Apatia emocional no (quase) pós-pandemia: um recorte para adolescentes em idade escolar

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A longa duração da pandemia do covid-19 tem revelado um vasto cenário de consequências e imprevisibilidades comportamentais que acometem pessoas das mais variadas idades, mas principalmente os jovens a partir de 12 anos de idade em idade escolar. Apatia emocional e cansaço extremo tem sido a maioria das queixas dos adolescentes na escola. Estudantes enfrentam a dura luta de reaprender a pensar, estudar, estabelecer relações lógicas, e fazer uma prova ou uma simples atividade avaliativa em sala de aula. O ato em si de concentrar-se em uma sala de aula incorre em incômodos que vão desde a inquietação e ansiedade a total apatia emocional.

Muitos dos efeitos da pandemia sobre a nossa saúde mental são facilmente identificáveis. Um desses efeitos sentidos as vezes permanece escondido e é até difícil de nomear. O Sociólogo Corey Keynes nomeou esta sensação “languishing”. Tal sentimento foi descrito pelo psicólogo organizacional Adam Grant no jornal The New York Times, é um estado emocional que, em sua essência, se define pelo vazio…. O Psicólogo definiu esse estado de moleza, cansaço e desânimo como “definhamento”.

De acordo com o autor, isso acontece quando uma pessoa tem a sensação de vazio e estagnação na forma como ela se percebe diante da vida. Os sinais são variáveis e passam por esquecer que dia da semana é hoje frequentemente, e por uma impressão de que se está observando a própria por meio de um para-brisa enevoado. Uma parcela da população mundial já lida com as consequências da apatia persistente, marcada, substancialmente, pela sensação de vazio que determina o languishing, sensação que não passa, perdura dia após dia.

É como se a pessoa estivesse no limbo, num estado de indecisão, incerteza, indefinição e nada a movesse para sair desse lugar. É viver com sentimento de desalento e desamparo.

Fonte: encurtador.com.br/cmPW2

Para Adam Grant, esse sentimento poderia se tornar a emoção dominante em 2021, o que de fato presenciamos isso nos estudantes nas escolas. Em 2022 o cenário mudou pois já com muitas pessoas vacinadas a incidências de casos da covid-19 caiu drasticamente, porém agravou-se pelo estado de irritação e impaciência de adolescentes inseridos em ambiente escolar. Enquanto estudantes, eles tem que lidar com sua rotina de estudos que inclui o tempo de permanência dentro da sala de aula por até seis horas aulas por turno com um intervalo de recreio em média de 30 minutos. Essa rotina que antes da pandemia era considerado tranquila, hoje é reforçado por comportamentos de desprezo, inquietação, imediatismo, irritabilidade e apatia emocional. Todo esse comportamento é resultado de período longo de enclausuramento pandêmico, fato que levou os adolescentes a repensarem o tempo de permanência dentro da escola e até a metodologia de ensino neste período quase pós pandêmico.

Não podemos deixar de considerar o fato de que a pandemia acentuou a diferença entre aqueles que já apresentavam dificuldades na aprendizagem, hoje o simples ato de aprender exige muito mais deste aluno como do professor regente. O ensino online modelou o comportamento dos estudantes e consequentemente é um causa para o medo e a desmotivação atual na escola.

Diante deste cenário é fato que o ensino aprendizagem apresenta grandes desafios que envolvem desde novas metodologias e estratégias de ensino a formas empáticas de acolher, escutar e tentar perceber as diversas nuances comportamentais afloradas e repercutidas dentro da sala de aula como também ter um olhar diferenciado para aqueles alunos de inclusão social e pedagógica. Esse movimento é perfil característico de um novo educador, que também precisou de reinventar, aprendendo novas tecnologias e utilizando novas metodologias transformando um ambiente virtual em uma sala de aula.

Fonte: encurtador.com.br/qPVWZ

Infelizmente ainda vivemos em um mundo onde muito se estigmatiza a saúde mental, onde é mais fácil rotular do que pensar sobre as causas de comportamentos afetivos. Hoje vivemos um tempo em que o ser humano grita para ser ouvido e entendido. De acordo com (GRADIN, 2018) rotineiramente adolescentes e jovens buscam ajuda psicológica com sintomatologia de tédio, apatia e vazio existencial. Tais casos são corriqueiros e frequentes em consultório e trazem uma narrativa de carregarem um vazio incômodo, pesado e paralisante.

É necessário pensarmos na complexidade do ser humano, observando as premissas que norteiam as causas e relações dos comportamentos humanos. Assim poderemos perceber que há fatores determinantes que afetam a saúde emocional de muitos e que no caso dos adolescentes, esses fatores são mais intensos, profundos e por muitas vezes paralisantes. Ao reconhecer que muitos adolescentes estudantes estão definhando, podemos começar a dar voz ao desespero silencioso e iluminar um caminho para sair do vazio.

De acordo com Morin ao pensar complexo deve-se considerar a incerteza e as contradições como parte da vida e da condição humana e ao mesmo tempo o autor sugere que a solidariedade e a ética deve ser o caminho para a religação dos seres e dos saberes.

Fonte: encurtador.com.br/azFJK

No início do século XX ocorreram duas revoluções, uma envolvendo a teoria da relatividade de Albert Einstein e a outra a mecânica quântica de Max Planck. Tais teorias obrigaram a humanidade a rever doutrinas e tiveram aplicações nas mais diversas áreas, da filosofia à indústria bélica. A teoria quântica, por exemplo, derrubou certezas da Física e as substituiu pela noção de probabilidade. A relatividade pôs em questão os conceitos de espaço e tempo.  Essas e outras reformulações do conhecimento humano levaram Morin a definir sete “princípios-guia” da complexidade, interdependentes e complementares. São eles os princípios sistêmico (o todo é mais do que a soma das partes), hologramático (o todo está em cada parte), do ciclo retroativo (a causa age sobre o efeito e vice-versa), do ciclo recorrente (produtos também originam aquilo que os produz), da auto-eco-organização (o homem se recria em trocas com o ambiente), dialógico (associação de noções contraditórias) e de reintrodução do conhecido em todo conhecimento.

A escola da contemporaneidade precisa pensar nessas novas ferramentas de estratégias para serem utilizadas livremente desde o planejamento das aulas até a ministração da aula em si de forma a contemplar os diversos estados emocionais que podem eclodir dentro da sala de aula.

A psique juvenil está em fase de desenvolvimento, muitos pensamentos e sentimentos se conflituam deixando ainda mais intenso e dolorosos os processos relacionais. É necessário que na escola haja um olhar empático, uma visão de todos, sem fragmentações, encaixar todos no mesmo quadrado e sim pensarmos o ser humano com Carl Jung pensou, quando disse: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”.

REFERÊNCIAS 

AVENTURA DE CONSTRUIR. Um novo normal também na escola. Disponível em: https://aventuradeconstruir.org.br/. Acesso em: 24 abr. 2022.

BOCK, A. M. B. A adolescência como construção social: estudo sobre livros destinados a pais e educadores. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) • Volume 11  • 63-76, , v. 11, n. 1, p. 63-76, null.

CORREIO BRAZILIENSE. Entenda o languishing: entorpecimento da vida e sensação de vazio. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/01/4981358-entenda-o-languishing-entorpecimento-da-vida-e-sensacao-de-vazio.html. Acesso em: 24 abr. 2022.

MORIN, Edgar. A Educação e a Complexidade do Ser e do Saber. 13. ed. São Paulo: Editora Vozes, 2011.

NOVA ESCOLA. Edgar Morin, o arquiteto da complexidade. Disponível em: https://novaescola.org.br. Acesso em: 24 abr. 2022.

VIVA BEM UOL. Languishing: o que é essa sensação de apatia que cresceu durante pandemia?. Disponível em: https://www.uol.com.br/. Acesso em: 24 abr. 2022.

VOCÊ RH. Desânimo e apatia se proliferam na pandemia: como enfrentá-los? . Disponível em: https://vocerh.abril.com.br/. Acesso em: 24 abr. 2022.

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Janelas

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Da janela observa-se tantas coisas… O céu nublado, ensolarado, estrelado também. Vê-se os pássaros, as plantas a balançar, as pessoas entre tantos haveres…

De dia, da janela eu ouço os pássaros, sinto o vento a tocar meu rosto, vejo a luz entrar, as nuvens passarem a cada instante de um jeito diferente até o cair da tarde quando a noite renasce, ainda posso admirar as estrelas.

Às vezes perdida em meus pensamentos, sorrindo ou chorando, de raiva ou de alegria, da janela eu sinto o turbilhão de sentimentos que faz morada na minha mente como se ali fosse sua casa, e de fato é!

Eu sinto tanto o mundo lá fora que muitas vezes me pego a sorrir diante das sensações que se alojam desesperadamente em cada ponto que marca a minha vida nesse lugar que chamam de globo terrestre que gira e gira sem parar.

Lá de fora pensam, riem, choram, lamentam, reclamam, agradecem entre tantos outros sentidos. Mas o que ninguém sabe é o que se passa dentro das janelas de cada um que compõem essa jornada.

Houve um tempo em que o respirar me parecia um sufoco, uma raiva que precisava ser contida e nas várias sensações e recordações de uma alma viva dentro de um corpo de ser humano.

Nas constantes transformações em que essa esfera se encontra, o que de fato o que se constrói? Eu sei que é muito importante sentir, difícil de entender para uns… às vezes eu também não entendo.

De dentro da janela subsiste a dor escondia, a palavra ocultada, silenciada, o riso forçado, o amanhecer deplorado, um entardecer sem sentido e uma noite que cai como uma folha seca de uma árvore qualquer, é muitos as vezes quem se compõe aqui.

Do lado de dentro quantas lembranças boas, quantas risadas, quantos choros e quantas dores marcam as essas almas?

Quantas pessoas estão conectadas na mesma sintonia? No mesmo choro, no mesmo sorriso ou imersa em sua solidão?

Várias escutando o mesmo som, amando, comendo ou odiando e vivendo em infinitas possibilidades.
Não sei, nunca saberei a realidade delas, me perco nas minhas próprias, mas lúcida estou e tenho certeza que nem muita gente tem a janela pra olhar por fora ou lá fora, mas com certeza entre os muros que as separam existem no íntimo tantas coisas que por dentro desses muros com janelas ou sem que o universo desconhece e que talvez nunca irá conhecer… Porém ruim ou bom encontram-se conectados na mesma reciprocidade dos seus sentidos.

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David Hume: o hábito como máxima

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Iremos abordar as principais ideias e estudos do importante filósofo escocês, historiador e empirista David Hume, que nasceu em Edimburgo, no ano de 1711. Hume foi conhecido por aplicar o padrão de que não há ideias inatas e que todo o conhecimento vem da experiência que nos permite saber sobre causa e efeito. Um dos principais objetivos do filósofo é o de encontrar limites do conhecimento humano, que para ele irão se revelar através das experiências, logo, passando a ter lugar central na filosofia do século XVIII.

Hume aponta para um novo cenário de pensamento ao introduzir os métodos experimentais aos fenômenos mentais. Para ele, todo o nosso conhecimento de mundo e o nosso processo de conhecimento se dão pelas percepções ou pelas ideias formadas por elas, baseando parte dos nossos raciocínios em acontecimentos que nossa experiência define como “prováveis”. Assim, ele diz que determinadas conclusões que chegamos sobre o mundo e as coisas não são fundamentadas na razão, mas, fundamentadas numa crença que obtemos pela regularidade com que as nossas experiências se repetem se tornando um hábito, um costume. As percepções são definidas como fenômenos que se dão pela mente através das sensações internas ou externas, garantindo assim a existência do objeto, logo que, ele só é percebido quando existe. Ele as subdivide em duas classes: impressões e ideias.

Fonte: http://zip.net

Segundo Hume (1992) as impressões caracterizam as percepções atuais que temos das coisas, as sensações vividas e fortes advindas de tal experiência. Segundo Hume, as impressões são “nossas percepções mais vividas, sempre que ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou desejamos, ou exercemos nossa vontade”. As ideias são caracterizadas como mais fracas e menos vivas, pois são consideradas cópias das impressões, tendo elas como base e origem. Para o filósofo, essa diferenciação entre impressões e ideias está relacionada entre o sentir e o pensar.

Hume, assim, foi um filósofo que soube explicar os problemas que se referem à natureza e limites do entendimento humano. Suas opiniões exercem influência na atualidade; problemas filosóficos difíceis e de profundidade foram expostos por ele de maneira clara e objetiva, exercendo fascínio, contagiando outros filósofos importantes. O empirismo pregado por Hume (1992) termina por alcançar sua obra, tornando assim uma Filosofia proclamada ceticista; a ciência fundamente-se caprichosamente de certas teorias tais como: o costume, o hábito, a associação de ideias, partindo do pressuposto de que qualquer coisa ou algo seja do jeito que é, por que acreditamos que é assim mesmo; exatamente partindo da ideia do costume e do hábito, das associações das ideias.

Contudo a dimensão ontológica de conceitos como substância e existência, na teoria proposta pela filosofia ceticista de Hume, em análise, ousamos pensar que perderam o sentido evaporando em simples, puras, e meras sensações. Apontando sempre para a razão, como fonte inquietante e agitada, mesmo diante de absurdos e proposições formuladas em qualquer época ou por qualquer Nação.

Fonte: http://zip.net

Para Matos (2007, vol.5, p.5), Hume define uma parte crucial dos processos cognitivos do ser humano em termos da relação deste com o ambiente, no qual, para ele, as crenças causais produzidas pelo hábito possuem um papel na sobrevivência e bem estar de seu portador. Marcondes (1997) sustenta a tese de que por força do hábito, acabamos com regularidade e mesmo por repetição projetando em nossa realidade, algo como se de fato existisse. Portanto, a causalidade seria tão somente uma maneira própria de percebermos o que é real, negando causalidade como parte do que seja naturalmente do mundo.

Era considerado por muitos como cético, porém seu pensamento indica nesse sentido ser descrito como naturalismo, por assim deixar claro que os impulsos humanos naturais, seria apenas uma maneira de descrever o conhecimento e não fundamentá-los; ressaltando ainda que sob essa ótica de Hume, tanto o ceticismo quanto o naturalismo andam de certa forma em compatibilidade, em consonância.

Hume reconheceu que a ciência está repleta de informações sobre o mundo, minunciosamente e detalhadas; para ele, essa mesma ciência está carregada com teorias, contudo nunca produzirá uma “lei da natureza” (HUME, 2011, p. 153). Com isso, o autor apresenta fortes convicções contra o racionalismo, afirmando que é a crença que está no centro de nosso desejo de ter o conhecimento, negando assim a supremacia da razão, e o hábito sim, seria o nosso guia para tais pretensões.

Fonte: http://zip.net

Assim o hábito funciona como um guia, se não existe uma justificativa digamos racional para uma posição indutiva, no caso o hábito poderia ser uma excelente guia, um direcionamento. Nesse ponto, o autor demonstra a sua preocupação ao adquirirmos tal “hábito mental”, sendo que a precaução se torna importante em sua aplicação; considerando-se que ao medirmos a causa e o efeito ocorridos nesses dois eventos, obviamente que a comprovação de sucessivos acontecimentos acorridos outrora, a julgar que são imutáveis e regularmente em sintonia entre os mesmos. Portanto, o hábito como um guia, nada mais é que a previsibilidade de que todo e qualquer acontecimento ocorrido no passado, invariavelmente acontecerá novamente, por outro lado, a causa de um não será necessariamente do outro, ainda que ambos devam estar em contato entre si.

 Vejo o sol nascer toda manhã. Adquiro o hábito de esperar o sol nascer toda manhã. Aprimoro isso no julgamento “o sol nasce toda manhã”. O julgamento não pode ser empírico porque não posso observar o nascer futuro do sol. Esse julgamento não pode ser uma verdade de lógica, pois é concebível que o sol não nasça (ainda que altamente improvável). Não tenho fundamento racional para minha crença, mas o hábito me diz que ela é provável. O hábito é o grande guia da vida. (HUME, 2011, p. 151). A filosofia defendida por David Hume assume inquietantes conclusões, posicionando nossas crenças de certa forma niveladas ao pensamento lógico, científico e conseguinte pela própria natureza das coisas do mundo. 

Fonte: http://zip.net/bgtHLz

Segundo Matos (2007) o pensamento de Hume se constitui a partir de como a natureza humana se relaciona com outras formas existentes da natureza, com outros humanos em particular, mas no geral com todo o ambiente, não incluindo apenas os seres vivos, mas bem como o próprio meio e suas condições. Essa relação, intermediada pela ultimação que o hábito leva o ser humano a compreender, aparece na forma de uma correspondência, ou harmonia, entre o ambiente e o comportamento do indivíduo que o conhece.

De acordo com Hume, tudo o que conhecemos tem por base as nossas experiências. Por isso, ele afirma que algumas conclusões que chegamos sobre o mundo e as coisas não tem por base a razão, mas o hábito. O hábito no empirismo humano é um princípio que opera sobre a imaginação, que contribui para entender os objetos conforme eles surgem na mente humana para formar ideias vivas e intensas. Portanto, o hábito auxiliará a mente com relação às concepções ao que se pode esperar do futuro. O hábito é uma disposição inata, uma espécie de instinto natural que nenhum raciocínio pode produzir ou evitar. Como é possível observar neste parágrafo:

Este outro princípio que leva a mente a fazer estas inferências causais sem estarem embasadas na observação e na experiência, é o costume (hábito). O hábito é tudo o que vem de uma repetição passada, sem acrescentar novo raciocínio ou conclusão, e nele toda crença humana se origina. Ele é um princípio de associação que não depende do raciocínio, tendo origem em experiências passadas de associação de impressões que tendem a se repetir, é um instinto que a natureza colocou no homem. É devido a este princípio que “a partir da simples sucessão conjugada, nós inferimos o nexo necessário” (COMTE, 2010, p. 220).

O fato de vermos regularmente uma relação entre A e B, por exemplo, faz com que sempre que vemos A, lembremo-nos de B. Além disso, o que é possível conhecer é fundamentado em relações de causa, ou seja, na causalidade; que é a ideia segundo a qual todo efeito deve ter uma causa. Sendo assim, este conhecimento é baseado na crença que adquirimos pela regularidade com que as nossas experiências se repetem, produzindo o hábito. Assim, é possível dizer que para Hume a mente humana mente é um grande acervo de percepções, pois todas as nossas ideias têm origem na impressão sensível; e que não estamos diante de uma conexão necessária na relação entre causa e efeito, mas diante de uma associação baseada na regularidade de eventos que ocorrem na experiência.

Fonte: http://zip.net/bptJrc

O hábito é também visto como um instrumento de sobrevivência, algo que está de acordo com sabedora da natureza e dele derivam os efeitos de causa. Estes efeitos ou inferências causais têm como estrutura instintos advindos da sabedoria da natureza. É necessário agir para sobreviver e ter instintivos para poder agir é fundamental. Sendo assim, evidencia-se que por através do hábito, a natureza impele o homem à ação.

Em sua teoria, Hume ao tratar a indução de maneira filosófica termina por abalar de certa forma, as estruturas do racionalismo, exatamente por ampliar a importância do papel do hábito sobre a crença e sobre a vida de todos nós.  Explanando sobre tema controverso, da indução, Hume acaba por influenciar outros pensadores que assim darão continuidade e sustentação da sua teoria: Kant que anunciou um despertar de dogmas, ao ler tais conclusões; e Karl Popper que assume a indução de Hume como uma certeza. Por conseguinte, a crença não poderá ser racionalizada, não será fundamentada, contudo sendo o hábito um bom e grande guia, tornarão prováveis e possíveis às evidências. Para Hume, o homem sábio regula o que acredita com o fundamento, ainda quando improvável.

REFERÊNCIAS:

ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando – Introdução à Filosofia. São Paulo, Ed. Moderna, 1993.

BERKELEY. G. e HUME, D. Os Pensadores – Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano: Tradução:  Antônio Sergio…[et al]. São Paulo, Nova Cultural, 1992.

CABRAL, C. A. Filosofia. São Paulo, Editora Pillares, 2006

MAGEE, B. História da Filosofia. São Paulo, Edições Loyola, 1999.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: Dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 1997.

MATOS, J. C. M. Instinto e razão na natureza humana, segundo Hume e Darwin. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1678-31662007000300002. Acesso em: 2007. Vol. 05.

O Livro da Filosofia. Tradução: Douglas Kim. São Paulo, Globo, 2011.

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Memórias de um menino morto

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“Tudo está morto, e há cadáveres por toda a parte.”
“Eu jazia e, estranho -, nada esperava,
aceitando sem discussão que um morto nada tem a esperar.
Mas ali estava úmido.”

(A dócil, O sonho de um homem ridículo, Narrativa Fantástica, Dostoiévski, 1877)

Ontem, eu morri. Ou melhor, há muito tempo morri. Tinha 10 ou 12 anos. Tinha pais, mas não me lembro deles, apenas da sensação de tê-los. Mas isso são detalhes da minha história e queria contar a história da menina que me observava através do vidro da sepultura.

A primeira vez que a vi, ela ainda tinha o cabelo curto e parecia ser bem mais nova do que eu. Entrou no cemitério devagar, silenciosa. Os outros seguiram adiante e ela parou ainda na entrada, diante de mim. Nunca entendi porque tinha que ficar ali, perto do portão, mas nunca fui bom para entender coisa alguma, logo se ser um morto enterrado diante de um portão era minha sina, então iria cumprir tal desígnio com louvor. Ela (a menina) lia devagar as poucas palavras contidas em meu sepulcro: apenas duas datas e um nome. Alguém aproximou-se e disse-lhe que eu havia morrido depois de ter contraído uma doença denominada “raiva”, acho que ela não entendeu o significado disso, mas tão pouco eu, a vítima, algum dia entendi. Ela ficou mais um tempo observando meus olhos estáticos na fotografia e depois correu para o centro do cemitério, para encontrar seus pais e acender uma vela, o momento mais eufórico do seu bucólico passeio familiar. Depois ela partiu, não sem antes observar meu rosto através do vidro e ler novamente as duas datas e o nome.

Era dois de novembro, dia dos mortos, dia que recebia visitas e a via perscrutando cada detalhe do meu lar. Todos os outros dias era um marasmo. Mas isso não me aborrecia de fato, pois tinha um lar para cuidar, detalhes para observar e um dia para aguardar. Andava pelo meu sepulcro tão familiar, sentia o cheiro das flores que morriam mais rápidas do que eu e da fumaça das velas apagadas pela chuva. Sempre amei a chuva. Posso viver morrendo eternamente se tiver como ouvir o barulho da água caindo, o cheiro da terra molhada, o contorno rebelde das poças de lama.

Uma vez, a menina apareceu em um fim de tarde, em um dia que não era o “nosso”. Depois disso, passou a vir várias vezes ao cemitério nesse horário, mas já não me observava através do espelho. Caminhava entre as outras sepulturas, talvez tivesse encontrado alguma que fosse mais interessante do que a minha, que tivesse algo além das duas datas, um nome e uma foto amarelada. Observava-a do meu sepulcro, esperando, ansiando, desejando um olhar, um leve gesto que me fizesse compreender que eu ainda existia através dela (ou, por ela). Mas, nada. Até que ela simplesmente parou de vir. Assim, o portão, tão movimentado no dia dos finados e nos fins das tardes, já não me interessava mais. As crianças que passavam por ele nem tinham curiosidade em saber o que aquela foto amarelada representava, se era um menino, um fantasma, um monstro.

E eis que um dia, que não era dos mortos e não chovia, ela novamente atravessou o portão. Chorava. Nunca a tinha visto chorar antes, logo, assustei-me e recuei. No canto do meu sepulcro tentei entender o significado daquilo, mas quando levantei os olhos, ela já tinha ido embora.

Depois de algum tempo, finalmente compreendi: a menina havia crescido. Talvez alguém que ela amasse tivesse morrido. Assim, diante de um cemitério lotado, resultado daquilo que os vivos designam por “progresso”, tive a primeira sensação de solidão na minha vida-morta. E foi assim que cansei de ser menino. Já não era mais divertido viver os dias de morte cuidando de um sepulcro velho demais para causar curiosidade, ou ser guardião de um portão que possivelmente seria fechado para sempre em breve.

Peguei as poucas coisas que tinha (minhas duas datas, meu nome) e parti.

A foto ficou. Não me reconhecia mais naquele rosto que sorria.

Envelheci.

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