Arquétipos e o Processo de Individuação

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Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875, em Kesswil, na Turgóvia (Suíça). A partir de seus estudos, Jung elaborou sua visão acerca da psique humana, a partir das observações das associações “complexas” ou emocionalmente carregadas.

Sua observação o levou a formular, ou reformular, segundo Bertrand (2019), diversos conceitos, como o inconsciente, arquétipos, complexos, persona, anima e/ou animus, compensação, sonhos, sincronicidade, criatividade, sintomas, tipos e funções psíquicas, a “numinosidade”, o self, e um sistema psíquico bem estabelecido.

Jung fundou a psicologia analítica, cuja base fundamental é os arquétipos e o inconsciente coletivo, a energia psíquica, os complexos e o processo de individuação. A partir desses temas derivam inúmeros outros que complementam seu modelo de psique humano. Jung publicou muitas obras durante sua vida, e suas ideias frutificaram para muito além do campo da psiquiatria, estendendo-se também à arte, literatura, religião física, quântica, biologia (BERTRAND, 2019).

A Psicologia Analítica, como qualquer teoria científica, surgiu e se desenvolveu em um determinado contexto histórico e cultural, a partir do qual deve ser compreendida. Jung situa a sua teoria em um longo processo histórico que teve início com a ativação do inconsciente coletivo no período da Revolução Francesa (SANT’ANNA, 2019).

O termo arquétipo, pauta principal deste trabalho, segundo Pieri (2002, p. 44), “é tirado da filosofia, onde ocorre para indicar o modelo, o exemplar originário ou, simplesmente, o original de uma série qualquer”. Etimologicamente, a palavra arquétipo é formada pela raiz arché, cujo significado é arcaico, antigo; e typos, que significa impressão, marca.

Fonte: encurtador.com.br/brOWY

A palavra arquétipo, para Hall; Nordby (2014, p. 33), “significa um modelo original que conforma outras coisas do mesmo tipo”, são os conteúdos do consciente coletivo e acrescentam (2014, p. 34): para uma correta compreensão da teoria junguiana dos arquétipos, “é muito importante que eles não sejam considerados como representações plenamente desenvolvidas na mente, como as imagens de lembranças de experiências passadas em nossa existência”.

Os arquétipos são universais, ou seja, herdam as mesmas imagens arquetípicas básicas e agindo como centro de um complexo, funcionam (os arquétipos) como um imã, atraindo para si as experiências significativas a fim de formar um complexo (HALL; NORDBY, 2014). Os arquétipos são dados à estrutura psíquica na forma de possibilidades latentes como fatores biológicos e/ou fatores histórico culturais. São prontidões psíquicas, tendências inatas à realização de determinadas ações e/ou imagens, que são resultado do processo evolutivo da espécie humana. Estão, portanto, limitados às experiências universais como nascer, morrer, a maternidade, a paternidade, a infância, a velhice, o desenvolvimento, a sobrevivência etc. (SANT’ANNA, 2019).

Apresentam uma condição estrutural da psique que, sob determinada constelação, interna ou externa, são capazes de produzir as mesmas formações, o que não tem a ver com a transmissão hereditária de imagens. As imagens têm semelhanças porque se baseiam no mesmo princípio formador e enquanto conjunto de prontidões vazias de conteúdo, o arquétipo em si se situa na esfera psicoide, ou seja, anterior à psique (SANT’ANNA, 2019).

Para que seja reconhecido e integrado à consciência, o arquétipo precisa ganhar apresentabilidade por meio de uma imagem (imagem arquetípica) cuja forma se constitui por meio de elementos oriundos da experiência do indivíduo e podem se manifestar simultaneamente em vários planos, fisiológico (emoção, comportamento), no plano psicológico (imagem) e no plano social (cultura) devido ao fenômeno da sincronicidade (SANT’ANNA, 2019).

Do ponto de vista do desenvolvimento humano, à medida que os processos maturacionais passam a exercer menor influência no comportamento e no funcionamento mental no final da adolescência, os processos de natureza psíquica e social passam a ser elementos reguladores mais importantes.

Sendo o arquétipo em si uma possibilidade e não uma manifestação, para que ele seja ativado e presentificado na psique são necessárias duas condições: um fator ativador, que pode ser de diversas naturezas (biológica, intrapsíquica, interpsíquica, histórica e cultural), e uma forma correspondente à sua dinâmica e ao seu campo de experiência. Por isto, não é possível pensar no desenvolvimento psicológico como um desdobramento natural da matriz arquetípica no plano intrapsíquico.

Alguns arquétipos têm importância grande na formação da nossa personalidade e do nosso comportamento, aos quais Jung dedicou especial atenção. Estes serão descritos a seguir.

Fonte: encurtador.com.br/tBDPU

 A Persona

A palavra persona, segundo Hall; Nordby (2014), significava originalmente uma máscara usada por um ator e que lhe permitia compor uma determinada personagem numa peça. Na psicologia junguiana, o arquétipo de persona atende a um objetivo semelhante, isto é, dá ao indivíduo a possibilidade de compor uma personagem que necessariamente não seja ele mesmo. Por ser compreendida como a máscara ostentada publicamente com a intenção de provocar a impressão favorável a fim de que a sociedade o aceite, ela também pode ser denominada de arquétipo da conformidade.

Ainda nas palavras de Hall; Nordby (2014, p. 36), “A persona é imprescindível à sobrevivência. Ela nos torna capazes de conviver com as pessoas, […]. Pode levar ao lucro ou a realização pessoal. É a base da vida social e comunitária”. E mais, “O papel da persona na personalidade, tanto pode ser prejudicial como benéfico”.

A Anima e o Animus

Enquanto a persona é qualificada por Jung como a “face externa” da psiquê, por ser vista pelo mundo, segundo Hall; Nordby (2014), a “face interna” recebeu o nome de anima nos homens e animus nas mulheres. Assim, “O arquétipo de anima constitui o lado feminino da psiquê masculina; o arquétipo de animus compõe o lado masculino da psiquê feminina” (p. 38).

Para Jung, de acordo com Hall; Nordby (2014), os arquétipos anima e animus tem valor importante para a sobrevivência e foram desenvolvidos no convívio e interação com o sexo oposto, ou seja, o homem desenvolveu seu arquétipo no relacionamento continuado com mulheres durante muitas gerações, e a mulher desenvolveu o seu arquétipo pelo relacionamento com os homens.

Por fim, cabe destacar que para que a personalidade seja bem ajustada e harmonicamente equilibrada, “o lado feminino da personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher devem poder expressar-se na consciência e no comportamento”, assevera Hall; Nordby (2014, p. 38).

Fonte: encurtador.com.br/dqsD2
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Aladim, os jogos de poder e o processo de iniciação da Alma

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Ao libertar o gênio, Aladim percebe que o Self e o sagrado não mais estão à disposição do ego, mas está disponível para o coletivo, para algo maior que se expande para o mundo.

Aladim é um filme de 2019, adaptado do desenho animado Aladdin, de 1992, e baseado no conto árabe As Mil e Uma Noites, de Antoine Galland. O conto Aladim na verdade só se uniu as Mil e uma noites a partir do século XVIII, anteriormente ele não fazia parte da narrativa do livro.

No conto o jovem Aladim é descrito como um adolescente que se recusa a aprender o ofício do pai, que é alfaiate, sendo descrito por sua mãe como imaturo, “esquecido que não é mais criança”. O nome Aladim pode significar em árabe a “nobreza da fé”. Ou ser advindo da mistura de Alá e Djin (gênio ou daimon).

Djin ou Jinn, significa gênio na religião muçulmana, e era uma entidade sobrenatural do mundo intermediário entre o divino e humano. Estava além do bem e do mal, e rege o destino de alguém ou de um lugar.

Ele é um espírito guardião designado para cada pessoa ao nascer. Portanto, o gênio é concebido como um ente espiritual ou imaterial, muito próximo do ser humano, e que sobre ele exerce uma forte, cotidiana e decisiva influência. Sendo ele o responsável pelo cumprimento do destino de cada ser humano. Ou seja, Aladim é o herói que liberta o espírito divino preso na lamparina. Libertar o gênio não é um processo fácil, é o processo da individuação que exige disciplina e coragem.

Fonte: encurtador.com.br/fgwO7

No filme Aladim é um órfão pobre e ladrão, que vive em Agrabah. Ele é chamado de “rato de rua” e seu amigo é um macaco que o acompanha em suas aventuras. Mas antes de adentrar a história mesmo, é importante comentarmos sobre um simbolismo muito importante: o da lâmpada mágica.

A lâmpada é uma figura presente em contos e lendas. Ela é um instrumento de iluminação associada ao ser humano, que contém em si o fogo do interno. Como lamparina ou lâmpada é transitória e o fogo dessa iluminação pode se extinguir, sendo necessário o tempo todo ser aceso. Ou seja, o ser humano precisa de tempos em tempos reacender o fogo da espiritualidade em si, pois enquanto matéria, somos levados a nos manter inconscientes e em nossa zona de conforto.

O fogo e o gênio são acionados quando nos esforçamos e decidimos adentrar em nosso interior. A lâmpada é na verdade uma lamparina semelhante àquelas utilizadas na iluminação doméstica.

Na Grécia antiga o culto da deusa Héstia, deusa representada pelo fogo, era feito em seu templo e em casa, por meio do fogo que deveria ser mantido aceso sempre. As sacerdotisas dos templos tinham que estar sempre atentas para que esse fogo não se apagasse.

Fonte: encurtador.com.br/aJOS4

Héstia também estava presente em cultos domésticos. A importância de Héstia é encontrada em rituais, simbolizada pelo fogo. Para que uma casa se tornasse um lar, a presença de Héstia era solicitada.

Ou seja, o fogo do espírito deve estar presente em nosso recôndito mais íntimo, no nosso lar interno. O fogo do espírito, ou seja, o conhecimento além da simples matéria, o fogo da essência divina (do Self) deve estar sempre presente no nosso cotidiano.

Aladim no filme é inquieto, está em busca de algo que o tire da rotina e não se preocupa em encontrar uma profissão e ganhar seu dinheiro. É tido como irresponsável e infantil. Porém, estamos falando de um herói. E como herói é necessário que olhemos para ele não como um ser humano comum, mas como uma imagem arquetípica.

O herói não necessariamente é aquele que luta e mata os monstros, dragões e bruxas. Ele muitas vezes pode se apresentar como um bobo, ou como alguém com caráter duvidoso (o anti-herói).

Fonte: encurtador.com.br/cdKL5

Como ladrão, Aladim apresenta características do deus Hermes. Hermes é o deus grego da inteligência, astúcia, magia, divinação, viagens, estradas e dos ladrões. Além de ser um guia de almas. Era o único deus capaz de transitar nos três mundos: deuses, humanos e dos mortos. Se tornando o mensageiro dos deuses. Mas o principal atributo de Hermes é a alquimia. Deus alquímico, transformador e guia da alma humana.

A alquimia representa a mais profunda transformação humana. É o processo de individuação projetado na transformação da matéria sem valor em algo valoroso. Podemos, portanto, observar Aladim como essa matéria bruta que irá se transformar em algo valioso.

Aladim tem como amigo um macaco, um animal que está muito próximo do ser humano. Para os Astecas e Maias o macaco estaria ligado às artes e à sabedoria. No hinduísmo havia um deus macaco chamado Hanuman. Ele era cultuado como uma encarnação do deus Shiva, que encarnou com a missão de ajudar um rei a derrotar um demônio. Hanuman representa a natureza instintiva do ser humano e a sua origem animal, que pode ser transformada e transmutada para o encontro com o divino.

Simboliza também a mente humana, que pula como um macaco para um lado e para o outro, de galho em galho, sem foco. Ao desejarmos tudo o que vemos nossa mente se atrapalha e se distrai nos tirando do que é essencial. Uma clara armadilha do ego humano. Hanuman transcende as paixões do ego e os sentidos e simboliza a disciplina da mente.

Fonte: encurtador.com.br/qtyZ9

No filme, Aladim parece não ter foco. Ele mesmo pula como macaco e vive distraído. Porém, seu macaco mostra a virtude do foco que acaba sendo essencial em diversos momentos cruciais, sendo um deles o encontro com a lâmpada mágica.

Aladim é escolhido então pelo vilão Jafar para ir buscar a lâmpada em uma caverna, pois esse possui as qualidades necessárias para poder entrar e sair vivo. O rapaz vai ao deserto com Jafar, confiante, e ele entra nessa gruta. Mas antes é avisado de que lá ele encontraria muitas jóias e tesouros, mas que não deveria tocar em nada. Ele deveria focar em encontrar uma lâmpada antiga e trazer para Jafar.

A entrada na caverna, ou descida, é um tema comum nos contos e jornadas heroicas. Trata-se de um mergulho do herói em si mesmo para buscar algo de valioso. Psiquê desce ao mundo de Hades para buscar a beleza de Perséfone, Orfeu para buscar sua amada, Héracles desce para pedir o cachorro Cérbero emprestado. Odisseu e Enéias também descem.

Descer exige coragem para enfrentar suas imperfeições, seus pesadelos. Deve-se ter foco para isso, pois é fácil se perder neste processo. Trata-se de um grande teste e de um processo de purificação para que o herói seja apto e digno de encontrar o tesouro e ser realizado.

Fonte: encurtador.com.br/azAIS

Cada vez que um ser desce ao submundo e enfrenta a provação, ele se despoja de um ou vários aspectos impuros de seu interior. Ele se purifica de aspectos egóicos e infantis para que possa retornar, ascendendo sua consciência. Trata-se da verdadeira iniciação, a da alma.

A descida de Aladim é a de se despojar dos desejos egóicos e focar no desejo do espírito (a lâmpada), que irá guiá-lo ao seu destino. Para isso só alguém puro (não necessariamente perfeito), ou seja, alguém que não tem pretensões egóicas, que se entrega a jornada sem imaginar qual será o resultado.

Após Aladim retornar da gruta, Jafar pede a ele que entregue a lamparina. Mas Jafar o engana e ele fica preso na gruta. No entanto, a lamparina também fica com ele. Ao friccionar a lâmpada suja, aparece então o gênio. Aquele que irá satisfazer seus desejos e será seu daimon. O gênio lhe concede três desejos, e ele então pede que seja tirado de lá.

Aladim antes de conhecer o gênio havia conhecido a filha do sultão. Ela diz a ele que é a empregada da princesa e ele se apaixona. Após saírem  da caverna, Aladim usa seu desejo de se tornar um príncipe para impressionar Jasmine (sem saber quem ela de fato é).

Fonte: encurtador.com.br/fozRX

Ele se transforma em um príncipe com muitas riquezas, mas não impressiona a moça. Ela deseja mais do que apenas riquezas e o seu pretendente precisa estar à altura de sua nobreza, não externa, mas interna. Jasmine, do ponto de vista do herói, pode ser a anima que desafia o homem a encontrar o seu valor. A olhar para dentro de si e não apenas para fora.

Mas Jafar descobre a verdadeira identidade do príncipe e o joga no mar. No entanto, o gênio o salva. Temendo que Jasmine descubra sua identidade e a presença do gênio, ele se recusa a libertá-lo, sucumbindo á sua sombra, que é o poder.

Além disso, o sultão, pai de Jasmine, está velho e cansado e sucumbe ao poder de seu aspecto sombrio, simbolizado por Jafar.

O reino também não possui uma rainha, ou seja, o aspecto feminino não está presente na consciência coletiva. Quando esse aspecto está reprimido há um endurecimento dos sentimentos e uma instalação de seu oposto, o poder!

As leis são embrutecidas e não há lugar para o lado humano. Vemos isso em uma cena que Jasmine permite que uma criança roube uma maçã e sendo então condenada a perder a mão.

Lei é lei apenas, não se faz nada pelo simples fato de amar alguém. E é esse o grande ensinamento de Jasmine. Ela simplesmente ama Aladim, e está disposta a quebrar as regras por amor.

“Você confia em mim?”
Fonte: encurtador.com.br/uyBF5

A princesa também tem de lutar com o preconceito contra seu gênero. Ela luta para que seus subordinados aceitem as ordens dela, pois quem dita as ordens é Jafar, o tirano ambicioso colocado pelo próprio rei como comandante. Além disso, ela só terá o poder de “se livrar” de Jafar quando for rainha, o que só acontece com o casamento. Isso mostra que até certo momento, em nossa sociedade, a mulher só tem valor com o casamento. De forma velada, isso perdura até hoje.

Outro aspecto do filme que é muito interessante, é a relação de Aladim com o gênio. Ao logo do filme, o gênio deixa de ser apenas aquele que satisfaz os pedidos do herói para se tornar um protetor e guia. Aladim passa a ouvi-lo e ao final o liberta da prisão.

Libertar o gênio significa libertar o divino para que possa ocupar o mundo. Enquanto está na lâmpada ele se mantém preso à ganância do ego.

Ao libertar o gênio, Aladim percebe que o Self e o sagrado não mais estão à disposição do ego, mas está disponível para o coletivo, para algo maior que se expande para o mundo.

Quando temos um dom, esse dom não é apenas para a nossa satisfação momentânea e do ego, mas para que possamos servir a humanidade através dele, uma vez que o dom veio pelo divino, pelo inconsciente.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

 

Aladdin

Diretor: Guy Ritchie
Elenco:Will Smith, Mena Massoud, Naomi Scott
Gênero: Aventura, Fantasia
País: EUA
Ano: 2019

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O Rei Leão sob a perspectiva da Psicologia Analítica

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O Rei Leão é um remake do desenho animado O Rei Leão, de 1994. E foi inspirado em partes da obra Hamlet, de William ShakespeareO longa retrata a historia do leão Simba, que é o herdeiro do trono da Pedra do Reino em uma floresta africana, e sua jornada enfrentando os perigos inerentes a essa função.

Para iniciar a análise do filme é importante analisarmos a figura do leão. O leão é tido como o rei dos animais. Na alquimia ele desempenha um papel muito importante. Ele é um aspecto do Rei alquímico. O rei, nos tempos mais antigos, era considerado a manifestação de Deus na Terra. Psicologicamente sua figura pode ser associada à imagem do Self, aquele centro regulador da psique que se torna uma representação da atitude coletiva nos contos de fadas.

Von Franz (2005) diz que o rei incorpora um princípio divino, do qual depende o bem-estar físico e psíquico de toda a nação. É o princípio divino na sua forma mais visível, é sua encarnação e sua moradia. Nos contos de fadas e na alquimia, o Rei precisa sempre ser renovado. Ele ora se apresenta velho, ou doente, ou com algum problema, e precisa de um substituto a altura para o cargo. Ele precisa morrer!

Fonte: encurtador.com.br/puACY

Conforme Von Franz (1984), o leão representa a natureza ctônica, o aspecto terreno do símbolo do Rei, pois ao morrer o Rei vai para o interior da terra, onde será renovado. Ele é um símbolo solar, portanto segue a trajetória do Sol, tendo que morrer de tempos em tempos. Por isso, o filme retrata o drama arquetípico, onde os aspectos da consciência precisam de renovação constante. A descida ao mundo dos mortos, o confronto com a sombra e a posterior renovação é algo essencial para todo processo de transformação, tanto coletivo, como individual. A tônica do filme é justamente o ciclo morte e vida. Algo muito bem explicitado na fala do rei Mufasa para seu filho Simba sobre os ciclos da vida e a morte como processo de transformação.

O filme inicia com o nascimento de Simba, filho do Rei Mufasa, o que traz logo a inveja de Scar, irmão do Rei. O filme é baseado em Hamlet de Shakespeare. Na peça Claudio mata seu irmão, o Rei, e casa-se com a rainha, Gertrudes. O filho do Rei, o príncipe Hamlet, é atormentado pelo fantasma do pai para vingar a família e retomar o trono e a honra, matando o criminoso. Após muita hesitação, Hamlet realiza o desejo paterno (vindo do além-túmulo).

O drama do filme e da peça retrata a jornada do herói, onde ele precisa encarar a sombra paterna. Vemos isso em várias sagas, como por exemplo, Star Wars, onde o heroi Luke Skywalker precisa matar o pai. O irmão do rei Scar, com inveja, monta uma armadilha para tomar o poder, matando Mufasa e ainda fazendo o pequeno Simba se sentir culpado pela morte do pai.  Scar simboliza a sombra do rei. Aliás, um tema arquetípico esse dos dois irmãos, o bom e justo, e o ruim e invejoso. 

Fonte: encurtador.com.br/zFZ14

Simba é o herói da trama, ele irá viver a jornada típica de vários heróis, onde precisa se afastar de sua tribo, descobrir seus talentos, conhecer seus aliados, provar o seu valor e retomar o seu lugar de direito. Já adulto, é então convencido da sua missão: tirar do poder o usurpador e restabelecer a ordem no reino.  

Sem o rei legitimo todo o reino passa pela devastação, pois um rei saudável é responsável pela fertilidade da terra e do povo. Com a morte do rei sua sombra faz a aparição da sombra do rei. A ganância, a inveja e a morte se apresentam. Isso significa que de tempos em tempos a consciência é embotada pelo principio do poder (leão). Um obscurecimento da consciência, onde a ganância, o assassínio, o crime, a cobiça fazem sua aparição. 

A união do usurpador com as hienas para subir ao trono é bastante simbólico. Elas representam na historia a escória da sociedade, o que há de mais repulsivo. A fome delas é infinita, ou seja, a ganância é desmedida. O herói então deve provar ser capaz de enfrentar essa sombra de frente. É a partir do enfrentamento dessas forças sombrias que o ser humano atinge um novo patamar de consciência e maturidade.

Fonte: encurtador.com.br/iFGM8

O filme fala dos ciclos da vida. E o conflito e o drama fazem parte desse ciclo. Mufasa deixa isso bem claro em seu diálogo com o filho. Ele simboliza o rei do mundo, onde toda a criação está de acordo com seus princípios, inclusive a vida de Scar (o usurpador).

Em diversos mitos e contos de fadas, o tesouro é guardado por um leão, ou um dragão, ou uma serpente. Ou seja, o conflito é inerente ao ciclo da vida e a condição para se chegar a totalidade e a sabedoria. Os reis anteriores a Mufasa fizeram isso, e nesse momento ele prepara o filho para esse importante rito de iniciação.

Von Franz (1984) diz: “Não se pode chegar perto do Self, e do significado da vida, sem que se passe pelo fio da navalha da cobiça e das trevas, e dos aspetos sombrios da personalidade.” No processo de individuação, um reino precisa ser quebrado e posteriormente reconstruído em um novo patamar. A regência da consciência precisa de cada vez mais conhecimento dos aspectos sombrios. É o momento onde se perde a sabedoria e somos tomados pelo usurpador.

Fonte: encurtador.com.br/HKLW1

A sombra não pode se manter tempo de mais reprimida. É nesse embate com ela que podemos crescer. Conforme Von Franz (1006):

“O caso é que, se reprimirmos a sombra, veremos apenas meia pessoa. É por isso que há na literatura essas histórias em que o diabo rouba a sombra de alguém. A pessoa acaba ficando nas garras do diabo. Precisamos da sombra. Ela nos conserva com os pés no chão, ela nos relembra da nossa incompletude e nos proporciona traços complementares. Seríamos na verdade muito pobres se fôssemos apenas o que imaginamos ser.”

 

Contudo, aquela voz do pai justo e o herói também estão presentes interiormente no ser humano. Por mais que Simba fuja com sentimento de culpa e vá viver de forma despreocupada em um paraíso, a voz do pai está lá. A voz do seu chamado continuará a ecoar. Essa voz se fez presente na figura feminina da leoa Nala.  Nala como uma figura de anima, uma guia como Ariadne, conduz o heroi ao seu destino. Ao que lhe cabe de fato. Ela representa a alma do heroi, sua fonte de inspiração. 

Simba após seu reencontro com Nala entra na selva, e encontra Rafiki, um primata conselheiro de Mufasa. Rafiki diz à Simba que Mufasa está “vivo” e leva-o a uma lagoa. Simba vê o “pai” nele mesmo e percebe que deve tomar o seu lugar de direito como o rei das Terras do Reino. Ele não pode fugir de seu passado e seu destino.

Rafiki representa o velho sábio, o mestre superior e protetor. Ele é um daimon imortal que penetra com a luz do sentido a obscuridade caótica da vida. Ele é o iluminador, o professor e mestre, um psicopompo (guia das almas) (Jung, 2000). Esse é o momento que a sabedoria volta a atuar e nos mostrar o caminho de nossa individuação. Ela pode aparecer personificada em um mestre, ou terapeuta, ou simplesmente em um sonho que nos reconecta novamente conosco. 

Simba se reconecta com o reino e a sabedoria dentro de si mesmo. Com isso ele pode confrontar a sombra e restabelecer a situação saudável do reino. Ou seja, o filme nos mostra que a consciência precisa desses ciclos para atingir um novo patamar. E que a sabedoria está em aceitar esses confrontos necessários para nosso crescimento. Assim como na jornada do heroi, precisamos buscar nossos aliados (os dons que existem dentro de nós) e aceitar a voz interior que nos mostra (mesmo em meio ao caos) qual é o verdadeiro caminho da nossa individuação. 

REFERÊNCIAS: 

BOA, F & VON FRANZ, M. L. O caminho dos sonhos. Cultrix. São Paulo, 1996.

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 2000.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.

VON FRANZ, M. L. A Individuação dos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 1984.

FICHA TÉCNICA DO FILME

Fonte: encurtador.com.br/aflD1

O REI LEÃO
Diretor: 
Jon Favreau
Elenco: 
Ícaro Silva,Donald Glover,Beyoncé Knowles-Carte
Gênero: 
Aventura,Animação
Ano:
2019

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Chico Xavier e a Data limite: O que a psicologia diz sobre as profecias?

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A capacidade de profetizar é algo que chama atenção desde os povos antigos até os mais modernos; existem diversos fatores psicológicos que influenciam o fenômeno, de forma inconsciente.

Em 1971 Chico Xavier, em uma entrevista para o programa Pinga Fogo da TV Tupi, afirmou que o dia 20 de julho de 2019 seria uma data limite para a humanidade passar por uma grande mudança. Segundo ele, quando o homem pisou na lua em 20 de julho de 1969, algumas entidades do mundo espiritual se reuniram e deram um prazo de 50 anos para a humanidade, e caso ela não se destruísse em uma terceira guerra mundial, alcançaria uma nova era.

Dessa forma, essa nova era segundo Pozati (um dos autores do livro Data limite – Segundo Chico Xavier) se trata de um processo de transição planetária que nos convoca a uma conexão com novas energias para que possamos descobrir nosso papel nesse mundo. O autor defende a teoria apontando para outras que se cumpriram, como encontrar água na lua.

Assim, esse assunto tem sido comentado na internet nos últimos dias, fazendo com que muitas pessoas começassem a relatar algum tipo de sensação física ou experiência sensorial. A notícia de que seres extraterrestres estariam agora autorizados a vir para Terra e fazer um contato direto, uma recomendação de não ficar acordado na madrugada do último dia 20 e uma comoção de muitos que acreditam fielmente nesse evento, ficaram evidente nas redes sociais, principalmente no Twitter.

Segundo Alvarenga (1996-2006), em seu livro O segredo das profecias, este fenômeno está além da lógica, indo para uma dimensão simbólica que ganha contornos arquetípicos – imagens primordiais – e estão contidos no inconsciente coletivo. Neste sentido, o temor do homem diante do desconhecido faz com que ele busque por alguma previsão que possa amenizar essa angústia. Na Psicologia Analítica, o desconhecido é o que não está na linha do consciente. Então ao se aprofundar no mar de informações guardadas no inconsciente, o ser humano paulatinamente diminui o medo e passa a viver de modo mais autêntico. O medo dos fenômenos naturais – como contato com eventuais civilizações extraterrestres – ocorre predominantemente em estruturas psicológicas ainda em estado de participação mística (estado de indiferenciação entre o eu e o outro, com ressalvas sobre os fenômenos naturais).

Fonte: encurtador.com.br/bvwW6

Jung, após estudar o livro I Ching, escreveu juntamente com o físico Wolfgang Pauli, o livro Sincronicidade: Princípio de Conexão A-Causal, onde procuraram explicar as coincidências em geral, como também os motivos pelos quais o livro I Ching poderia funcionar. De modo geral, sincronicidade foi um conceito desenvolvido pelo autor para se referir a quando uma construção/percepção interna de um indivíduo está de acordo com o fenômeno externo natural que se revela.

Então a capacidade de profetizar é algo que chama atenção desde os povos antigos até os mais modernos, mas que existem também diversos fatores psicológicos que influenciam este processo de forma inconsciente. Os relatos das experiências de usuários na internet é a prova de que existe uma identificação não apenas da pessoa com a profecia, mas também entre as pessoas que acabam por compartilhar sentimentos e sensações parecidas. Em relação aos estados alterados de consciência que Chico Xavier experimentava, a Psicologia Transpessoal vem estudando e contribuindo para uma compreensão maior.

Stanislav Grof (1978), um dos principais autores da Psicologia Transpessoal, fala sobre como esse fenômeno ocorre. Existe um rompimento e expansão da nossa mente sobre os limites do espaço-tempo onde é possível perceber fenômenos que vão além dos conhecidos, podendo vir de vidas passadas, sendo capaz de ocorrer uma identificação ou fusão com outro indivíduo, o que o autor chama de união dual. Assim também podendo ocorrer uma fusão coletiva, como por exemplo, com todas as pessoas de determinada religião ou crença, animais, plantas, planeta e todo o universo.

Fonte: encurtador.com.br/mrDM0

Jung (1978) aponta que a ligação com essa imagem de divindade, através da religião ou de profecias, vem de um contato indireto com o Self, que é o princípio que regula a personalidade e que reflete a potencialidade desse indivíduo, e dessa forma proporciona encontros e sonhos que o levam a encontrar um significado para a vida.

A idéia do texto não é dizer que tal fenômeno é de fator apenas psicológico, mas que existe uma contribuição para que isso se reverbere com tamanha proporção. Assim como em várias crenças, as profecias estão presentes, existindo uma relevância das mesmas na construção do coletivo e da subjetividade, podendo nesse sentido promover saúde mental.

REFERÊNCIAS:

ALVARENGA, Luiz Gonzaga de. O segredo das profecias. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/segredoprofecias.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2019.

GROF, Stanislav. Variedades das experiências transpessoais: observações da psicoterapia com LSD. in. WEILL, Pierre (org.) Experiência cósmica e psicose. vol 5 / IV Pequeno tratado de psicologia transpessoal. Rio de Janeiro, Vozes, 1978.

JUNG, C. G. Psicologia e Religião. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1978.

POZATI, Juliano; CASAGRANDE, Rebeca. Data Limite – Segundo Chico Xavier. Citadel, 2015.

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Capitã Marvel em uma interpretação Junguiana

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A “inteligência suprema” age como o Self, que dentro da perspectiva de Carl Gustav Jung é o princípio organizador, que tenta manter o equilíbrio de todos os arquétipos psíquicos.

Capitã Marvel, nossa heroína, chegou aos cinemas quebrando recordes, sendo uma das maiores estreias de um longa-metragem estrelado por uma mulher. Os motivos para tanto sucesso são inúmeros, mas algo que não se pode negar, é o grande link que a história faz as bases teóricas junguianas. O enredo é trabalhado em função de uma condição psíquica da personagem, ao passo que ela vai desvendando os símbolos de sua mente tudo é explicado, e por fim, ela se torna uma das maiores forças do universo. As façanhas de sua subjetividade fazem dela grandes o suficiente (Atenção, alerta de spoiler).

Em primeira mão o mundo em que Danvers se encontra é a Hala, onde é treinada, preparando-se fisicamente e psicologicamente para a guerra marciana que acomete o espaço. As pessoas com quem convive são os Kress, a quem acredita fazer parte. Algo sempre dito a ela em seus treinos, pelo Yon-Rogg, é que seu descontrole emocional e raiva só serviam para seus inimigos. Mas algo que também lhe fazia mal, era não se deixar livre para sentir, isso fazia com que fosse facilmente controlada, o que impactava sua subjetividade. Danvers não se recordava de parte de sua vida, abrindo dessa forma, brechas para ser moldada pelos desejos alheios.

Apesar de sua mente ser controlada/vigiada por um chip da sua equipe que impedia a expansão de seu poder, a feição da “inteligência suprema” que lhe aparecia como um sonho ou devaneio, foi criada como estratégia de controle (com quem conversava mentalmente); os traços da mulher que surgia como expressão superior, a remetiam uma grande admiração, e o fato de não conseguir lembrar-se do motivo pelo qual se sente assim a deixava em estado de confusão.

Um dos importantes diálogos do filme deu-se logo no início, com Yon-Rogg, que afirmou que as vezes é melhor não se lembrar de fatos, pois poderia causar sofrimento, respondendo à pergunta de Danvers que não compreendia o simbolismo de seu inconsciente. Yon exprime a ideia do subconsciente, onde se encontra boa parte das experiências que por vezes foram reprimidas pela dor que causam.

Fonte: encurtador.com.br/eDLP1

Entretanto, esses símbolos emotivos de seu passado e a feição afável da mulher, dita como “inteligência”, chegam como um mensageiro da sua Psique, que tenta trazer à tona informações que devem se tornar conscientes, orientando-a ao que precisa ser resolvido. Porem, a não compreensão causou a Danvers angústia, assim como deslocamento, desta forma, esta fase tem grande importância, para que em dado momento ela experimentasse seu auge. A grande sacada do enredo é que por meio da repressão do “chip” (localizado em sua nuca) eles conseguiam acesso à sua mente, controlando-a, tudo isso para obter vantagens a fim de encontrar um dos tesouros que habitavam em suas memórias ainda adormecidas.

A “inteligência suprema” age como o Self, que dentro da perspectiva de Carl Gustav Jung é o princípio organizador, que tenta manter o equilíbrio de todos os arquétipos psíquicos. Observa-se que a inteligência sempre aparece sobre a água, uma analogia a um condutor universal, a representação do Self está ali também para conduzi-la. A água, a bem da verdade, também é uma representação das emoções na Psicologia Analítica. 

O Yon-rogg pode ser comparado ao Ego, que tenta suprimir memórias de sofrimento, buscando estar sobre o controle de todas as rédeas. A única diferença no filme é que ele não faz essa função em busca de proteção, como o Ego, mas sim procurando os interesses próprios. O controle da representação do ego sobre sua mente, demonstra o desequilíbrio dos arquétipos, enquanto os símbolos de sua real memória, vinda do subconsciente, tentam equilibrar a situação.

As recordações de suas memórias não eram vantajosas para os Kress, apenas o acesso restrito a elas seria positivo, para que obtivessem informações valiosas. Sua mente guardava algo de muito valor a todos os envolvidos na guerra.

Fonte: encurtador.com.br/nMTUZ

Os “inimigos” dos Kress eram os Skrulls, que invadiam planetas. Os detestados durante todo o filme na verdade eram os que mais precisavam de ajuda, e os grandes prejudicados. Antes dos Starforce (esquadrão de elite dos Kress) entrarem para o combate contra a invasão dos Skrulls, perguntaram como era vê-los/combatê-los face a face, responderam que era uma sensação terrível, era o mesmo que ver-se diante de si, sendo sua própria imagem seu inimigo. Isso acontecia, pois, essa linha alienígena tinha o poder de transformar-se em qualquer imagem, inclusive na aparência de seus combatentes.

Numa analogia psicológica, essa situação se refere a Sombra, que segundo Jung é a parte obscura da nossa mente, a parte mais feroz da personalidade, a qual não aceita regras ou juízo de valor. Quando muito reprimida esse arquétipo pode voltar-se contra a própria pessoa, ou seja, sendo o inimigo da sua própria imagem e/ou indivíduo.

Durante a batalha os Skruss acabaram conseguindo levar Danvers para sua nave, e nela utilizaram de uma máquina que dava acesso a sua mente. Estavam à procura das informações da médica Wendy Lawson; entretanto, ainda não se sabia o motivo disso. Conseguiram todas as memórias a nível consciente, porém, com o seu poder conseguiu se desprender da emboscada, e em meio a fuga acabou quebrando parte da nave, e todos tiveram de fugir por conta da pressão do espaço. Danvers escapou pegando uma nave defeituosa, e acabou caindo no planeta C-53 (referente ao planeta terra), que na verdade é sua terra natal, pelo qual foi raptada por Yon há 6 anos atrás, e por causa desse incidente estava mais próxima de se redescobrir.

Durante o tempo, Danvers claramente chamava atenção da polícia, pois além de não se vestir como uma mundana, ela caiu sobre a terra. Quem se aproximou dela foi Nick Fury, um policial a quem se torna amiga e aliada, que a ajudou na descoberta de sua própria identidade. Depois de algum tempo de investigação, eles descobrem que ela foi uma piloto da força aérea americana, que havia morrido em 1989 enquanto testava o motor da nave da Dr. Wendy Lawson, que também morre no incidente. A partir disso, e da correlação de datas, descobre-se que na verdade ela é humana.

Fonte: encurtador.com.br/kqsG5

Danvers e Nick cruzam os EUA para encontrar com a ex-piloto Maria Rambeau, a quem foi grande amiga e confidente, e assim descobre seu real nome que na verdade é Carol Danvers, anteriormente ela só era chamada de ‘Vears’ pelos Kress, pois é o nome que sobrou de seu colar depois que sofreu o acidente aéreo.

Em seguimento, os Skrulls invadem a casa de Maria, mas dessa vez, pedem que ela os ouça. Aceitando o pedido, eles relatam que durante todo esse tempo, só queriam encontrar um lar, pois seu mundo foi destruído, e eles encontravam-se desesperados em busca de ajuda. Além disso, revelam também que na verdade a Dr. Wendy não era humana (seu verdadeiro nome é Mar-Vell); ela era uma alienígena que estava buscando ajudar os Skrulls, por conta disso a Dra. montou um Tesseract (cubo cósmico) que permitiria que naves viajassem na velocidade da luz, acabando dessa forma com a guerra entre Kress e Skrulls, pois eles finalmente conseguiriam encontrar um local para viver.

Danvers descobre como adquiriu seus poderes; depois que Yon-Rogg atira em Mar-Vell, ela não consegue destruir sua criação (o Tesseract), e Danvers o destrói, e acaba absorvendo a energia dele, adquirindo assim os poderes da máquina, e pelo impacto, ela perde sua memória. Ao descobrir seu passado, finalmente entende o que eram os símbolos de sua mente. Por conseguinte, destruiu o “chip” que suprimia seus poderes, e finalmente restaurou o equilíbrio tanto de sua mente quanto do universo.

Assim como nos momentos de crise, e nas supressões psíquicas, a Sombra se volta contra nós mesmos, o Ego admite que não pode ter controle sobre a situação (da mesma maneira que Yon-Rogg quando percebeu a força incombatível de Danvers), e finalmente o Self (referente a Mar-Vell), através dos símbolos inconscientes, consegue restaurar o equilíbrio dos arquétipos. Tudo se restabelece quando ela compreende seu passado, e entende seu Self.

Fonte: encurtador.com.br/nvBLZ

Algo importante a ser lembrado é que no universo MCU (Marvel Cinematic Universe), Capitã Marvel é o vigésimo filme, sendo o primeiro a ter uma protagonista mulher. Durante todas as cenas, diferente da maioria das figuras heroínas, Marvel não aparece com roupas super decotadas ou marcadas, seu corpo ou suas relações amorosas não são “A trama” ou temática principal; na verdade, suas descobertas como indivíduo e o alcance de suas habilidades são surpreendentes, o ponto-chave que permeia o filme.

Seus trejeitos e a forma como se posiciona, demonstram um grande empoderamento, possibilitando a abertura de um novo contexto cinematográfico no mundo das heroínas, que não precisam estar acompanhadas de um homem para serem incríveis, ela por si só é uma grande protagonista, considerada uma das mais poderosas, dentro todos, no universo Marvel. Isso provoca grande representatividade para as meninas e mulheres que assistiram ao filme, que puderam ver uma longa que condiz com a força feminina, não mais precisando se vestirem de um herói masculino para se sentirem fortes e poderosas. Capitã Marvel nos deu essas possibilidades.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

CAPITÃ MARVEL

Título original:  Captain Marvel
Direção:   Anna Boden, Ryan Fleck
Elenco:  Brie Larson,Samuel L. Jackson,Jude Law
País:  EUA
Ano: 2019
Gênero: Ação, Fantasia, Ficção científica

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Jung: os arquétipos regem o psiquismo humano

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Carl Gustav Jung nasceu em uma pequena vila na Suíça, em 26 de julho de 1875. Estudou psiquiatria, mas, após conhecer Sigmund Freud em 1907, tornou-se psicanalista e natural herdeiro de Freud. Contudo, devido a divergências teóricas eles se afastaram e nunca mais se viram. Jung fundou a Psicologia Analítica e desenvolveu os conceitos de personalidade extrovertida e introvertida, arquétipo e inconsciente coletivo.

De acordo com Jung, os arquétipos são camadas de memória herdada e compõem a totalidade da experiência humana. Para ele, os arquétipos são memórias das experiências dos primeiros ancestrais atuando como moldes no interior da psique. Utilizamos os arquétipos de forma inconsciente para organizar e compreender nossas próprias experiências, embora podemos também preencher as lacunas com detalhes de nossas vidas. É essa a subestrutura preexistente no inconsciente que permite que nós possamos compreender o que vivenciamos.

Esses arquétipos podem se misturar e imitar uns aos outros em diferentes culturas, porém cada ser possui dentro de si o modelo de cada um dos diversos arquétipos adequando-os para a sua realidade. A existência de mitos e símbolos, por exemplo, era a prova de que parte da psique humana contém ideias preservadas em uma estrutura atemporal que age como uma espécie de memória coletiva. De acordo com essa ideia, cada um de nós nasce com uma tendência inata para usar esses arquétipos para entender o mundo.

Fluxograma do pensamento de Carl Jung (MASSARO, 2012, p.104)

Jung considera a Persona como um dos arquétipos mais importantes, pois desde cedo percebeu em si a tendência de mostrar apenas uma parte de sua personalidade ao mundo exterior. Identificou também o mesmo traço em outras pessoas e notou que os seres humanos dividem suas personalidades em componentes e mostram apenas alguns deles de acordo com o meio e a situação.

O Self que apresentamos ao mundo (nossa imagem pública) é um arquétipo que Jung chamou de “Persona”. Ele acredita que o Self tem partes masculinas e femininas e é moldado para ser masculino ou feminino em sua totalidade tanto pela sociedade quanto pela biologia. Quando nos tornamos inteiramente homem ou mulher, deixamos de considerar metade de nosso potencial, embora ele ainda possa ser acessado através de arquétipos.

O Animus é o componente masculino da personalidade feminina e a Anima, os atributos femininos da psique masculina. Refere-se então a uma metade do ser que foi suprimida em nossa construção de homens e mulheres. Esses arquétipos nos ajudam a compreender a natureza do sexo oposto e por conterem um depósito de todas as impressões já produzidas por um homem ou mulher, refletem necessariamente as ideias tradicionais de masculino e feminino. O Animus representa em nossa cultura o “homem real”, que consiste em um ser musculoso, comandante e sangue frio. Já Anima aparece como uma ninfa da floresta, uma virgem e sedutora mulher.

Como existem em nosso inconsciente, os arquétipos podem afetar nosso estado de humor e nossas relações, manifestando-se como declarações sentimentais e proféticas (Anima) ou uma rígida racionalidade (Animus). Há também um arquétipo que representa a parte que não desejamos mostrar ao mundo chamada Sombra, que é o oposto da Persona. A Sombra simboliza todos os nossos pensamentos secretos ou reprimidos e os aspectos negativos de nossa personalidade. Em outras palavras, Sombra é o nosso lado negligenciado que projetamos sobre os outros, porém não necessariamente ruim. Pode simplesmente representar aspectos que optamos por suprimir por serem inaceitáveis em determinada situação.

De todos os arquétipos, o mais importante é o Verdadeiro Self. É um arquétipo central e organizador, que tenta trazer o equilíbrio dos aspectos com fim de formar um Self unificado. Para Jung, o verdadeiro objetivo da existência humana é atingir o ápice psicológico, que ele denomina de “autorrealização” através do Verdadeiro Self. Quando inteiramente compreendido, esse arquétipo é fonte de sabedoria e verdade, capaz de conectar o Self ao espiritual.

Fonte: http://twixar.me/73bK

Os arquétipos tem uma fundamental importância na interpretação dos sonhos. Jung acreditava que os sonhos constituem um diálogo entre o self consciente e o eterno (o ego e o inconsciente coletivo) e que os arquétipos atuam como símbolos dentro do sonho, facilitando o diálogo. Esses arquétipos tem significados específicos no contexto dos sonhos. Por exemplo, o arquétipo do(a) Velho(a) Sábio(a) pode ser representado no sonho pela figura de um pai, professor ou um líder espiritual, indicando aqueles que oferecem conselho, orientação e sabedoria. O arquétipo A Grande Mãe, pode aparecer na figura da mãe ou avó, representando a criadora que oferece confiança, cuidado e reconhecimento. A Criança Divina, arquétipo representante do Verdadeiro Self em sua forma mais pura, simbolizando pureza e inocência, aparecendo como um bebê ou uma criança.

REFERÊNCIA
MASSARO, Evelyn Kay. O Livro Da Psicologia. [s. L.]: Globo, 2012.

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A Chegada: os limites da linguagem moderna

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O filme A Chegada (2016), trata da invasão de alienígenas na Terra e da tentativa de descoberta de uma forma de comunicação com eles. Irei tratar nesse texto a simbólica presente na comunicação e no simbolismo do inconsciente representado pelas naves alienígenas.

O filme inicia com a chegada de 12 naves extraterrestres em 12 pontos do planeta. Não sei dizer se foi a intenção do roteiro, mas faço uma alusão à mandala astrológica, com os 12 signos e as 12 casas. A mandala astrológica é um símbolo da totalidade que une os 4 elementos que constituem a formação do planeta e do ser humano, com 3 modalidades, ou seja, com 3 formas da energia psíquica (ou libido) se orientar.

Sobre as naves alienígenas, Carl Jung (1991) aponta que é um assunto tão problemático que não pôde ser definido em sentido algum com a desejável clareza, embora nesse ínterim se tenha acumulado um vasto arsenal de experiência. Por isso levantou que se trata, devido a sua complexidade, de um acontecimento psíquico também.

Fonte: goo.gl/Za6Fm5

Para Jung (1991), o formato circular das naves alienígenas representa a totalidade. Uma vez que a imagem circular é um símbolo da alma e imagem de Deus:

“Eles são manifestações de impressionante totalidade, cuja simples “circularidade” representa propriamente aquele arquétipo que, conforme a experiência, desempenha o papel principal na unificação de opostos, aparentemente incompatíveis, e que por esse mesmo motivo corresponde, da melhor forma, a uma compensação da dissociação mental da nossa época.”

Ele ordena também situações caóticas e coloca o indivíduo novamente na trilha do seu processo de individuação, proporcionando a personalidade uma totalidade e unidade maiores.

Se analisarmos o filme no sentido coletivo, a simbólica da invasão alienígena representa uma mudança e um despertar para questões da alma e do inconsciente. No nível pessoal, a personagem da linguista, a Dra. Louise Banks, passa por uma transformação profunda e o contato com os extraterrestres a faz compreender o significado do inconsciente.
Ela não somente desvenda os sinais enviados pelos extraterrestres, ela compreende o significado mais profundo de sua vida e o fenômeno da precognição.

Fonte: goo.gl/kSqo28

O inconsciente coletivo, para Jung, é uma camada inata e herdada pela humanidade, portanto é universal. Lá estão os modos de comportamento que são iguais em toda parte e para qualquer indivíduo. É a natureza suprapessoal que existe em todo indivíduo.

Jung (2008) aponta a natureza peculiar do inconsciente coletivo, pois há nele uma qualidade não-espacial e atemporal: “A prova empírica deste fato encontra-se nos chamados fenômenos telepáticos que, no entanto, ainda são negados por um ceticismo exagerado, mas que na realidade ocorrem com muito mais frequência do que em geral se acredita.”

A linguagem simbólica dos extraterrestres também representa a natureza do inconsciente, que se comunica conosco por meio de símbolos. Basta observar os produtos do inconsciente como os sonhos, os mitos, os contos de fadas, a alquimia. Todos eles possuem uma linguagem que não é cartesiana, dirigida e ordenada, mas simbólica e com uma força numinosa tremenda.

O ato e a dificuldade em tentar decifrar a linguagem dos extraterrestres, mostra a dificuldade que o homem moderno, acostumado com a linguagem dirigida da consciência, tem em relação ao que é tido como irracional.
A linguagem simbólica é a base alicerce de nossa civilização e o berço de nova vida. É do símbolo e do ritualístico que surge a nova ciência. A química clássica se originou da alquimia, bem como a astronomia se originou da astrologia.

A personagem principal compreende a mensagem, que transmite o sentido do irracional. Aquilo que Jung denomina Sincronicidade, ou seja, a simultaneidade de dois eventos ocorrendo, tanto no inconsciente quanto na realidade é possível de ser compreendido e aceito, e ocorre no filme.

Fonte: goo.gl/9MCYG1

A mensagem representa a essência do inconsciente. Estamos todos conectados pelo inconsciente coletivo e esse não tem tempo e espaço. Os fenômenos sincronísticos, os sonhos premonitórios, a intuição, também fazem parte da dinâmica psíquica humana.

A representação simbólica do Self e da totalidade pelos OVNIS, trazem para a humanidade a união dos opostos, a coniunctio superior (Edinger, 2006). Que é a meta do processo de individuação, a união daquilo que a principio parece impossível de ser integrado.

Vemos no filme, não somente a união do feminino e masculino, mas também do consciente e do inconsciente, da razão e do irracional. A heroína compreende isso e passa a mensagem a humanidade. Porém, há mais um ponto que quero salientar.
Ela, por meio da interpretação da mensagem simbólica dos extraterrestres – uma analogia ao processo da análise junguiana, que busca a interpretação das mensagens do inconsciente – conhece o seu destino, e sabe que, mesmo com o sofrimento inerente ao processo, deve aceita-lo e o aceita.

Conhecer nosso destino e aceitá-lo, vivê-lo da forma mais plena possível, mesmo sabendo que o sofrimento estará lá nos esperando, não tira a beleza do que a vida pode nos proporcionar. Aceitar a alegria, o amor e a tristeza é o maior ato de heroísmo que podemos ter. A união dos opostos consiste em aceitarmos luz e sombra, alegria e dor. Isso é dizer sim a vida!

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E.F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C.G. A Natureza da Psique. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

JUNG, C.G. Um mito moderno sobre as coisas vistas no céu. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.

FICHA TÉCNICA
A CHEGADA

Fonte: goo.gl/6xFsYQ

Diretor:  Denis Villeneuve
Elenco:  Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker
Gênero:  Ficção científica
Ano: 2016

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Mulher Maravilha: um novo paradigma para a mulher moderna

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O filme Mulher Maravilha se inicia mostrando o mundo das Amazonas, na ilha de Themyscira, e como são criadas para serem guerreiras imbatíveis. Conhecemos a rainha Hipólita e sua pequena filha Diana, que se tornará a heroína da história. A Rainha narra a filha – que deseja se tornar uma guerreira – que as Amazonas foram criadas por Zeus para proteger os humanos contra a ira de Ares (deus da Guerra).

Na Mitologia Grega, as Amazonas eram integrantes de uma sociedade de mulheres guerreiras, que não permitiam a entrada dos homens e nem se casavam. Eram independente e lutavam com os homens que tentavam domina-las. Em algumas versões, elas eram proibidas de ter relações sexuais com os homens e esses eram proibidos de viver na comunidade amazona. Mas em outras versões- para preservar a raça–elas tinham relações sexuais com estrangeiros. Os meninos que nasciam destas relações eram, ou mortos, ou enviados ao pai; as meninas eram criadas pelas mães e treinadas em práticas agrícolas, e nas artes da guerra.

As amazonas aparecem em diversos mitos. Um dos mais famosos é um dos 12 trabalhos de Hércules, onde ele precisa roubar o cinturão da Rainha Hipólita. Nessa jornada, seu amigo Teseu sequestrou a irmã de Hipólita, Antíope, e essa morre em batalha contra suas compatriotas. Em vingança, por tentarem roubar o cinturão de Hipólita e por terem levado Antíope como refém, as Amazonas entram em guerra contra os gregos.

Na Mitologia, Hipólita e Antíope são filhas de Ares com a rainha Amazona Otrera. No filme, as irmãs, estão em guerra contra Ares, ou seja, elas estão em guerra com o Pai, por haverem sido reprimidas e esquecidas em uma ilha (no filme escondida por Zeus). O filme apresenta uma visão diferente da cultura patriarcal em relação ao mal. O mal entrou no mundo pelo masculino, em contraste com a cultura judaico – cristã, onde o mal entrou pela mulher. Essa talvez seja uma reação contrária a unilateralidade do patriarcado.

Contudo, no filme o mal também está presente na humanidade. O ser humano é um mosaico de opostos. Luz e sombra convivem em cada alma, e essa guerra interna é a marca do homem ocidental. A princesa Diana nasceu nessa ilha e foi treinada para ser uma guerreira desde criança. Diana é a grande heroína da história e traz uma imagem de feminino bastante valorizada nos dias atuais: o da mulher guerreira e independente.

As mulheres modernas se identificam com esse papel de guerreira e são treinadas desde novinhas a assumi-lo. Hoje a mulher tem sua carreira, cuida da casa, dos filhos e de si própria e cada vez mais desconfia do amor e do relacionamento. Mas ela também é a heroína, ou seja, ela irá restaurar a situação saudável da Psique (Von Franz, 2005).

O filme apresenta dois mundos bem distintos: o das Amazonas, escondido, matriarcal e com um ódio terrível dos homens e o dos humanos, em guerra e estritamente patriarcal. Diana tem como missão unir esses mundos. As Amazonas eram estritamente matriarcais, adoravam a deusa Ártemis – senhora da natureza e vida selvagem -, cultuavam a terra e eram agrícolas.

Como afirma Neumann (1995), o desenvolvimento da psicologia feminina no patriarcado está em oposição a Grande Mãe. Mas ele não deve levar a violentação da natureza feminina através do masculino, nem o feminino deve perder o contato com o Self feminino. O “aprisionamento no patriarcado” representa uma derrota diante da estabilidade matriarcal feminina, por isso a oposição das forças matriarcais forma uma oposição ao aprisionamento do feminino no patriarcado. Podemos ver a ação dessas forças de oposição nas Amazonas e seu ódio aos homens.

Essa força opositora pode parecer regressiva, mas existe nela um elemento positivo no desenvolvimento feminino. Diana é impulsionada por essa “regressão”. O ódio impulsionado pela sombra feminina leva a heroína a uma ampliação da personalidade. Seu nome vem da deusa romana equivalente a Ártemis. Deusa da Lua e da caça, Diana era uma caçadora vigorosa e indiferente ao amor. Portanto, vemos o desenvolvimento provindo do aspecto feminino do Self em uma ação “regressiva”.

Diana observa um avião das forças armadas caindo na ilha e resgata o capitão Steve Trevor. A ilha logo é invadida pelo grupo de alemães que o perseguia. Conhecendo Steve, Diana coloca em movimento as forças masculinas de sua natureza. Ela sai armada de uma espada com ele e passa a percorrer um caminho que se opõe a Grande Mãe. Com ele, Diana vai colocar em movimento as forças masculinas positivas, para então se apaixonar e abandonar toda a inflação que essas forças provocaram em si.

Diana como um ego ideal, mostra como o ego feminino empresta a força masculina positiva para então sucumbir (do ponto de vista do patriarcado) ao amor, assim como Psiquê no mito “fracassa” movida por amor a Eros. A heroína parte rumo ao encontro com Ares para mata-lo e acabar com a guerra, que está destruindo a humanidade. Nesse embate Diana irá se confrontar com o aspecto paterno terrível.

No processo de desenvolvimento psíquico, o confronto com os aspectos terríveis da uroboros materna e paterna são decisivos para a estruturação da personalidade. Diana usa a espada nesse confronto, ou seja, ela ainda se apropria dos aspectos masculinos da personalidade nesse embate. Mas ela realmente se descobre e atinge a realização ao abrir mão da espada.

Steve se sacrifica pilotando um bombardeiro. Ao presenciar a morte do amado – que se sacrifica pela humanidade – Diana acessa o amor e a compaixão, todos aspectos da coniuctio superior, que na alquimia é o objetivo máximo da opus e do processo de individuação (Edinger, 2006). Com esse confronto e com esse amor ela se descobre deusa e imortal, bem como descobre sua missão. Edinger (2006) comenta que a coniuctio superior, o Si – mesmo une e reconcilia os opostos, com isso o ego humano faz com que o Si – mesmo se manifeste. Mas esse sustentar os opostos equivale a uma paralisia que chega às raias de uma verdadeira crucificação.

Jung (1997) sobre a coniuctio diz:“(…) E uma imagem daquele que ama alguém e seu coração é ferido de amor. Assim Cristo foi ferido na Cruz pelo amor à Igreja. ” Ele cita Santo Agostinho: “Cristo caminha em frente como o esposo ao deixar seu aposento; como o presságio das núpcias, sai para o campo do mundo…chega ao leito nupcial da cruz e lá estabeleceu a união conjugal…e entregou-se em castigo no lugar da esposa…e uniu a si sua mulher por direito eterno. ”

Portanto, em Mulher Maravilha, vemos retratado simbolicamente o desenvolvimento feminino rumo a realização máxima do processo de individuação, que ocorre por meio do amor. Diana suporta o sofrimento em si própria e integra os aspectos positivos e negativos de forças arquetípicas. Ela une Logos e Eros em si e se torna um símbolo que pode espelhar o desenvolvimento da mulher moderna em seu processo de individuação.

REFERÊNCIAS: 

EDINGER, E.F. Anatomia da psique:O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. O Desenvolvimento da Personalidade. Ed Vozes. Petrópolis, 1988.

JUNG, C.G. MysteriumConiuctionis. ed.Vozes. Petrópolis: 1997.

NEUMANN, E. Amor e Psique – Uma interpretação psicológica do conto de Apuléio. São Paulo, Cultrix: 1995.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed.Paulus. São Paulo: 2005.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

MULHER MARAVILHA

Diretor: Patty Jenkins
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright;
País: EUA
Ano: 2017
Classificação: 12

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A Onda: uma análise sobre persuasão, construção do self e realidade social

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O presente trabalho tem a intenção de relacionar os conteúdos da disciplina Psicologia Social com o filme “A Onda”. O filme foi lançado em 2008, com direção de Dennis Gansel, apresenta enredo baseado em fatos reais e narra a semana pedagógica de uma escola nos Estados Unidos, enfatizando uma turma do Ensino Médio que discutiu o tema Autocracia. Ao longo da trama, o professor Rainer Wenger que conduz as aulas, mostra para os jovens como ainda é possível viverem numa ditatura nos dias atuais. Isto, através de um movimento intitulado “A Onda”, que faz com que os alunos cheguem a um estado de alienação, resultando em uma grande tragédia.

A partir do filme é possível dizer que muitos são os conteúdos de Psicologia Social que se apresentam ao longo da história. Tendo em vista que a Psicologia Social visa estudar “o comportamento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente” (LANE, 2006, p. 8). Assim, a partir do contexto em que os jovens da “Onda” estavam inseridos, foram transformando-se e constituindo-se a partir de suas experiências no movimento social. Com relação aos temas da disciplina, serão apresentadas articulações entre o filme e os temas Identidade, segundo Jacques (1998) e Persuasão de acordo com Myers (2014), a partir de textos que foram discutidos durantes as aulas.

O filme “A Onda” a partir da perspectiva da psicologia social

No início do filme, foi apresentado um pouco do professor Wenger, uma pessoa aparentemente bem liberal, que gosta de “Rock andRoll” e tem um estilo descontraído. A trama começa quando ele é informado que irá ministrar um curso de uma semana sobre Autocracia, com o qual não se identifica. De início, Wenger tenta trocar com o professor que abordaria o assunto Anarquia, porém isso não foi possível. Articulando o filme com o conteúdo da disciplina, é possível dizer que a identidade do professor é constituída por elementos de uma pessoa descontraída e divertida. Identidade, conforme apontado por Jacques (1998, p.161) refere-se a “um conjunto de representações para responder a pergunta quem és”.

wenger

Fonte: http://migre.me/vDH32

Segundo Erik Erikson (1972, apud Jacques, 1998), um dos autores cujos estudos sobre o tema são bastante difundidos, a identidade tem como modelo o indivíduo em situação de competência e eficácia sociais. No primeiro dia de curso Wenger se espanta, pois devido sua popularidade e por ser visto como um professor bacana, sua turma estava cheia, mesmo sendo um assunto pouco interessante. A turma era constituída pelas mais variadas “tribos” alunos de todos os estilos e culturas diferentes. O professor pergunta se eles sabem o que significa “Autocracia”, surgem alguns palpites, uns em tom de brincadeira e outros que se aproximam do que realmente o assunto aborda.

Inicialmente, Rainer não sabia ao certo como abordar tal assunto e questionou a turma se atualmente seria possível uma ditadura na Alemanha, os alunos alegam que não e acabam debatendo sobre o isso, abrindo espaço para o professor iniciar seu experimento prático sobre o tema. Ao retornarem de um breve intervalo os alunos viram que as disposições das carteiras estavam de maneira diferente, a partir da qual todos podiam sentar-se de maneira organizada.

Analisando as condutas do professor a partir dos elementos da persuasão, entende-se que Wenger utilizou da rota periférica para influenciar os alunos. Segundo Myers (2014) esta implica em menos reflexão, neste traço são explorados elementos que gerem aceitação sem recorrer ao pensamento. Ou seja, tenta-se tornar a mensagem atrativa por meio de associações favoráveis. A maioria dos alunos não sistematizavam hipóteses e argumentos sobre o que lhes era dito, eram deixados levar pela simpatia e emoções. O ideal de bem comum e ser aceito independentemente do que se é, foi atrativo aos alunos. Assim, Wenger utilizou da estratégia para persuadir os jovens e levá-los a mudanças de comportamento.

Nesse mesmo contexto, no decorrer das aulas de Autocracia e a partir das metodologias utilizadas, foi possível verificar que conteúdos como conjuntos de traços, de imagens, de sentimentos pertencentes a cada aluno, ou seja, a identidade pessoal – ou “self” termo norte-americano – é gradativamente moldada, tomando forma uma identidade social pautada em atributos que assinalam a pertença em um grupo (JACQUES, 1998).

a-onda-turma

Fonte: http://migre.me/vDHU7

O professor pergunta a turma quais são os requisitos de um sistema autocrático, são apontadas questões de vigilância, insatisfação e liderança. Wegner organiza com a turma um grupo, a partir dos princípios autocráticos. Os alunos o elegeram como líder e então o professor impõem algumas regras que deverão ser seguidas no decorrer da semana. A princípio, alguns alunos relutam, mas ele tenta mostrar-lhes os benefícios das novas condutas e assim atinge bons resultados.

Wegner se mostra como especialista uma vez que é professor, por isso tem certa credibilidade para falar sobre o tema. Bem como, é confiante ao falar. Ao longo do filme é firme em suas falas, tornando-as mais convincentes. Tudo isso, segundo Myers (2014) faz com que o indivíduo pareça mais crível e a persuasão seja mais eficaz. O título de professor refere-se a sua identidade social. Esta classificação é uma das subdivisões dos sistemas identificatórios e segundo Jacques (1998, p. 161) está relacionado a “atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias”. Neste caso, está relacionado à sua profissão.

Apesar disso, alguns alunos não concordavam com as regras, por isso, foram convidados a se retirarem caso não aceitassem as imposições. Essa situação pode ser caracterizada como uma tentativa do professor de eliminar possíveis contra-argumentos, que possam levar os alunos a refletirem contra suas propostas (Myers 2014). Em seguida, começam os debates sobre autocracia, já com maior participação dos alunos. Mesmo após a aula, os jovens ainda se comportavam conforme as imposições de Wegner, embora ele alegasse que estas normas eram apenas para o momento de aula. Isto demonstra que os alunos já estavam sendo influenciados pelo discurso do professor.

Wegner treina seus alunos para persuadirem outras pessoas, no intuito de mostrá-los como a ditadura pode voltar a existir. Um exemplo disso é quando Lisa vai responder aos seus questionamentos, a aluna inicia com insegurança, então ele busca orientá-la a responder de forma curta e precisa. Para assim, quando eles forem falar com outras pessoas o discurso seja mais eficaz, pois conforme citado anteriormente, falas concisas e seguras podem ser mais influentes. Os alunos não conscientes de que estavam sendo persuadidos, chegam em suas casas falando com empolgação sobre o que haviam aprendido. Como também já adotaram algumas medidas de disciplina que lhes foram impostas, se levantavam para falar, se dirigem ao professor com título de autoridade, além de tentar convencer os demais sobre atratividade a aula.

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Para Myers (2014) alguns dos aspectos que contribuem para a percepção de fidedignidade do comunicador são: falar olhando nos olhos, a audiência crer que não estão tentando persuadi-los, e falar rápido. O professor Wegner utilizou esses princípios para convencer os alunos, sempre fitava a classe, a turma não percebia que estava sendo manipulada e Wegner falava firme, sem titubear e rápido. Isto pode ter contribuído para a adesão dos alunos as propostas do professor.

No segundo dia o professor pede aos alunos que repitam alguns movimentos feitos por ele. Por fim, todos estavam batendo os pés como se estivessem marchando em um único ritmo. Alegando que “aos poucos a gente está se tornando uma unidade, este é o poder da união”. Finaliza dizendo “União é poder”. Tudo isso, com um propósito de interação, desmanchar grupinhos, desfazer as diferenças sociais que existiam entre os alunos para que ambos possam se ajudar.

O discurso do professor a respeito da união e de quão importante é estarem juntos para atingir seus objetivos, também é uma das características para uma persuasão eficaz. Segundo Myers (2014) é relevante que o comunicador inicie utilizando argumentos que a maioria concorda. A partir das cenas anteriores, é possível perceber como os alunos valorizavam essa interação, alguns até relatavam, ainda que de forma sútil, como era importante acabar com os preconceitos e estigmas existentes.

A fim de delinear a suscetibilidade da turma para a persuasão através do discurso da união e bem comum de todos é importante relembrar uma das primeiras cenas, na qual numa festa no bar, os jovens em uma conversa dizem: “Martin, me diz uma coisa não tem mais nada, contra o que é que a gente vai se revoltar hoje em dia? Parece que nada mais vale a pena sabe, tipo, a gente só quer se divertir o que falta pra nossa geração é um objetivo comum, pra unir a gente”. Neste momento já era possível perceber como os alunos desejavam essa união.

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Analisar a audiência é um dos elementos imprescindíveis, para assim, delinear estratégias realmente eficazes para influenciar quem recebe a informação. Para isso, é importante considerar a idade dos ouvintes (Myers, 2014). O autor acrescenta que jovens são mais instáveis, logo persuadi-los é mais fácil. Diante dessa afirmação, é possível dizer que os adolescentes, frente às dúvidas e possibilidades se deixaram levar pelo discurso do professor, já que a partir do movimento passaram a conviver em grupo e suprir algumas de suas necessidades, além desconstituírem suas identidades a partir da experimentação do meio agitado da “onda”.

Nesse sentido, Myers (2014, p. 145) aponta que “se a mensagem desperta pensamentos favoráveis, pode nos persuadir”. A cada aula os alunos articulavam o discurso com pensamentos agradáveis, como o de bem comum, a possibilidade de serem aceitos e pertencer a um grupo, tudo isso potencializava a persuasão. Alguns alunos da turma de anarquia começaram se interessar pelo que está acontecendo na turma de autocracia e mudaram de curso. O professor lança alguns assuntos e faz com que os alunos façam aquilo que ele gostaria que fizessem, por exemplo, ele fala sobre uniformidade, grupos e igualdade social, então os alunos falam sobre uniformes, e o professor propõem que durante essa semana todos usem um uniforme como camisa branca e calça jeans, assim os alunos aceitam.

Diante dessa ideia de igualdade e ausência de preconceitos, os alunos se envolvem. Um dos alunos alega não ter dinheiro para comprar o uniforme, outro já influenciado pela ideia de bem comum e união, diz ter duas camisetas e oferece uma ao colega. Liza, diante dessa necessidade de se sentir pertencente compra uma camisa branca, apesar da dificuldade financeira. Esse envolvimento dos alunos mostra que eles já estão sendo influenciados e está havendo uma mudança de comportamento.

Apesar do engajamento de alguns alunos, as táticas de persuasão não influenciaram todo mundo. Algumas alunas com características diferentes não estavam tão suscetíveis, por isso é possível dizer que precisariam de outras técnicas de persuasão de acordo com suas peculiaridades. Karo e Mona apresentavam uma identidade mais reflexiva e voltada para a argumentação, o que ia de encontro às estratégias utilizadas por Wenger.

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No terceiro dia, quase todos os alunos vão à aula uniformizados, com exceção de Karo, que vai sem camiseta branca, e é repreendia por alguns colegas. Mona abandona o curso por não estar contente com o rumo que está tomando a disciplina e a turma tem novos alunos. Em seguida, é sugerido que o grupo tenha um nome, vários alunos dão sugestões, Karo que está sem uniforme é ignorada por algum tempo. Por fim, os alunos votam e optam por “A Onda”, e um dos alunos é escolhido para fazer a logo do movimento.

Wenger diz que “ação é poder” questionando qual o objetivo das boas ideias se não virarem ações, dizendo que “a onda” é o bem maior, que todos podem cooperar criativamente, os alunos se empolgam e surgem muitas ideias de como divulgar o movimento, como tornar “A Onda” conhecida. Segundo Myers (2014) uma das possibilidades para tornar a persuasão mais eficaz é tornar o membro ativo no movimento, ou seja, lhe dar atividades para executar.

É então que surgem os papéis que cada um do grupo vai desempenhar, segundo Erving Goffman (1985, apud Jacques, 1998), cada personagem atua conforme a função que vai desempenhar no palco social. Sendo assim, “os papéis sociais caracterizam a identidade do outro e o lugar no grupo social; o personagem, enquanto representa um papel social, representa uma identidade coletiva a ele associada, construída e mediada através das relações sociais”.

O professor gosta de ver que a turma está envolvida e Karo se sente excluída. A partir daí os alunos começam a falar para outras pessoas que o movimento é legal, que devem participar, e já se assumem como membros do grupo. O professor está empolgado com a participação dos alunos e que todos têm demonstrado pelo assunto. Tim, um dos alunos, começa a se envolver verdadeiramente com o movimento, levando tudo muito a sério. Isto pode estar relacionado com sua história pregressa e ausência de reforçadores, o que aumentou sua suscetibilidade, uma vez que estar no grupo lhe proporcionava experiências de inclusão e reconhecimento. Outros alunos fazem moldes e adesivos, deixando as marcas da “Onda” pela cidade. O movimento se tornou muito atrativo aos demais jovens.

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Na quinta-feira, o movimento está mais forte, os alunos se assumem para outros colegas como participantes de um grupo, e criam uma saudação. Wenger gosta da ideia e diz que todos devem aderir à saudação. Karo chama o professor para conversar e diz que “A Onda” está fora de controle, e pede para o professor parar, ele diz que falta somente um dia que ela não deveria desistir tão fácil. A aluna não aceita os desdobramentos do movimento e o estado de alienação de todos, então Wenger pede que ela mude de turma. Mais uma vez, nota-se a exclusão de pessoas que possam contra argumentar e influenciar os membros negativamente.

Devido a proporção do movimento, a diretora chama o professor para um conversa, pois alguns colegas não têm apoiado a atitude pedagógica dele. Porém, ela tem visto mudança nos alunos, inclusive pais tem elogiado o trabalho realizado durante a semana. Um grupo de anarquistas encontra alguns membros da “Onda” na rua e começam uma briga, Tim saca um arma e aponta para os “rivais”, fazendo que eles se retirem do local.

Os amigos de Tim se assustam, pois não sabiam que ele possuía uma arma, o garoto diz que a arma é de festim. Aqui já é possível perceber o nível de engajamento dos alunos, que não refletem mais sobre suas ações e chegam a se comportar de modo negativo em defesa da “Onda”. Os alunos se sentem amparados pela “Onda” como se fosse uma família, por meio dos vínculos estabelecidos.A noite o grupo faz uma festa, enquanto isso, Karo faz panfletos pedindo para pararem o movimento, a garota os espalha pela escola, porém os integrantes do movimento conseguem recolhe-los antes dos outros alunos verem.

Na sexta-feira Wenger vê no jornal que seus alunos fizeram pichações pela cidade e fica muito bravo com a situação, diz que isso está indo longe demais, e pede para os alunos escreverem sobre as experiências que tiveram durante essa semana. Pede também, para os alunos estarem no jogo de polo aquático, apoiando o time da escola. O movimento se organiza de tal maneira que todos que vão ao jogo de camisa branca, e bloqueiam a entrada de quem não aderiu ao grupo. Durante o jogo Karo e Mona distribuem os panfletos para pararem com “a Onda”, por isso começam brigas na piscina e na arquibancada.

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Em seguida, a esposa de Wenger diz que ele está manipulando a turma e que deve parar com isso. Marco também pede que o movimento pare, pois está tomando proporções que o próprio Wenger desconhece. Todos estão vivendo pela “Onda” e brigando com pessoas que não aceitam o movimento. Marco diz que a pseudo disciplina é totalmente fascista. Aqui é possível perceber que o aluno já está refletindo acerca de seus atos e do movimento. Sobre essa mudança de comportamento, Myers (2014) alega que apesar da persuasão pela rota periférica ser mais rápida é possível que ela também seja momentânea, o que pode justificar esse fato.

Na cena final, Wegner reúne os jovens no auditório para conversarem sobre o movimento “A onda”, ele inicia lendo os relatos dos alunos sobre a semana em que estiveram engajados no projeto. Nesse momento, notou-se como os alunos diziam estar felizes, por finalmente participarem de um movimento coletivo. A cena é marcada por frases como: “A onda nos tornou iguais”. “Sempre tive tudo que quis, roupas, dinheiro, tudo o que eu mais tinha era tédio, mas os últimos dias foram muito divertidos, não importa agora quem é o mais bonito, mais popular ou faz mais sucesso”. “Raça, religião e classe social não importam mais, pertencemos a um movimento, a onda deu significado a nossa vida, ideais pelos quais lutar… é muito melhor ser parte de uma causa”.

A partir dos relatos verifica-se que essa união da “Onda” e o sentimento de pertença constituíam para cada indivíduo sua identidade social, originada pelo grupo. Assim, ser membro do movimento se tornava um atributo para os jovens (JACQUES, 1998). Esse cenário serve de modelo ao que Jacques (1998) explica sobre identidade pessoal e identidade social como algo indissociável em plena construção do eu-social:

[…] é do contexto histórico e social em que o homem vive que decorrem as possibilidades e impossibilidades, os modos e alternativas de sua identidade (como formas histórico-sociais de individualidade). No entanto, como determinada, a identidade se configura, ao mesmo tempo, como determinante, pois o indivíduo tem um papel ativo quer na construção deste contexto a partir de sua inserção, quer na sua apropriação. Sob esta perspectiva é possível compreender a identidade pessoal como e ao mesmo tempo identidade social, superando a falsa dicotomia entre essas duas instâncias. Dito de outra forma: o indivíduo se configura ao mesmo tempo como personagem e autor – personagem de uma história que ele mesmo constrói e que, por sua vez, o vai constituindo como autor (JACQUES, 1998, p. 140).

Em seguida, o Professor Wenger relata que é impressionante o que aprenderam com o movimento e que a “Onda” não deve terminar. Marco diz que Wenger está manipulando os alunos. O professor em tom firme diz que “A Onda se espalhará pela Alemanha” e manda levarem Marco, o traidor até ele. Pergunta à turma o que devem fazer com o traidor, determina que o aluno que levou Marco ele, determine o que fazer. Mas, o aluno diz que só fez o que o professor mandou.

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Nesse momento, Wenger começa a mostrar o que fazem os líderes em uma ditadura, tenta mostrar para os alunos que o rumo que o movimento tomou não era o certo, que eles estavam sendo fascistas, que estavam excluindo os que não concordavam com a ideologia da “Onda”. Afirma que foram longe demais e que estava na hora de acabar. O aluno Tim não concorda, saca uma arma e diz que ninguém deve sair, ele não quer que o movimento termine.Um dos colegas diz que a arma é de festim e ele atira. Depois aponta a arma para Wenger e diz que “A Onda” era sua vida, ameaça o professor, pois está inconformado com o fim do movimento. Logo após, Tim se mata.

Para Tim, tal grupo social representava seu lugar no mundo. Ele tinha incorporado uma identidade pessoal que não condizia com a realidade e pensar em viver sem desempenhar esse papel no mundo era sobremaneira insustentável para ele. Por não mais saber responder a questão “quem és” o fez agir sem reflexão e impetuosamente pelo simples fato de ter sua identidade perdida no vão social. Em pânico, os alunos são tirados do auditório e o professor é preso, como corresponsável pelos atos dos alunos.

Segundo Myers (2014, p. 150) “os grupos tem poder para moldar opiniões e comportamentos de seus membros”. O autor acrescenta que a partir do mundo que os indivíduos se inserem num grupo é ele quem oferece identidade e define a realidade dos participantes. Assim, os alunos que ainda eram jovens, logo instáveis, perceberam no grupo uma oportunidade de afirmarem suas identidades, através dos reforços obtidos por meio de seus comportamentos, resultando em uma alienação total.

Diante do exposto e das articulações realizadas, podemos concluir que a identidade de cada indivíduo varia de acordo com a realidade social e o ambiente que este está inserido. Tudo isso, pois ao nascer o indivíduo traz consigo algumas características inatas, relacionadas a sua estrutura biológica e ao longo de sua vida é moldado pela influência cultural de outros com que ele convive (BONIN, 1998). A partir das vivências e interações são assumidos diversos papéis, como por exemplo, o papel de pai, filho, amigo, estudante. O grupo do enredo em questão possuía uma identidade antes da intervenção do professor, identidade essa que foi moldada e alterada de acordo com os desejos e interesses propostos pelo professor, que utilizou técnicas eficazes de persuasão, que alteraram o “self” e o comportamento em grupo dos alunos.

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Fonte: http://migre.me/vDIJl

A postura e a firmeza do professor Wenger tornaram a persuasão efetiva, fazendo o grupo acreditar que o movimento “A Onda” era o melhor para eles e para todos os que estavam a sua volta. Assim, os alunos persuadiram pessoas do seu convívio diário a participarem de tal movimento, alegando que os levaria a uma igualdade social tanto na questão de identidade como em oportunidades e unidade.

A partir das mudanças mostradas ao longo da trama notou-se como os comportamentos são influenciados pelo meio, como a persuasão pode ser efetiva e levar a novas ações. Bem como, a pertença em um grupo é capaz de moldar opiniões. A partir de tantas interferências, se o indivíduo não for souber de fato se apropriar do meio criativamente e ser ativo no processo de construção de si, ele de modo acrítico passa a fazer a ser conduzido por terceiros. São essas relações entre indivíduo e sociedade que viés para estudos da Psicologia da Social.

REFERÊNCIAS:

BONIN, Luiz Fernando Rolim. Indivíduo, cultura e sociedade. In: JACQUES, Maria da Graça Corrêa et al. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998.

JACQUES, M. G. C. Identidade. Em: JACQUES, M. G. C. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998.

LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.

MYERS, D. G. Persuasão. Em: MYERS, D. G. Psicologia Social. Porto Alegre: Artmed, 2014.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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A ONDA

Direção: Dennis Gansel
Elenco: Jürgen Vogel, Max Riemelt, Jennifer Ulrich, Frederick Lau, Dennis Gansel
País: Alemanha
Ano: 2008
Classificação: 16

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