A busca pela inteligência emocional tem tido novos adeptos; cansadas de terem o emocional como uma pedra de tropeço, em suas relações interpessoais, as pessoas têm procurado ajuda, para vencer este tipo de barreira, que se torna um conflito eterno. E para quem ainda não conhece sobre o assunto, a inteligência emocional é a capacidade do indivíduo em lidar com suas emoções diariamente. Goleman, Macke e Boyatzis (2018), explicam que a inteligência emocional pode ser entendida como “ser inteligente em suas emoções”. Ou seja, é preciso ter o controle de suas emoções para o desenvolvimento emocional saudável e colaborativo.
Os autores supracitados apontam que a inteligência emocional deveria ser cultivada na fase da infância, não somente dentro de casa, mas também nas escolas. “A educação deveria também incluir habilidades de inteligência emocional que incentivam a ressonância”. Para ele, quanto mais pessoas buscarem habilidades emocionais, maior será o ganho social, ou seja, uma haverá uma diminuição dos males sociais, e como consequência a redução da violência e do consumo de drogas. “As comunidades seriam beneficiadas por níveis mais altos de tolerância, bondade e responsabilidade pessoal.” Goleman, Macke e Boyatzis (2002).
Mayer e Salovey (1997) definem a inteligência emocional como a capacidade de perceber e avaliar, bem como gerar emoções facilitadoras de pensamentos, que possibilitam o seu controle para o desenvolvimento emocional e intelectual. Clareza emocional, conhecimento emocional e percepções das emoções são algumas das características que o indivíduo com inteligência emocional detém. (Mayer e Salovey, 1990). Para os pesquisadores, as pessoas emocionalmente inteligentes escolhem melhor o caminho de suas ações quando inseridas em encontros sociais, justamente por saberem guiarem suas emoções. “Saber gerenciar as emoções pode ajudar as pessoas a nutrirem afetos positivos, e enfrentar o estresse.” (Mayer e Salovey, 1997)
Goleman (2011) aponta que a inteligência emocional está relacionada com o autodomínio de suas emoções, e enfatiza que as pessoas quando bem humoradas possuem uma capacidade de reposta mais inteligente, por usarem uma parte do cérebro que auxilia nas boas tomadas de decisões. Esse ponto de vista é fácil de observar, já que são nos momentos de estresse e nervosismo, que muitas decisões são tomadas de forma errônea, justamente pelo fato do indivíduo usar o calor do momento, ou seja as emoções afloradas de uma forma negativa. Por isso, ele enfatiza o estado do bom humor para estimular decisões assertivas.
Por estar presente a maior parte do tempo na vida das pessoas, o trabalho ocupa um espaço significativo na existência de cada um, e por ser fonte de sustento, a atividade profissional precisa ser levada em consideração, para se tornar um momento prazeroso, apesar do estresse do cotidiano, que é inevitável. Nesse sentido, que Goleman (1999) aponta que além do conhecimento especializado, é imprescindível utilizar ferramentas que promovam a inteligência emocional, de uma forma, eficaz para obtenção do sucesso esperado, não somente em metas, mas também englobando o bem-estar interpessoal.
Em sua obra Trabalhando com a Inteligência Emocional, Goleman (1999) narra que um executivo o contatou para que tivesse um atendimento de relacionamento à sua empresa, após conversa com o empresário, Goleman detectou que a feição ranzinza do empreendedor desmotivava os funcionários a darem resultados positivos, na empresa. Ou seja, a mensagem que o empresário transmitia era de insatisfação com seus funcionários, fora que não havia um canal de comunicação saudável. Ou seja, para ter bons resultados a transformação precisa começar, em quem deseja a mudança. Uma simples mudança, mudou toda a rotina da empresa, bem como melhorou a forma de tratamento.
Entre as características de um profissional de sucesso, Goleman (1999) destacou que a empatia é primordial, e por isso precisa ser trabalhada constantemente. Segundo ele, a inteligência emocional detém 12 características que são: autoconsciência emocional, autocontrole emocional, adaptabilidade, orientação ao sucesso, empatia, como mencionado, consciência organizacional, influência, orientação e tutoria, gestão de conflitos, trabalho em equipe e liderança inspiradora. Espero que tenha se identificado com várias dessas habilidades.
Caso não tenha se identificado, não se desespere. Procure uma ajuda profissional que irá auxiliar no desenvolvimento da inteligência emocional, não somente no mercado de trabalho, mas para todas as áreas, que merecem atenção. Conforme Mayer e Caruso (2002), as pessoas com alto nível de inteligência emocional são capazes de terem relacionamentos, de uma forma mais profunda, bem como constituir uma rede social mais segura, além de desenvolver uma liderança mais coesa.
Mayer, JD. & Caruso D. 2002. The effective Leader: Understanding and applying emotional intelligence.
Mayer, J. D. & Salovey, P. 1997. What is emotional intelligence? Em P. Salovey & D. J. Sluyter (Orgs.), Emotional development and emotional intelligence: Implications for Educators
Goleman, D. O Cérebro e a Inteligência Emocional Novas perspectivas. (2011).
Salovey, P. & Mayer, J. D. 1990. Emotional intelligence. Imagination, Cognition and Personality.
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Dependência Emocional: Você é capaz de perceber quando ela está presente nos relacionamentos interpessoais?
A expressão “amar demais”, aparentemente pode ser vista como algo positivo, em primeiro momento, no entanto a sua mensagem traz algo que muitas vezes é desconhecido para muitas pessoas, a dependência emocional. Um ciúme de cá, um ciúme de lá, uma desconfiança que vai além do normal, um sentimento de posse pelo outro, aquele desejo de atenção em tempo integral, são comportamentos que indicam sinais de dependência afetiva. É preciso levar em consideração esses sinais que não podem ser tidos como normais, apesar de todo romantismo que propagou-se em novelas brasileiras, no decorrer de décadas. Quando a mocinha sofria muito para conseguir a atenção do bem-amado.
Sentimentos que podem tornar-se destrutivos quando não tratados com um profissional da área da psicologia, aborda o psicólogo e escritor Walter Riso, em sua obra Amar ou Depender? Sobre as consequências da dependência emocional, as quais podem ser devastadoras. Por isso, a importância do desenvolvimento do amor-próprio, o que difere de um vício, comportamento inadequado e prejudicial à saúde psíquica.
Sobre o tema, Martini (2012) refere-se que a insegurança e falta de confiança são causas inerentes a padrões comportamentais de pessoas com dependência. Segundo ela, estas ações são explicadas pela maneira que o indivíduo foi formado na sua infância, em especial, quando não teve um ambiente seguro familiar. Nesse sentido, ainda reforça que essa insegurança ainda na infância não favorece o desenvolvimento da capacidade de autonomia e tomada de decisões, o que acarretara um adulto com dificuldades de adquirir relações saudáveis, podendo se tornar alguém dependente.
Bowlby (2002) observa que existe uma forte relação entre as experiências que o indivíduo vivenciou com sua família de origem e a forma como estabelecerá seus vínculos afetivos e relações sociais. Por isso, a importância de uma criança desenvolver sua identidade e valores em um lar saudável, suprida com o amor paterno e materno para ser um adulto completo, sem a necessidade de buscar no outro o preenchimento emocional, que foi negado na infância.
Beattie (1987) compara a dependência emocional com a dependência química. De acordo com a escritora, muitas mulheres são viciadas em relacionamentos destrutivos e acreditam que o sofrimento ao qual são inseridas é indispensável para conquistar a pessoa desejada. Para isso, será necessária uma mudança profunda para transformar o paradigma de relacionamento. Em sua concepção, a pessoa precisa entender que o problema está em si, e não no outrem para buscar a saúde emocional.
De acordo com Norwood (1989), pessoas oriundas de lares desajustados têm uma grande predisposição a desenvolver dependência emocional, pelas suas necessidades não terem sidos supridos na infância, como foi mencionado por Martini. Nesse contexto, muitas mulheres em busca de algo que não teve quando criança buscam em relacionamentos suprir suas ausências, quando tornam-se dependentes emocionais. Fazendo com que a ausência afetiva dos pais venha contribuir para esse tipo de comportamento, quando o vício em depender da presença de alguém é confundido com amor.
Baseado em sua obra Mulheres que Amam Demais, criou -se, no Brasil, o Mada, grupo de homônimo ao livro, o qual acolhe mulheres dependentes emocionais, que sofreram ao extremo por conta de relacionamentos tóxicos. Muitas vindas de relacionamentos abusivos, em que a violência doméstica fora presente. Para isso, o Mada reúne mulheres, as quais não precisam se identificar para contar sobre suas dores. O movimento vem ganhando força no Brasil, e tem se espalhado pelos estados.
Com o intuito de ajudar mulheres que amam demais o Mada realiza o programa de 12 passos para autorrecuperarão. Para se identificar com o grupo, é disponibilizado, uma lista com algumas características de uma dependente emocional. Ter medo de ser abandonada com o fim do relacionamento, está mais em contato com o sonho do que a realidade e habituada à falta de amor em relacionamentos interpessoais. São alguns aspectos da dependência.
Referências
Beattie Melody. 1987. Co dependência Nunca Mais: Para de controlar os outros e cuide de você mesmo.
Viver em sociedade é uma tarefa árdua, cada pessoa busca a satisfação de seus próprios interesses, poucos pensam em uma coletividade social. Tal situação é visivelmente percebida quando se faz uma análise no sistema de leis e normas que existem para o convívio social.
Normas que cuidam tanto de uma esfera penal, pautada em ações criminosas, quanto no âmbito civil, mais direcionada às relações comuns e o cumprimento das normas civis é o fator crucial para uma boa relação em comunidade.
Mas, como lidar com aquilo que não é, legalmente falando, uma conduta “dolosa” que viola o direito de outrem?
Como pessoas sociáveis, sempre buscamos estar em coletividade, mas no coletivo há diversas personalidades, traumas, condições extremas de pessoas que são comumente chamadas de pessoas tóxicas.
Dentro desse grupo de “más companhias”, há aquelas que são consideradas como um abismo emocional, ou, até mesmo, como buracos negros emocionais, ou seja, são indivíduos que possuem um vazio descomunal dentro de si e buscam – não intencionalmente – sugar todo e qualquer resquício de “sanidade” das pessoas próximas.
Essas pessoas são como parasitas, instalam-se em nossas vidas como simbiontes, se apresentando inicialmente como pessoas solicitas, amigáveis, amáveis etc., e vão mostrando suas “garras” com o passar do tempo.
Tal condição é tão presente na sociedade que já foi romantizado em grandes sucessos da música brasileira, como em Segredos – Frejat, onde é dito “e eu vou tratá-la bem pra que ela não tenha medo quando começar a conhecer os meus segredos”. Pessoas tóxicas estão presentes em todos os ambientes e, muitas vezes, elas sequer percebem que causam mal para os que compartilham o mesmo ambiente que eles.
As principais dúvidas que surgem sobre esta questão são: como identificar essas pessoas; como se distanciar destas pessoas; e, como descobrir se é este tipo de pessoa?
É importante frisar que o auxílio de um profissional da psicologia será sempre essencial para a identificação e tratamento destes casos.
Pessoas com este comportamento negativo possuem características um tanto quanto “eugênicas” em suas personalidades, o modus operandi destes indivíduos possuem padrões, em sua maioria são manipuladores que se fazem de vítimas psicológicas para conseguir aquilo que deseja, ou até mesmo um narcisista egocêntrico que usa as pessoas e suas emoções para satisfazer seus desejos pessoais.
Além dos manipuladores, existem aqueles que são psicologicamente instáveis, seja por traumas, viciados quimicamente em bebidas ou entorpecentes nocivos a saúde física e mental, estas pessoas também são consideradas como indivíduos com um buraco negro emocional que infecta àqueles ao seu redor com o negativismo de suas personalidades.
Se distanciar destes indivíduos não é uma tarefa fácil, tendo em vista que normalmente elas se instalam no ciclo mais íntimo das pessoas, instalam na psiquê do “hospedeiro” uma imagem de que são essenciais para suas vidas ou até mesmo de que, caso se desvinculem, não irão conseguir sobreviver muito tempo.
Por isso, é necessário um desenvolvimento extraordinário da inteligência emocional, para conseguir enfrentar essas pessoas. A coisa se torna ainda mais complexa quando a pessoa tóxica é um familiar, o provedor do lar, os genitores, irmãos, cônjuges, aqueles que, dada as circunstâncias não se desvinculam facilmente, como lidar?
Sempre é importante frisar que nenhuma decisão precipitada deve ser tomada, principalmente aquelas irreversíveis, vez que não contribuirão em nada na melhoria ou resolução dos problemas, traria tão somente um agravo nas relações e mais poder para o indivíduo tóxico que possui alguma vantagem sobre a “vítima”.
A pessoa quando percebe que se encontra em um ambiente tóxico, se sente sufocada, em alguns casos similar a um cárcere privado, sem saída, sem escolhas, sem vontades. Mas com o tempo ela conseguirá perceber que possui o poder de escolha entre se manter naquele ambiente ou se retirar e buscar a resiliência de sua mente. Porém, caso seja impossível se excluir do convívio social/familiar/profissional que essas pessoas, a “vítima” deve buscar um aprimoramento de sua mente para não permitir que a negatividade do outro lhe afete, até porque o mal está no outro, não em si.
Por último, como identificar que o causador de todo o mal-estar ao seu redor é causado por você e não por terceiros? Uma situação indesejada que é muito comum quando se faz uma análise mais profunda sobre o tema pois, caso não seja o agente causador, mesmo que inconscientemente, você estará permitindo que alguém controle e manipule seu estado mental.
Neste cenário, o indivíduo deve realizar uma análise de cada aspecto de sua vida pessoal/profissional e verificar se são suas atitudes que lhe infligem agonia e dor psíquica.
Compreendida sua toxicidade como indivíduo, deve ser buscado imediatamente a ajuda profissional para tratar os maus traços de sua personalidade, não para agradar os outros, mas para buscar uma versão melhor de si mesmo.
Os pesos ocultos da quarentena estão por vezes presos nas realidades de sofrimento, não divulgadas, não levadas em consideração, não fomentadas a partir do incentivo da fala de quem tem sofrido, independente dos pesos ou medidas que esse sentimento tem, em cada subjetividade. Os impactos visíveis ou invisíveis, nossas relações interpessoais, íntimas, estão em constante mudança, e este momento totalmente desafiador, nos joga na posição de necessidade da capacidade da resolução de problemas, ou, a paralisia das nossas faculdades antes normalmente executadas.
A relação cotidiana mudou, e por consequência nossos aspectos relacionais também experimentam neste fenômeno, necessidade de atualização, sendo este termo, longe de ser interpretado como juízo de valor (bom ou ruim), mas é a forma com que o sujeito se insere, ou se expressa, em um movimento orgânico e dinâmico, mas não unilateral, pois se diversifica a partir de uma estrutura psíquica individual e também coletiva, na busca dificultosa da homeostase.
encurtador.com.br/pqvVX
Posso talvez afirmar que cada um se insere da maneira que cabe, em suas possibilidades e angústias, alguns, o medo do incerto, da possibilidade da incapacidade de retornar a uma realidade antes vivenciada; outros, na precisão de estar sempre, e em constante produção; se Freud estivesse aqui diria que este é nosso sintoma? Seria nossa resistência para não ter contato com o desprazer? Estaríamos tomados pela estrutura egóica? Sabe-se lá se Skinner em um momento como esse, talvez fizesse paralelo sobre estes comportamentos, e diria que é fuga e esquiva, em uma tentativa de reduzir ou eliminar os estímulos aversivos.
Eu mesma, estou tentando pôr panos frios em meus sofrimentos, mas seria muito tolo da minha parte dizer que não estou constantemente lidando com o sofrer, e com a vida que me pressiona a uma glorificação de processos criativos para o sofrimento, as produções, afinal, estamos todos confinados, qual seria então minha desculpa? Nós avançamos no tempo, mas as questões não biológicas, estão constantemente sendo negligenciadas no processo de adoecimento, o que me faz pensar que não avançamos tanto assim.
encurtador.com.br/grDMS
Talvez o leitor esperasse que eu me embasasse em apenas uma teoria, enquanto eu misturava sistêmica, psicanálise, análise do comportamento, e agora, Gestalt e psicologia profunda; quem sabe eu só não esteja buscando incessantemente a quintessência, a pedra filosofal, a individuação, e uma possiblidade de me tornar um sujeito autêntico? Me disponho a deixar parte de mim aqui, e ser… não é sobre pontos finais, ao menos para mim, na maior parte do tempo é sobre interrogações, buscando estar aqui e agora, mas tendo também de resgatar lembranças no fundo do inconsciente, que vez ou outra sussurram ou gritam ao meu ouvido, pedindo atenção, para que eu volte novamente a dar atenção aos meus processos.
Eu enquanto acadêmica me sinto confusa diante de tantas formas de ver o mundo, e enfrentando eu mesma, ao mesmo tempo, para entender quem sou eu no mundo, e o que farei com estes sofrimentos latentes ou abafados pelas implicações sociais. Bem, o contexto não tem sido favorável, na verdade, não sei se algum dia foi, mas me força a crescer. Tive que lidar com o medo da perda de pessoas extremamente próximas, tive de ver o sofrimento de quem passa por uma doença nova, de grande enfermo, observar sobre meus olhos alguém que teve experiência de muito tormento, o que me fez recordar de Jung, e as experiências de “quase morte”, as imagens arquetípicas do self se manifestando.
encurtador.com.br/deIYZ
Mais que nunca, estamos sofrendo, e precisamos dizer, para que não seja tão solitário este sentir. Se eu refletisse nas fases do luto de Elizabeth Kubler-Ross, não conseguiria dizer com precisão em qual fase estou, mas felizmente não é necessária tal linearidade. De raiva a depressão, e talvez eu tenha conseguido chegar em parte, na gloriosa, mas não estável, aceitação… afinal, já entendo que preciso sofrer, e dar voz ao que não consigo dizer. E eu sinto muito por tudo que eu jamais diria neste relato, de tão vasto, vívido, e por ser tão confuso, nem sei como diria. Que sorte a minha seria ser analisanda… por mais doloroso que seja, é difícil fugir do que também sou eu, está comigo, mesmo que eu negue.
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Garota Interrompida: transtornos da personalidade antissocial e borderline
As particularidades e manifestações de ambos os transtornos vivenciados pelas duas jovens emergem no convívio dentro do manicômio, gerando atritos em relacionamentos e dificuldades interpessoais.
O filme “Girl, Interrupted”, “Garota, Interrompida”, em português, dirigido por James Mangold e lançado em 1999, narra a trajetória de Susanna Kaysen, uma jovem de 18 anos em conflito existencial e posteriormente diagnosticada com transtorno de personalidade limitante (atualmente, mais conhecido como transtorno limítrofe ou borderline). Após tentar suicídio, durante uma conversa com seu psiquiatra, Susanna assina seu protocolo de internação e passa meses sob cuidados profissionais em uma instituição manicomial.
No local, conhece várias outras mulheres que também tiveram o curso de suas vidas interrompido por um transtorno, entre elas Lisa, uma jovem diagnosticada como sociopata. Oscilando entre momentos de extrema angústia e satisfação, Susanna constrói vínculos no lugar e vive as dificuldades de seu transtorno, além de se envolver em diversas situações conflituosas durante seu tempo de internação.
Focado na percepção da jovem em relação ao mundo, o filme aborda as peculiaridades de uma personalidade afetada por um transtorno, as dificuldades e especificidades das relações interpessoais do sujeito diagnosticado e também traz reflexões sobre os tratamentos manicomiais e psiquiátricos, conforme o contexto histórico da trama, que se passa nos anos 60, perpassando o conceito de loucura vigente na época e ainda hoje reforçado.
Susanna, interpretada pela atriz Winona Ryder, tem 18 anos e mora com seus pais. Contando apenas com o seu diário para externalizar seus pensamentos e emoções, a jovem, no auge de seus conflitos internos, desconhecendo as motivações de suas tristezas e inquietações, tenta suicídio ingerindo diversas pílulas. O incidente a leva a consultar um psiquiatra, que propõe a ela que tire um tempo de sua vida para descansar afastada do convívio social dentro de uma casa de repouso, ou seja, em uma instituição psiquiátrica. Alencar, Rolim e Leite (2013), numa revisão histórica sobre o conceito de loucura, falam sobre as primeiras práticas asilares pensadas para tratar o que viria a ser chamado de transtorno ou disfunção mental, logo durante o surgimento da psiquiatria (alienismo) no século XVIII.
Fonte: encurtador.com.br/rtBGT
É exposto pelas autoras que, com o advento dessa área, o conceito de loucura/doença mental sofreu várias alterações. Entre elas, trazendo uma contribuição positiva, pode-se ressaltar o distanciamento entre a instância psíquica e questões espirituais, algo defendido pela sociedade como um todo. Explicações metafísicas sobre a doença mental foram sendo substituídas por estudos científicos, e o fenômeno passou a ser visto como uma condição médica passível de cura. Entretanto, de acordo com Júnior e Medeiros (2007), muitos teóricos de saúde mental alegam que as contribuições da psiquiatria para o entendimento dos transtornos mentais são reducionistas e biologicistas, colaborando para, muitas vezes, intensificar no indivíduo o que é chamado pela sociedade de loucura.
Os autores afirmam que esse conceito, analisado pelas lentes dos estudos em psicologia e saúde mental, é mais abrangente e engloba uma série de condicionantes sociais e culturais, indo além de explicações meramente orgânicas. A estigmatização social imposta ao indivíduo considerado louco, para essas abordagens teóricas, constitui a própria condição mantenedora do transtorno, que é carregado de rótulos e estigmas legitimados pela prática da psiquiatria (JÚNIOR e MEDEIROS, 2007). Apesar das concepções acerca do conceito de loucura e doença mental terem sofrido alterações durante os séculos e as discussões e práticas direcionadas a cura de pacientes psiquiátricos terem ganhado força, o modelo de internação, ao longo da história, assumiu como principal finalidade retirar do convívio social o indivíduo considerado louco, não chegando, muitas vezes, a adotar uma perspectiva terapêutica propriamente dita. Essa dinâmica foi sendo modificada com o tempo, mas a segregação social promovida pelos manicômios e asilos continuou constituindo um pré-requisito para o tratamento da loucura, conforme exposto na trama.
O psiquiatra de Susanna adota esse modelo de tratamento, trazendo atrelado a ele uma série de problemas que serão observados ao longo da trama, no que se refere ao modo como o transtorno mental é concebido dentro da instituição e como as práticas terapêuticas são conduzidas e aplicadas. Como uma dessas problemáticas, pode-se citar o fato da própria jovem desconhecer seu diagnóstico, somente entrando em contato com ele na metade do filme, quando ela e as outras garotas invadem a sala do psiquiatra e leem as pastas referentes ao caso de cada uma. Susanna passa meses de sua internação sendo submetida aos tratamentos de rotina sem de fato entender os motivos de estar tomando os remédios e estar frequentando as sessões, assim como o resto das pacientes.
As práticas dentro do manicômio da trama tornam-se, assim, mecânicas e vazias de sentido, privilegiando um modelo de assistência pautado na hegemonia e superioridade do profissional de saúde, que detém todo o conhecimento sobre a condição dos pacientes e segura em suas mãos o destino dessas pessoas. As garotas do filme, dessa forma, mostram-se totalmente alienadas quanto às suas condições de saúde, e possuem pouco ou nenhum controle do processo terapêutico que estão vivenciando. O engajamento nas atividades propostas pelos profissionais do local é incentivado e até mesmo exigido, entretanto, mesmo quando esse engajamento existe, as pacientes contribuem com o processo tendo em mente uma possibilidade de sair do local e serem curadas de uma condição que nem mesmo as próprias entendem ou conhecem.
Fonte: encurtador.com.br/iuyLX
Apesar dos inúmeros aspectos negativos inerentes às próprias práticas manicomiais presentes no filme, é preciso levar em consideração o contexto histórico em que se passa a trama. As discussões a respeito de saúde mental, nos anos 60, ainda eram frágeis e muito pautadas no discurso biologicista, e as contribuições da psiquiatria ajudavam, como já discutido anteriormente, a legitimar práticas desumanas. É possível também, olhando por outra perspectiva, observar vários pontos positivos no que tange ao manejo e cuidado das pacientes durante o filme.
Como uma prática que foge aos modelos de internação em que as pessoas são isoladas da sociedade, durante o filme, pode-se citar uma atividade promovida pela enfermeira Valerie, em que as pacientes saem do encarceramento e vivem uma espécie de dia de lazer fora das dependências do manicômio. Apesar de em alguns pontos perderem a sensibilidade com as mulheres, a maioria dos funcionários do local são colaborativos e desenvolvem afetividade pelas pacientes, como é o caso de Valerie, que, em várias cenas do filme, demonstra um enorme carinho tanto por Susanna quanto pelas outras garotas, até mesmo pelas consideradas mais problemáticas, como Lisa.
A partir dessas considerações, pensando também no contexto histórico e social do que é considerado loucura e como essa condição tem sido tratada ao longo dos séculos, podem ser tecidas algumas discussões a respeito dos transtornos de Susanna e Lisa.
Reflexões sobre saúde mental
Susanna e Lisa, vivida por Angelina Jolie, são as personagens principais do filme, ambas diagnosticadas com transtornos de personalidade distintos. Numa das primeiras aparições de Lisa no filme, ela é apresentada como sociopata, uma das categorizações dentro do chamado transtorno de personalidade antissocial. Já Susanna, alheia às motivações de seus sentimentos e comportamentos, só descobre seu diagnóstico quando acessa a sua pasta no consultório psiquiátrico.
Fonte: encurtador.com.br/adrtA
As particularidades e manifestações de ambos os transtornos vivenciados pelas duas jovens emergem no convívio dentro do manicômio, gerando atritos em relacionamentos e dificuldades interpessoais. Retomando as discussões anteriores, é possível afirmar, principalmente no caso de Susanna, que tanto a maneira como seus pais, a sociedade e os profissionais do manicômio encaram o seu transtorno é rotuladora, visto que seus conflitos poderiam ser abordados de outra maneira que não através da internação psiquiátrica.
O estigma de “louca” recai sobre a personagem como um peso, agravando, pode-se inferir, sua condição. Para entender o funcionamento das duas personagens no mundo e o modo como ambas interagem com este, com as pessoas e consigo mesmas, faz-se necessário tecer algumas reflexões a respeito dos dois transtornos e seus respectivos contextos históricos.
Atualmente, tanto o transtorno de personalidade borderline como o antissocial estão presentes no DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), encaixados na categoria dos transtornos de personalidade. Entretanto, as concepções e nomenclaturas a respeito dos transtornos psicológicos nem sempre foram bem definidas como na última década. O diagnóstico de borderline, por exemplo, foi estruturado apenas em 1980, na publicação do DSM-III (DALGALARRONDO & VILELA, 1999). A utilização do termo borderline pela primeira vez se deu em uma publicação de um autor chamado Stern, em 1938.
O transtorno era tido como uma espécie de esquizofrenia latente, onde haveria uma flutuação entre o estado de psicose e neurose. A categorização desse conjunto de sintomas como borderline se deu, definitivamente, pelos estudos de Robert Knight, em 1953, o que permitiu o surgimento das primeiras classificações desse transtorno nas edições do DSM e sua consequente desvinculação com a esquizofrenia, sendo tratado como um transtorno de personalidade (DALGALARRONDO & VILELA, 1999). A edição mais recente do DSM cita como uma das características próprias do transtorno de personalidade borderline a instabilidade nas relações, na autoimagem e uma impulsividade acentuada.
Fonte: encurtador.com.br/koqAL
Essas características são observadas no comportamento de Susanna ao longo do filme, principalmente durante suas explosões de raiva ou angústia movidas por impulsos. Como um exemplo da sua instabilidade nas relações, é possível citar seus padrões de relacionamentos amorosos, que são de curto prazo e desprovidos de apego emocional significativo. A impulsividade da jovem se manifesta em seus comportamentos autodestrutivos, como a tentativa de suicídio, que, inclusive, configura como um critério para o diagnóstico do transtorno, conforme o DSM-V. Também há prevalência de instabilidade no humor, o que é observado durante as explosões de raiva, tristeza e euforia da personagem.
Apesar de todas essas características, que certamente reúnem dados o bastante para ser firmado um diagnóstico, o próprio DSM-V alega que há um contexto cultural influente sobre indivíduos diagnosticados com borderline (principalmente adolescentes e adultos jovens), onde existe a presença de atitudes e vivências inerentes a questões existenciais experienciadas por esses indivíduos que são percebidas como possíveis sintomas de um transtorno, e assim patologizadas e tratadas. Como discutido anteriormente, no contexto histórico da trama, os conflitos e questões de ordem psicológica, ainda mais do que atualmente, eram diagnosticados e trabalhados a partir de um viés estigmatizador, reforçando a perspectiva manicomial, farmacológica e psiquiátrica, sem considerar a subjetividade do sujeito no processo.
Abrangendo esses fatores, pode-se então levantar a hipótese de que Susanna foi inserida nessa dinâmica, sendo rotulada e tratada como uma paciente psiquiátrica, ainda que não se encaixasse nessa classificação. Carneiro (2004) aponta para alguns problemas referentes a práticas que promovem o isolamento de pessoas com uma possível sintomatologia e diagnóstico de borderline, visto que o encarceramento de pessoas nessa condição pode reforçar crenças e pensamentos autodestrutivos além de problemas com a autoimagem, aproximando-as do “limite da loucura”. A autora classifica o transtorno como um estado transitório entre a loucura e a razão, sendo assim, tais práticas levariam o paciente a apresentar com mais frequências os sintomas (CARNEIRO, 2004). Isso é observado durante os primeiros momentos de Susanna na instituição, mas, com seus próprios esforços e com o apoio de colegas e funcionários, a jovem consegue reverter o contexto de seu transtorno e sair do isolamento manicomial, no final do filme.
Por outro lado, como antagonista da trama, há Lisa, uma jovem diagnosticada como sociopata. Susanna, antes mesmo de conhecê-la, descobre sobre sua enorme influência dentro da instituição, entrando em contato com o fato de que até mesmo uma ex-paciente do local havia cometido suicídio devido a ausência de Lisa (que, como fez anteriormente e continuou fazendo ao longo do filme, havia fugido da instituição). Conforme Hodara, a sociopatia é um dos vários desvios de personalidade incluídos dentro da classificação de Transtorno de Personalidade Antissocial. Como uma das características desse transtorno, pode-se citar o desprezo pelo sentimento dos outros (redução ou ausência de empatia) e por regras e normas da sociedade. (HODARA). O DSM-V aponta ainda, como um critério próprio do transtorno, a recorrência de episódios em que a agressividade é manifestada fisicamente e/ou verbalmente.
Fonte: encurtador.com.br/iwPY0
Lisa, durante todo o filme, demonstra o seu descaso para com todas as pessoas de seu convívio, sejam elas suas colegas da instituição ou os funcionários. Em uma das cenas mais fortes do filme, a personagem chega a servir de gatilho para que uma jovem, ex-paciente da instituição, cometa suicídio em sua própria casa, após desmoralizá-la verbalmente. O acontecimento se deu quando a personagem fugiu do manicômio e se hospedou na casa da jovem, levando com ela Susanna.
Sua reação ao suicídio da garota foi de total indiferença, enquanto Susanna se desestabilizava e chorava diante da cena. Em várias outras ocasiões, a personagem agiu com extrema crueldade e frieza ao tratar-se com os outros. Não só agressiva no sentido verbal, Lisa também mostrou ser capaz de usar da agressividade física, como quando os funcionários a trouxeram de volta para a instituição após uma de suas fugas. Os autores Pereira e Biasus ressaltam que, apesar dos aspectos de sociopatia e psicopatia estarem sob o prisma dos Transtornos de Personalidade Antissocial, nem todos os indivíduos diagnosticados com Transtorno de Personalidade Antissocial são necessariamente psicopatas ou sociopatas.
O que determina essa diferenciação, ainda de acordo com os autores, é a capacidade de controlar ou não os impulsos para a agressividade e hostilidade. Diagnosticada como sociopata, Lisa apresenta, como já discutido, uma grande tendência a manifestar em seus comportamentos traços das características citadas, sendo, de fato, relacionada às condutas referentes à psicopatia e sociopatia. Entretanto, uma das características mais marcantes da personagem, e também algo bastante manifestado em seu comportamento, citada também como uma das características próprias de indivíduos diagnosticados com TPAS, é sua capacidade de manipulação. Visando os próprios interesses, Lisa com frequência influencia as colegas de convívio a fazerem o que ela deseja. Até mesmo Susanna acaba sendo vítima dessa manipulação quando decide fugir da instituição junto da personagem. Em outra situação, quase no final do filme, Susanna recebe alta.
A informação chega a Lisa, que, buscando um meio de manter a colega no local provocando nela uma crise, expõe o diário da jovem às outras mulheres do local, cheio de desabafos e ofensas direcionadas às pacientes. Várias das mulheres, guiadas por Lisa, se juntam para intimidar Susanna. A personagem chega a se sentir mal e fica perto de ter uma crise, mas consegue devolver para Lisa todo o ódio destilado por ela. Assim, pela primeira vez, a antagonista sente na pele o peso das ofensas e humilhações, entrando em crise ao invés de Susanna. A cena revela um lado sensível da personagem, mantido em segredo atrás de muros de hostilidade construídos com o intuito de protegê-la do mundo (ou de si mesma). Nessa situação específica, Lisa utiliza seu poder de manipulação para um propósito bem mais abrangente do que apenas humilhar a colega. A intenção da personagem, pode-se afirmar, era manter Susanna na instituição, visto que a jovem havia construído com ela um vínculo, ainda que abusivo e mantido por relações de poder.
Fonte: encurtador.com.br/uyDNS
Conclusão
“Garota, Interrompida” passa longe de ser um filme em que os transtornos mentais são estereotipados e banalizados. Apesar de nem todos os distúrbios apresentados pelas várias personagens serem trabalhados a fundo, há no filme um grande foco nas relações interpessoais desenvolvidas por indivíduos diagnosticados com um transtorno, principalmente os que se enquadram na categoria de desvio de personalidade.
Algo observado na trama, bastante pertinente para futuras discussões a respeito das psicopatologias, é a subjetividade dos sujeitos implicada em seus respectivos adoecimentos. Um exemplo disso se expressa por Lisa, que, apesar de ser diagnosticada com um transtorno cujas características são a falta de empatia e sensibilidade, consegue construir um vínculo interpessoal, ainda que frágil e sabotado, além de demonstrar momentos de vulnerabilidade emocional.
Susanna, apesar de sua condição existencial limitante, consegue reverter muitos de seus impasses e se direciona à autorrealização. A mensagem final, e talvez a mais importante, consiste em olhar para o indivíduo não como um depósito de sintomas e rótulos psicopatológicos, mas como um sujeito além de estereótipos, dotado de uma subjetividade capaz de proporcionar mudanças. Para que esse entendimento de ser humano seja alcançado, ainda é necessário um longo e árduo trabalho de conscientização, lutando contra os conceitos generalizantes de loucura e normalidade e as perspectivas manicomiais de internação. É um caminho a ser trilhado e um desafio a ser abraçado pelos profissionais de saúde mental e pela sociedade como um todo.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
GAROTA INTERROMPIDA
Título original: Girl, Interrupted Direção: James Mangold Elenco: Winona Ryder, Elisabeth Moss, Angelina Jolie País: EUA, Alemanha Ano: 2000 Gênero: Drama,Biografia
Referências
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