista – o que ele rechaçava, ao mostrar várias pesquisas empíricas. Isso acabou, por um tempo, afastando a Psicologia Analítica de alguns círculos intelectuais. No entanto, hoje, temas como simbolismo, cultura, arquétipos e interdisciplinaridade, questões centrais na obra junguiana, estão em alta. A ciência positivista falhou ao apostar demais nas chamadas respostas reducionistas – meramente materialistas ou observáveis?
Piettro Lamounier: Acredito que cada vertente da psicologia tem a sua função, porém não devemos negar as informações inconscientes, até porque temos provas suficientes que aquilo que é rejeitado quer ser visto, uma doença que não aparenta cura, mas com o cuidado emocional ela desaparece, psicossomática pura. Deixar a informação só no campo racional, do pensamento lógico, não cura, não equilibra, o sujeito precisa viver a ideia, ter a epifania, o êxtase da transformação. Reich dizia que o corpo é o inconsciente visível, para o Jung o corpo é um mensageiro do inconsciente e assim muitos outros mostram a necessidade que temos de ir ao mais profundo do ser para curar o que temos em matéria.
EnCena: Qual o risco para a Psicologia – cujo nome ‘psique’ é originário de um contexto onde se estudava a essência das coisas – ao se negar ou mesmo atenuar a influência da religião na vida das pessoas?
Piettro Lamounier: A natureza do ser é simbólica, nos comunicamos e relacionamos pelos símbolos, as religiões nos mostram os símbolos de um relacionamento conosco mesmos. Essa relação é essencial para o equilíbrio do ser. Os símbolos religiosos são criações inconscientes, a natureza querendo ser lida por ela mesma, nos dando um caminho para isso, mas assim como o mito os símbolos religiosos não podem ser levados ao pé da letra, é necessária interpretação e bem pessoal. Assim a religião se coliga com a psicologia, porém alguns utilizam esses símbolos sem levar em consideração o caminho intrínseco de cada um, aí veremos um degringolar de alienação e cegueira prejudicial ao equilíbrio do ser.
EnCena: Por que você escolheu a Psicologia Analítica? Algum fato em particular?
Piettro Lamounier: Costumo dizer que eu não escolhi a Psicologia Analítica e sim que ela me escolheu. Algumas experiências ditas como numinosas ou transcendentes me levaram a buscar respostas e os únicos lugares da ciência que acolheram as minhas perguntas foram a Psicologia Analítica e a física quântica. Então por uma necessidade pessoal me voltei pra estes estudos.
EnCena: Qual a sua trajetória profissional, dentro da Psicologia, antes de atuar na clínica?
Piettro Lamounier: Entrei no Ceulp/Ulbra em fevereiro de 2002 e saí no segundo semestre de 2007, muitas transformações. Porém quando saí fui trabalhar no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, o que acredito ter sido a melhor escola para mim que estava iniciando. Em 2009 ingressei na clínica em paralelo com o Cras o que também foi um aprendizado enorme. Fiquei quatro anos e meio no CRAS vivenciando realidades diversas nas visitas que fazíamos às residência e nos grupos de encontro semanal. Depois do CRAS trabalhei também em uma casa Abrigo, mas depois que ingressei na clínica nunca mais a deixei.
EnCena: O nome ‘psicologia profunda’, ou ‘complexa’, cunhado pelo próprio Jung, não acarreta um mal estar com as demais construções teóricas? Por que, afinal, esta abordagem é considerada uma das mais complexas?
Piettro Lamounier: Essa designação inicial de Jung sobre o seu próprio modo de fazer psicologia gerou muitos atritos na época, até porque a sociedade europeia vivia uma inflação do ego científico. Hoje talvez isso não seja tão grave, apesar de ainda termos muitos egos inflados diante de titularidades institucionais e vertentes ideológicas. Quanto à profundidade de seus estudos acredito que seja inegável, até porque Jung teve a oportunidade de contar uma esposa com poder aquisitivo que investia nas ideias do marido subsidiando viagens aos diversos cantos do mundo, dando a possibilidade de um estudo mais aprofundado e vivencial das manifestações inconscientes de diversas culturas. Acredito que como bom introspectivo que era, Jung se aprofundou em si e viu os abismos de sua própria alma, o que fez com que ele buscasse, antes de sua teoria, a sua própria verdade. Dessa forma o complexo de sua teoria era inevitável.
EnCena:Ao mesmo tempo em que, atualmente, há um aumento do materialismo, por outro lado cresce o interesse dos jovens pela metafísica. Você acredita que isso é modismo ou, como diz a própria Psicologia Analítica, trata-se de um movimento natural de compensação?
Piettro Lamounier: O ser quer viver o todo, mas os medos do ego nos impedem de usufruir de tudo que o mundo oferece. O que percebo é que a cada geração algumas barreiras do ego se quebram, por mais que outras se formem, mas vejo como a maioria porque faz parte do todo, assim como a metafísica também tem seu espaço e sua função na vida do ser. Entre negros e brancos o futuro é pardo. Compensação, talvez até seja quando pensamos no amor líquido de Bauman, onde eu vivo consumindo a vida e as pessoas, porém chega um determinado ponto em que meu ser não aguenta mais viver só na superfície e busca o profundo. Não vamos apressar o rio, mas estejamos prontos para quando transbordar.
EnCena:Qual sua dica para o/a jovem acadêmico/a que sonha em viver exclusivamente da clínica?
Piettro Lamounier: Ao jovem acadêmico eu digo viva, experiencie e se aprofunde em si. Ninguém ajuda a achar um caminho com eficiência se já não o tiver trilhado.
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No filme “Apóstolo” o assassinato e a mentira fundam seitas e religiões
Através do horror gore, o protagonista mergulha em uma sociedade que se pretendia utópica, mas que revela uma questão bem atual: o flerte da religião com o poder político
Há um “modus operandi” na fundação de seitas e religiões: um assassinato que se transforma no sofrimento necessário do mártir; e a mentira decorrente dessa narrativa. Em consequência, o Sagrado mistura-se com o profano, e o Divino com a violência. Como é possível emergir amor e compaixão nesse modelo psíquico doentio? Essa é a questão principal do filme “Apóstolo” (“Apostle”, 2018). Um jovem ex-religioso, descrente de tudo após um passado traumático, tem a missão de resgatar sua irmã, raptada por uma estranha seita reclusa em uma ilha. Ele se infiltra entre os seguidores de um profeta enlouquecido, mas estranhamente não consegue determinar, afinal, o quê aquela seita adora. Através do horror gore (nada gratuito, já que o tema do filme é como sangue e violência são a outra face das seitas e religiões), o protagonista mergulha em uma sociedade que se pretendia utópica, mas que revela uma questão bem atual: o flerte da religião com o poder político por meio do Estado Teocrático. Filme sugerido pelo nosso incansável leitor Felipe Resende.
Seitas e religiões são formadas a partir de dois eventos fundadores: o assassinato e a mentira. No livro “O Assassinato de Cristo”, o médico e psicanalista austríaco Wilhelm Reich fez uma análise em psicanálise da cultura para descrever esse modus operandi: como Jesus foi assassinado em um dia para ser glorificado no outro. Depois do assassinato por motivações políticas (o novo modelo ético que propunha era contrário à lógica da colonização do Império Romano), Jesus foi eleito como o messias e passou-se a lhe atribuir o papel de líder religioso.
E a maior mentira: Ele não foi assassinado. Ele morreu por nós, para nos redimir do pecado presente em cada um de nós. E a partir daí, há mais de 2000 anos, diariamente, em algum lugar do planeta, Cristo continua a ser crucificado no sádico ritual da missa: bebemos o sangue e comemos o corpo de Cristo simbolicamente através do vinho e da hóstia. O sagrado misturou-se com o profano, o Divino com o monstruoso.
Esse modelo mental foi tão bem-sucedido (matamos Cristo diariamente como bode expiatório da nossa própria impotência) que se tornou modelo para todas as religiões e seitas do futuro, conquistando sempre novos corações e mentes.
Não é para menos que o filme Apóstolo (Apostle, 2018) destaca, numa das primeiras sequências, uma inscrição sobre a lareira de uma casa vitoriana: “O poder da ressurreição está no sofrimento Dele”. Como é possível emergir desse mecanismo psíquico denunciado por Wilhelm Reich algo que possa ser chamado de amor, compaixão ou liberdade?
Fonte: encurtador.com.br/yDJRU
Horror gore e política
Apóstolo é um conto ultraviolento sobre um profeta louco no qual, por meio de uma estética de horror gore (com muito sangue e violência), com forte temática social e política – em uma ilha, uma seita quer criar uma sociedade utópica anarco-capitalista (“sem cobradores de impostos do Governo na saída da Igreja”, como brada o líder). E também, sem um Estado, agora reduzido à função repressiva com uma ronda policial que reprime dissidentes (“pagãos”) ou aqueles que ousam sair de casa depois do toque de recolher.
Mas o horror gore de Apóstolo não é gratuito ou apenas com a finalidade de fazer o espectador saltar da cadeira. Afinal, sangue e violência são elementos fundadores de religiões e seitas. Mas o diretor e roteirista Gareth Evans (The Raid) vai um pouco mais além, entrando no campo gnóstico: transforma aquela ilha da estranha seita num microcosmo terrestre – um ecossistema no qual para que florestas e colheitas floresçam, exige o próprio derramamento de sangue humano.
Uma estranha seita que, a princípio, não sabemos o quê seus integrantes exatamente idolatram. Porém, a seita parece estar sincronizada com a própria ontologia desse mundo que é hostil para nós: a vida não opera por soma, mas com subtração – entregamos nossa fé e sangue, e em troca recebemos submissão e dor.
Apostolo eleva essa tese da crítica social para o campo da ontologia gnóstica.
Fonte: encurtador.com.br/yDJRU
O Filme
No alvorecer do século XX (estamos em 1904) Thomas Richardson (Dan Stevens) desperta de um estupor de ópio com tempo suficiente para aceitar a missão da sua família de classe alta que finalmente encontrou um propósito para o seu filho ovelha negra – resgatar a sua irmã Andrea (Lucy Boynton), raptada pelos fiéis seguidores de uma seita liderada por um profeta enlouquecido chamado Malcolm (Michael Sheen).
Sua missão é se infiltrar na embarcação que levam novos seguidores para uma ilha na qual a seita constrói uma sociedade utópica com ares anarco-capitalista: rebelaram-se contra o regime monárquico vitoriano, não querem mais cobradores de impostos e tentam viver num sistema de autogestão. Como o leitor observará, essa é a crítica política nas entrelinhas da narrativa – a crítica ao Estado resultou em uma nova encarnação de um Leviatã teocrático com funções puramente repressivas.
Já na embarcação que leva todos à ilha, Thomas percebe que há algo estranho nessa seita: há convicções religiosas, mas não se sabe, exatamente, o quê os seguidores adoram. Da pior forma possível, o protagonista descobrirá que as noções de sagrado e profano se unirão com sangue.
Há uma estátua feminina no centro da vila, mas a natureza ou origem dessa deusa são obscuras, inclusive para muitos seguidores.
Mas algo está dando muito errado com o sistema de autogestão da seita. Malcolm e sua equipe de administradores escondem que as colheitas estão morrendo e a fome aguarda a comunidade num futuro próximo. O sequestro de Andrea foi uma forma de, com o dinheiro do resgate, injetar algum dinheiro naquela economia em crise.
Fonte: encurtador.com.br/yDJRU
Também aos poucos vamos descobrindo que o herói, que tenta salvar a irmã, convive com um passado atormentado – foi um missionário católico na China, até ser cruelmente torturado. Ao cair em si que fé e devoção só resultam em dor e morte, tornou-se um descrente ressentido e depressivo, afundando no vício.
Ontologia gnóstica – aviso de spoilers à frente
É notável em Apóstolo o mecanismo de cooptação das seitas religiosas: a embarcação traz para ilha novos seguidores com histórico de prisões por vadiagem e pequenos delitos. Pobres miseráveis, psiquicamente devastados e com baixa autoestima. Vítimas da desigualdade e da violência, estão prontos para idolatrar uma seita que, como um espelho, reflete a própria sociedade dos egressos: repressão, violência, perseguição do primeiro inimigo para o qual o profeta apontar.
Wilhelm Reich em “O Assassinato de Cristo” chamava isso de “peste emocional”: psiquismos tão encouraçados pela dor e violência, que a própria relação com o Divino e o Sagrado não consegue descolar do profano – esse Deus somente poderá ser violento, vingativo e persecutório.
Claro, tudo isso é um sistema político e econômico. Porém, Apóstolo vai além ao ingressar no campo da ontologia gnóstica. A “Deusa” parece ser organicamente ligada à ilha. Assim como na última versão no cinema de Guerra dos Mundos, na qual as máquinas tripods alienígenas tentam criar um novo ecossistema terrestre a partir do sangue humano das vítimas, da mesma forma a ilha exige sangue para a colheita prosperar.
Se o poeta William Blake dizia que a Natureza é uma obra diabólica, da mesma forma o Gnosticismo descreve esse cosmos como uma maquinação de um Demiurgo que nos aprisiona por um simples motivo: extrair de cada um de nós a “Luz” que coloca em movimento o próprio sistema que nos prende – o próprio cosmos.
Mais do que fatores econômicos e políticos, seitas e religiões seriam apenas fractais que replicam a estrutura do Todo. Mas nada nos impede de desafiar o Demiurgo a partir da Parte para alcançar o Todo: da política e da economia até alcançar a Ontologia.
FICHA TÉCNICA DO FILME
APÓSTOLO
Título original: Apostle
Direção: Gareth Evans
Elenco: Dan Stevens, Michael Sheen, Kristine Froseth, Lucy Boynton, Mark Lewis Jones
Ano: 2018 País: EUA
Gênero: Suspense
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Como envenenar psiquicamente um povo no filme “Os Demônios”
“Caça às bruxas”, às “apostasias” e “exorcismos” eram meros álibis para ocultar perante o povo os interesses políticos da Igreja que direcionavam o xadrez político das monarquias absolutistas.
Fonte: encurtador.com.br/vzAQ2
“Os Demônios” (“The Devils”), de Ken Russel, é um filme tão blasfemo, obsceno e relevante hoje quanto foi em 1971. Um terror religioso épico e uma contundente crítica do abuso do poder político. Um filme sobre fatos históricos ocorrido no século XVII (um padre condenado à fogueira acusado de bruxaria), filmado no século XX, mas que continua atual no século XXI: os tribunais eclesiásticos da Inquisição foram muito mais do que produtos do fanatismo religioso. Foram instrumentos de “lawfare” para a dominação política da Igreja. Em “Os Demônios” a Inquisição é um instrumento de uma estratégia mais ampla que hoje chamamos de “Guerra Híbrida”: como envenenar psiquicamente uma cidade através da sua maior vulnerabilidade: um Convento de freiras dominadas pela histeria de massa é o pretexto para derrubar a liderança do padre Urbain Grandier, opositor à monarquia absolutista de Luís XIII e do Cardeal Richelieu.
Concebemos a Inquisição e a caça às bruxas na Idade Média como um fruto da ignorância e do fanatismo religioso. Até onde o obscurantismo religioso pode levar o homem à intolerância, guerras e violência.
Mas pouco se fala de como os tribunais eclesiásticos instituídos pela Igreja Católica a partir do século XIII foram deliberados instrumentos de lawfare– manobras jurídico-legais como substituto da guerra convencional visando objetivos políticos. O objetivo era combater a heresia religiosa – movimentos que na verdade foram reações à crescente corrupção moral do clero e a posse de riqueza extrema.
“Caça às bruxas”, às “apostasias” e “exorcismos” eram meros álibis para ocultar perante o povo os interesses políticos da Igreja que direcionavam o xadrez político das monarquias absolutistas. “Cuspir na cruz”, “blasfêmia”, “ações homossexuais”, “beijo indecente” entre outras figuras acusatórias nada mais eram do que instrumentos de lawfare: sob tortura, fazer o acusado confessar todas as acusações para justificar ações militares.
“Os Demônios” nos anos 1970
Baseado na história verídica de Urbain Grandier, padre católico que foi executado em 1634, sob acusações de bruxaria, o diretor Ken Russel produziu Os Demônios adaptado de uma peça de teatro de 1960 de John Whiting e do livro de Aldoux Huxley, “Os Demônios de Loudun”.
Com uma forte marca da revolução sexual dos anos 1970, o filme mistura iconografia religiosa com suntuosas imagens de orgias e profanação ultrajante de símbolos católicos, o que despertou a ira de grupos religiosos na época e a proibição da exibição em diversos países. Mesmo com a imposição da Warner Bros. de uma série de cortes como, por exemplo, na sequência do “estupro” de uma estátua de Jesus Cristo.
Para finalmente o filme ser esquecido com o sucesso do lançamento no mesmo ano de Laranja Mecânica, de Kubrick, pelo mesmo estúdio da Warner Bros.
Os Demônios foi promovido na época como um “terror religioso” (cuja violência gráfica e iconografia influenciaram filmes como O Exorcista), mas é um filme que dá a exata dimensão política dos atos de inquisição da Igreja: como o Cardeal Richelieu, primeiro ministro de Luis XIII, utilizou-se dos tribunais eclesiásticos para arquitetar o absolutismo na França e da liderança do país na Europa. E o seu alvo era a cidade progressista de Loudun, onde protestantes e católicos viviam em harmonia. Bem diferentes dos planos de Richelieu, que liderava uma sanguinária perseguição de protestantes como bode expiatório para a consolidação de um governo absolutista baseado a na aliança da Igreja e do Estado.
Fonte: encurtador.com.br/epvzS
Sob um discurso nacionalista, o cardeal pretendia botar abaixo o muro que cercava a cidade, cuja força era a liderança política e espiritual do padre Grandier. Por isso, ao invés de armas e soldados, Richelieu optou por aquilo que hoje chamaríamos de “guerra híbrida” – aproveitar-se dos pontos fracos daquela província (intrigas, luxúria, avareza, sacrilégios, medo e ganância) para envenenar psiquicamente o povo. E, finalmente, conseguir impor um tribunal da Inquisição na cidade para executar seu principal líder: Urbain Grandier.
Ao lado do massacre dos gnósticos Cátaros, no século XII no sul da França, a morte de Grandier na fogueira foi uma das ações políticas mais infames da História.
O Filme
O filme é estrelado por Oliver Reed como o padre Grandier, com o típico sex appeal dos anos 1970 – espessa cabeleira e um farto bigode. Sua beleza e eloquência nos discursos inspira admiração em todas as jovens da cidade. Mas principalmente as jovens freira no claustro do Convento Ursuline e, em particular, a líder: a corcunda irmã Jeanne (Vanessa Redgrave). Ela alimenta eróticas fantasias com o padre, enquanto se masturba secretamente pelos cantos. Corroída pelo complexo da sua deformação física, culpa e luxúria.
Porém, essa mistura de poder e sedução inebria Grandier que peca principalmente pela falta de cautela: engravida a filha de um administrador da cidade, enquanto expulsa dois “médicos” com seus métodos primitivos para combater a peste negra que assola a região – além de hemorragias controladas, também picadas de vespas nas feridas dos doentes agonizantes.
Fonte: encurtador.com.br/puQVX
Logo nas cenas iniciais, Os Demônios dá uma amostra o tom de loucura que Ken Russel dará à narrativa: o rei Luís XIII (Graham Armitage) entra em um palco como uma Vênus de Milo travesti, enquanto o Cardeal Richelieu (Christopher Logue) boceja entediado na plateia. Para mais tarde, o mesmo Luís XIII, desta vez com um enorme e cômico chapéu cowboy branco, fazer tiro ao alvo, no jardim do Palácio, com hereges protestantes fantasiados de pássaros negros – “bye, bye blackbird!”, gargalha o rei enquanto acerta mortalmente mais um “herege” …
A loucura se estende ao Convento de Ursuline, decorado inteiramente em um branco modernista que lembra tanto a estética dos filmes de Kubrick, quanto a atmosfera de um hospital psiquiátrico.
Irmã Jeanne é possuída por ciúme raivoso ao descobrir que Grandier está apaixonado e se casa com a jovem Madeleine (Gemma Jones), uma das candidatas a se tornar mais uma freira do Convento.
Esse será o ponto fraco que será explorado pelo Barão De Laubardemont (Dudley Sutton), enviado pelo Cardeal para dar o golpe político em Grandier: a cada vez mais explícita lascívia e ciúmes de Irmã Jeanne será a evidência de possessão demoníaca – ela acusará Padre Grandier de bruxaria. Não demorará muito para uma histeria coletiva dominar o Convento e todas as freiras acusarem o padre, enquanto (atiçado pelo Barão) o Convento torna-se uma imensa orgia de profanação de estátuas, crucifixos e velas.
Fonte: encurtador.com.br/BILMV
O veneno e o golpe
Aliada à peste negra, o medo da bruxaria envenena psiquicamente toda a cidade. Para finalmente justificar a instauração de um tribunal eclesiástico, cuja missão de exorcismo (liderado por Padre Barre – Michael Gothard -, que mais parece um ator perdido do elenco do filme hippie Hair) é apenas o pretexto para finalmente derrubar os muros da cidade.
Em desespero, Padre Grandier alerta que será o fim da liberdade e da convivência pacífica entre protestantes e católicos. Enlouquecida pela atmosfera de caça às bruxas, o povo pouco se importa: quer apenas a justiça e a fogueira.
Fonte: encurtador.com.br/jKLPV
É assustadora a atualidade do golpe político vivido pela cidade de Loudun no século XVII. A Igreja já tinha inovado a propaganda política ao explorar as imagens, tanto nas catedrais (afrescos, estátuas e vitrais) como na arte (o Barroco) como forma de dominação das massas – que a Publicidade no século XX sofisticaria com os meios de comunicação eletrônicos.
Mas a Inquisição foi mais uma estratégia visionária de dominação política da Igreja. Sem exércitos ou guerras, criar uma sofisticada máquina de lawfarepara criar uma rede de confissões e delações alimentada pelo medo de hereges, demônios e bruxos.
Hoje, lawfare é mais uma etapa do que se define como “Guerra Híbrida”: como envenenar psiquicamente uma nação até leva-la à autodestruição.
FICHA TÉCNICA
Os Demônios
Título original:Les Démons Direção: Ken Russel Elenco: Vanessa Redgrave, Oliver Reed, Dudley Sutton, Michael Ghotard, Gemma Jones, Graham Armitage Ano: 1971 País: Drama Gênero: Drama/Thriller
Em relação a religião, no momento me encontro cética. Mas cresci em um lar cristão, em que tive o ensinamento de que a igreja ao qual eu pertencia era a verdadeira. E continuo acreditando que é a verdadeira, assim como as demais religiões, já que ao meu ver cada igreja tem sua verdade, pois as igrejas são constituídas por pessoas de fé, construídas por verdades subjetivas.
Devido experiências particulares de ter crescido em um lar cristão, acabei construindo preconceitos com outras religiões. Mas com o amadurecimento pessoal, fui desmistificando e ampliando minha percepção, e resolvi me conceder a liberdade de conhecer outras religiões. Em uma das visitas tive a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a doutrina espírita, já que era uma das religiões que eu mais tinha preconceitos.
Escolhi a Federação Espírita do Estado do Tocantins. Cheguei ao local com 1 hora de antecedência, as 19h, pois eles prezam bastante pela pontualidade. Fui recebida pela Linda, uma senhora muito simpática e receptiva que logo me acomodou em uma cadeira dentro da sala onde aconteceria as atividades da noite. Enquanto não começava, conversei com Dona Juarama, quem me contou um pouco da história do Espiritismo. E ainda me esclareceu sobre a programação do dia, que seria: Música, oração, palestra, oração, música e passe.
No local da reunião conversei também com a senhora Esmeralda, uma das líderes, que me esclareceu algumas coisas, como: no Espiritismo não tem nenhum proibição, é apenas apresentado o que convém e o que não convém; Não se paga dízimos; não é obrigado fazer caridades; a mocidade toca em asilos e hospitais por se sentirem bem, e não por dever; e a mulher não tem papel definido no Espiritismo, ela faz o que acha ser melhor em sua vida.
Fonte: encurtador.com.br/hov15
Ao esperar o início da palavra do dia, como som ambiente tocava uma música muito aconchegante, constituída por notas calmas, que remetia a sons de natureza e que me confortou internamente. Em seguida, o senhor Edemar começou a palestra, que tinha como tema ‘Conhecendo a doutrina Espírita’. O senhor Edemar disse que o espiritismo não têm Allan Kardec como o superior, mas sim como um profeta, pois o superior é Deus. Continuou dizendo que Kardec foi um Médium avançado, mas que todos nós somos médiuns, alguns evoluem mais que outros.
Falou ainda, sobre 4 correntes: 1ª – Materialista: tudo acaba, então a vida é para ser bem aproveitada sem se pensar nas consequências; 2ª – Panteísmo: ´somos` um pedacinho de Deus, depois que morremos voltamos para o mesmo; 3ª – Dogmática: a alma sobrevive, mas o espírito não evolui, não há a reencarnação; e 4ª – A Espírita, na qual o espírito evolui, desencarna e reencarna. É possível o recomeçar/refazer.
Edemar terminou a palestra dizendo que Deus não é a nossa imagem, mas nós que somos a imagem dele. Disse também que a inteligência suprema é a causa primária de todas as coisas. Além de esclarecer que para o Espiritismo somos seres bidimensionais e que quando desencarnamos, não viramos anjos e nem demônios. Mas podemos ter vindo de outro mundo, poderemos até sermos ET´s, assim como, temos a possibilidade de futuramente nos reencarnamos em vidas de outros planetas, primários ou não. Complementou dizendo que hoje o homem conquistou o micro e o macro, mas não consegue conhecer a si mesmo, enfatizando que tudo na vida passa, só o espírito permanece.
Fonte: encurtador.com.br/twQR4
Depois da palestra teve uma oração feito por Jurama, que foi fervorosa ao pedir paz no coração de cada pessoa presente. Logo em seguida a banda começou a tocar e teve o início do passe, em que os idosos, crianças e famílias tinham preferência. Esperei minha vez e entrei na sala do passe. É uma sala pequena e com pouca luz, na qual tem cadeiras e atrás das cadeiras ficam médiuns, membros do centro, que passaram energias positivas por meio de orações, pois o passe significa uma renovação de energias. O passe dura em torno de um minuto e na saída tem uma água fluidificada, na qual bebi e em seguida me despedi e deixei o local.
Valeu a perna ter visitado, pois pude quebrar preconceitos. A partir de tal visita, reafirmou em mim a ideia de que acredito em Deus, pai e espírito santo. E baseada na promessa divina da existência do paraíso/céu, na minha percepção, não existe uma única religião que será salva, e sim pessoas verdadeiras que serão salvas, e estas podem estar no vaticano ou em um terreiro de candomblé.
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Movimento Pela Vida arrecada alimentos para fornecer refeições gratuitas durante evento
15 de maio de 2018 Sonielson Luciano de Sousa
Notícias
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A 18a edição do Movimento Pela Vida acontecerá entre os dias 30 de maio e 2 de junho no Colégio Estadual Duque de Caxias, no distrito de Taquaruçu, em Palmas (TO). Durante os quatro dias, serão realizadas palestras, oficinas, atendimentos, vivências em grupo e diversas atividades culturais. Esse ano o evento tem o tema: ” É urgente um grande movimento pela vida, agora por todos nós”. Mais informações sobre o evento estão disponíveis na página www.facebook.com/mov.pelavida .
De acordo com a idealizadora e coordenadora do Movimento Pela Vida (MPV), Tânia Cavalcante, a iniciativa busca fortalecer, entre outras coisas, o respeito pela diversidade. “O MPV trouxe para Palmas essa ideia de convívio com a diversidade, sobretudo a religiosa. Temos contato com muçulmanos, judeus, hare Krishnas, xamãs e isso não existia em Palmas. Nas bênçãos ecumênicas de Palmas já percebemos essa conquista, que não é só o católico e o evangélico, hoje se convida também a Fé Bahá´í, a Bruma Kumaris, a Sei-Cho No- Ye, o candomblé”, ressalta.
Para fazer esse grande evento acontecer, a organização arrecada todos os anos alimentos para o fornecimento das refeições para os participantes. “Todos que participam do evento almoçam conosco de maneira gratuita nos dias de atividades, servimos em torno de 750 refeições por dia”, disse.
A organização está precisando de: arroz, feijão, soja em grãos, sal, alho, cebola, farinha de mandioca, açafrão, orégano, azeite, vinagre, batata, cenoura, repolho, chuchu, abobrinha, mandioca, batata doce, tomate, melancia, banana, maçã, melão, mamão, abacaxi, limão, polpas de frutas, açúcar, café, laranja, molho de tomate, óleo de soja, ovas, macarrão e folhas verdes ( alface, couve, cheiro verde, agrião, etc).
Ponto de entrega: 603 sul (Casa da Tânia) alameda 13, casa 2. Telefone para contato:99222-5411.