Outros jeitos de usar a boca: a(s) voz(es) de uma mulher

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É um livro de poemas sobre a sobrevivência. Sobre a experiência de violência, o abuso, o amor, a perda e a feminilidade. Obra poética de Rupi Kaur que leva os leitores numa jornada pelos momentos mais amargos da vida e encontra uma maneira de retirar doçura deles.

“Outros jeitos de usar a boca” (título original: “Milk and honey”) é uma obra poética que aborda o tema da sobrevivência, explorando experiências de violência, abuso, amor, perda e feminilidade. Dividido em quatro partes distintas, cada uma desempenha um papel único ao lidar com diferentes formas de dor e curar mágoas. O livro leva o leitor por uma jornada pelos momentos mais amargos da vida, transformando-os em delicadas expressões. Inicialmente publicado de maneira independente pela poeta, artista plástica e performer canadense de origem indiana, Rupi Kaur, que também é responsável pelas ilustrações presentes na obra, o livro emergiu como um fenômeno notável no gênero nos Estados Unidos, ultrapassando a marca de 1 milhão de cópias vendidas.

Assim, a escolha do título em português, nada parecido com o original, relaciona-se ao conteúdo dos versos, numa escrita feminista, que questiona o sistema patriarcal, os recortes de gênero e, assim, a urgência da voz feminina.

A obra é dividida em: “a dor”, “o amor”, “a ruptura” e “a cura”. Através de suas vivências e descobertas, Kaur transmite uma mensagem clara e objetiva sobre as diferentes formas de abusos sexuais que muitas mulheres continuam vivenciando no cotidiano. E, para além disso, seus poemas pensam em alternativas de enfrentamento desses abusos, uma ressignificação da narrativa e da construção de uma posição social fortalecida para a mulher. Essa divisão do livro apresenta etapas que o corpo sofre como se fosse algo necessário para se alcançar um nível de consciência sobre si, possibilitando formas libertadoras de expressar-se.

Outros jeitos de usar a boca é um livro que nasce na dor:

“toda vez que você

diz pra sua filha

que grita com ela

por amor

você a ensina a confundir

raiva com carinho

o que parece uma boa ideia

até que ela cresce

confiando em homens violentos

porque eles são tão parecidos

com você

– aos pais que têm filhas”

 

                                               Fonte: pinterest.com

Além da escrita propriamente dita, muitos dos poemas são acompanhados de ilustrações da própria autora, o que amplifica a experiência de leitura.

 

Como as poesias de Outros Jeitos de Usar a Boca são estruturadas em versos livres, há, mesmo numa temática dura, uma fluidez que os percorre. Ademais, como se pode observar no segmento acima, a autora raramente usa pontuações ou letras maiúsculas, o que ela explica:

Quando comecei a escrever poesia, eu conseguia ler e entender minha língua materna (punjabi), mas ainda não tinha desenvolvido as habilidades necessárias para escrever poesia nela. Punjabi é escrito na escrita Shahmukhi ou Gurmukhi. Na escrita Gurmukhi, não há letras maiúsculas ou minúsculas. As letras são tratadas da mesma forma. Gosto dessa simplicidade. É simétrico e direto. Também sinto que há um nível de igualdade que essa visualidade traz ao trabalho. Uma representação visual do que quero ver mais no mundo: igualdade. A única pontuação que existe na escrita Gurmukhi é um ponto final – representado pelo seguinte símbolo: | Então, para simbolizar e preservar esses pequenos detalhes da minha língua materna, eu os inscrevo no meu trabalho. Sem distinção de casos e apenas períodos. Uma manifestação visual e uma ode à minha identidade como mulher diaspórica Punjabi Sikh. Trata-se menos de quebrar as regras do inglês (embora isso seja muito divertido), mas mais de vincular minha própria história e herança ao meu trabalho.” (Kaur, Rupi)

A autora destaca a figura feminina questionando as disparidades de gênero não apenas no âmbito emocional, mas também no tratamento dispensado a homens e mulheres. A violência contra a mulher é abordada de maneira franca, enquanto muitos poemas exploram abertamente a sexualidade feminina, reivindicando o direito da mulher à sua sensualidade que não deve jamais existir para nos subjugar ou diminuir. Em essência, o livro é uma ode à resistência, realçando a força das mulheres. Como se pode contemplar no seguinte poema retirado da parte “O amor”:

“quando minha mãe estava grávida

do segundo filho eu tinha quatro anos

apontei para sua barriga inchada sem saber como

minha mãe tinha ficado tão grande em tão pouco tempo

meu pai me ergueu com braços de tronco de árvore e

disse que nesta terra a coisa mais próxima de deus

é o corpo de uma mulher é de onde a vida vem

e ouvir um homem adulto dizer algo

tão poderoso com tão pouca idade

fez com que eu visse o universo inteiro

repousando aos pés da minha mãe”

                                                                      Fonte: pinterest.com

Os traços de Kaur são leves e, muitas vezes, bastante simples, mas extremamente expressivos.

Já na terceira e penúltima parte do livro, Rupi habilmente passa ao leitor a sensação de ruptura: os altos e baixos, o ódio e amargura intrínsecos a um amor que ainda não se esvaiu. Expõe o que fica depois que o outro vai embora, assim como pode-se observar no trecho a seguir.

“eu não sei o que é viver uma vida equilibrada

quando fico triste

eu não choro eu derramo

quando eu fico feliz

eu não sorrio eu brilho

quando eu fico com raiva

eu não grito eu ardo

a vantagem de sentir os extremos é que

quando eu amo eu dou asas

mas isso talvez não seja

uma coisa tão boa porque

eles sempre vão embora

e você precisa ver

quando quebram meu coração

eu não sofro

eu estilhaço”

                                              Fonte: pinterest.com

 

Uma leitura em que se têm acesso ao íntimo da autora, e, por meio deste, aproxima quem lê de suas próprias emoções.

Por fim, em sua última parte, sendo muito bem intitulada “A cura”, traz um ar de fôlego para o leitor, com poemas voltados para busca pelo amor-próprio.

“se você vê beleza aqui

não significa

que há beleza em mim

significa que há beleza enraizada

tão fundo em você

que é impossível

não ver

beleza em tudo”

FICHA TÉCNICA

  • Título: Outros jeitos de usar a boca
  • Título Original: Milk and Honey
  • Autor(a): Rupi Kaur
  • Tradução: Ana Guadalupe
  • Editora: Planeta
  • Número de páginas: 208
  • Ano de publicação: 2017
  • Gênero: Poema;

Referências

 

KAUR, Rupi. Outros jeitos de usar a boca. São Paulo: Plane

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Quando uma mulher fala, é melhor ouvir

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A convite da idealizadora da série “A mulher não existe! O que significa ser mulher no Brasil na Pandemia?”, Carolina Vieira de Paula (acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra e estagiária do Portal (En)Cena), sinto uma urgência. Uma exclamação onde deveria haver um ponto me convoca a escrever sobre esse tema que tenho um verdadeiro apreço. Foi justamente esse sinal que me deu o tom de intensidade, de afeto e de ânimo para tentar me aproximar, através da escrita, do modo de sofrer singular da mulher brasileira na pandemia. Seguindo esse famoso aforisma lacaniano e, não sem o ponto de exclamação, vemos que algo excede às palavras desde o título dessa série tão importante que visa dar voz e fazer falar o sofrimento singular de cada uma.

O aforisma é conhecido, a novidade que se faz presente aqui é o ponto de exclamação que o excede, transborda e consegue dizer mais do que as palavras postas no título. De um ponto de exclamação que dá o tom de intensidade e de surpresa, ao ponto de exclamação com um tom imperativo, temos no meio disso até uma junção de um ?!, que pode expressar dúvida e surpresa, sem deixar de lado a intensidade. A intensidade que está presente na exclamação, é o que excede, é o que carrega de sentido sem muito dizer ou explicar.

A intensidade se aproxima do gozo (opaco e feminino) justo por exceder ao significante que tenta dar conta de pôr em palavras qualquer experiência ou afeto no mundo dos humanos. O tom carregado de intensidade também se faz presente nas palavras de tom imperativo, que nós da psicanalise costumamos chamá-las de superegóicas [1], como por exemplo uma noção de sofrer que está mais ou menos presente em grande parte das falas das mulheres entrevistadas nessa série, algo como “devo ser boa em todos os papéis, sem demonstrar fraqueza ou falha”. De surpresa à uma ordem de ferro imperativa, a intensidade deixa de ser aberta para o inesperado para tornar-se uma ordem, motivo de um sofrer excessivo para o sujeito submetido a ela. Será que suportar tudo, sem falhas, é o único lugar que resta para a mulher?

Fonte: encurtador.com.br/ryQ04

O título dessa série expressa o que Freud e, posteriormente Lacan, tentaram localizar de sofrimento específico e de singular no feminino, em cada mulher. Freud chamou de “enigma” para aquilo que ele não conseguia dizer sobre o feminino. Já Lacan criou o aforisma “A mulher não existe”, para tentar dizer do caráter impossível de generalizar e de definir o que é A mulher, no sentido de que é impossível definir um conjunto, um grupo ou um plural de mulheres. Vejo que ambos apostaram na ausência de uma definição universal, o que me faz pensar em um lugar vazio de definição. Dizer que A mulher não existe ao mesmo tempo em que aponta para a inexistência de uma definição universal da mulher, transmite a noção de que a mulher existe, cada uma, de forma singular.

Essa aposta de um lugar vazio contrasta com uma série de impropérios ditos sobre a natureza da mulher no decorrer da história da humanidade. Se fizermos uma pesquisa rápida não faltarão exemplos disso, como no livro Gênesis quando Deus afirma que a mulher induziu o homem a comer o fruto proibido e lança uma punição, dizendo: “Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará”. Para acrescentar, podemos revisar os ditos de alguns filósofos, como por exemplo Voltaire (sec. XVIII): “Uma mulher amavelmente estúpida é uma bendição do céu”; e também Hegel (sec. XIX): “A mulher pode, naturalmente, receber educação, porém, sua mente não é adequada às ciências mais elevadas, à filosofia e a algumas artes”.

A investigação clínica do sofrer feminino foi a forma de entrada da psicanálise e, desde então, essa práxis se reinventa de acordo com as mudanças da sociedade. De Freud a Lacan e, hoje com os psicanalistas de nossa época, o percurso que se faz no tratamento clinico é sempre uma aposta de conseguir dizer sobre o sofrimento de uma forma singular, de qualquer ser falante, independentemente de sua identidade de gênero. É que a psicanálise vai além da identidade, seja ela qual for. No fim de sua obra, Lacan consegue inclusive formalizar esse ponto ao dizer que o gozo feminino é o gozo como tal e o nomeia de gozo opaco em que todo sujeito, independente de seu genital, possui um gozo (ou modo de sofrer) da ordem do indizível. Isso significa dizer que toda tentativa de apreender uma experiencia através de um conceito tem o efeito de se perder sempre uma parcela da experiencia. O conceito nunca consegue definir totalmente uma experiência, e isso é o mesmo que pensar que toda palavra não consegue dizer de forma exata como um sujeito sofre ou que o significante não consegue dar conta do gozo por completo. Portando, o gozo feminino ou gozo opaco na psicanálise é um modo ser e/ou sofrer específico, sem palavras que o definam e que atravessa qualquer ser de linguagem independente de sua identidade sexual.

Fonte: encurtador.com.br/egjoV

A realidade que a situação atual nos impõe é de uma solidão forçada com um adicional de sofrimento, causado pela ausência de uma solução coletiva por parte de nossos governantes para enfrentar a Pandemia da Covid 19 e, por isso, o Brasil hoje ocupa o segundo lugar no ranking de número de mortes e de casos confirmados no mundo (OMS). Com nossa curva ascendente e sem uma proposta de enfrentamento a Covid 19, a questão levantada nessa série sobre o sofrer da mulher na pandemia tem uma importância ímpar, e a exclamação de A mulher não existe! comporta um grito e uma urgência em fazer-se ouvir.

Dar voz ao que não tem ou ao que insiste em calar-se, é uma aposta em fazer existir um sofrimento em palavras para fazer parte do mundo simbólico do qual está excluído. Fazer um esforço da escrita que consiga questionar e delimitar certo modo de sofrer específico de cada mulher brasileira durante a pandemia é uma aposta valiosa, afinal estamos investigando o modo de sofrimento intenso de cada uma: um sofrimento que aparece nas relações que a mulher estabelece com o mundo. O que é isso que faz a mulher suportar mais coisas? A força da mulher extrapola limites. O que excede os limites é àquilo que chamamos de gozo, pois é isso que extrapola os limites da linguagem. Por um lado, temos a coragem, que é uma característica típica de sujeitos que “não tem o que perder”, por outro lado isso pode apontar para o excesso: manter relações de sofrimento, manter relações excessivas de trabalho e o resultado disso é um mal-estar constante.

Me parece que a preocupação com a excelência vem da tentativa de reconhecimento por parte do outro, o que não é comum acontecer. Na tentativa a qualquer preço de não se haver com a própria solidão e com o próprio sofrimento, a mulher faz uma aposta pela via da parceria, por pior que ela seja. Há que saber perder, há que conseguir perder, mas perder o que? Talvez a fantasia de que a solidão possa ser resolvida com alguém.

@aloisam_ https://www.instagram.com/p/CMhhG05MqPE/?igshid=1kbxw749v859s

A artista Laís Freitas, em um post que fez na sua conta do Instagram (@aloisam_), consegue transmitir algo da solidão, tanto na pintura quanto na escritura, de uma maneira singular. Ela escreve: “Dia 31/jul/2020, pintei-me aos prantos em forma de preocupação e angústia de ver um coração que no futuro seria livre. Tentei me esconder em espadas de São Jorge e faces que não a minha, disfarçando o que eu sentia, para tentar consertar as coisas, com medo da minha previsão estar certa. Por estar acostumada a aguentar a fome e o excesso, me culpei por optar seguir sozinha pelo meu bem. Falei que o coração estava livre de você e que “ninguém pode pegar o que é seu”. Menti. Idealizando mais uma vez o sofrimento, vivendo uma ilusão que agora que encontrei um conforto em “cristalizou em mim a solidão” se desvinculou de mim.” A saída que cada uma encontra para lidar com a própria solidão é única e aqui estamos em um terreno que não cabe qualquer ensinamento.

Nota:
[1] “Qual é a essência do supereu? […] Qual é a precisão do supereu? Ele se origina precisamente nesse Pai original mais do que místico, nesse apelo como tal ao gozo puro, isto é, à não castração. Com efeito, que diz esse pai no declínio do Édipo? Ele diz o que o supereu diz. […] O que o supereu diz é: Goza!”. E acrescenta: “ É essa a ordem, a ordem impossível de satisfazer, e que está, como tal, na origem de tudo o que se elabora sob o termo “consciência moral”, por mais paradoxal que isso possa parecer” (Lacan, [1971] 2009. p. 166).

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HACKATHON: Equipe “TEENho Voz” aborda a violência juvenil

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O resultado da maratona será divulgado nesta sexta, dia 25/05, durante o encerramento do CAOS e do ENCOINFO, a partir das 19h, no auditório central do Ceulp/Ulbra.

A equipe TEENho Voz, composta por acadêmicos de Psicologia e dos cursos da área de Computação, participou do 1º Hackathon Tech for Life, cujo tema é “Tecnologia e Saúde Mental”. O grupo tem como objetivo dar voz ao adolescente para que ele expresse o tipo de violência que sofre; a ferramenta também é de apoio aos profissionais do ambiente escolar na forma de coletar as informações de acordo com o índice de recorrência de violências e a partir dai traçar intervenções externas.

A inteligência artificial vai realizar uma filtragem das postagens e alertar os Administradores para moderação, na função “Alerta” avisar os moderadores de possíveis atentados a vida tanto de si quanto ao próximo, e na função “Moderador” alertar postagens de possíveis Haters.

O resultado da maratona será divulgado nesta sexta, dia 25/05, durante o encerramento o encerramento do CAOS e do ENCOINFO, a partir das 19h, no auditório central do Ceulp/Ulbra.

1º Hackathon Tech for Life – Em parceria com os cursos de Sistemas de Informação, Ciência da Computação e Engenharia de Software, o curso de Psicologia participa do 1º Hackathon Tech for Life – que é uma maratona de programação – nos dias 19 e 20 de maio. A temática do 1º Hackathon é “Tecnologia e Saúde Mental” (o tema específico, no entanto, será anunciado na abertura do evento), com o propósito de trabalhar a inovação no desenvolvimento de protótipos, softwares aplicativos, dentre outros projetos de temática tecnológica que possam ser aplicados ou desenvolvidos com este objetivo. A ação é uma prévia do CAOS (Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia) e do ENCOINFO (Congresso de Computação e Tecnologias da Informação).

Integrantes da equipe

Jheymerson Lira Aranha,19 anos, acadêmico de Ciência da Computação, 5° Semestre, é Estagiário da T.I em Energisa.

Karla Roberta Santos Lima, 20 anos, acadêmica de Psicologia, 6° semestre

Karlla Garcia Ferreira, 20 anos, acadêmica de Psicologia, 7° semestre

Marcos Vinicius Muniz de Oliveira, 20 anos, acadêmico de Sistemas de Informação, 5° semestre, trabalha como auxiliar de produção em Tecmídia Comunicação Visual

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Luíz Eduardo Mendonça: vozes que empoderam em Saúde Mental

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Entre os dias 1 e 3 de junho de 2017 ocorreu, no Rio de Janeiro, o III Fórum Internacional – Novas Abordagens em Saúde Mental. Contando com a participação de vários profissionais e usuários de serviços voltados para a saúde mental, o evento proporcionou a todos a oportunidade de relatar suas experiências nesse campo.

Entre os participantes estava Luíz Eduardo Mendonça, formado em Psicologia e usuário dos programas Comunidade da Fala e Voz dos Usuários, criados com o intuito de possibilitar com que aqueles que usufruem desses serviços possam se expressar, falar o que pensam, o que desejam de mudanças e de realizações, além de relatar se estão com algum problema, em busca de ajuda para solução desse.

Luíz Eduardo relata que é um ouvidor de vozes (diagnóstico de esquizofrenia) e que uma de suas realizações é ter conquistado a formação em Psicologia. A equipe (En)Cena o entrevistou no segundo dia do evento (02/06/2017).

(En)Cena – Como você acha que poderia acontecer o processo de empoderamento com pessoas estereotipadas e estigmatizadas que possuem um transtorno mental? 

Luíz Eduardo – Eu acho que quanto as pessoas estereotipadas, a gente tem que lutar para mudar esse estigma. A pessoa deve ser aceita do jeito que ela é, com a fraqueza dela, ser acolhida da melhor maneira possível. A pessoa não pode ser jogada de lado só porque tem um problema, ela deve ser acolhida pelo grupo e pela sociedade da melhor maneira possível.

(En)Cena – Quanto aos projetos citados, como A Voz dos Usuários e A Comunidade da Fala, você participa dos dois? 

Luíz Eduardo – Sim, participo dos dois.

(En)Cena – Como você acha que esses projetos podem ajudar essas pessoas que são estigmatizadas? 

Luíz Eduardo – Bom, eu acho que esses projetos que dão voz aos usuários favorecem um melhor tratamento para eles, um tratamento mais humano. Esses dois projetos, Comunidade da Fala e A Voz dos Usuários, estão dando voz a eles, para que eles não fiquem sofrendo calados, para que eles tenham voz da melhor maneira possível e possam ser ouvidos e respeitados. Se tem algum problema, eles abrem a boca e são orientados da melhor maneira possível para serem respeitados, ouvidos, assim “eu tenho voz, eu existo, eu sou respeitado, eu tenho direitos, eu não posso ficar sofrendo calado e rejeitado”.

(En)Cena – Como você se posiciona em relação à questão da  medicalização excessiva com os pacientes que sofrem de transtornos mentais? 

Luíz Eduardo – Eu acho que o tratamento não está só no remédio, é preciso trabalhar o emocional da pessoa da melhor maneira possível. O tratamento não está só em remédio, dar remédio para pessoa ficar dopada e ficar jogada de lado. Tem que se trabalhar as questões dos desafios para que tudo possa ser resolvido e as questões possam ser trabalhadas emocionalmente, não simplesmente dar um remédio e dopar a pessoa.

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O post pode ser a voz que nos libertará*

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A violência está estampada nos jornais, nos portais, nos twetts nas ruas, nos meios, nos seios das sociedades. Não é, contudo, um fenômeno novo. Muito menos, acredito, resultado na nova ordem social. Infelizmente, desde que o mundo é mundo, os homens se corrompem e disputam das mais variadas formas espaços, lugares, pessoas, riquezas, poder. E, muitas vezes, essa disputa é cercada e permeada de atos de violência.

Esse texto, vale ressaltar, não é um olhar de uma especialista, muito menos a voz de um estudioso das grandes áreas que tratam da violência. È a voz de uma mãe, também educadora, que, como muitas, falava da violência apenas como ouvinte, ciente, mas jamais como sujeito violentado.

No começo do ano de 2011, meu filho de onze anos, iniciava no ensino fundamental II cheio de ansiedades, curiosidades e vontade de viver o novo. Não tinha medos, receios. Muito pelo contrário. Sempre fora amável, construtor de amizades e querido nos lugares em que passou. Junto a essas expectativas havia a ansiedade de uma nova escola que ele e eu, cuidadosamente, procuramos durante longas semanas.

Escola nova, turma nova, novas experiências. Era o que esperávamos: eu e ele. Nem tudo foi assim.

Meu filho foi agredido durante a aula de Educação Física por seis colegas da mesma turma e mesma faixa etária na quadra de esportes da escola. Era início da aula de Educação Física e o professor ainda não havia chegado à quadra. Ou seja, os alunos estavam sozinhos.  Por um descuido, ele ficou preso na quadra de futebol e um colega se dirigiu à ele dizendo: “É mole, é mole. Ficou preso!” E começou a agredí-lo. Outros cinco que presenciaram o ocorrido, no lugar de se posicionar contrários à situação, juntaram-se ao primeiro agressor e deram socos, pontapés, chutes nele que permanecia preso à rede da trave sem conseguir se defender ou soltar-se.

Não estavam eles na rua, na periferia, na escola pública, no meio de uma briga, nem em qualquer outro espaço que muitas pessoas estigmatizam para justificar a violência e a insegurança. Meu filho era linchado pelos colegas de turma em pleno horário de aula dentro de uma escola particular de bairro de classe média. Embora isso não minimiza nem amplia o fato, o contextualiza.

Após o espancamento, os agressores, subiram num palco e em voz alta o chamavam de “otário que não bate em ninguém”. Pode-se perceber que tão jovens, muitos sujeitos já sinalizam como sinal de esperteza e sabedoria o fato de querer e conseguir agredir o outro.

Ainda assim, o que mais me inquietou no ocorrido, foi o fato da escola em nenhum momento ter se pronunciado sobre a situação. Nem uma comunicação à família, nem um primeiro atendimento já que um aluno menor havia levado muita pancada. Minimizou. Era uma “brincadeira de pré-adolescentes”.

Sou informada do ocorrido pelo próprio agredido que reclama de dores no corpo e de cabeça. Resolvo levá-lo ao hospital, visto que, aquilo que não está aparentemente visível pode se configurar em algo bem grave internamente, muitas vezes. Chegando á emergência ortopédica, após alguns exames locais e radiografias, o médico identifica que há escoriações na cervical e prescreve antiinflamatório e o colar cervical imobilizador. Uso contínuo por cinco dias.

E tudo era só uma brincadeira…

Procuro a escola cheia de indignação, questionamento, ouso dizer, raiva. Sim, seria hipócrita se não dissesse que meu sentimento era de dor junto com meu filho e ódio dos agressores, dos seus pais e da escola, pois a violência não é um fenômeno simples, mas complexo. É composta de muitas variáveis, mas se fortalece às vezes, apenas por algumas. Mas, o que mais queria eram ações e respostas aos questionamentos. Talvez, por ser educadora e pesquisadora em educação, a busca pelas respostas seja tão importante quanto a apresentação de possíveis soluções:

1. Por que eu, responsável pelo garoto agredido, não fui informada, notificada pela escola do fato e convidada a ir à escola para uma conversa sobre o fato?

2. Mesmo após a confusão, por que a escola não deu os primeiros socorros ao meu filho? Ou mesmo, ligou imediatamente ao responsável, anunciando o fato e solicitando encaminhamento médico?

3. Por que os pais dos agressores, assim como eu, não estavam lá no dia seguinte ao ocorrido para serem notificados, chamados à atenção e serem sinalizados,  informados e discutidas possíveis medidas?

4. Por que não houve nenhum tipo de punição para os alunos num caso de agressão gratuita e tão covarde?

5. Qual ação preventiva a escola pode tomar para que situações semelhantes não aconteçam?

6. Como os responsáveis dos agressores agem e reagem em situações como essas?

Foram muitas as questões e as indignações. E nenhuma resposta efetiva. Ouvimos que foram “só” escoriações. Mas, poderia não ter sido “somente”. Não era só brincadeira. Aliás, não era brincadeira. Brincadeira de bater pode ser feita no videogame, onde é possível realizar catarse das emoções contidas sem machucar ninguém. E, embora, pudesse entrar na seara da discussão de games e violência, essa não é a intenção. Mas lá, sim, pode. Mesmo que algumas instituições digam que não. A transposição do ato na tela e nas ruas não é direta, imediata e linear.

Bom, mas o que tivemos foi muito transtorno, nenhum atendimento digno, nenhuma solução, nenhum diálogo franco e honesto. Pelo contrário, boa parte dos agressores riram quando viram o colega que eles agrediram com um imobilizador. Com o total descaso da Instituição, inclusive impossibilitando um encontro que sugeri acontecer com os pais de todos os envolvidos no caso, para discutirmos ações educativas que tratassem da violência, resolvi não calar.

E ai, posts como este me libertaram. Vozes inconformadas somaram-se à minha. E o que era uma situação resolvível, passível de discussão, virou omissão e, a partir do descontentamento coletivo dos que nos conhecem e indignaram-se, tornou-se assunto da mídia e da justiça. O caso virou pauta de jornal local e na internet e, efetivamente, o Ministério Público e a vara cível foram acionados.  Uma rede constituiu-se em torno do fato e as vozes somadas trataram de discutir nos espaços o caso do meu filho. Infelizmente, não o único. Muitos outros, mais graves, aconteceram e acontecem diariamente. E, acredito, que nessas situações tudo o que não deve ser feito é calar, esconder, silenciar. Temos que tornar público e vísivel. A violência, de nenhuma ordem, pode ser mascarada, encoberta e escondida.

As crianças, os adolescentes precisam também serem, informados, conscientizados dos erros que cometem, e por quê não, punidos, não com agressão de nenhuma ordem, mas por meio de ações educativas e orientações dos pais e da escola. Nenhum ator social pode recusar-se ou omitir-se a isso. É papel nosso.

Minimizar os fatos, tratar todos de forma banal e normal, infelizmente, parecem ser rotina em algumas Instituições de Ensino. Nossas   instituições de ensino estão cheias de violência em todas as esferas. Não há escala para violência, em minha opinião. Agressão é agressão e tem que ser discutida e punida como tal.

Garotos que se juntam para agredir um colega, um companheiro de turma e sentem prazer com isso, não são diferentes dos que agrediram mendigo em São Paulo ou tocaram fogo no índio em Brasília. São apenas, ainda, garotos e covardes. Mas, ainda, possíveis de serem educados. A escola não pode desprezar isso.

*Inspirado no verso da música Amanhecerá de O Teatro Mágico

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