(En)Cena promove roda de conversa sobre “Promoção de Saúde na Perspectiva da Redução de Danos”

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Acontece na segunda-feira (28/11/2016), a Roda de Conversa: “Promoção de Saúde na Perspectiva da Redução de Danos” com o Psicólogo Bruno Logan Azevedo. 

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A ação é uma realização do portal (En)Cena – A Saúde Mental em Movimento com parceria dos alunos da disciplina de Psicologia da Saúde e se justifica por a temática uso de substâncias fazer parte da atuação do psicólogo no contexto de saúde mental, atenção básica e outras áreas. Nesse sentido, a política de Redução de Danos promove a ampliação do debate e perspectiva sobre a temática. O evento se propõe a compartilhar experiências práticas que fazem interlocução com a teoria estudada pelos acadêmicos.

Bruno Logan Azevedo possui graduação em Psicologia (2012) e Pós-graduação em Psicopatologia e Dependência Química. Atuou como redutor de danos – Centro de Convivência É de Lei e no projeto Respire Redução de Danos. Atual supervisor no Curso de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Jurídica com Usuários e Dependentes de Drogas e apresentador do canal do YouTube “RD com Logan”.

SAIBA MAIS

Roda de Conversa: Promoção de Saúde na Perspectiva da Redução de Danos.

Data: 28 de novembro de 2016 às 10h.

Local: LIGA – Laboratório de Integração em Grupos – Sala 241 – Prédio 2 – CEULP/ULBRA.

Atividade Gratuita com inscrições no local.

 

 

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Carta a um Psiquiatra Ph.D. da Universidade Federal do Ceará

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Joseline é uma nutricionista. Há uma grande diferença entre o conhecimento  livresco e a vivência  experimental empírica. Estou enviando uma carta que escrevi para o Dr. Fábio que é seu colega de trabalho na U.F.C.  e alguns questionamentos, para a sua apreciação ou comentário, com argumentos, segundo a sua concepção. Será que uma pessoa lacto-vegetariana (não vegana), com quase 74 anos, que cuida de um sítio de 1.888m², com um pomar; faz dia sim dia não 18 km de ciclismo e, também, dia sim dia não faz uma ginástica e relaxamento psicossomático por uma hora, é uma pessoa saudável?

O que você acha de uma pessoa que é lacto-vegetariana desde 1983 e que não usa medicamento alopático ou homeopático e nem faz uso de suplementos alimentares, seja uma pessoa  que tenha saúde? Você sabia que o coco, ervilha, a farinha de soja, o feijão-branco, o grão de bico, a lentilha, o mel de cana, a salsa, a soja e o trigo são ricos em ferro ?  Você sabia que, geneticamente, nos temos genes do Australopithecus  Africanus  que era vegetariano e foi o primeiro hominídeo, cujo fóssil foi descoberto em 1924, segundo o biólogo Ernst Mayr,  no seu livro “O Que é a Evolução”?  Sincera e tenra lembrança à  luz da razão, sentimento e ação positiva libertadora dos males que  existe em nós mesmos e nos outros, através dos tempos.

Fonte: http://zip.net/bmtFr6
Fonte: http://zip.net/bmtFr6

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Fortaleza-CE, 16 de março de 2016.

 Dr.  Fábio,

Primeiramente, gostaria de  afirmar  que a ignorância e limitação do saber  é própria de todo ser humano  que pesquisa e, geralmente, quem estuda muito, percebe mais isso.

       ” A característica mais central da liderança autêntica consiste na renúncia ao impulso de dominar os outros”. David Cooper

Sou aquele professor grisalho, que fez uma pergunta a você, na palestra sobre Transtorno Bipolar no dia 15 de março de 2016, eis a pergunta: A Esquizofrenia É Incurável ? Só que o doutor não me respondeu a pergunta e ficou divagando sobre o problema  do saneamento básico que existe no Brasil, que eu já  estou cansado de saber, pois o nível sociocultural, político e científico do Brasil deixa muito a desejar. Será que a causa da esquizofrenia é o saneamento básico??? O maior número de de esquizofrênicos  do mundo está nos E.E.U.U. e na Inglaterra que tem um bom saneamento básico.

De todos  psiquiatras acadêmicos de fins do século XIX e começo do século XX, Eugen Bleuler- 1857/1939, que foi professor e dissidente de Freud, parece ter sido, indiscutivelmente, o mais avançado.  Até 1973 não foi possível encontrar a causa e os mecanismos produtores da psicose esquizofrênica.  Bleuler  não concordou com Kraepelin  em que a demência prematura fosse resultado final da demência precoce. Por isso, mudou no nome da doença para esquizofrenia (mente dividida), logo. Dr Fábio, o nome demência  precoce  é obsoleto, pois você citou este termo na sua palestra da Unifor.

Dr. Fábio, estudo, como autodidata,  a mais de 30 anos, sobre o psiquismo e comportamento humano, através do estudo da Hipnoterapia e ciências afins, pois o  estudo do cérebro é muito complexo e não há nenhuma psicoterapia completa, nem mesmo  a hipnoterapia, que foi a primeira psicoterapia a ser aplicada, inclusive por Freud, antes de criar a psicanálise.

Além de estudar sobre o psiquismo, também faço um trabalho de integração da dieta lacto-vegetariana ao naturalismo e evolucionismo, pois nem todos os naturalistas são evolucionistas, tais como o zoólogo alemão Ernst Haeckel, 1834/1919 que criou a filogenia e escreveu vários livros, dentre eles, O Monismo, lançado no Brasil em 1947 que era luterano e, também, o biólogo Francis Collins, 1950 (65 anos) que é cristão protestante, mas aceita parcialmente o evolucionismo. Atualmente em 2016, a maioria dos biólogos ingleses, mais ou menos 3/4 deles são evolucionistas e ateístas. Grande parte dos cientistas de outras áreas de estudo defendem o evolucionismo darwinista, que já é  um fato comprovado.

Dr. Fábio, você sabia que o primeiro livro que fala sobre  a emoção, não foi escrito por nenhum psicólogo, psiquiatra ou neurologista e sim, por um biólogo, Charles Darwin, “A Expressão Das Emoções No Homem  E Nos Animais”, em 1872,  lançado no Brasil em 2000, que é um estudo sobre  psicologia comparada. “A área do  estudo do comportamento comumente chamada  Etologia, que pode ser  definida, resumidamente,  como  biologia do comportamento, tem  um direito especial de considerar Charles Darwin, como seu santo padroeiro, embora  Darwin não acreditasse em santo”. p. 9 do  livro acima  prefaciado pelo criador da Etologia, Konrad Lorenz”.

Ao falar em biologia, gostaria de recomendar-lhe o livro “A Origem do Gênio”. Perspectivas Darwiniana Sobre A Criatividade, 1999 – Dean Keith Simonton. Farei a seleção de algumas passagens do livro e o meu comentário. ” De certa forma, o distúrbio mental de alguns seres humanos é o preço que a sociedade paga pelos benefícios da genialidade criativa” (p. 151).  Percebo à luz da observação, discernimento e experiência que a criatividade não está ligada ao distúrbio mental de todos os criativos. Generalizar  não é um procedimento científico, em virtude das diferenças individuais. A adaptação a novas realidades vivenciais é uma capacidade humana muito importante  para a continuidade da espécie humana. Os mais adaptados serão escolhidos pela Natureza, através da  seleção  natural.

Se vai  haver ou não esta  seleção, não cabe a mim respondê-la, pois é uma hipótese ainda muito questionável. “A pesquisa psiquiátrica empresta um suporte adicional à hipótese de que a criatividade importante tem alguma relação com a psicopatologia. Essas pesquisas psiquiátricas tenderá  a concentrar-se  em artistas e  escritores bem sucedidos, e nesse grupo, a tendência para desordens afetivas ( inclusive a bipolar ou maníaco-depressiva) é evidente, junto com as tendências correspondentes para o alcoolismo, uso de drogas e suicídio” (p. 141).

“Os escritores criativos,por exemplo,  tiveram resultados acima do normal em todas as subescalas do MMP, Minnesota Multiphasic Personality Inventory (isto é, depressão, hipomania, esquizofrenia, paranóia, desvio psicopático, histeria, hipocondria e psicastenia)  Os testes foram feitos pelo Institute For Personality Assessment and Research (IPAR ), da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Pessoas muito criativas exibem resultados elevados nas dimensões que indicam a presença de sintomas psicopatológicos. E resultados elevados são especialmente comuns entre aqueles que são ativos quanto os criadores artísticos. “O alho está para a salada como a insanidade está para a arte”, dizia o escultor Augustus Saint-Gaudens”  (p, 142).

Nem todo artista é insano, pois a generalização não é um procedimento científico. “Grandes espíritos dão como certo que loucura é uma aliada da lucidez, e divisórias frágeis separam os seus limites” (p.142). Concordo, parcialmente, mas nem todo gênio é louco. Há uma grande e complexa diferença entre a normalidade, a genialidade e a sapiência, que é muito difícil  compreendê-las, pois nem todo pesquisador consegue chegar a ser um polímata.

Os gênios criativos tendem a possuir outros recursos cognitivos e emocionais que ajudam a canalizar e a conter qualquer psicopatologia potencial. Além de uma inteligência superior, os  criadores eminentes possuirão uma considerável “força do ego” e outros traços de firmeza pessoal e autodisciplina” (p. 142). Tenho observado, ao longo dos meus estudos, que o autocontrole, a autodisciplina e a autoestima são características  biopsicossociais que atestam a sanidade e a lucidez e não a loucura. Ter equilíbrio psicofísico e chegar ao autoconhecimento, não é para qualquer mortal.

Ao longo dos meus   estudos, a mais de 30 anos, tenho observado a incidência de muitos problemas e/ou doenças psíquicas (emocionais, existenciais e psicológicas) em grande parte dos psicólogos, psiquiatras e psicoterapeutas, além de outras pessoas comuns. Será que eles têm conhecimentos psíquicos capazes para distinguir, nitidamente, a lucidez da loucura? Presumo que não.

Depois da  cura da minha esquizofrenia paranóide, tornei-me altamente criativo, empirista, com o raciocínio lógico bem desenvolvido, pesquisador, descobridor, lacto-vegetariano, naturalista e evolucionista e hipnoterapeuta. Afirmo que  a arte de criar é uma capacidade inteligente inerente à espécie humana e não tem nada de patológico nas pessoas lúcidas. É preciso que o (a) criador(a)  desenvolva a observação, a atenção, a concentração, a paciência e a persistência naquilo que está sendo  criado, descoberto ou ou inventado, fazendo o uso da intuição e do raciocínio lógico. Sem estas qualidades anteriores não há criação.

Dr. Fábio, para finalizar gostaria de recomendar-lhe alguns livros da minha estante, para aprimorar um pouco mais o seu nível de conhecimento sobre o psiquismo  humano, além dos já citados anteriormente. Ei-los:

1 – ENSINAMENTOS BÁSICOS DOS GRANDES PSICÓLOGOS- 1977- 4ª  Edição –  S. STANSFELD, Ph.D e KENNET R. STAFFORD, Ph.D.
2 – HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA – 1968 – Frank G. Alexander e Sheldon T. Selesnick.
3 – NOS PORÕES DA LOUCURA, 1982 – Hiram Firmino;
4 – UM ESPÍRITO QUE SE ACHOU A SI MESMO, 1945 – Clifford   Whittingham Beers ( O autor viveu internado por 3 anos entre 1900 e 19003 e este livro foi o responsável pela criação da Sociedade de Higiene Mental nos E.E.U.U. a partir de 1908;
5 – O CAPA-BRANCA ,  Walter Farias e Daniel  Navarro Somim ( Walter Farias  ex-enfermeiro do  Hospital Juquery, Franco da Rocha, S.P. que se transformou em paciente na década de 1970).
6 – PINCÍPIOS DE PSICOLOGIA, 1890,  William James, 1842/1910.
7 – O ERRO DE DESCARTES. 2001,  António R.Damásio.
8 – O MISTÉRIO DA CONSCIÊNCIA, 2004. António R. Damásio.
9 – E O CÉREBRO CRIOU O HOMEM, 2011, António R. Damásio, 25,/02/1944.  10 – O CÉREBRO NO SÉCULO  XXI, 2006, Steven Rose, 1939.
10 – Bertrand Russel.
11 – A HISTÓRIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL, 03 Volumes, Bertrand  Russel, 1872/1970.
12 – OS MISTERIOSOS FENÔMENOS DA PSIQUE HUMANA,  1970,   Leonid    L.. Vassiliev.
13 – BIOENERGÉTICA, 1975, Alexander Lowen.
14 – O TREINAMENTO AUTÓGENO,  J. H. Schultz, 1884/1970.
15 – MANUAL DE HIPNOSE MÉDICA E ODONTOLÓGICA,  1958,   Dr. Osmard Andrade Faria.
16 – O HIPNOTISMO (Psicologia, Técnica  e Aplicação) 1962 , Karl Weissmann.
17 –  O DOMÍNIO DE SI MESMO PELA AUTOSUGESTÃO CONSCIENTE,  Émile Coué, 1857/1926;
18 – A ARTE DE AMAR, 1976, Erich Fromm;
19 – NAS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA E DA PARAPSICOLOGIA, 1965, Alfred Still;
20 – PARAPSICOLOGIA ATUAL – FATOS E REALIDADE, 1979, Milan Ryzl;
21  – O QUE O CÉREBRO TEM PARA CONTAR, 2014, V. S Ramachandran, 1951;
22 – 20 ANOS DE BUSCA…  A AUTOANÁLISE  E POSSÍVEL – UMA HISTÓRIA DE VIDA, 2005,  Lagore (Pseudônimo de Laucinélio Gomes de  Resende) 1942
23 – O EU E OS OUTROS, ( O Relacionamento Interpessoal ),  1982,  R. D. Laing, 1927/1989.
24 –   PSIQUIATRIA E ANTIPSIQUIATRIA,  1967,  David Cooper,  1931/1986.

Dr. Fábio, espero que  tenha gostado da minha carta, e, também, dos livros para a ampliação do seu conhecimento. Sincera e tenra lembrança à luz da razão, sentimento e ação positiva  libertadora dos males que existem em nós mesmos e nos outros.

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As influências midiáticas sobre a aparência e o corpo feminino

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O presente ensaio visa retratar as mudanças na configuração do corpo ao longo dos tempos, resultando no ideal de corpo midiático. Este rompeu com barreiras, tabus e repressões, e posteriormente passou a ser cultuado, desejado, concomitantemente sinônimo de bem estar e saúde. Tendo como fonte inspiradora a mulher, formula que permite construir e reconstruir o novo, a moda, a ostentação, a beleza dentro de um contexto mundialmente copiado, a busca constante corpo imaginário.

Essa amostra, parte do Livro Corpos Mutantes, o qual analisa o corpo canônico, ou seja, corpo modelado, sendo resultado de uma busca desenfreada nas academias de ginástica, modificado, adaptado a realidade vigente, fugindo do tradicional, do básico, sendo molde pra mais diversas faixas etárias, promovendo e estruturando um modelo comum, para o fabricado. Visto que, a mídia se utiliza do investimento no corpo, para vender imagens de mulheres, produtos, cosméticos e cirurgias plásticas. De acordo com Fontes (2004):

Publicizado exaustivamente nos meios de comunicação de massa e tido como desejável e sinônimo de beleza, saúde e bem estar, o corpo canônico é, em essência, resultado de um conjunto de investimentos em práticas, modos e artifícios que visam alterar as configurações anatômicas e estéticas (FONTES, 2004, p. 73).

O que contrapõe a este corpo canônico passa a ser dissonante, o modelo estruturado pela comunicação de massa como ideal, demonstrado repetidas vezes pela mídia, em determinados grupos principalmente os que buscam uma vida alternativa, estão em contramão a este conceito, foge a essa realidade, para tanto, estão em desacordo ao modelo estabelecido. As mulheres diferentes fogem a essa regra, tido como corpo dissonante, ou seja, não estão inseridas a este modelo contemporâneo, ocasionando frustrações por não alcançar o desejado, ou estipulado por uma corporeidade canônica.

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Fonte: http://www.coisasdegraziella.com/2014_11_01_archive.html

As trajetórias do corpo na contemporaneidade e as influências midiáticas sobre o corpo feminino

O corpo passou por diversas configurações no decorrer do tempo, tempo este, que expressa seus valores de muitas formas, e o formato do corpo é uma delas, pois cada país, cada cultura, região apresenta o que estimam e, constroem-se padrões de belezas que vão mudando assim como determina o contexto. Na Idade Média, prevalecia o domínio da igreja católica, muitos atos eram tidos como pecados, alguns até mortais. Neste contexto o corpo, em especial da mulher, era tido como sagrado e, até a higiene era considerados imorais e impuros, e tanto o corpo das mulheres quanto o dos homens eram totalmente coberto (DAMBROS; CORTE; JAEGER, 2008).

A esse respeito, Foucault (1988) analisa que, no espaço social a sexualidade só era reconhecida dentro do âmbito familiar, como forma de reprodução, dessa forma, o decoro das atitudes escondia os corpos e higienizava os discursos. O sexo e desse modo, o corpo, sofriam repressões. Fontes (2006) retrata as mudanças ao longo do século XX, pelas quais o corpo passa, sendo estas:

O corpo representado, visto e descrito pelo olhar do outro, da igreja, do estado, do artista; o corpo representante, um corpo ativo, autônomo quanto às suas práticas, consciente do seu poder político e revolucionário, porta voz do discurso de uma geração, contestador, sujeito desse próprio discurso e agente propositor e defensor de reformas que vão da sexualidade à política (FONTES, 2006, p. 7).

Posteriormente, vivenciamos o que Fontes (2006) descreve como o corpo apresentador de si mesmo, ou seja, o corpo canônico, o qual deriva-se de uma cultura pautada pelo efêmero e pelo imediato, perpassado por cirurgias plásticas e implantes de substâncias químicas “que busca incessantemente apagar da pele as marcas biológicas do tempo, ao mesmo tempo inscrever na forma física os sinais da corpolatria. Este corpo é, em si mesmo, o próprio espetáculo” (FONTES, 2006, p. 7.)

Nessa direção, Freire Costa (2005), ao traçar o corpo na sociedade contemporânea, destaca que o mito cientificista ocupou um espaço moral na vida dos sujeitos, pois, se antes, o cuidado de si era voltado para os sentimentos, alma e longevidade, na contemporaneidade, vivenciamos um novo modelo de identidade: a bioidentidade, sendo esta a valorização do corpo saudável, belo e jovem, e para chegar aos resultados esperados utiliza-se da bioascese, ou seja, a disciplina, uma vez que “ser jovem, saudável, longevo e atento à forma física tornou-se a regra científica que aprova ou condena outras aspirações à felicidade” (FREIRE COSTA, 2005, p. 190).

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Fonte:http://www.blogdaje.com/page/11/

Indubitavelmente, o lugar do corpo se modificou, pois, antes esse era tido como matéria bruta, ou seja, um meio para se atingir um ideal, era garantia de saúde para buscar aspirações sentimentais, porém, o prazer sensorial hoje é buscado como antes se buscava valores sentimentais, passando a fazer parte da subjetivação, entretanto, Freire Costa (2004) nos alerta que “diferentemente do prazer sentimental, que pode durar na ausência dos estímulos sensórios-motores, o prazer sensorial depende do estímulo físico imediato e da presença do objeto fonte da estimulação” (p. 6), sendo assim, o individuo precisa buscar nos objetos sua fonte constante de prazer, uma vez que, o corpo tem suas limitações biológicas. (FREIRE COSTA, 2004)

Assim, o sujeito passa cada vez mais a investir nos objetos de consumo, como forma de obter satisfação pessoal e deixa de investir em bens comuns. O corpo ideal é produzido pelos meios de comunicação de massa, torna-se um simulacro, propagado pela mídia, a qual se aproveita do individualismo vigente para vender os produtos e fabricar os corpos desejados. Freire Costa (2005) chama essa sociedade pautada no corpo de “sociedade somática”, a qual hiperinveste afetivamente na imagem corporal e a coloca no mesmo patamar que os atributos sentimentais. Nas palavras do autor:

O narcisista cuida apenas de si, porque aprendeu a acreditar que a felicidade é sinônima de satisfação sensorial. Assim, o sujeito da moral hodierna teria se tornado indiferente a compromissos com os outros -faceta narcisista- e a projetos pessoais duradouros- faceta hedonista (FREIRE COSTA, 2005, p. 186).

Desse modo, o corpo passa a ser lugar de destaque na vida dos sujeitos. E a publicidade se utiliza disso, tornando o corpo por vezes, como um produto a ser vendido, e por vezes também ligado a um ato político.

Fontes (2006) argumenta que, nas primeiras décadas do século, o corpo foi reprimido, após, observa-se que o corpo reivindica o próprio espaço de apresentação, sobretudo nas décadas do pós-guerra, na qual se transforma em bandeira de luta, de quebra de tabus e de discurso político. Enquanto que nos anos 90, o corpo toma outra configuração e pode ser definido com o corpo que representa, o corpo representante. O avanço médico e cientifico contribuiu para o descortinamento do corpo, e a mídia instituiu seus discursos sobre o corpo canônico, sobretudo, no corpo feminino.

Muitas épocas foram marcadas por formatos de belezas midiáticos que jamais deixarão a historia, como a beleza estonteante Marilyn Monroe, mulher de seios fartos com cintura de “pilão” que era o próprio padrão de beleza da época. E assim décadas foram passando com seus padrões de belezas estabelecidos conforme determinava momento. No entanto o ano de 1980, Arnold Schwarzenegger, entra no circuito para deixar um modelo de físico que perpetuaria durante décadas, pois foi depois dos concursos que o mesmo ganhou de fisiculturista por seis vezes consecutivas que o seu corpo tornou-se um modelo a ser seguido.

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Fonte: http://seuhistory.com/etiquetas/marilyn-monro

Observa-se assim, que os discursos médicos sobre boa forma aliada a sinônimo de saúde (é preciso ter baixas taxas de glicose e colesterol, se alimentar corretamente, etc.) ultrapassaram o âmbito da saúde e passaram a possuir uma denotação estética, pois hoje, o sujeito não vai a academias para ser saudável, mais que isso: este deseja ter o corpo da moda. Além disso, o imediatismo e hedonismo fazem com que o sujeito queira práticas rápidas, por isso, as intervenções cirúrgicas ganharam destaques. A corporeidade canônica é caracterizada, então:

Como aquela que recorre à adoção voluntária de um conjunto de práticas, técnicas, métodos e hábitos que têm como firme propósito (re)configurar o corpo biológico, transformando-o em um corpo potencializado em seus aspectos estéticos e em suas formas de gênero: grosso modo, homens musculosos e mulheres de seios voluptuosos e curvas definidas (FONTES, 2006, p. 10).

A publicidade em muito contribui para isso, na medida em que se utiliza da figura de mulheres famosas, com seus corpos malhados, peles perfeitas, cabelos sedosos e sorrisos radiantes, para apresentar um produto.

Sobre isso, Debord (1997) elucida que “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”, nesse sentido, temos as redes sociais, como o instagram no qual imagens são postadas para gerir o espetáculo, não havendo mais a distinção entre a vida pública e privada, porém, o que vemos é o que o espetáculo tem se convertido no real.  Desse modo, o sujeito não apenas almeja apenas ter o corpo de tal famosa, mas anseia também por ser tão feliz quanto essa aparenta ser.

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Fotos: http://geralcodigos.blogspot.com.br/

Para Lipovetsky (2000) apud Samarão (2007)  Ao longo do século XX a publicidade passou a ter muita influencia sobre as mulheres generalizou a “paixão” pela moda, favoreceu a expansão social dos produtos de beleza, contribuiu para fazer da aparência uma dimensão essencial da identidade feminina para o maior número de mulheres. Samarão (2007) analisa que isso levou a propagação de normas e imagens ideais do feminino, submetendo as mulheres à ditadura do consumo e inferiorizarão da mulher “ora intensificando as angústias da idade, ora reforçando os estereótipos de mulher frívola e superficial” (SAMARÃO, 2007, p. 7).

Desse modo, quem foge desse discurso midiático e publicizado sobre o corpo, é tido como dissonante, sendo este visto como corpo in-válido, ou seja, aquele que não adere aos artifícios de adequação da aparência, não segue os padrões reproduzidos pelas redes sociais ou televisão, este é visto com estranhamento e até mesmo de repulsa (FONTES, 2006). O corpo passou por diversas transformações, todas elas influenciadas pelo contexto político e histórico de uma época, sendo que, na atualidade, a mídia e publicidade têm tido poder sobre o corpo, principalmente no que concerne ao corpo feminino. Diante disso, caberia nos perguntar, será que somos mesmo donos do nosso corpo?

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Fonte: http://meubatomnaoechanel.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html

 No que tange o corpo feminino, este é palco de discussões até mesmo no âmbito de saúde pública, uma vez que, as mulheres não possuem o direito sobre o aborto, e para as feministas, a mulher deveria ser dona do seu próprio corpo. Na contemporaneidade, tem-se influencia do hedonismo e narcisismo, o que leva os indivíduos a hiperinvestirem no corpo, deixando de lado os valores duráveis e de bem comum.

A publicidade assim, tem se beneficiado na medida em que, se utiliza de imagens de mulheres bonitas e padronizadas para vender seus produtos. Por fim, vemos que o sujeito na contemporaneidade, tem recorrido a intervenções cirúrgicas, acreditando que dessa forma, irá alcançar a felicidade, porém, o que vemos é que isso é um simulacro, é a inversão do real, pois, o sujeito não tem consciência das reais motivações que talvez o faça buscar em um bisturi, uma forma de cicatrizar seu ego fragilizado.

REFERÊNCIAS

DAMBROS; CORTE; JAEGER. O corpo na Idade Média. Revista Ef de Portes, Ano 13 , N° 121, Buenos Aires, 2008. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd121/o-corpo-na-idade-media.htm. Acesso em: 06 de setembro de 2016.

 

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Ed. Contraponto. Rio de Janeiro, 1997.

FREIRE- COSTA. Perspectivas da juventude na sociedade de mercado. In: NOVAES, R;VANUCHI, P. (orgs). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação.São Paulo, Perseu Abramo, 2004.

 

______________O vestígio e a Aura: Corpo e consumo na moral do espetáculo. E. Garamond. Rio de Janeiro, 2005.

 

FONTES, M. Os Percursos do Corpo na Cultura Contemporânea. XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB, Brasília, 2006 .

 

FOUCAULT, M. História da Sexualidade. A vontade de saber. Ed. Graal. Rio de Janeiro, 1988.

 

SAMARÃO, L. O espetáculo da publicidade: a representação do corpo feminino na mídia. Revista Contemporânea. v. 5. n. 1, 2007. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/contemporanea/article/view/17200/12633 Acesso em: 08 de setembro de 2016.

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Patologias sociais é decorrente da negação da dimensão do sujeito, diz a profa. Dra. Ana Magnólia

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Em Palmas durante esta 1ª. Semana Acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra, a profa. Dra Ana Magnólia Mendes, da UNB, fez a palestra de abertura do evento na última segunda, 22, sobre o tema “Discurso e Sujeito na Psicanálise: dimensões éticas e políticas”. Ana Magnólia analisou as dinâmicas contemporâneas, e como os novos arranjos do trabalho e sociais têm impactado o sujeito pós-moderno.

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Professora da Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações – PSTO, Ana tem Estágio Sênior no Freudian-Lacanian Institute Après-Coup Psychoanalytic Association em parceria com a School of Visual Arts, New York (EUA). Também tem Estágio Pós-Doutorado no Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), Paris. Doutorado em Psicologia pela UnB e sanduíche na Universidade de Bath, Inglaterra, mestrado e graduação em Psicologia.

Abaixo, confira entrevista da profa. Dra. Ana Magnólia ao curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra e ao Coletivo (En)Cena.

(En)Cena: A senhora veio a Palmas falar do “Discurso e Sujeito na Psicanálise: dimensões éticas e políticas”. Na Psicologia, há abordagens teóricas que negam essa dimensão do sujeito, que está mais restrita ao arcabouço psicanalítico. Como abordou este tema?

Dra. Ana Magnólia – Muitas pessoas ainda confundem Psicologia com Psicanálise. Esta última apresenta-se como um contraponto às ideias hegemônicas e apresenta outro paradigma de ciência. Desta forma, é importante destacar que a categoria sujeito não é algo que se estude na Psicologia, inclusive em muitos lugares no mundo a Psicanálise não está associada à Psicologia. Ela estaria associada à Filosofia, Literatura ou a Arte. O objeto da Psicologia é o comportamento observável, que pode ser avaliado, medido e mensurado. Ou seja, a Psicologia se preocupa com as questões do Ego e lida com um indivíduo, não com um sujeito. Ela foca na forma como o indivíduo vê o mundo, e como o mundo vê o indivíduo. Sem tratar o sujeito como categoria de análise. E ainda acrescentaria que é por causa da negação do sujeito que estamos experimentando tantas crises e dilemas éticos e políticos na contemporaneidade. Porque o que ocorre, hoje, é uma tentativa de ‘des-subjetivar’ e desumanizar as pessoas. Na palestra mesmo, por exemplo, eu falei muito do discurso do capitalista em Lacan, quando nós vemos a negação do sofrimento como categoria ontológica do ser, ou mesmo a negação do próprio trabalho como categoria ontológica.

A negação destas dimensões – o sofrimento e o trabalho – leva à produção de uma subjetividade, ou à produção de um sujeito da compulsão à repetição, ou seja, não é um sujeito que produz saber. Trata-se de um sujeito automatizado, compulsivo, numa compulsividade vinculada ao consumismo, onde este sujeito se enreda neste discurso em busca da promessa da plenitude e do sucesso. Com isso, ele se engaja para confrontar o seu próprio desamparo e essa sua dimensão de ser um ser sofrente, sendo capturado por um discurso hegemônico ultraliberal, tornando-se assim um sujeito da repetição. Trata-se de um sujeito que não elabora, que não pensa sobre si e sobre o mundo, e principalmente se transformando num sujeito que não se afeta, que não sofre, quase que criando uma patologia da indiferença. Neste contexto, “eu sou indiferente ao outro”, e “o outro é indiferente a mim”, e hoje há uma espécie de banalização da violência, da opressão, das injustiças e do próprio sofrimento, fazendo com que este sujeito – que não é o sujeito da alteridade, pelo contrário – se entrega a compulsão à repetição.

Com isso, vem a tensão entre a verdade e o saber, e a própria Psicanálise aparece como uma forma subversiva de acessar o saber, que implica no sujeito da incompletude, inacabado, sujeito da falta… O vazio é quem faz a construção deste saber. No caso da Psicanálise, é o inconsciente que exerce este papel. Desta forma, a Psicanálise se contrapõe às verdades das ciências psicológicas. Em suma, há uma busca de verdade – em parte da Psicologia – e uma pré-concepção de sujeito e de realidade.

(En)Cena: Alguns autores dizem que isto está diretamente ligado ao liberalismo humanista ou mesmo ao liberalismo econômico. Para o Birman, este fenômeno acaba por resultar no aumento nos índices de violência. Poderia falar um pouco mais sobre isso?

Dra. Ana Magnólia – Na palestra eu até abordei sobre as psicopatologias vinculadas ao trabalho. E uma das patologias que estamos identificando é a normopatia, além das sociopatias, bem como a patologia da sobrecarga, a patologia da indiferença e da solidão. Todas levam a uma degradação dos laços sociais, das relações entre as pessoas e um enfraquecimento da própria ética. Isso pode levar a uma barbárie, seja através da violência moral seja através da violência física, e urbana.

Como o Joel Birman fala, a função do pai encontra-se em xeque, hoje. Com isso, eclode o funcionamento desmedido e desenfreado desta lógica de consumo. Além disso, há um movimento ultraliberal que claramente se contrapõe àquela ideia de sujeito que é dependente, que quando nasce precisa receber cuidados e que, portanto, desde sempre já se apresenta como um ser político e social. O ultraliberalismo, assim, está associado ao consumismo de produtos e serviços mas, também, ao consumo de pessoas.

Há, portanto, um consumo simbólico, moral, um consumo de valores. A meu ver – e compartilhando das ideias do Birman – o ultraliberalismo traz a promessa de uma completude que afasta o sujeito do desamparo (desamparo como condição ontológica do ser), o sujeito passa a ser indivíduo, responsável sozinho por tudo que escolhe e acontece em sua vida, escravo de si mesmo. Com isso, à medida que há uma promessa de que o consumismo traz a plenitude para o sujeito, este se engata, se enreda neste discurso de completar-se pelo ter, e não pelo ser. Então este sujeito entra num processo de servidão voluntária, atendendo à demanda deste grande outro. A servidão voluntária se caracteriza pela sobrevivência, segurança e poder, e o sujeito então permite que este outro “o domine” e goze com isso. Neste aspecto, volto novamente ao Joel Birman, quando numa passagem de um livro ele diz ‘goze do meu corpo, mas não me deixe no desamparo’. Este é o laço que se estabelece entre o sujeito que se angustia no seu desamparo, que é ontológico, e que ao mesmo tempo faz dele um ser desejante, um ser de produção de saber. Neste sentido, é importante as pessoas descobrirem que a angústia é produtiva, é boa…

(En)Cena: E do ponto de vista das psicopatologias?

Dra. Ana Magnólia – Isso tudo (a negação da dimensão do sujeito) vai gerar uma série de patologias. Além da violência, que de alguma maneira é endêmica, temos hoje a questão do suicídio, que muito embora sempre tenha espreitado a humanidade, atualmente assumiu dimensões sociais claramente evidentes, especialmente vinculado as formas de organização do trabalho e seus efeitos para a estabilidade e desenvolvimento das carreiras e ofícios.

Esse sujeito se depara com promessas discursivas frustradas, fora da dimensão do real, já que neste último aspecto estamos falando da ordem do inesperado, que escapa a qualquer possibilidade de controle. Mas veja que interessante, é justamente neste vazio que se produz saber. Então o sujeito, para se apartar da angústia e do vazio existencial, ele se liga nessas narrativas liberais de completude, acreditando que ele está no comando das suas escolhas. Mas por se tratar de um discurso e de uma promessa, ele forja na realidade um sujeito extremamente autocentrado na ideia de autodesempenho, de autogestão e de excelência. E neste processo, o sujeito é o único responsável pelo seu sucesso ou pelo seu fracasso, e aí entra a contradição da própria negação do sujeito. Porque estamos falando de uma promessa e de um discurso que, no fundo, forja um sujeito de desejos que, na realidade, é uma negação do sujeito de saber. Então este sujeito forjado pelo ultraliberalismo é, assim, um indivíduo. E, uma hora, este sujeito forjado irá fracassar, e a nossa esperança é que neste momento ele se dê conta de que pode ser um sujeito de produção de saber. O problema é que, muitas vezes, quando cai a ficha deste sujeito ele já está adoecido.

(En)Cena: Sobre isso, o Pondé diz que, atualmente, já estamos experimentando um fenômeno de ressentimento generalizado. É isso mesmo?

Dra. Ana Magnólia – No nosso projeto de Práticas e Clínicas no Trabalho no CAEP, clínica escola de psicologia na UnB, o que mais temos recebido são trabalhadores que adoeceram porque acreditaram nesta promessa (ultraliberal), forjaram desejos, se constituíram como sujeitos da compulsão à repetição, que é o padrão de exigência destes modelos de gestão. E como é uma promessa que nunca será atendida, este modelo assume um lugar da perversão. Então, neste panorama, é claro que vai eclodir o ressentimento. Até porque são poucos os  que detém o dinheiro, e a promessa de que o sucesso da empresa é o sucesso do empregado, que ele tem que dar a vida pela empresa é, no fundo, uma promessa impossível de ser realizada.

O discurso atual do capitalista, do senhor, é vinculado ao consumo e, como eu já disse, forja um sujeito de desejos, porque produz o desejo de consumir, mas não produz a ética do desejo. É aí onde está o ponto central. É quando o sujeito, enfraquecido politicamente, entra na condição de indivíduo, que é inclusive o lugar que a psicologia coloca este sujeito. Então há uma individualização, uma responsabilização, uma vitimização, onde este sujeito fica fraco, frágil, facilmente combatível.

 

(En)Cena: Então há um risco de a Psicologia se alinhar a esta lógica?

Dra. Ana Magnólia – Eu sou psicóloga, mas desde sempre tenho um pé na Psicanálise. Mas até a Psicanálise, que é subversiva, tem que ficar atenta para não se ver fisgada, capturada por esse discurso hegemônico que busca o ajustamento, a acomodação e a funcionalidade. Hoje, o enfoque dos cuidados com a saúde é o que é feito de forma mais barata e em menor tempo. Então você vê psicólogos atendendo 40 pacientes em 16h, por convênio. Neste exemplo, o psicólogo pode até ainda não ter sido capturado para ser o sujeito da compulsão à repetição, mas ele já está sendo “empurrado” para se tornar este sujeito.

 

(En)Cena: E dentro de suas pesquisas ou atuações, qual a dimensão do assédio moral no ambiente de trabalho? Ele ficou mais rebuscado?

Dra. Ana Magnólia – Praticamente todos os pacientes que nós atendemos no serviço de Clínica do Trabalho foram vítimas de assédio moral. Nós lidamos, hoje, com modelos de gestão que são opressores. Então, evidentemente, muito do que existe como forma de ‘pressão para melhorar a performance’ no trabalho pode ser caracterizado como assédio. É importante destacar, também, que a forma como a psicologia clínica pode se estabelecer – na negação do sujeito e exaltação do indivíduo –, não considera o trabalho na escuta clínica. O trabalho tem que ser visto como uma categoria social fundamental, ontológica do ser, que vai expressar as dinâmicas ultraliberais vigentes que desencadeiam boa parte das angústias do sujeito. Então a psicologia clínica, a psicologia do trabalho, e um tipo da psicanálise, não reconhece o trabalho como categoria ontológica do sujeito. E o trabalho não pode ser retirado da constituição do sujeito.

Muitos pacientes que vão buscar o serviço da Clínica do Trabalho da UNB têm um bom salário, trabalham em órgãos do Judiciário e do Executivo, e procuram o serviço pela especialização em escuta do sofrimento no trabalho, ou seja, o trabalho é um significante fundamental para esses pacientes. As pessoas dizem: ‘aqui vocês estão entendendo o que eu estou vivendo em meu trabalho’. Então como psicóloga do trabalho, articulando psicanálise e crítica social, eu fico satisfeita com o trabalho que estamos fazendo lá em Brasília, não abro mão de criar diálogos com a psicanálise, a antropologia, a filosofia… Voltando ao exemplo que citei anteriormente, há muitos pacientes que chegam à Clínica do Trabalho se queixando de psicólogos que não conseguem escutar o assédio moral sofrido por seus pacientes. Geralmente usam argumentos como ‘faz parte da dinâmica do trabalho, você tem que se ajustar’. Então há toda uma normatização, uma tentativa de se ensinar a resiliência.

O foco, portanto, é sempre na tentativa de que o sujeito se adapte à situação. E, na verdade, o que as pessoas querem é serem minimamente respeitadas em seus direitos, querem ser protegidos desta captura desenfreada. Isso não é pedir demais. Então há todo um discurso dos gestores, dos próprios psicólogos que o tempo inteiro legitima o ultraliberalismo. Como consequência, temos um processo de desumanização, que não leva em conta o sujeito da incompletude, falibilidade, do vazio, da falta… E ainda por cima temos a dimensão da morte, algo que ainda não foi resolvido pela ciência, pelo paradigma da verdade e do saber absoluto.

(En)Cena: Sobre este assunto, alguns teóricos da pós-modernidade, como o Bauman, diz que na dinâmica liberal o que na verdade se busca é fazer comprimir a eternidade como utopia, que passa a ser desejada numa única vida, esta vida… Então, se antes as igrejas ofereciam a promessa de eternidade após a morte, hoje o mercado e o consumo tentam comprimir esta dinâmica, fazendo com que as pessoas queiram viver a eternidade em um dia, ou numa vida. O que a senhora pensa sobre isso?

Dra. Ana Magnólia – Isso é a vida fast food. Só que esta é mais uma promessa impossível de ser realizada. Hoje nós temos outra relação com o tempo – como bem pontua a Maria Rita Kehl no livro ‘O tempo e o cão’. Então temos uma aceleração generalizada, hoje, onde tudo é para ontem, tudo é para antes de ontem… E as pessoas estão cada vez mais sem tempo. No fundo, o que há é esta promessa de que você, nesta vida (nem sabemos se tem outra ou não), tem que fazer tudo rápido e muito, e descartar na mesma proporção, porque senão estará ‘perdendo tempo’. Isso é uma dinâmica cruel.

(En)Cena: Neste panorama, como fica a dimensão ética?

Dra. Ana Magnólia – A questão da ética e da política é problemática, é uma tensão. Política como sujeito em ação. Sobre a ética, o Lacan fala sobre o desejo. E neste caso, como é que o sujeito vai manter a ética do desejo? É uma questão complicada… Quando dizemos ‘não posso, não quero, não vou  fazer determinada coisa’, as implicações disso – se considerarmos a ética do desejo no sentido de que ‘tenho limitações, agora não dá, não é possível – no ambiente de trabalho, em relação à discriminação, é algo do tipo: ‘você está fazendo corpo mole’, ‘você não está engajado’, ‘você não vestiu a camisa da empresa e não está comprometido’… Então, muitas vezes, o sujeito vai sendo forjado no seu desejo, nesta relação ultraliberal. Aí temos um enfraquecimento da ética. O sujeito da produção do saber dar lugar ao sujeito da compulsão à repetição. Nesse deslocamento a castração não opera, é o que o Joel Birman fala, opera o fracasso da função do pai, a derrocada da lei, e aí eclodem as patologias como a violência e o assédio moral.

(En)Cena: Como você acredita que vem sendo feita a formação dos profissionais de psicologia, hoje, no país?

Dra. Ana Magnólia – Tem cursos de Psicologia que já estão levando em conta todas estes paradigmas que acabei de falar. Eu acho que há muita diversidade da psicologia no Brasil. Claro que a psicologia americana, anglo-saxônica é hegemônica e é trazida para cá de forma mais intensa. As escolas francofônicas também influenciam a psicologia no Brasil. Temos então estas duas bases definindo, influenciando a forma de pensar.

Aqui no Brasil, em função dos investimentos em pós-graduação nos anos 60 e 70, os psicólogos pesquisadores alinhados à visão anglo-saxônica acabaram ganhando mais espaço. Mas também houve pesquisadores que beberam da fonte francofônica. Por isso a psicologia no Brasil enfrenta uma tensão muito grande, e acho que isso é ótimo. Não sei quem vai vencer a guerra (risos). Então, temos esta particularidade no Brasil, muita produção de saber e uma perspectiva sócio-histórica muito forte, uma psicologia política forte, e uma psicologia comportamental, da cognição e positiva também muito forte. Então em relação ao currículo, vai variar muito de universidade para universidade. Mas é importante destacar que a invasão do ultraliberalismo está sendo tão intensa, que os meus colegas da França, por exemplo, estão a dizer que a psicologia – e aí, como eles são psicanalistas, psicologia significa toda esta ideia positiva de homem e de ciência – tem invadido os currículos.

Eu diria que, hoje, temos uma espécie de retorno do Jedi, como outros retornos que estamos tendo no Brasil, que no meu ponto de vista são retrocessos. Pois estamos diante de um fortalecimento de discursos que negam o sujeito, que legitimam o indivíduo, isso tudo em detrimento de um debate em torno da ética e da política. Então eu diria que há uma crise na psicologia, que precisa de mais filosofia, de mais pesquisadores e psicólogos sujeitos da ação e produtor de saber do que compulsivos à repetição…

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Desafios do psicólogo na prática multiprofissional em prevenção e promoção de saúde – (En)Cena entrevista Rosana Tavares

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A psicóloga, Doutora em Psicologia pela PUC Goiás, Mestre em Psicologia e Especialista em saúde Mental, pela Universidade Católica de Goiás, e em Políticas Públicas, pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Rosana Carneiro Tavares (que já integrou o corpo docente do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA), vem a Palmas proferir a palestra de encerramento da 1ª. Semana de Psicologia do CEULP. Com o tema “Desafios do psicólogo na prática multiprofissional em prevenção e promoção de saúde”, a professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) irá abordar um dos mais importantes temas da prática profissional dos psicólogos na contemporaneidade.

Rosana tem experiência no ensino presencial e a distância, na graduação e pós-graduação. Atua na área de Psicologia Social, Saúde Coletiva e Políticas Públicas, com ênfase em processos grupais e saúde mental. Trabalha principalmente com os seguintes temas: dialética inclusão/exclusão social, Teoria Sócio Histórica, processos de trabalho em saúde, saúde coletiva, saúde mental e reforma psiquiátrica. Desenvolve pesquisas no campo das políticas públicas; dos direitos sociais; da infância e adolescência; e da saúde mental. Abaixo, ela concedeu uma entrevista ao curso e ao coletivo (En)Cena. Confira!

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Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Quais os grandes desafios do psicólogo, hoje, na atuação multiprofissional na área da saúde?

Rosana Tavares – Os desafios postos na atualidade são inúmeros, se levarmos em conta o processo histórico das práticas em saúde sempre a serviço de uma atenção medico-centrada, típica de um modelo hegemônico de ciência que valoriza o conhecimento obtido de forma positiva, objetiva e absoluta. A psicologia, assim como outros saberes disciplinares, aos poucos foi sendo convocada a se inserir na área da saúde. No Brasil, mais especificamente a partir da Lei 8080, em 1990, que regulamenta o SUS, o modelo médico-centrado de saúde vem sendo gradativamente modificado.

O SUS estabelece a universalidade, equidade e integralidade como princípios diretivos da atenção à saúde. A respeito da integralidade, podemos destacar as ações de promoção e prevenção da saúde, como principal requisito à superação do modelo centrado apenas no tratamento e reabilitação. Essas diretrizes exigem um novo olhar para os cuidados em saúde e convoca diversos outros saberes para a prática de cuidados à população. A psicologia nesse cenário tem se inserido em diversas práticas interventivas, seja na Atenção Básica ou nas demais modalidades de maior complexidade.

Um problema dessa inserção que pode ser considerado um dos principais desafios é a necessidade de superação, pela psicologia, da reprodução do modelo médico-centrado, ou do modelo puramente biomédico nos cuidados em saúde da população. Considero que a principal tarefa da psicologia seria colaborar com a mudança da lógica de encaminhamentos e contribuir com a produção de ações, mais que multidisciplinares, interdisciplinares. Para isso, a própria psicologia necessita também rever seu processo histórico de produção de conhecimento, ou seja, a psicologia deve insistentemente reforçar o principal foco de sua atuação: que é o ser humano, com sua subjetividade.

Para a psicologia cabe contribuir com o rompimento do modelo padronizado de cuidados em saúde instituído hegemonicamente (em o que o sujeito deixa de ser o centro, tornando-se o foco a doença) e retomar esse sujeito em sua prática e intervenções. Além disso, cabe à psicologia (pela sua maior disponibilidade em rever conceitos e práticas ideológicas) sensibilizar toda a equipe de saúde para a humanização desse processo.

Em resumo, considero que o principal desafio para a psicologia na atualidade, no que se refere às práticas em saúde, é não perder o seu saber disciplinar instituído, em prol de uma manutenção de um modelo já falido, ou seja, obter reconhecimento como um saber disciplinar que tem a contribuir nos processos de saúde a partir da retomada do sujeito, como ser subjetivo de desejos e de intencionalidade.

(En)Cena – A psicologia eclode, atualmente, como uma das áreas emergentes de conhecimento e intervenção, tendo em vista a profusão de psicopatologias no tecido social. Quais as contribuições que a Teoria Sócio Histórica pode dar para ajudar a enfrentar este quadro?

Rosana Tavares – Uma das principais contribuições da Teoria Sócio Histórica seria, ou é, superar a instrumentalização dos conceitos utilizados na psicopatologia, como forma de enquadramento ou de definição de um lugar social para aqueles que estão em sofrimento psíquico. Podemos dizer que pela Teoria Sócio Histórica, em que o ser subjetivo e interno se constitui a partir de uma objetivação e externalidade, ou seja, não há vida interior e psíquica que tenha se formado individualmente sem interface com a cultura e com a sociedade, o sofrimento psíquico assume um lugar que não é apenas individual, mas também social.

Além do mais, como sujeitos históricos podemos também destacar as diversas possibilidades de superação e transformação de uma dada realidade. Sendo assim, pela Psicologia Sócio Histórica, compreendemos a emergência das psicopatologias na atualidade como um reflexo de uma construção histórico-social de um determinado modelo de sociedade. Se levarmos em conta a nossa sociedade contemporânea, que valoriza mais o ter do que o ser, que mercantiliza quase todas as formas de intersubjetividades, que ofusca a consciência histórico-social dos sujeitos, podemos esperar que se manifestem sofrimentos psíquicos com particularidades diversas.

A essas particularidades a psicologia Sócio Histórica imprime um olhar que extrapola a individualização do sofrimento, já que o entende como uma construção social. Sendo assim, intervir em sofrimentos como, depressão, significa refletir o contexto histórico social em que ela emerge, se é uma mulher de 50 anos, por exemplo, é necessário trazer, inclusive, reflexão sobre o processo histórico de construção de gênero na sociedade e o lugar concedido à mulher no sistema social, para compreender o sofrimento expresso por esse sujeito.

(En)Cena – As medidas preventivas vêm sendo trabalhadas adequadamente, dentro da saúde mental, ou ainda há muito a ser feito?

Rosana Tavares – Há muito a ser feito! Ainda estamos engatinhando na construção de ações em saúde mental que superem a lógica dos meros encaminhamentos e das práticas em que se investe mais na recuperação e reabilitação dos sujeitos, as quais acabam por supervalorizar as especialidades. Investir na prevenção significa retomar o ser subjetivo, de escolhas, de responsabilizações e de inventividade.

Pois a prevenção requer planejamento de ações que sejam elaboradas em conjunto com a população alvo, que realmente possam ser reflexo da demanda daquele grupo específico, sejam mulheres gestantes, adolescentes, homens, idosos etc. Não é por acaso que a prevenção e promoção da saúde é estabelecida como ação de responsabilidade prioritária dos municípios, exatamente para que esse planejamento seja compartilhado com a população alvo e que a implementação seja também avaliada de forma compartilhada.

Todos esses requisitos para uma ação eficaz exigem investimento do poder público (valorização dos profissionais e condições de trabalho), investimento das academias (revisando os conceitos instituídos hegemonicamente sobre os cuidados em saúde, em que é o profissional de saúde quem detém o conhecimento, principalmente o médico), além de disponibilidade dos próprios profissionais para sair da zona de conforto em que seu saber é hierárquico e soberano, assumindo um posicionamento mais horizontalizado com a população e com toda a equipe de saúde.

Desenvolver atividade preventivas em psicologia deve ir além de palestras informativas, requer olhar os sujeitos, estabelecer estratégias de formação de consciência social e superar o repasse de informações. Os NASF são na atualidade uma grande potencialidade para a efetivação de ações preventivas, desde que eles consigam realmente aumentar a resolutividade da Atenção Básica.

(En)Cena – Em sua opinião, no atual quadro político nacional, quais as perspectivas em relação às políticas públicas para a saúde mental?

Rosana Tavares – Penso que é complicado pensar em futuro, quando estamos em um momento de transição (não só de governo, mas de projeto político). Estamos saindo de uma gestão que, apesar dos erros, investiu na transformação do modelo em saúde em prol da população, trouxe algumas propostas que buscavam minimizar a ineficiência da saúde como um direitos de todos e dever do Estado. Exemplo: o Programa Mais Médicos, que dividiu opiniões, mas que se constituiu um modo de possibilitar cuidados médicos a populações menos centralizadas no país.

O próprio Conselho Federal de Psicologia apoiou esse programa. No campo da saúde mental, tivemos aí um debate quanto à nomeação no Ministério da Saúde do coordenador de saúde mental, que tem um histórico de discussões de defesa do modelo contrário à Reforma Psiquiátrica. Então, penso que seria mais coerente não fazer discussão que possa ser compreendida como posicionamento político partidário, o que não é. Considero que, talvez, os avanços adquiridos pela Reforma Psiquiátrica, a partir da Lei 10.216, em 2001, podem agora enfrentar retrocessos.

Penso que já no Governo Dilma esse retrocesso era temerário, devido, por exemplo, ao lugar dado às Comunidades Terapêuticas nas intervenções em saúde mental, sem estabelecer critérios de controle do setor público sobre esses serviços.

(En)Cena – Quais os grandes desafios que as faculdades de Psicologia enfrentam hoje para colaborarem com uma formação humanista e, ao mesmo tempo, alinhada às novas provocações típicas da contemporaneidade, como as patologias associadas às pressões no universo do trabalho, por exemplo?

Rosana Tavares – Penso que o desafio que se coloca é o diálogo interdisciplinar e intersetorial. Dentro da academia as diversas disciplinas necessitam interconectar-se, os diversos saberes devem extrapolar os limites de seu domínio e dialogar com outros saberes. Não só dentro da psicologia (que já tem esse desafio, devido à diversidade de abordagens e de possibilidades interventivas), mas também entre os diversos outros cursos (direito, Serviço Social, enfermagem, educação física, ciências sociais, história, pedagogia etc).

Fora da academia é preciso também manter um debate constante com os diversos outros setores: serviços de saúde, sistema de justiça, serviços de assistência social, serviços de educação, esporte cultura, com a comunidade etc. Os saberes instituídos academicamente só fazem sentido se for para serem popularizados, e é pela socialização e interlocução que a sociedade poderá efetivamente se transformar.

(En)Cena – Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

Rosana Tavares – Penso que é de suma importância podermos instituir debates como esses e possibilitar reflexão constante. Como seres sociais que somos necessitamos eternamente do outro, é pelo outro que temos a consciência de quem somos. Portanto, agradeço esta oportunidade de poder expressar meus posicionamentos e, ao mesmo tempo, poder rever minhas ideias, transformá-las a partir das possibilidades de interconexão pelos encontros/desencontros que essas reflexões podem propiciar.

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Ser ou não ser psicopata, qual o remédio?

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A personalidade dos grandes homens faz-se das suas incompreensões.

ANDRÉ GIDÉ

Cheguei com o livro Psicopatas do Cotidiano a casa da minha avó, um lugar bem tranquilo nos fins de semana, para conversar um pouco com ela e, após o café com cuscuz, ler um pouco. Além dos seus setenta anos, mas curiosa como uma criança de cinco, logo perguntou do que se tratava aquele livro. Capa dourada e com um espelho no lugar do rosto de um homem, era mesmo de chamar a atenção. Respondi que era um livro da área de psicologia, com o intuito de mostrar características específicas que algumas pessoas possuem e que podem ser prejudiciais a elas e àqueles que a cercam.  Ela sorriu, disse que tinha um livro assim também. Levantou da cadeira, adentrou seu quarto, ouvi o barulho do guarda-roupa sendo aberto, revirou, fechou e surgiu sorridente com seu “guia”. Em suas mãos estava o Horóscopo 2016. Folheando, disse que aquele livro já tinha “avisado” ela sobre muitas pessoas e, com o adicional, ajudava a escolher os melhores dias para comprar, vender ou viajar. Sem graça, respondi que não era a mesma coisa, que o meu livro era baseado em pesquisas e o dela em superstição. Com a sabedoria da idade, não se ofendeu, mas me desafiou, pediu para ler alguma coisa que parecesse interessante e científico para ela. Sem pensar muito, abri no capítulo que falava dos obsessivos-compulsivos, como são apegados a regras, com tendências a inflexibilidade e comportamento rígido e teimoso. Do nada, ela falou alto: VIRGEM! Fiquei sem entender… vendo minha cara de tonto, ela esclareceu que aquelas características eram “sem tirar e nem por” de virginianos, signo considerado muito organizado, beirando a chatice. “Veja o caso do seu tio João, só vive para trabalhar e ir à igreja. E junto tem que ir a família.” Fiquei refletindo, tio João realmente tinha traços de personalidade obsessivo-compulsivo. Bufei. Não satisfeito pulei para outro capítulo. Narcisistas – conhecidos por sua busca por atenção, o que pode, às vezes, levar a arrogância e insolência. LEÃO! Bradou inesperadamente. “Lembra do teu primo Leandro, aquele metido, só porque fez medicina acha que é melhor que os outros.” Suspirei, as lembranças que tinha do primo não me deixavam negar, ele era um tremendo narcisista. Não querendo mais jogar com o acaso, apelei ao índice, decidido a escolher a psicopatia mais moderna e estranha que tivesse ali, nada que levasse a personalidades que minha vó poderia conhecer com sua experiência. “Ouve esse, vó. Bordeline”. Nome estrangeiro, pronúncia difícil. Citei as características: não se ajusta as normas sociais, incapacidade de planejar o futuro, descaso com a própria segurança e… ÁRIES! Disse animada, como se estivesse em um bingo. “Lembra daquele teu amigo, Zezinho? Era sábado e domingo bebendo, sempre com uma namoradinha diferente. Falava que ia ganhar muito dinheiro com um novo negócio, mas só sabia gastar o dinheiro do pai.” Fiquei olhando para o rosto da minha vó, satisfeito na sua sabedoria, e tinha que concordar – José era um borderline nato. Deixei o meu livro sobre a mesa e, humildemente, pedi que ela me emprestasse o dela. Esperta, passou o seu tesouro para mim e complementou “O melhor é que todo ano sai uma edição atualizada.”

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A pequena crônica acima serve para reflexão sobre o livro da psiquiatra Katia Mecler, Psicopatas do Cotidiano (Ed. Leya, 2015) que procura caracterizar, com uma linguagem acessível, transtornos de personalidades normatizados pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Assim temos dez transtornos – esquizóide, esquizotípico, paranóide, antissocial, borderline, histriônico, narcisista, dependente, evitativo e obsessivo-compulsivo. – divididos em três grupos distintos – os “excêntrico-esquisitos”, os “dramáticos-emocionais-volúveis” e os “ansiosos-temerosos”.

Classificar é uma característica da espécie humana. Fazemos isso com tudo que permeia nosso ambiente, de plantas, pedras a nuvens. Nomear traz segurança, passamos a entender os “sinais” que determinado ambiente emite para que o ser humano melhor usufrua dele, em miúdos, criamos uma sensação de controle. E é assim também com a nossa espécie. O primeiro a fazer tal tentativa foi Hipócrates, na Grécia Antiga, que caracterizava o homem em quatro tipos: sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico. Já no século XXI, há várias formas de classificação e estas dependerão da proposta a que é direcionada, seja para descobrir talentos, líderes ou transtornos.

Transtornos de personalidade, segundo Mecler (2015, p. 55), são perturbações mentais, caracterizadas por uma alteração no desenvolvimento da personalidade, decorrente de falhas na estruturação do caráter. Para a autora, a personalidade seria a junção de duas características:

(…) a interação entre dois componentes: o temperamento e o caráter. O temperamento é herdado geneticamente e regulado biologicamente. Já o caráter está ligado à relação do temperamento com tudo o que vivenciamos e aprendemos na relação com o mundo (MECLER, 2015, p. 24).

Assim, se a personalidade é o que define o homem, qual o parâmetro utilizado para identificar os transtornos sem buscar uma massificação ou eliminação do que distinguiria uma pessoa de outra? Simples, a própria sociedade. A autora, no decorrer do livro, demonstra que cada transtorno tem sua época para classificá-lo de maneira positiva ou negativa – vide a cultura narcisista atual em comparação com os evitativos do século XIX. Ou seja, podemos nos achar únicos, mas a realidade é que nos adequamos socialmente. A máxima “nasceu na época errada”, tem seu fundo de verdade

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Outro fator preponderante para levar a identificação, classificação e tratamento de tais psicopatias é a necessidade do mercado em manter uma população apta para produção e consumo, como esclarece Miguel Chalub no prefácio do livro:

Na Idade Média eram considerados no máximo como marginais (à margem da sociedade): vagabundos, prostitutas, bandoleiros, mendigos e outros, mas não “doentes”. Agora, no entanto, era preciso que entrassem na ordem de produção. O capitalismo, em especial o industrial, não tolera aqueles que não produzem (2015, apud MECLER, p. 12).

Com esse pensamento, transformamos, teoricamente, grupos de marginalizados em potenciais consumidores (usuários de remédios e práticas terapêuticas) e, também, produtores (enquanto medicados, aceitos socialmente). Imagina internar, no antigo modelo psiquiátrico, todos aqueles diagnosticados com transtorno de personalidade antissocial ou narcisista?! Esvaziaríamos o Congresso Nacional e o Facebook.

Mecler, durante todo o livro, faz ressalvas aos leitores quanto aos julgamentos que possam ser tomados ao passar os olhos por cada transtorno.

Quando o excesso de rigidez e a repetição de aspectos comportamentais, a partir da adolescência, assumem um padrão negativo, que causa prejuízos diversos nas relações interpessoais, podemos ter o indicativo de um traço patológico de personalidade (MECLER, 2015, p. 247).

Como o ditado popular avisa que de médico e louco, todos temos um pouco, a advertência é clara para não termos leigos (possivelmente com traços encontrados no livro) diagnosticando parentes, amigos e colegas de trabalho. Até porque a própria Associação Americana de Psiquiatria tem suas ressalvas

Tanto o DSM-5 quanto a CID-10 não consideram uma condição médica (as psicopatias). Apesar de muito debate, a hipótese mais aceita hoje é de que se trata de um transtorno grave de personalidade antissocial (Idem, 2015, p. 58).

Com ressalvas até para os profissionais da área, é necessário atenção e cuidado com o conteúdo do livro – ótima introdução para futuros psicólogos e psiquiatras – e visto como conteúdo para conversas com os amigos ou para aqueles que, após um diagnostico correto, queira conhecer mais sobre o transtorno que alguém ou o próprio esteja passando. Até porque será mais tolerável alguém lhe apontar o dedo e dizer, “típico de um leonino” do que um apocalíptico “procura um tratamento, você está com traços narcisistas”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A crítica, talvez insustentável na sua forma, mas não ao seu conteúdo, está para a praticidade do título, sutileza publicitária de um livro de receitas (Psicopatas do cotidiano: como reconhecer, como conviver, como se proteger). Trata-se de um exagero ou uma simples brincadeira, porque quando o leitor olha para a capa, se depara com a própria face a encará-lo.

FICHA TÉCNICA DO LIVRO

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PSICOPATAS DO COTIDIANO : COMO RECONHECER, COMO CONVIVER, COMO SE PROTEGER

Autor: Katia Mecler
Editora: Leya
Ano: 2015

Lista de figuras:

Figura 1-http://www.updateordie.com/wp-content/uploads/2015/07/1Toilet-Paper-Roll-Masks-by-Junior-Fritz-Jacquet-990×7391.jpg

Figura 2-http://2.bp.blogspot.com/-tHHh4x3RBsI/U-1wgcbwuGI/AAAAAAAAADo/B1OKM8yhrlY/s1600/faces.jpg

Figura 3-https://ominutodosaber.files.wordpress.com/2011/08/varias-faces.jpg

Figura 4-http://necesitodetodos.org/wp-content/uploads/2013/02/mascaras-personalidad-enga%C3%B1o.jpg

Figura 5-http://www.leblogdefanaworld.fr/wp-content/uploads/2013/09/i-robot-wallpaper.jpg

Figura 6-http://f.i.uol.com.br/livraria/capas/images/15238233.jpeg

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Inaugurado primeiro Centro de Atenção às Pessoas com Autismo do país

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Salvador é a primeira cidade brasileira a receber o Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CRE-TEA), inaugurado nesta segunda-feira (28). Localizado no Campo Grande, o espaço vai atender cerca de 200 pacientes por mês e ainda funcionará como um espaço para capacitação de profissionais. A iniciativa do Governo do Estado, por meio da Secretaria da Saúde (Sesab), levará tratamento e atendimento multiprofissional aos portadores de autismo, além de prestar apoio aos familiares dos pacientes atendidos, o que pode servir de modelo para todos os estados brasileiros.

Foto: Manu Dias/GOVBA

Quem quiser ter acesso ao serviço, que é gratuito, estarão abertos à demanda, já a partir desta terça-feira (29), o cadastramento e marcação via telefone (71) 3336-6147, diariamente, das 8h às 12h. Já o atendimento acontece de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. É preciso apresentar certidão de nascimento ou documento de identidade, comprovante de residência, cartão SUS e documento de identidade do responsável. Confira mais no link: https://goo.gl/kzs091

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“ONDE FALA A BALA, CALA A FALA”: resistências às políticas da bancada da bala, do Boi e da Bíblia em MS

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A violência não está em noticiários sangrentos e apelativos; a violência está aqui, ao seu lado, nesse momento, tão próxima que você e ela brutalmente se esbarram e você sequer percebe. Seja na legítima luta por terras indígenas que têm suas demarcações cada vez mais raras em virtude dos interesses do agronegócio; seja por seu vizinho, ou seu amigo, ou sua irmã, ou você que é homossexual e, apenas por isso, tem que carregar o fardo do medo de ser morto por uma sociedade patriarcal, heteronormativa e machista; seja porque as garantias que o Estado lhe dá são quase nenhuma para uma vida digna. Tudo isso é violência e merece ser abordado. Aquilo para o qual não se consegue olhar está olhando para nós o tempo todo com o dedo no gatilho do revólver apontado para o alvo que somos você e eu. Não nos acostumemos jamais com as barbáries nossas de cada dia.

Ariana Campana Rodrigues

 

 

Na madrugada de 17 de julho de 2015, em Dourados, dentro de uma caminhonete VW Amarok, a travesti “Érica”, tratada pelo discurso midiático como Israel Pereira Alcântara – e então aspeada no feminino – foi morta com três disparos à queima-roupa pelo garagista Marlon. Um disparo pelas costas nas costas, outro no peito e outro no rosto. O rosto é um dos lugares privilegiados para que simbolicamente a homofobia, a transfobia e o machismo marquem seus territórios. Eis a terra mais transfóbica do centro-oeste e a que mais mata homossexuais, não esquecendo as estatísticas que nos fizeram receber a primeira Casa da Mulher Brasileira.

Em solo sul mato-grossense esse é um dos indicadores da intolerância e do ódio que verte seu sangue, tal como se marca a ferro e a fogo o gado, mas, é claro sem que esses objetos corporificados e generificados no feminino, como travestis, gays, transexuais, mulheres tenham o valor que o gado assume por aqui.

Nossas lideranças no ranking das barbáries não se esgotam aí. Não ganhamos apenas no fuzilamento de corpos performatizados na transversalidade do que restritamente atribuímos ao dueto sexo/gênero. Se falar de gênero é falar de etnia, raça e classe social, como nos ensina e motiva  Judith Butler, desde o dia 14 de junho de 2016 a bancada da Bala, do Boi e da Bíblia, com a passagem famigerada de Bolsonaro pelo Estado e suas falas de intolerância, os Kaiowá e Guarani foram alvejados por balas em verdadeiras emboscadas. É claro, nada que a mídia impressa e televisa local e nacional aborde de maneira menos compromissada com este seleto seguimento. São vários tiros pelas costas, em emboscadas de quem tem seus parcos meios de transportes queimados, com as estradas fechadas, inviabilizando o acesso ao auxílio e ao socorro. Há um boato de que não havia sangue no hospital público aos indígenas feridos, só a eles. Os tiros são no abdômen e no tórax, indistintamente em crianças e em adultos de ambos os sexos/gêneros. O que noticiam as mídias globais nacionais? Os policiais machucados de terras “invadidas” por índios vagabundos, alcóolatras, preguiçosos e etc. Eis uma vez mais os aprendizados de Judith Butler em “Marcos de Guerra: las vidas lloradas….” para quem há vidas mais dignas de serem choradas e honradas do que outras. Aqui se diz, sem pudores que “Índio bom é índio morto” e/ou “um boi vale mais que um índio“.

A invisibilidade midiática, a seletividade das informações veiculadas, a desumanidade como são retratados os corpos das vítimas das diferentes violências – que tem em comum o ódio contra a diferença – nos faz pensar, para além da ideologia machista, heteronormativa, racista e sexista que predomina na sociedade brasileira, todo o aparato econômico por detrás de tantos atos de barbárie. A violência contra gays, travestis, mulheres, indígenas no Mato Grosso do Sul anda de mãos dadas com um capital econômico que dita a política do Estado. Tudo isso nos faz remontar à história do Brasil e pensar que a sociedade descrita com densidade por diferentes autores da literatura brasileira em tempos pretéritos, marcado pela política dos coronéis, dos senhores de engenho, como o contexto narrado por Gilberto Freyre em “Casa Grande e Senzala”, ainda não ficou no passado. O passado encontra eco e existência, por meio de práticas, discursos e representações, nas relações sociais sul-matrogrossenses. Numa representação nacional, que diz que o Mato Grosso do Sul, por meio do agronegócio, é o principal responsável pelo desenvolvimento do país – alguns afirmando que “literalmente” é a região que leva o país nas costas – , esquece-se à que preço tal “desenvolvimento” é tão ufanado. Um desenvolvimento à qualquer custo: à custo do Cerrado, bioma já em risco, à custo das populações indígenas, povos originários, que expulsos de suas terras, tem sua forma de vida devastada pela ganância dos grandes latifundiários. Ganância sem fim, que invisibiliza, violenta, cala, confina e mata. Cala cotidianamente. Mata se for preciso, mata como se abate um animal, mata com a certeza da impunidade, de uma conivência coletiva, da morosidade das instituições que deveriam resguardar, mas que se fazem calar diante do poder econômico e político ideológico do agronegócio.

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Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36538610

As notícias sobre os feridos e mortos indígenas seja nas disputas de terra, seja nas demais violações de direitos ecoam com certa frequência entre nós, sob as bênçãos de um Estado omisso porque racista. Existência que nem sempre é falada, por que falar é dar vida, é denunciar, é colocar em evidência o que é querem esconder. Mas que nem sempre é velada. Em alguns casos, é preciso manter a violência de modo disfarçado e silencioso. Em outros é preciso publicizar as barbáries para tornar o ato hediondo um caso exemplar – veja o genocídio dos Guarani e Kaiowá. Em se tratando de violências contra LGBTs, ninguém parece estar à salvo: travestis, lésbicas, gays, são permanentemente rechaçados. Há mais ou menos um mês, a mídia alternativa[1] noticiou o caso de um casal homossexual expulso de lanchonete em Dourados a base de socos e tiros. O fato em si já causa perplexidade, mas não para por aí. A perplexidade aumenta ainda mais quando nos defrontamos com a indiferença dos outros clientes e funcionários do estabelecimento: diante dos “socos e chutes”, não houve quem interviesse! Assistimos a mesma conivência coletiva quando os comércios das cidades se fecham para venda de alimentos aos povos indígenas nos momentos de acirramento das disputas de terra. Atos que se consubstanciam enquanto estratégias práticas de um racismo de Estado voltado ao genocídio desses povos.

Em nosso entender, essa mistura de silenciamentos, indiferenças, medos e cumplicidades revelam muito das representações correntes na sociedade dourandense e que sustentam a ideologia da violência. Algumas imagens são icônicas desse imaginário: a figura do desbravador/pioneiro (aqui muito associada aos migrantes do sul do Brasil que colonizaram a região), a figura do homem do campo (rústico, másculo, macho e “sistemático”), a figura do agroboy (jovens que pertencem às famílias ligadas ao agronegócio e que fazem questão de evidenciar o capital econômico e simbólico de sua condição). Todas essas imagens realçam e refletem o caráter machista dos imaginários e relações engendradas nessa região do Estado e que se, em si mesmas, não dão conta de todos os aspectos das violências que mencionamos, revelam por seu turno uma dimensão importante dessas relações violentas: a dominação masculina  – conforme nos aponta Bourdieu.

Em cena a necessidade de afirmar a masculinidade pelo uso da força, pelo abuso de poder, pela violência, pelo sadismo das relações que estabelece e busca estabelecer. Se a fala é um pressuposto de humanidade – lembrando que entre os Guarani e Kaiowá a fala é um dos princípios fundamentais de constituição da pessoa – há que se negar por meio da violação de direitos, da negação da cidadania e do acesso aos elementos/aspectos fundamentais da existência que constituem o jeito de ser de um povo, grupo, indivíduo, tudo o que possibilite que ele se torne pessoa, sujeito, humano. Portanto, uma das outras faces das diferentes violências contra grupos minoritários presentes no Estado é justamente a despersonalização, descaracterização, desumanização dos sujeitos e grupos. Aí passamos a entender o que já nos é comum e não deveria sê-lo; o confinamento dos Guarani e Kaiowá, o genocídio historicamente praticado contra eles, o homicídio violento de travestis, o espancamento de homossexuais, o estupro de mulheres,  a violência no trânsito, a prática dos rachas e etc.

A monocultura de grãos empobrece não só o solo, mas produz uns tantos desertos para a invenção e expressão dos diferentes modos de viver e de ser. Uma das muitas questões para as quais buscamos construir uma resposta: até quando? Embora pareça que a sequência de barbáries e de violações de direitos não tenha fim, estamos acordados e apostamos que o coro dos que sabem que é urgente (re)aprender a viver (guiados pela pluralidade de sentidos) ganha novas vozes.

Sobre os autores

Simone Becker: graduação em direito (PUC-PR), mestrado em Antropologia Social (UFPR), doutorado em Antropologia Social (UFSC), professora da graduação em direito e pós-graduações em Antropologia Sociocultural e Sociologia da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). É contadora de histórias, pesquisadora dos/nos núcleos de pesquisa DIVERSO e TRANSES, alquimista, pescadora e costuradora das pa-la-vras.

Esmael Alves de Oliveira: graduação em filosofia (UFAM), especialização em Antropologia (UFAM), mestrado em Antropologia Social (UFAM), doutorado em Antropologia Social (UFSC) com estágio doutoral na Universidade Eduardo Mondlane (UEM/Moçambique), professor do curso de graduação em Ciências Sociais e da pós-graduação em Antropologia da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).

Catia Paranhos Martins: graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Psicologia (UNESP-Assis), professora do curso de Psicologia da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), docente da Residência Multiprofissional do Hospital Universitário da UFGD em Saúde Indígena e Atenção Cardiovascular.

NOTA:

[1] Entendida como mídia não oficial, ou seja, não vinculada às grandes redes televisivas/jornalísticas locais e/ou nacionais.

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Estamirize-se! (Estamira e Esquizoanálise)

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1, 2 Intervenção no real radar…

Cheiro forte, restos, descuidos, Sol agredindo uma pele envelhecida, inúmeras armadilhas, risos descontidos, brados ao trovão(rá), neologismos, música

Produzir uma torção nos aforismos de uma conjunção de linhas desviantes de forças chamada Estamira Gomes de Sousa.

Desfigurar uma imagem e produzir um duplo completamente dessemelhante, decerto aquém da multiplicidade de cores que circulam esta singular existência

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Retirado de: cadaumtemasua.com.br

Bradando sua inquestionável onisciência, Estamira experimentou jogar mentiras na cara daqueles que produzem silenciamento ao que ultrapassa a curva da razão: espertos-ao-contrário!

Ela não é comum (a não ser o seu formato-carne, sanguíneo, par), ela é Estamira, a visão de cada um!

Ela não “foi”, pois a morte é o começo de tudo! Ela “é” e sempre “será”, pois existe/existirá como força de afirmação esquizopoiética de existências que não se prostram diante dos microfascismos de uma máquina capitalística de produção de trocadilos

Trocadilos como manifestação de toda forma de aprisionamento, subjugação, controle e violência (Trocadilo-homem, trocadilo-religião, trocadilo-ciência)

Sua lúcida loucura agenciou a criação da onipotência de uma mulher que tinha tudo para esgueirar-se numa vida sofrida, calada, negada, anulada

Torceu suas certezas e produziu linhas de fuga que a permitiram suportar uma realidade devastada por diversos trocadilos

Apontou o controle remoto que ordena os corpos, coadunando nas entrelinhas com as palavras de Artaud ao declarar guerra aos órgãos

Povoada por diversos astros positivos, fez-se a beira do mundo, posto que está em todos os lugares, sobretudo no que vai além da borda, o que trans-borda: o além dos além (lugar onde nossa razão nos impede de ir)

Sua fala é eminentemente política, pois seu delírio poético produz desvios nas verdades sobre DEUS, o homem, a Psiquiatria, a loucura, o lixo, sobre você no que concerne a resistência dos biopoderes produzidos em diversas línguas e nos atravessam cotidianamente

Num eloquente agenciamento coletivo de enunciação, de d’enunciação da opressão e violência, do status quo e das verdades absolutas, devolte tratos antes tragados a contragosto!

Estamira sentiu na pele os manicômios, físicos e mentais que atravessam os médicos-deuses, os remédios-dopantes e até a família.

Estamira desafia DEUS para resistir ao revir do seu devir reativo.

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Retirado de: menos1lixo.virgula.uol.com.br

Exclama o potencial microrrevolucionário do devir minoritário, quebrando molaridades e zombando das falas instituídas.

“A doutora passou remédio pra raiva” Risos!

Num transbordo “além dos além“, povoado de forças desconhecidas, vive a atualização das virtualidades reais num imaginário que tem, existe e é!

Delirar para Estamira talvez seja inventar o esquecimento, experimentar o intempestivo presente no Transbordo-do-Fora, o qual nós seres humanos comuns não temos condições, em virtude da nossa insana razão

É preciso experimentar a lúcida loucura de Estamira para subverter a homogeneização do retorno do mesmo, da cela do passado, do fato, feito, fadado ao fim da vida

Estamirizar é diferir, divergir, esfregar nas caras a existência e permanência de um trocadilo que é o próprio microfascismo que está em nós

Estamira não é uma mulher, Estamira é uma força!

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