Os termos anima e animus são amplamente conhecidos por aqueles que estudam, ou apreciam, a teoria de Carl Jung.
Para entendermos esses termos é importante lembrar que todos nós carregamos uma quantidade pequena de hormônios do sexo oposto em nosso organismo.
Consciente disso, Carl Jung teve a percepção de que todos nós também carregamos em nossa psique nossa contraparte sexual, e nelas estão encerradas as qualidades inerentes ao sexo oposto, mas que não são conscientes. Jung percebeu também que conforme os traços psicológicos de cada indivíduo, as tendências do sexo oposto vão sendo reprimidos e se acumulando no inconsciente.
Anima e animus foram então definidos para designar essas partes reprimidas do sexo oposto em nossa psique. Sendo a anima a contraparte feminina da psique do homem e animus a contraparte masculina na psique da mulher.
Jung (o eu e o inconsciente) diz que a anima, sendo feminina, é a figura que compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura compensadora é de caráter masculino e pode ser designada pelo nome de animus.
As palavras anima e animus vêm do latim animare, que significa animar, avivar. Pois tanto a anima quanto o animus se assemelham a espíritos e alma vivificadores para homens e mulheres.
Entramos em contato com a anima e o animus com a projeção sobre uma pessoa do sexo oposto. São eles os responsáveis pela paixão súbita e a sensação de destino que isso acarreta. Por essa razão, o ato de se apaixonar é tão vivificante para as pessoas.
A anima está ligada à emotividade e a capacidade para proximidade e receptividade do homem. Já o animus está ligado às convicções, opiniões e princípios da mulher. Ela é responsável pelo Eros e ele pelo Logos.
Anima e animus precisam ser desenvolvidos, pois eles são personificações o inconsciente. E quando afloram à consciência suscitam no homem e mulher qualidades irritantes e desagradáveis. Não que o inconsciente tenha essas características, mas quando eles começam a influenciar a consciência se apresentam ainda como uma personalidade parcial e ainda não refinada e primitiva. O animus se apresenta como um homem inferior e primitivo, e a anima como uma mulher inferior.
Retirado de: unusmunduspsicologia.blogspot.com
Assim como a sombra eles precisam ser compreendidos, reconhecidos e integrados.
No homem a anima suscita caprichos ilógicos e humores intoxicantes. Ele se torna hiper sensível.
O animus negativo na mulher suscita opiniões ilógicas. Ela se torna arrogante e prepotente, mesmo que ela não queira transparecer isso. Ela fica cheia de opiniões insensatas e obstinadas. Suas opiniões não exprimem o essencial, só conceitos vazios e destituídos de sentido. É como se estivesse tomada por um juiz arbitrário, e tentar convencê-la de que suas opiniões não possuem fundamento é apenas dar murro em ponta de faca.
No entanto, esses aspectos psíquicos precisam ser desenvolvidos. Eles precisam se tornar guias interiores para o desenvolvimento psíquico do ego humano.
Esse outro interior, esse “não eu”, simboliza a nossa alma, aquilo que de mais profundo temos em nós, por isso são tão inspiradores. Essas imagens internas precisam ser integradas e compreendidas, a fim e que se tornem parceiros invisíveis e apoiadores de nossa jornada e não
O animus quando se apropria de uma mulher, age como um demônio e a anima ao se apropriar do homem se comporta como uma bruxa manipuladora, ou como uma sereia sedutora, mas destruidora.
O animus destrói os relacionamentos e os valores do Eros. A anima destrói a auto-estima do homem, sua virilidade, objetividade e poder de decisão. Ele se torna extremamente sensível e perturbado.
Essas más disposições podem levar o homem a vícios, como alcoolismo e drogas, ou a depressão profunda. E em casos mais graves ao suicídio.
Isso acontece devido à falta de percepção e desvalorização do homem em relação ao feminino, e do desconhecimento da mulher do seu lado masculino. Atualmente observo também, uma supervalorização do aspecto masculino que leva a mulher a uma identificação igualmente perigosa com ele.
Uma das formas de conhecer a anima e o animus para que eles possam se desenvolver é através do relacionamento com a mulher e o homem reais.
O relacionamento com pessoas reais podem apontar essas disposições negativas, como os humores opressivos do homem e a falta de calor e afeto da mulher.
A mulher interior e o homem interior podem mostrar que não estão gostando da forma como o homem e a mulher estão levando suas vidas. Eles podem estar sendo lesados e assim as pessoas se distanciam de sua alma.
Ambos precisam de manifestação, precisam se manifestar na vida humana. E a única maneira de isso acontecer é por meio do tipo de vida do homem e da mulher exterior.
Portanto anima e animus podem mudar completamente o rumo de nossas vidas. Se nos dispusermos a escutá-los e nos abrirmos a esses ensinamentos, podemos ter uma vida mais plena de sentido.
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Carl Gustav Jung e a importância psicológica dos mitos
É de nosso amplo conhecimento que os povos antigos, principalmente que marcaram de forma intensa a humanidade, como os Gregos, Egípcios, entre outros, possuíam a sua própria mitologia, povoada de deuses com diversas funções diferentes.
Cada mitologia demonstra a forma como cada uma dessas civilizações pensava a respeito de suas origens e também como imaginavam a estrutura fundamental de sua existência. A Mitologia está muito próxima da Cultura da civilização a qual pertence, revelando assim os processos psíquicos, não apenas da humanidade, mas da civilização a qual pertence.
Conforme Carlos Byington, os mitos nos mostram os caminhos que percorrem a Consciência Coletiva de uma determinada civilização durante a sua formação, e também a delineação do mapa do tesouro cultural através do qual a Consciência Coletiva de um povo pode, a qualquer momento, voltar para realimentar-se e continuar se expandindo.
Retirado de: procrastination.com.br
Conforme Campbell (1990) os mitos nos trazem a percepção das ideias simbólicas e alegóricas e não são histórias literais. Não se apreende o mito via intelecto, pois o mito fala a linguagem da alma.
Eles também não são arquétipos puros, pois os arquétipos não são apreendidos pela consciência. Contudo, eles dão formas aos arquétipos, fornecendo uma roupagem a eles de forma que a consciência possa assimiliar o conteúdo. Os arquétipos não podem ser contatados diretamente pela psique, pois no inconsciente coletivo eles não possuem formas definidas.
Os mitos “transmitem mais do que um mero conceito intelectual, pois, pelo seu caráter interior, eles proporcionam um sentido de participação real na percepção da transcendência”.
Transpondo para o nível individual pode-se afirmar que os mitos nos levam a experiência de nos sentirmos vivos. Traz-nos a sensação de que nossa vida no plano físico tem ressonância com nosso mundo interior, aquele mundo que habita nosso ser mais profundo.
Conforme Campbell (1990):
“Quando a história está em sua mente, você percebe sua relevância para com aquilo que esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que lhe está acontecendo. Com a perda disso, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos nada semelhante para pôr no lugar. Esses bocados de informação, provenientes dos tempos antigos, que têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e enformaram religiões através dos séculos, têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares da travessia, e se você não souber o que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta. Mas assim que for apanhado pelo assunto, haverá um tal senso de informação, de uma ou outra dessas tradições, de uma espécie tão profunda, tão rica e vivificadora, que você não quererá abrir mão dele.”
O estudo da Mitologia dos diversos povos nos faz conhecer um pouco melhor os processos psíquicos do inconsciente coletivo. Em termos individuais a Mitologia fornece uma base para o estudo dos sonhos, pois ambos são expressões da atividade inconsciente.
A Mitologia então fornece um material comparativo, fornecendo analogias para os processos que se distinguem da vida cotidiana e que ocorrem em nossos sonhos, em sincronicidades e em fantasias.
Portanto com o conhecimento da Mitologia, o analista consegue auxiliar o paciente a encontrar uma resposta ao que, de outro modo, poderia parecer um indecifrável enigma.
Retirado de: portal-dos-mitos.blogspot.com
Nossa sociedade Ocidental é intensamente afetada pela Mitologia Grega, que com seu panteão aponta para o caminho de desenvolvimento do individuo no ocidente. Além disso, o brasileiro é fortemente afetado em seu inconsciente pelos mitos indígenas e africanos, que povoam nosso imaginário de forma marcante.
Conhecer e buscar o significado desses mitos que dão base a nossa sociedade nos auxilia em nossa jornada enquanto Ocidentais e brasileiros. E de forma individual cada imagem arquetípica se associa a vivências, dons e determinados problemas associados aos deuses mitológicos.
Quando nos identificamos e reconhecemos esses dinamismos atuando em nós, diminui nossa presunção de sermos o centro e alcançamos um significado que emerge das profundezas de nossa alma, nos auxiliando em nossas escolhas de forma mais satisfatória e coerente com a nossa estrutura psíquica. Ou seja, o mito traz o símbolo que une a consciência e o inconsciente, o que traz uma satisfação e um sentido de paz de espírito imenso.
Referências:
BOLEN, J. S. Os deuses e o homem: uma nova psicologia da vida e dos amores masculinos. São Paulo: Paulus, 2002.
CAMPBELL, J. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
Em 1921, Carl Jung escreveu a obra Tipos Psicológicos e trouxe para a humanidade termos usados até hoje.
É comum definirmos pessoas como extrovertidas e introvertidas, pois todos nós conhecemos pessoas fechadas, ariscas, difíceis de conhecer (introvertidos) e pessoas abertas, sociais, joviais e que sempre estão se relacionando (extrovertidos).
Conforme Carl Jung (1991), extroversão e introversão mostram tipos gerais de atitudes, e elas se distinguem pela direção de interesse e movimento da libido, ou seja, da energia psíquica. Em outras palavras, a atitude da consciência será determinada pela direção de interesse em relação ao objeto. Por objeto, entendemos tudo aquilo que não é o sujeito e que não se liga a pessoa e seu mundo interior, seus desejos e seus medos, incluindo pessoas e estímulos externos.
Os introvertidos são aqueles que hesitam, recuam e enxergam o contato com o objeto com receio e como se fosse algo pesado, massacrante. O mundo externo os desgasta e isso faz com que ajam de forma a atribuir ao objeto um superpoder.
Já os extrovertidos partem rápido e de forma confiante ao encontro do objeto. Aparentemente o objeto tem para ele uma importância enorme, mas no fundo o objeto não tem tanto valor assim e por isso é necessário aumentar a sua importância.
Retirado de: oglobo.globo.com
Resumindo, conforme Silveira (1981) na extroversão a libido fui sem embaraços ao encontro do objeto. Na introversão a libido recua diante do objeto, pois este parece ter sempre em si algo de ameaçador que afeta intensamente o individuo.
Jung tentou, com isso, ilustrar como a consciência se mostrava na prática e como atuava de forma diferente nas pessoas. Não é possível manter as duas atitudes, elas são excludentes. No entanto, é positivo e saudável fazer o uso das duas atitudes.
Nessa obra Jung também definiu as funções psíquicas da consciência: sensação, pensamento, sentimento e intuição. Por função psíquica, entende-se a atividade da psique que apresenta uma consistência interna e que estabelece habilidades, aptidões e tendências no relacionamento do indivíduo com o mundo e consigo mesmo.
Essas quatro funções são classificadas em dois grupos: Irracionais e Racionais.
As irracionais são: Sensação e Intuição. E as racionais: pensamento e sentimento.
A função Sensação privilegia os órgãos dos sentidos; é a função da percepção da realidade. Ela nos diz que algo existe.
Todos nós possuímos essa função, pois todos nós possuímos os 5 sentidos. No entanto, existem pessoas que são guiados de forma mais marcante pela sensação. Essas pessoas são voltadas para o aqui e agora. São práticas e realistas – “Pé no chão”. Mas não utilizam muito a imaginação.
A Intuição percebe as coisas ao redor mediante processos inconscientes e conteúdos subliminares. Pessoas intuitivas, vão além dos fatos, sentimentos e idéias para encontrar a essência da realidade.
Representa o palpite, pressentimento e inspiração. Com ela vemos o todo e não só as partes.
O Pensamento esclarece o que são as coisas. Ela auxilia a julgar, classificar e discriminar uma coisa da outra sem interesse pelo seu valor afetivo.
Pessoas fortemente guiadas pelo pensamento são lógicas, impessoais, intelectuais e objetivos. Lidam melhor com tarefas lógicas e formais. Chamados de reflexivos, são grandes planejadores.
O Sentimento esclarece o valor das coisas. Também há julgamento, mas com outra lógica: a do coração. É importante não confundir sentimento com emoção. Essa função nos dá a noção das experiências subjetivas: prazer, dor, raiva, medo, etc.
Pessoas sentimentais, utilizam seus valores pessoais e os dos outros, para tomarem decisões, mesmo não tendo lógica. Levam em conta o que sentem por alguém ou situação. Tem facilidade no contato social e preocupam-se com a harmonia do ambiente.
Retirado de: www.fasdapsicanalise.com.br
As quatro funções proporcionam a pessoa certa totalidade, dando condições ao ser humano de se posicionar no mundo de forma segura. Além de capacitar o ser humano a se orientar de todas as formas.
Todos nós possuímos as quatro funções, contudo elas não são desenvolvidas da mesma forma. Uma, ou duas, delas acabam se desenvolvendo de forma mais plena em detrimento das outras.
A meta do desenvolvimento humano, com o processo de individuação, seria então a integração de todas as funções, ou seja, um processo de reunir o que está dividido. Bem como do desenvolvimento da introversão e extroversão de forma a chegar a uma harmonia entre essas duas atitudes.
Conhecer o seu tipo psicológico, então, é importante, para que se conheça aquilo que não está desenvolvido e que termina por se tornar mal desenvolvido, atrapalhando a vida cotidiana e os relacionamentos.
Referências:
JUNG, C. G. Tipos Psicológicos 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
SILVEIRA, N. Jung: Vida e Obra. 7 ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1981.
Conforme Carl Jung, o Si-mesmo, ou Self, é uma imagem arquetípica do potencial mais pleno do homem, ou seja, da totalidade. Ele ocupa a posição central da psique como um todo e, portanto, do destino do indivíduo.
É mais abrangente que o ego, que a ele encontra-se subordinado. O ego, então está para o Self, assim como a parte está para o todo.
É muito difícil definir conceitualmente o Self, mas uma definição mais aproximada, mesmo que limitada, seria a da “divindade interior“, a Imago – Dei que cada indivíduo carrega em seu íntimo. Essa imago, então é capaz de produzir sentimentos maravilhosos de êxtase, mas também o mais assombroso temor e respeito.
Retirado de: www.bhmpics.com
E essa imagem é comumente projetada em divindades externas, dentro dos sistemas religiosos.
Jung foi intensamente criticado por apresentar esse conceito de Self. Foi criticado tanto por religiosos como por médicos cientistas. Os religiosos acusaram-no de tentar deduzir Deus a uma função psicológica, ao passo que os médicos estudiosos da época acusaram-no de tentar substituir a ciência pela metafísica, o tornando um místico.
Ele, infelizmente, nunca conseguiu fazer seus críticos entenderem que estava definindo uma realidade psicológica, e não de uma realidade religiosa, nem material ou metafísica.
O que ocorre é que mesmo que exista ou não um Deus literal, e mesmo que o individuo não acredite em nenhum Deus, o arquétipo do numinoso é um recurso inato da humanidade, e extremamente necessário à totalidade psicológica. Todos os indivíduos se sentem impulsionados a buscar essa totalidade, cada um com sua forma peculiar e particular de encarar o numinoso.
É uma força tremenda e compulsiva que leva o ser humano em direção ao significado, ao encontro fatídico do seu destino. Não que o eu não possua livre arbítrio, ele possui e por vezes suas escolhas atrapalham o processo de desenvolvimento da personalidade, porém seu campo de escolha é limitado dentro da órbita da consciência.
A criança, antes da formação do seu ego consciente, possui esse sentido de totalidade inato. Quando adultos esse sentimento é alcançado através de uma união do consciente com os conteúdos inconscientes da sua mente, ou seja, por meio da função transcendente, que nada mais é que o Self.
Retirado de: www.udemy.com
Sobre essa função Jung comenta em A Natureza da psique.
“Por “função transcendente” não se deve entender algo de misterioso e por assim dizer suprasensível ou metafísico, mas uma função que, por sua natureza, pode-se comparar com uma função matemática de igual denominação, e é uma função de números reais e imaginários. A função psicológica e “transcendente” resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes.”
O Self é tanto a fonte do processo de individuação com seu fim último.
No processo de individuação há confronto do ego com o Self, onde o mesmo deve ser reconhecido, integrado e realizado.
Entretanto, o ego, só irá se defrontar com um fragmento dessa totalidade que irá se manifestar na Imago – Dei, ou seja, na imagem arquetípica do Self. Por isso não se deve confundir o arquétipo do Self com o inconsciente tal e qual. O Self é um conteúdo especial e uma imagem arquetípica da totalidade, do potencial mais pleno do homem, a unidade da personalidade como um todo.
Quando ocorre esse encontro entre ego e essa imagem arquetípica, ele é geralmente carregado de muito temor. O ego assimila esse encontro como uma espécie de morte, pois ele terá de abdicar de ser o centro (e foi assim ele se sentiu até então!). E é nessa hora que o ego pode se esquivar do processo.
Não é nada fácil esse encontro! É por meio do Self, que o individuo é posto em confronto com o bem e mal, com o humano e divino, com o finito e o infinito. O ego compreende a sua finitude e a sua incompletude. O Self é inumano, amoral, pois nele não há divisão entre opostos, não há bem e mal, não há masculino e feminino. Portanto, ele não se limita as nossas expectativas de moralidade.
O meio dito “junguiano” tem deturpado a noção do Self e ingenuamente falam desse encontro, descrevendo-o como um encontro com o anjo da guarda e com seres de luz. E com isso negligenciamos e negamos as trevas, buscando cada vez mais uma perfeição impossível de ser alcançada.
No dicionário crítico junguiano, é dito que Jung enfatizava que o Self deveria ser comparado a um demônio, um poder determinante sem consciência, onde as decisões éticas são relegadas ao homem, à consciência, e, com relação a intervenções do Self, que podem advir através de sonhos, por exemplo, Jung advertia que uma pessoa deve, tanto quanto possível, estar cônscia daquilo que ela decide e do que faz. Depois, se responde positivamente, não está simplesmente submissa ao arquétipo nem obedecendo a seu próprio capricho; ou, se se desvia, fica consciente de que pode estar destruindo não apenas alguma coisa de sua própria invenção, mas uma oportunidade de valor indeterminado. O poder de exercer tal discriminação é a função da consciência.
O Self, portanto, é uma realidade psicológica. Cada indivíduo possui uma imagem do divino em seu intimo, é uma imagem interior particular, influenciada pela cultura e pelo meio onde vive. O encontro com essa imagem leva ao processo de individuação, que consiste em desempenhar seu papel único na sociedade.
Retirado de: www.selfimpro.com
Mas um dos maiores perigos desse encontro é o da inflação. O ego pode se identificar com a divindade e sucumbir ao complexo de Deus. Por isso o eu precisa ser o mais flexível possível, para estabelecer fronteiras individuais e conscientes para não sucumbir à força das imagens arquetípicas e inconscientes.
A interação entre o ego e o Self é um processo incessante, que irá se expressar na individualidade da vida de uma pessoa. O Self fala conosco por meio dos sonhos, e escutar esses sonhos pode trazer desenvolvimento e amadurecimento à personalidade.
Em O homem e seus símbolos, Von Franz diz:
“Tudo acontece como se o ego não tivesse sido produzido pela natureza para seguir ilimitadamente os seus próprios impulsos arbitrários, e sim para ajudar a realizar, verdadeiramente, a total idade da psique.”
O Self está ai para nos dizer, que simplesmente não possuímos controle de nada. Ouvir os sonhos é procurar saber o que a totalidade quer de nós. Não estamos ao nosso próprio serviço, mas temos escolha entre realizar nosso potencial, contribuindo assim para uma sociedade mais consciente, ou atrapalhar nosso desenvolvimento e o de outros.
“Todos querem o perfume das flores, mas poucos sujam as mãos para cultiva-las.” Augusto Cury
Tudo aquilo que não queremos ser é justamente aquilo que nos cura.
O desprezível em si e nos outros, todo comportamento que abominamos, por mais paradoxo que seja, é a nossa salvação.
Com isso inicio o famoso conceito junguiano chamado sombra.
Em geral, na Psicologia Analítica, define-se sombra como a “personificação de certos aspectos inconscientes da personalidade” (VON FRANZ, 2002).
Retirado de: encaminodelheroe.blogspot.com
Nós humanos gostamos de nos enxergar como inteligentes, generosas, de “bom caráter”, com diversas habilidades, e assim por diante. No entanto, a nossa personalidade também inclui qualidades inferiores, das quais não somos conscientes. Essas qualidades se revelam em nosso contato com o meio, com as pessoas e a tendência é “empurrar” essas características para o inconsciente, porque elas envergonham o ego e conturbam o funcionamento da persona.
E é dessa forma simplificada que se forma nossa sombra.
Pense o que detesto em mim e nos outros? O que eu digo que nunca faria?
Pois ai está o seu eu ferido!
Em nossa infância, para ampliarmos nossas chances de sobrevivência e conseguirmos aprovação, é necessário negar algumas atitudes, alguns traços de personalidade. Esses traços tidos como negativos tornam-se aquilo que chamamos “eu reprimido” as partes do falso eu que são demasiado dolorosas para serem reconhecidas.
Para Miller in Zweig e Abrams – O que a sombra sabe: uma entrevista com John A. Sanford (2011):
A definição junguiana da sombra foi muito bem colocada por Edward C.Whitmont, analista de Nova York, ao dizer que sombra é “tudo aquilo que foi reprimido durante o desenvolvimento da personalidade, por não se adequar ao ideal de ego. Se você teve uma educação crista, com o ideal do ego de ser benevolente, moralmente reto, gentil e generoso, então certamente você precisou reprimir todas as suas qualidades que fossem a antítese desse ideal: raiva, egoísmo, loucas fantasias sexuais e assim por diante. Todas essas qualidades que você seccionou formariam a personalidade secundária chamada “sombra”.
Isso é nossa sombra pessoal, que nos assusta, que causa terror, medo, angustia. Não somos o que pensamos ser, nosso ego nos ilude, criando a ilusão de sermos bem polidos, iluminados e respeitáveis.
A sombra nos assusta, pois revela-nos quem de fato nós somos. Por isso gastamos tanta energia para mantê-la oculta. Nós negamos esse lado negro com todas as nossas forças, ou então projetamos esse comportamento sobre os outros.
A sombra forma-se de nossas qualidades existentes que gostaríamos de esquecer e que nem gostaríamos de olhar de perto.
Retirado de: osegredo.com.br
Para Jung (2011):
A sombra constitui um problema de ordem moral que desafia a personalidade do eu como um todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência desta realidade sem dispender energias morais. Mas nesta tomada de consciência da sombra trata-se de reconhecer os aspectos obscuros da personalidade, tais como existem na realidade.
Para aceitar e assimilar a sombra a pessoa precisa ter muita coragem, muita força e muito amor. Amor pelo seu lado negativo.
As pessoas geralmente pensam que a sombra só contém aspectos escuros e negativos da personalidade, contudo é a sombra que nos da à dimensão humana, que escancara a realidade, que coloca nossos pés no chão. Mas que também esconde potenciais ocultos, tesouros inestimáveis que foram desprezados. É um remédio amargo e necessário!
Ela também é a parte não vivida da nossa personalidade, por isso seu dinamismo pode conter tanto o bem como o mal. Essa parte não vivida é inconsciente a pessoa e por isso inquietante e se manifestam de forma extrema, primitiva e desajeitada. Mas nela, existe o potencial positivo para novos dons e talentos.
Para Zweig e Abrams (2011):
A sombra pessoal contém, portanto, todos os tipos de potencialidades não-desenvolvidas e não-expressas. Ela é aquela parte do inconsciente que complementa o ego e representa as características que a personalidade consciente recusa-se a admitir e, portanto, negligencia, esquece e enterra… até redescobri-las em confrontos desagradáveis com os outros.
A sombra costuma influenciar as relações do indivíduo com pessoas do mesmo sexo. E é comum a sombra aparecer em nossos sonhos como personagens sombrios do mesmo sexo que o nosso.
Hall e Nordiby (1972, p. 42):
Já dissemos que a sombra é responsável pelas relações entre pessoas do mesmo sexo. Estas relações podem ser amistosas ou hostis, dependendo de vir a sombra a ser aceita pelo ego e incorporada de modo harmonioso à psique, ou rejeitado pelo ego e banido para o inconsciente. Os homens tendem a projetar os impulsos de sua sombra rejeitada nos outros homens, de modo que, entre eles, surgem com frequência, sentimentos negativos.
Portanto, a sombra pode ser revelada por meio da projeção em outra pessoa do mesmo sexo geralmente.
A projeção costuma ser um mecanismo e defesa do ego contra aquilo que pode ser doloroso a ele, mas também tem um lado positivo e construtivo.
Bly in Zweig e Abrams (2011) fala sobre a projeção como algo positivo:
Mas a projeção também é uma coisa maravilhosa. Marie-Louise von Franz observou num de seus escritos: “Por que assumimos que a projeção é sempre uma coisa ruim? ‘Você está projetando’ tornou-se uma acusação entre os junguianos. As vezes a projeção é útil, é a coisa certa.”
(…) Marie-Louise von Franz nos faz lembrar que, se não projetarmos, nunca conseguiremos estabelecer uma conexão com o mundo (…).
(…) A questão não é tanto o fato de projetarmos, mas sim por quanto tempo mantemos a projeção sobre o outro. Projeção sem contato pessoal é perigoso. Milhares, milhões de homens americanos projetaram seu feminino interior sobre Marilyn Monroe. Se um milhão de homens deixou suas projeções sobre ela, o mais provável era que Marilyn morresse (…)
Retirado de: www.recantodasletras.com.br
A questão é que a projeção é necessária e saudável, pois há conteúdos inconscientes que podem dissociar o ego, e um pouco de projeção é uma forma de proteção, desde que, ela seja temporária.
Além disso, conhecer esse lado da nossa personalidade implica em responsabilidade, pois o individuo fica em condição de escolher e optar o que assusta as pessoas.
Mas se existe possibilidade de escolha, a pessoa deixa de ser apenas manobrada por forças e pode optar, tendo mais liberdade de ação.
Outro aspecto importante sobre sombra é de que se trata de um arquétipo e por essa razão ela aparece como imagem arquetípica nos mitos e nos contos de fadas.
Em Jung (2011):
A sombra é, em não menor grau, um tema conhecido da mitologia; mas como representa, antes e acima de tudo, o inconsciente pessoal, podendo por isso atingir a consciência sem dificuldades no que se refere a seus conteúdos, além de poder ser percebida e visualizada, se diferencia, pois do animus e da anima, que se acham bastante afastados da consciência: este o motivo pelo qual dificilmente, ou nunca, eles podem ser percebidos em circunstâncias normais. Não é difícil, com certo grau de autocrítica, perceber a própria sombra, pois ela é de natureza pessoal. Mas sempre que tratamos dela como arquétipo, defrontamo-nos com as mesmas dificuldades constatadas em relação ao animus e a anima.
Isso significa que existe uma sombra arquetípica, que é a sombra coletiva – seja de uma família, ou nação – e essa é muito difícil de ser percebida e assimilada. Podemos apenas olhar para ela com o auxilio da Mitologia e dos Contos de Fadas.
Retirado de: encaminodelheroe.blogspot.com
Mesmo sendo um empreendimento que exige coragem, devemos tornar a sombra consciente, negligenciar e recalcar ou identificar-se com ela pode levar a dissociações perigosas. Como ela é próxima do mundo dos instintos é indispensável levá-la continuamente em consideração.
Finalizando, o conceito da sombra e sua assimilação remetem à flor de lótus que nasce da lama, mas não se contamina, florescendo linda e bela.
Aceitar, compreender e integrar o lado sujo e enlameado da alma humana é fazer o trabalho sujo.
Nossa sociedade nega o mal, nos faz viver de aparências. Mas somente quando decidimos limpar nossa própria fossa é que a alma pode florescer.
Do esterco pode nascer flores belíssimas, do esterco se faz adubo.
Referências Bibliográficas:
HALL, C. S.; NORDBY, VERNON, J – Introdução a Psicologia Analítica, Ed. Cultrix, São Paulo, 1972.
JUNG, C. G. Aion – Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
VON FRANZ, M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 2002.
VON FRANZ, M. L; BOA, F. O caminho dos sonhos.São Paulo: Cultrix, 1988.
WEAVER, R. A Velha Sábia – Estudo sobre a imaginação ativa. São Paulo: Paulus, 1996.
ZWEIG, C; ABRAMS, J (orgs.). Ao encontro da sombra: o potencial oculto da natureza humana. São Paulo: Editora Cultrix, 2011.
Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875 em Kesswil, aldeia pertencente ao cantão da Turgovia, Suiça. Formou-se em psiquiatra e desenvolveu a Psicologia Analítica se tornando um dos maiores psicoterapeutas do mundo.
Carl Jung propôs e desenvolveu os conceitos dos tipos psicológicos: extrovertidos e introvertidos; deu-nos os conceitos de arquétipos e do inconsciente coletivo e do processo de individuação – a base e o conceito central de toda sua teoria.
Criou conceitos famosos como o: complexos e sincronicidade.
Para Jung a psique humana tem uma “natureza religiosa”, sendo o estudo das imagens religiosas um dos focos de suas explorações. E isso o diferiu de Freud.
Ele também dedicou sua vida ao estudo da filosofia oriental e ocidental, da alquimia, astrologia, mitologia e sociologia, literatura e artes. Seu interesse pelo oculto e transcendente levaram muitos a vê-lo erroneamente como um místico.
Retirado de: lounge.obviousmag.org
Jung tinha muitas visões e sonhos mitológicos e religiosos, que estão relatadas em Memórias, Sonhos e Reflexões. Tudo isso despertou seu interesse no estudo dos mitos e religiões; transformando Jung em um grande estudioso dos símbolos.
Para ele os símbolos são fonte de transformação psicológica. Eles estão aquém da racionalidade do ego e faz a união entre a consciência e o inconsciente. No começo de sua carreira estudou alguns fenômenos parapsicológicos o que o auxiliou em suas descobertas psicológicas.
Jung dizia sentir que possuía duas personalidades: uma publica e outra interna e secreta muito próxima a Deus.
Seu pai era um pastor protestante, que tinha uma fé cega e isso incomodava Jung que buscou responder com uma fé renovada, buscando justamente o conhecimento mais profundo do simbolismo. Ele via no pai o homem estagnado em uma condição medíocre: o homem que não enfrentava as dúvidas religiosas que o atormentavam. Agarrava-se à fé, amparava-se na Bíblia e nos dogmas. Com sua mãe sentia mais afinidade.
Conforme Silveira (xx):
“Menino ainda, descobriu que existiam nela duas.personalidades. Uma convencional, correspondente à esposa de um pastor, que exigia do filho boas maneiras e fazia-1he recomendações impertinentes sobre o modo de usar o lenço ou coisas semelhantes. E outra, investida de estranha autoridade, misteriosa, dotada de algo que às vezes lhe infundia medo. Quando esta segunda personalidade emergia, o menino Carl Gustav percebia a voz de sua mãe que soava mais grave e mais profunda.”
Ao longo de sua carreira, estudou filosofia, em especial as obras de Pitágoras, Empédocles, Heráclito, Platão, Kant e Goethe. Mas sua maior influencia foi a obra de Schopenhauer.
Jung lamentava que a religião não buscasse o empirismo, para assim compensar a fé cega. Ele assim foi duramente criticado tanto pela igreja, quanto pela ciência, por essa tentativa de juntar ambas. Mas foi essa ânsia em unir esses opostos que levou Jung a psiquiatria.
Quando se preparava para o exame de psiquiatria do currículo médico, leu no prefácio- do tratado de Krafft- Ebing conceitos que o atingiram em cheio, abrindo-lhe a inesperada perspectiva de que, na psiquiatria, seus interesses pela filosofia, pelas ciências naturais e médicas, poderiam encontrar um foco vivo de convergência. Imediatamente e para surpresa geral. Escolheu a psiquiatria (SILVEIRA, XX).
Em 1900, Jung torna-se estagiário na Clínica Psiquiátrica Burgholzli, em Zurique, então dirigida pelo psiquiatra Eugen Bleuler, famoso pela sua concepção de esquizofrenia. É nessa época que ele inicia seus estudos com a associação de palavras e começa a perceber a força dos complexos.
Em 1902 foi a Paris estudar com Pierre Janet. A carreira de Jung, no Burgholzli, foi das mais brilhantes, no ano seguinte assumiu um cargo de chefia no hospital e em 1904, montou um laboratório experimental em que implementou o seu teste de associação de palavras para o diagnóstico psiquiátrico.
Essas experiências, iniciadas com o intento de trazer esclarecimentos concernentes à estrutura psicológica da esquizofrenia, conduziram – no à descoberta dos complexos afetivos. A conceituação de complexo, juntamente à técnica para detectá-lo, foi a primeira contribuição de Jung à psicologia moderna.
No ano de 1906, Jung publicou os ESTUDOS SOBRE ASSOCIAÇÕES; em 1907 A PSICOLOGIA DA DEMÊNCIA PRECOCE, e, a seguir, 1908, O CONTEÚDO DAS PISCOSES. Os dois últimos trabalhos demonstram que nas psicoses todos os sintomas ainda os mais absurdos, encerram significações, descrevem as frustrações, desejos e esperanças dos doentes.
Ainda em 1904, Jung entra em contato com a obra de Freud, A Interpretação dos Sonhos. Jung enviou ao pai da Psicanálise, cópias de seus trabalhos sobre a existência do inconsciente. E com isso ambos encantaram-se um com o outro, porque os dois desenvolviam trabalhos pioneiros em psiquiatria.
Freud e Jung passaram a se corresponder. Foram cerca de 359 cartas que posteriormente foram publicadas entre 1906 a 1913. O primeiro encontro entre eles, em 27 de fevereiro de 1907, transformou-se em uma conversa que durou treze horas ininterruptas. Os dois estabeleceram uma amizade de aproximadamente sete anos, durante a qual trocavam informações sobre seus sonhos, análises, trocavam também confidências e discutiam casos clínicos.
Freud logo reconheceu o alto valor de Jung e viu no suíço, e não judeu, o homem adequado para conduzir a psicanálise fora do circulo de judeus. Mas Freud também viu nele “um filho mais velho”, um “sucessor e príncipe coroado” (carta de Freud à Jung, datada de 16.4.1909).
Em 1909 viajaram juntos aos Estados Unidos, por ocasião das comemorações do vigésimo aniversário da Clark University. Freud ali pronunciou as célebres cinco conferências sobre psicanálise e Jung apresentou seus trabalhos relativos às associações verbais. Jung e Freud ainda possuíam admiração mutua.
Em 1910 foi fundada a Associação Psicanalítica Internacional. Freud usou toda sua influência para que Jung fosse eleito presidente da Associação e assim aconteceu. No entanto, já existiam entre eles diferenças conceituais e Jung questionava a falácia da teoria sexual.
Retirado de: www.famouspsychologists.org
Em 1912, Jung lança o livro METAMORFOSES E SÍMBOLOS DA LIBIDO, hoje conhecido como SÍMBOLOS DA TRANSFORMAÇÃO, que marcou divergências doutrinárias profundas, levando ao rompimento definitivo dos dois. Apesar da nítida admiração mutua, existiam entre os dois, grandes diferenças fundamentais em seus conceitos sobre a psique.
Jung nunca conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza sexual, e via no incesto do Complexo de Édipo um simbolismo. Para Jung, o incesto é uma regressão ao inconsciente, representado como útero materno e não algo concreto como o desejo sexual literal pelo genitor.
Para Jung isso tratava de uma projeção dos desejos dos adultos nas crianças, uma vez que a libido nelas não está ainda disponível para a atividade sexual literal.
Sobre a personalidade e jeito de ser de Jung, Silveira (xx) descreve:
“Jung era um homem alto, bem construído, robusto. Tinha um vivo sentimento da natureza. Amava todos os animais de sangue quente e sentia-se com eles “estreitamente afim”. Amava as escaladas das montanhas, porém preferia velejar sobre o lago de Zurique. Possuía seu barco próprio. Na mocidade passava às vezes vários dias velejando em companhia de amigos, que se revezavam no leme e na leitura em alta voz da Odisséia. Igualmente velejava sozinho e o fez até idade bastante avançada.”
Após a separação com Freud, Jung sentiu o chão desmoronar-se sob os pés. Ele entrou em um período de depressão, solidão e de confronto com o inconsciente.
Até então Jung havia cumprido todas as tarefas da primeira metade da vida, Constituiu família; afirmara-se no campo profissional, sendo procurado por enorme clientela que vinha de toda a Europa e da América; conquistando renome científico mundial. Com o rompimento, abriu-se uma nova fase na sua vida.
Jung decidiu-se a aceitar que as imagens do inconsciente emergissem. E através de sonhos impressionantes e mesmo de visões que Jung chegou à descoberta de um centro profundo provindo do inconsciente, centro ordenador da vida psíquica e fonte de energia.
Segundo ele os anos durante os quais se deteve nessas imagens interiores constituíram a época mais importante de sua vida e toda a atividade posterior de seu trabalho se consistiu em elaborar o que jorrava do inconsciente nesses anos.
Essas experiências com o inconsciente duraram experiências 6 anos (de 1912 a fins de 1918).
Durante esse tempo, Jung não publicou nenhum livro, escreveu, entretanto, vários ensaios da mais lúcida construção cientifica. Destacam-se duas conferências pronunciadas em Londres, julho de 1914, Sobre a compreensão psicológica e sobre s importância do inconsciente em psicopatologia; A estrutura do inconsciente. 1916, posteriormente ampliado em um livro fundamental, As relações entre o ego e o inconsciente; A psicologia do inconsciente, 1917; Sobre o inconsciente. 1918.
Em 1920, Jung nos dá a obra TIPOS PSICOLÓGICOS. Essa obra pode ser compreendida como uma forte compensação o ao período de excessiva introversão e contato com o inconsciente. Após várias viagens para a Africa do Norte, na América com os índios Pueblos, no Monte Elgon, na África Oriental Inglesa observou o inconsciente coletivo e seus arquétipos.
Os conceitos de inconsciente coletivo e arquétipos foram, na maioria, primeiro apresentados em forma de conferências (nas reuniões cientificas internacionais denominadas Eranos, realizadas em Ascona) e só publicados em livros anos mais tarde, depois de revistos e amplamente documentados.
Retirado de: todasasfacesdeeva.blogspot.com
Carl Jung também se debruçou sobre a Alquimia. Ele percebeu que a “arte” alquímica tratava de projeção sobre a matéria de processos em desdobramento no inconsciente do próprio alquimista. Com isso, em 1944 publicou PSICOLOGIA E ALQUIMIA.
Ele então publicou PSICOLOGIA DA TRANSFERÊNCIA em 1946. A obra MISTERIUM CONIUNCTIONIS, que muitos julgam sua obra máxima, no qual trabalhou durante dez anos e que foi dado à publicidade em 1955, quando o autor atingia os 80 anos.
Simultaneamente, escreveu inúmeras obras, como: RESPOSTA A JÓ em 1952, um de seus livros mais belos e mais polêmicos. PRESENTE E FUTURO, em 1957 e UM MITO MODERNO VISTO DO CÉU em 1958. Quando se poderia talvez pensar que os assuntos da pratica médica não mais o seu último livro é um livro de memórias, chamado MEMÓRIAS, SONHOS E REFLEXÕES. Nessa obra, acompanha-se a realização de uma vida e de uma obra inextrincáveis uma da outra.
O conjunto das obras completas de Jung consta, na edição inglesa, de 18 volumes afora numerosos seminários mimeografados, pertencentes ao Instituto C. G,Jung de Zurique.
A partir de 1933 correram boatos de que Jung teria simpatizado com o nazismo. O argumento contra essas acusações é, porém, a atitude dos nazistas em relação a Jung. Com a publicação do livro PSICOLOGIA e RELIGIÃO em 1940, as autoridades decidiram que toda a sua obra fosse interditada e queimada na Alemanha, bem como nos países ocupados por Hitler
Ele também foi acusado de anti-semita. Seria também extravagante e estranho que um anti-semita contasse entre seus discípulos mais próximos precisamente pessoas de origem semita. Alguns dos seus mais devotados pupilos – Erich Neumann, Gerhard Adler, James Kirsch e Aniela Jaffe – eram todos judeus
Carl Gustav Jung morreu em 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, nas margens do lago de Zurique, após uma longa vida produtiva. Encontra-se sepultado na Protestant Church Graveyard, Küsnacht, Zurique na Suíça.
Referência:
SILVEIRA, N. Jung: vida e obra – 7- ed.– Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
Carl Jung deu grande importância a análise dos sonhos no processo de psicoterapia, transformando em uma ferramenta essencial no processo de autoconhecimento.
A interpretação dos sonhos é uma ferramenta antiqüíssima utilizada por diversas culturas anteriores a nossa. Os povos primitivos, que possuíam uma mente mais mitológica que a do homem moderno, já notava sinais de que os sonhos eram mensagens. No entanto, eles analisavam os sonhos de forma literal.
A análise dos sonhos em psicoterapia, e da descoberta de algo simbólico por trás das imagens, começou com Sigmund Freud, que em 1900, lançou a obra inovadora chamada A Interpretação dos sonhos, onde ele notou que os sonhos nos mandam mensagens oriundas do inconsciente. Sendo essas mensagens provenientes de materiais reprimidos pela nossa consciência, principalmente de cunho sexual e agressivo. Ou seja, eram desejos secretos que muitas vezes, por repressão da sociedade ou da própria pessoa, não podiam ser realizados.
Para Freud, então, o sonho seria a realização de forma disfarçada de desejos reprimidos.
Com Carl Jung, os sonhos adquiriram uma importância ainda maior e passaram a não se limitar a conteúdos recalcados pela consciência.
Sua definição de sonhos é a seguinte (Jung, 2009):
“O sonho é uma parcela da atividade psíquica involuntária, que possui, precisamente, suficiente consciência para ser reproduzida no estado de vigília. Entre as manifestações psíquicas são talvez os sonhos aquelas que mais nos oferecem dados “irracionais”.
Para Jung, diferentemente de Freud, o sonho é o que é, sem disfarces. O sonho possui um significado intrínseco próprio. Ele é uma força orientadora o ego.
Para a compreensão dos sonhos, é necessário que entender sua origem e que ele possui uma natureza distinta dos produtos da consciência, Jung (2009):
“A razão para a posição excepcional do sonho está na sua maneira especial de se originar: o sonho não é o resultado, como os outros conteúdos da consciência, de uma continuidade claramente discernível, lógica e emocional da experiência, mas o resíduo de uma atividade que se exerce durante o sono. Esta maneira de se originar é suficiente, em si mesma, para isolar o sonho dos demais conteúdos da consciência, e este isolamento é acrescido pelo conteúdo próprio do sonho, que contrasta marcantemente com o pensamento consciente.”
Os sonhos podem trazer imagens, detalhes e acontecimentos que provêm de impressões, pensamentos e estados de espírito do dia ou dos dias precedentes. Mesmo assim, os sonhos ainda possuem uma função de nos guiar para frente, como cita Jung (2009)
“Neste sentido, portanto, existe certa continuidade, embora à primeira vista pareça uma continuidade para trás, mas, quem quer que se interesse vivamente pelo problema dos sonhos, não deixará de notar que os sonhos possuem também — se me permitem a expressão — uma continuidade para frente, pois ocasionalmente os sonhos exercem efeitos notáveis sobre a vida mental consciente, mesmo de pessoas que não podem ser qualificadas de supersticiosas e particularmente anormais.”
Freud possuía uma concepção causal dos sonhos, em que parte de um desejo, de uma aspiração recalcada, se expressa no sonho. Esse desejo é sempre algo de relativamente simples e elementar, mas pode se dissimular sob múltiplos disfarces.
A abordagem causal parte dos elementos do sonho e, através de uma série de associações que estes despertem vai, de elo em elo, até chegar a um desejo reprimido no inconsciente.
Isso não está errado, no entanto, limita a interpretação dos sonhos e o próprio inconsciente a apenas complexos recalcados.
Jung também via os sonhos com uma finalidade, onde cada imagem onírica possui o seu valor próprio. E isso traz uma diversidade de expressões simbólicas.
Retirado de: conexoesclinicas.com.br
Para Jung, então, a conjugação dos dois pontos de vista: causal e finalista — que ainda não foram desenvolvidos de maneira cientificamente satisfatória, em virtude de enormes dificuldades tanto teóricas como práticas — nos pode levar a uma compreensão mais completa da natureza do sonho (Jung, 2009).
Os sonhos então são, além de importante fonte de informação, um instrumento altamente educativo, pois mostram de forma espontânea e simbólica a situação atual do inconsciente e para onde ele pode encaminhar a consciência.
Além disso, os sonhos falam a linguagem do inconsciente, ou seja, utiliza uma linguagem simbólica, o que torna difícil para a consciência, com sua linguagem linear, interpretá-los sem ajuda.
Os sonhos carecem de lógica, tem uma moral duvidosa às vezes, apresenta alguns absurdos e conta-sensos, por essa razão ainda é desprezado pelo homem moderno pautado na lógica.
Segundo Jung, os personagens que surgem no sonho, as situações representadas, referem-se de fato à realidade objetiva. Isso acontece geralmente quando as pessoas com as quais se sonha são conhecidos: sejam íntimos ou que desempenham papel atual na vida do sonhador. Mas se os figurantes do sonho são desconhecidos, ou mesmo quando conhecidos, mas que não mantém estreitas relações, no presente com o sonhador, então adquirem significação peculiar: representam fatores autônomos da própria psique do sonhador, como sombra, anima e animus (Silveira, 1981).
Com a descoberta do inconsciente coletivo e dos arquétipos, Carl Jung percebeu que os sonhos podem trazer muito material mitológico. Como diz Joseph Campbell em O Poder do Mito: os mitos são sonhos públicos; os sonhos são mitos privados.
Entre as principais funções dos sonhos temos: a economia psíquica e orgânica. Neurofisiologistas modernos, na base de experiências, chegaram à conclusão de que não sonhar é mais prejudicial que não dormir (Silveira, 1981).
Mas a função mais importante em termos psicológicos é a de compensação. Para Jung, os sonhos funcionam principalmente como auto-reguladores de posições conscientes demasiado unilaterais ou até antinaturais. Essa compensação Poe inclusive antecipar uma realização consciente.
Sobre isso Silveira (1981) cita:
“Sempre que a atitude consciente extrema-se, seja no sentido de extroversão ou de introversão que saia fora dos ritmos peculiares ao tipo psicológico do indivíduo, ou quando uma das funções de orientação do consciente (pensamento, sentimento, sensação, intuição) torna-se demasiado hipertrofiada em detrimento das demais; sempre que o indivíduo supervaloriza ou, ao contrário, subestima a si próprio ou a outrem; sempre que necessidades especificas a cada um são negligenciadas, surgem sonhos compensadores indicando que a psique funciona como um sistema auto-regulador.”
Por essa razão deve-se conhecer a situação consciente do sonhador. A função de compensação dos sonhos pode então negar, criticar, confirmar ou modificar uma atitude consciente. Além da função compensadora, outra função importante do sonho é a função prospectiva. Ou seja, em alguns casos, ele pode trazer uma antecipação do futuro, inclusive também como forma de correção ou confirmação da atitude consciente.
Jung também cita o sonho reativo, onde acontecimentos traumáticos são revividos no sonho, tais como violentos choques de guerra, incêndios, inundações, acidentes, perdas de pessoas queridas. Esses sonhos tem como função a repetição constante de forma a levar o estimulo traumático a se desgastar. Jung também classificava os sonhos em grandes e pequenos.
Os pequenos sonhos se referem aos acontecimentos do dia a dia e a problemas ordinários.
Foto: Brook Shaden
Os grandes sonhos são aqueles carregados de significações profundas, seja de caráter individual ou coletivo, sonhos que perturbam, infundem medo ou exaltam. São carregados de imagens arquetípicas e mudam completamente o direcionamento da atitude corriqueira. É comum no inicio da análise o paciente ter um grande sonho, que marca o inicio do seu processo.
Por vezes nossos sonhos podem nos mostrar nossos desejos ou nossos traumas, mas se analisarmos a fundo eles nos dizem coisas que não queremos ver nem ouvir. Por isso sua analise não é fácil.
A análise dos deve ser feita com seriedade, pois eles constituem as melhores fontes de informação sobre as etapas em que o sonhador se encontra em seu processo de individuação.
Portanto, se empenhar em compreender seu simbolismo pode ampliar nossa maneira de encarar nossa própria vida e o mundo. Todo aquele que trilha o caminho do autoconhecimento deve saber que o sonho é a base do desenvolvimento da personalidade. Seu significado nos faz encontrar o sentido mais profundo de nossa existência, dando sentido a ela.
Referências
JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
SILVEIRA, N. Jung: vida e obra – 7- ed.– Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
A persona é um arquétipo, que possui como função básica a adaptação do individuo com o mundo externo. É uma função psíquica que ajuda na adaptação social, nos relacionamentos e nos intercâmbios entre as pessoas
Seu nome é inspirado pelo termo romano para designar máscara. A máscara que os atores utilizavam no antigo teatro greco-romano. Portanto, ela simboliza o rosto que usamos para o encontro com o mundo que nos cerca.
Jung (2008) define persona como:
“A palavra persona é realmente uma expressão muito apropriada, porquanto designava originalmente a máscara usada pelo ator, significando o papel que ia desempenhar. Como seu nome revela, ela é uma simples máscara da psique coletiva, máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é uma individualidade, quando, na realidade, não passa de um papel, no qual fala a psique coletiva.”
A persona é muito importante e não significa necessariamente falsidade. Afinal de contas nós não podemos nos comportar no trabalho da mesma forma que nos comportamos em um barzinho com os amigos. Se fizéssemos isso, perderíamos nossos empregos.
Retirado de: thefaustorocksyeah.wordpress.com
A persona está a serviço da individuação, pelo lado positivo, pois mostra nossas aspirações, nosso desejo de reconhecimento e ela pode ser o caminho para a manifestação do Self.
Essa é construída pela educação; começando na família de origem, na escola, na cultura em que se está inserido, entre outros fatores.
A verdade é que saber usar no momento adequado a persona é educação e auxilia o individuo com uma facha mais polida, pois a vida exige diversas adaptações. Ela impulsiona a movimentação em direção ao coletivo.
Essa instância psíquica só passa a ser prejudicial quando o ego se identifica apenas com um papel. Se afastando a ponto de se esquecer de sua verdadeira essência.
Um exemplo disso é o homem de negócios que leva trabalho para a casa e não dá a devida atenção à família, a ponto de terminar sendo abandonado por ela.
Sobre outro efeito negativo da persona Jung (2008) diz:
“A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outros e por outro lado a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo. Só quem estiver totalmente identificado com a sua persona até o ponto de não conhecer-se a si mesmo, poderá considerar supérflua essa natureza mais profunda. No entanto, só negará a necessidade da persona quem desconhecer a verdadeira natureza de seus semelhantes. A sociedade espera e tem que esperar de todo indivíduo o melhor desempenho possível da tarefa a ele conferida; assim, um sacerdote não só deve executar, objetivamente, as funções do seu cargo, como também desempenhá-las, sem vacilar a qualquer hora e em todas as circunstâncias.”
Enquanto arquétipo, a persona está contida no inconsciente coletivo. Portanto, ela possui certa autonomia em relação ao ego, podendo “engoli-lo”, a ponto de fazer o individuo se comportar de uma forma unilateral em todas as situações externas, o que gera grandes problemas de adaptação social.
A identificação com a persona, por parte do ego leva a uma perda dela, pois ai se manifesta outro arquétipo, o da sombra, que constela de forma a compensar a atitude unilateral do ego.
Como mediadora entre o ego e o mundo externo a persona forma um par de opostos com a anima (ou animus), que são os mediadores entre o ego e o mundo interno. A persona se ocupa com a adaptação do individuo ao coletivo, já a anima/animus estão ocupados com a adaptação àquilo que é pessoal, interior e individual.
Tanto persona, como anima, animus e sombra não são a totalidade psíquica, são complexos dentro da psique total. E como complexos eles podem nos tomar a qualquer momento.
A persona pode diferir em muito da personalidade verdadeira do ego, no entanto, estar consciente de que é apenas um papel que se está desempenhando em prol da adaptação ao coletivo e de que isso não vai interferir na vida privada, traz benefícios.
Um ego bem estruturado relaciona-se com o mundo exterior através de uma persona flexível; alavancando o desenvolvimento psicológico e o amadurecimento. A palavra de ordem, então, para o ego passa a ser flexibilidade. Flexibilidade para colocar a devida máscara no momento certo e aprender a tirá-la quando devido e relaxar dos papéis sociais.
Quando o ego se compromete excessivamente aos ideais coletivos, a persona passa a mascar a individualidade mais profunda. Nesse caso a dissolução da identificação com o papel exercido é extremamente necessária para o processo de individuação.
Ao longo da vida muitas personas serão usadas, muitas máscaras serão colocadas. Faz parte do processo de individuação reconhecer as máscaras que usamos em cada momento, mas também devemos buscar aquilo que há de mais individual em nós, aquilo que ninguém pode copiar, pois é único e exclusivo.
Referência:
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
Durante toda a história da humanidade, o homem, mesmo não tendo consciência disso, procurou manter um relacionamento com o inconsciente coletivo e seus arquétipos.
Entre os povos antigos isso se dava por meio da interpretação dos sonhos e das estórias contadas ao redor de fogueiras. Os contos de fada, assim como os mitos, as lendas e as fabulas, falam a linguagem da alma. São similares aos nossos sonhos e as nossas fantasias.
Observe qualquer menina quando tem o contato com os contos pela primeira vez. Elas se encantam com as princesas, com as fadas, com as rainhas. Elas vivem aquilo em suas brincadeiras, em sua fantasia.
Retirado de: pensesonheviva.blogspot.com
Marie Louise Von Franz, uma das maiores expoentes no estudo dos contos de fada, diz que os contos são a expressão mais pura e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo, pois eles representam os arquétipos na sua forma mais simples, plena e concisa (VON FRANZ, 2005).
Quando nos tornamos adultos perdemos esse contato, dando primazia à consciência, e parte desse mundo arquetípico vai para o inconsciente. Mas retomar a leitura e a compreensão dos contos, pode se tornar um refrigério para a alma. Neles podemos resgatar impulsos, sonhos e instintos perdidos.
Em sua obra A interpretação dos contos de fada, ela distingue os contos dos mitos.
“Nos mitos, lendas ou qualquer outro material mitológico mais elaborado, atingimos as estruturas básicas da psique humana através de uma exposição do material cultural. Mas nos contos de fada existe um material cultural consciente muito menos específico e, conseqüentemente, eles espelham mais claramente as estruturas básicas da psique.”
Portanto, os contos estão em uma camada mais profunda da psique coletiva.
Ainda na mesma obra Von Franz (2005) diz:
“Para mim os contos de fada são como o mar, e as sagas e os mitos são como ondas desse mar; um conto surge como um mito, e depois afunda novamente para ser um conto de fada. Aqui novamente chegamos à mesma conclusão: os contos de fada espelham a estrutura mais simples, mas também a mais básica — o esqueleto — da psique.”
Mas as diferenças são ainda mais visíveis, pois nos contos o herói ou a heroína não agem em nome, ou sob a ação de algum Deus. Aliás, seu mundo não é governado por essas forças, mostrando que os contos estão destituídos do aspecto cultural.
thefaustorocksyeah.wordpress.com
Além disso, nos mitos o herói geralmente é punido por haver desrespeitado alguma lei divina, já nos contos não há essa espécie de moralidade. O herói é impelido à ação por outros motivos, que podem ser até inusitados.
Entretanto Eliade (1972) aponta nem sempre é verdade que o conto indica uma “dessacralização” do mundo mítico, mas está mais para uma camuflagem dos motivos e dos personagens míticos; mostrando que houve uma “degradação do sagrado”.
Os deuses podem ser discernidos nas imagens dos protetores, adversários e companheiros dos heróis. Mesmo camuflados continuam cumprindo sua função.
Os contos apesar de terem se tornado entretenimento para crianças atualmente apresentam um conteúdo que se refere a uma realidade séria: a iniciação, ou seja, a passagem, através de uma morte e ressurreição simbólicas, da ignorância e da imaturidade infantil para a idade espiritual do adulto.
Neles encontramos temas como: provas iniciatórias, descida ao inferno e ascensão ao céu, morte e ressurreição, casamento com a princesa ou príncipe. No trabalho psicoterápico, as imagens dos contos servem para ilustrar situações de vida, nas quais as pessoas passam. Muitos se identificam com determinada situação ou personagem levando a uma compreensão do que deve ser feito no momento.
Os contos possuem a mesma função dos sonhos. Eles podem confirmar, criticar, compensar e até mesmo curar uma atitude consciente, desde que o individuo se abra àquele ensinamento. Nessas narrativas podemos observar que o inconsciente quer compartilhar conosco uma experiência original, ou seja, uma experiência arquetípica.
Segundo, Von Franz (2005), eles descrevem apenas um fator psíquico desconhecido chamado Self. Mas como ele é extremamente complexo são necessárias milhares de versões para que esse fato se manifeste na consciência e mesmo assim, quando se manifesta ainda não se esgota.
Como o conteúdo dos contos trata de um material tão afastado da nossa consciência, tão primevo, tão comum a humanidade que sua linguagem é muito diferente da qual a consciência está habituada. O que deixa sua interpretação mais difícil.
Por isso, o conto de fada, e seus personagens, sempre mostram um pouco de com cada um de nós, mesmo que não queiramos reconhecer as bruxas, ogros, madrastas e vilões dentro de nós, eles estão ali, nos mostrando nossas sombras, medos e conflitos internos.
antharez.com.br
Essas estórias, portanto, trazem o mundo dos arquétipos para o nosso dia a dia, trazendo sentido a vida! Mostram-nos como viver o nosso destino, que passamos por momentos felizes, de conflitos, de perdas, mas que se nos abrirmos ao aprendizado desses momentos iremos encontrar o tesouro interno. Aquele que irá enriquecer as nossas vidas e nos encher de significado.
Cada conto de fadas com sua linguagem simbólica possibilita que a psique se manifeste. Fornecendo às energias instintivas uma direção simbólica e um conteúdo cheio de sentido. Sua leitura reaviva conteúdos inconscientes, possibilitando sua integração na consciência, e assim apontando o caminho para a resolução de conflitos.
Infelizmente hoje nossa sociedade está mais focada nas notícias do dia e nos problemas do momento, e nos esquecemos da literatura do espírito. Aquela que fala direto à alma. Perdemos com isso, algo de nossa infância que é a capacidade de nos encantar, de nos surpreender.
Se hoje os contos representam um divertimento ou uma evasão, é apenas para a consciência banalizada do homem moderno; pois na psique profunda, os enredos iniciatórios conservam sua seriedade e continuam a transmitir sua mensagem e a produzir mutações.
Portanto, os contos, assim como os mitos, oferecem um modelo para a vida, um modelo vivificador e encorajador que permanece no inconsciente contendo todas as possibilidades positivas da vida. Por essa razão, conhecer os contos nos ajuda compreender as nossas razões de viver e isso muda toda a nossa disposição de vida, podendo muitas vezes mudar nossa própria condição psicológica (VON FRANZ, 2005).
Quando a pessoa se identifica com um conto passa a perceber que seu problema não é único e já foi resolvido de diversas formas ao longo da historia da humanidade. Isso diminui a pretensão do ego, torna o individuo mais humilde e aberto as repostas do inconsciente e mesmo que o conto tenha muitos séculos de existência ele terá um efeito estimulante e novo na psique levando o individuo a uma compreensão e entendimento de seu conflito.
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