Um Sonho de Liberdade: ser livre como sentido de vida

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Quem tem porquê viver pode suportar quase qualquer como.
Nietzsche

Fonte: http://migre.me/vFtak

Foi em meio aos horrores da Segunda Guerra Mundial, a partir da experiência em campos de concentração, que Viktor Emil Frankl, um judeu, faz emergir a Logoterapia, também chamada como psicologia do sentido, ou a Terceira Escola Vienense de Psicoterapia. Tal teoria fundamenta-se nos pressupostos humanístico-existenciais. A logoterapia é permeada pelo existencialismo cristão de Soren Aabye Kierkegaard (1813 -1855). Para este a existência precede a essência, esta afirmação salienta que o sujeito é um ser único e mestre dos seus atos e, por conseguinte, do seu destino. Este postulado é o cerne da angústia existencial, ou seja, ao se dar conta que o “Eu” é o próprio legislador da sua vida e ação, transportam o sujeito a um vazio de sentido (ALMEIDA, 2007).

Frankl visava compreender o ser humano em sua totalidade, o qual necessita de liberdade e é constituído pela capacidade de suportar o sofrimento, mesmo quando a vida parece não ter significado (RODRIGUES e BARROS, 2009). Como ressalta Moreira e Holanda (2010), a logoterapia concebe uma visão humana que se difere das demais concepções psicológicas de seu tempo, na medida em que propõe a compreensão da existência mediante fenômenos especificamente do ser humano e a identificação de sua dimensão noética ou espiritual.

Para Frankl (1984) a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, “esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprida somente por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará sua própria vontade de sentido” (p.87). Esta busca de sentindo é individual e intransferível, e o sentido da vida é mutável, cada individuo deve buscar algo o satisfaça e o objeto de satisfação modifica-se conforme a perspectiva do sujeito e sua existência.

Um Sonho de Liberdade

Fonte: http://migre.me/vFtbo

O longa metragem “Um Sonho de Liberdade” (The Shawshank Redemption, 1995), escrito e dirigido por Frank Darabont, usa como base a novela de Stephan King e narra a história de Andy Dusfresne (Tim Robbins). Nas primeiras cenas do filme o personagem descobre que está sendo traído pela esposa, esta e o amante são assassinados e Andy é condenado por duplo homicídio, crime o qual não cometeu.

Posteriormente, o personagem é encaminhado para a Penitenciária Estadual Shawshank para cumprir prisão perpétua. Já na entrada do presídio é possível vê a institucionalização do personagem, pois ao entrar, o sujeito perde sua identidade, isso fica visível no uniforme que lhe é dado, cuja função é de homogeneizar. Na prisão o indivíduo recebe um estigma, e a disciplina que lhe é aplicada tem a função de torná-lo dócil.

Como afirma Foucault (1999):

o corpo humano entra em numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica de poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas de rapidez e eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim, corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis” (FOUCAULT, 1999. p. 110).

Fonte: http://migre.me/vFtcg

A partir disso, pode-se observar que uma vez institucionalizado e “docilizado”, o sujeito pode em algum momento, se acomodar com sua condição diante do sofrimento, encontra conforto neste sentimento e dá significado a sua dor. Afinal a vida é sofrimento, e sobreviver é encontrar significado na dor, e se de algum modo, a vida tem sentido, há propósito na dor e na morte (FRANKL, 1984). Dentro do universo cinematográfico do longa o sofrimento está dissociado do desejo de vida, torna-se sentido da mesma, o sujeito resigna-se e confortavelmente acomoda-se a realidade que o circunda.

Isso ocorre com Brooks, um idoso que se encontra preso há cinquenta anos na prisão de Shawshank; ao ser liberto, não consegue se desvincular do ambiente penitenciário e se adaptar à sociedade, pois, o cenário datado antes de sua prisão era mais estático e quando foi liberto, havia se modificado, tornando-se mais dinâmico. O mundo da prisão era estável, diferente do ambiente que se apresentava a ele naquele momento “a liberdade de agora era fictícia, pois permanecia preso as regra estabelecida aos detentos. Havia, portanto, assimilado a identidade dos prisioneiros” (MOTTA, 2011, p.1). Assim, o personagem idoso comete suicídio, pois prefere isso a encarar o desafio de se adaptar a uma nova vida, não conseguindo ressignificar e encontrar sentido de vida neste novo momento que iria experienciar.

O filme retrata o cerne dos conflitos do ser humano no contexto penitenciário. Além de todo o sofrimento ocasionado pela privação de liberdade, Andy ainda sofre violência sexual de outros presos, sendo que chega até a se tornar passivo diante dessa situação, uma vez que as reclamações e pedidos de ajuda não são ouvidos. Mesmo diante do supracitado, o protagonista demonstra uma civilidade, uma serenidade no agir divergindo dos comportamentos dos demais, como cita Red, personagem o qual nos narra a história.

Fonte: http://migre.me/vFtcM

Na prisão têm se todos os reflexos do contexto cultural de forma mais acentuada, assim, nota-se aspectos de uma sociedade individualista ainda mais forte no presídio uma vez que, não se pode confiar nas pessoas, pois, ocorre uma luta pela sobrevivência. Embora isso seja parte do cotidiano desses sujeitos, Andy consegue estabelecer relações de amizade, como ocorre com Red. O espirito de comunidade também se apresenta no filme, pois, os encarcerados, buscam estratégias de sobrevivência, seja por troca de favores ou contrabandos de alguns objetos feitos por Red para tentar amenizar a vida na cadeia.

Andy consegue desenvolver até mesmo o altruísmo, o que na vida lá fora talvez não fosse possível visto que, o personagem conta em algum momento que sua mulher se queixava que não conseguia compreendê-lo, interpretá-lo, sempre introspectivo. Porém, quando privado de liberdade, começa a repensar o sentido de sua vida e de suas práticas, desse modo, o personagem utiliza-se de sua experiência como bancário para facilitar sua vida e de seus companheiros.

Em relação a isso, temos uma cena emocionante na qual Red consegue que ele e seus companheiros trabalhem na área externa do presidio, na impermeabilização do telhado.  O protagonista auxilia um guarda com seu imposto de renda, como recompensa solicita cerveja para seus companheiros, ao contemplar esse momento, os personagens sente como se tivesse retomado sua vida antes da prisão. Sem dúvidas, o personagem consegue manter sua motivação para sair daquele lugar, no caos, ele consegue redescobrir o sentido da vida, desenvolve estratégias e se utiliza de toda sua história e potencial criativo para conquistar a tão sonhada liberdade.

Fonte: http://migre.me/vFtd1

Aproximação entre Viktor Frankl e Andy

Paiva (2009) aponta que a linguagem cinematográfica, em sua expressão, permite uma interação entre obra, autor e público, de modo que é possível alcançar uma abrangência intertextual, e ainda, a capacidade de olhar e interpretar o mundo sobre várias perspectivas. Assim, é possível recriar a vida, fato que se aproxima da filosofia, pois, o cinema revela as contradições da existência humana, mostrando seus conflitos e denunciando suas realidades.

A partir disso, percebe-se que o filme Um Sonho de Liberdade faz intertextualidade com a história do criador da logoterapia, Viktor Frankl, uma vez que assim como Frankl vivenciou os terrores de um campo de concentração nazista, o personagem do longa metragem passa por momentos angustiantes e é privado de liberdade por um crime que não cometeu.

Motta (2012) observa que a fotografia do filme nos mostra através das cores, uma alusão à Idade Medieval, período no qual os seres humanos viviam em conflito existencial, pairando entre o teocentrismo e o antropocentrismo; enquanto o primeiro estava ligado ao cristianismo, sendo que as pessoas pautavam-se nas leis bíblicas para controlar e docilizar os outros, o antropocentrismo configurava o desejo do ser humano se reafirmar, criar uma identidade e se fazer respeitar pelos outros.

Fonte: http://migre.me/vFtdA

Nesse sentido, a história do criador da Logoterapia nos mostra esses paradoxos de existir e afirma que não há sentido apenas na beleza e gozo da vida, mas que também é possível encontrá-lo mediante experiências devastadoras, pois, mesmo que essas reservam apenas uma possibilidade de configurar a existência, a atitude a qual a pessoa se coloca em face à restrição forçada de fora sobre seu ser, pode produzir o sentido da vida (FRANKL, 1984, p. 63).

Como ressalta o autor:

Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá. Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo. (FRANKL, 1984, p. 63).

Nota-se que ambos passam por momentos de profunda reflexão e busca do sentido da vida, sendo este a principal força motivadora do ser humano. Para tal, é imprescindível a vontade de sentido, nada é mais insubstituível – mesmo em circunstancias adversas, do que vivenciar o insight, isto é, compreender que sua vida tem sentido (PEREIRA, 2007).

Frankl (1984), quando retrata esses momentos de imersão em si mesmo, elucida que a tendência para a intimização percebida por ele em alguns prisioneiros, possibilita a mais viva percepção da arte ou da natureza uma vez que a intensidade desta experiência faz esquecer por completo o mundo que o cerca e todo o horror da situação.

Vemos então, que mesmo diante de uma tragédia, o ser humano pode re-significar sua existência através de um ajuste criativo. Ser saudável existencialmente não implica necessariamente em não experimentar sofrimento ou viver em um estado de constante tranquilidade; o que consiste em equilíbrio existencial é a coragem de assumir riscos e situações novas, ou seja, a capacidade de desenvolver estratégias para vivenciá-las da melhor forma possível (FORGHIERI, 1996).

Fonte: http://migre.me/vFtej

Forghieri (1996) ressalta que a coexistência de opostos é que nos dá o verdadeiro significado de cada um dos extremos que acreditamos ser contrastantes em nossa vida cotidiana, porém, esses polos constituem uma totalidade, assim, “se consigo sentir-me verdadeiramente alegre é porque já me tenho sentido profundamente triste; se consigo sentir plenamente a ternura de uma convivência amorosa é porque já conheço a angústia de minha solidão” (FORGHIERI, 1996, p. 103).

Assim, Frankl e Andy conseguem mesmo privado de liberdade, desenvolver estratégias para sobreviver naquele local. O primeiro, por ser médico, utilizava-se dos seus saberes para ajudar os enfermos, enquanto que o segundo teve experiências como bancárias e utiliza-se disso a seu favor para conseguir recursos para amenizar a vida na prisão, como por exemplo, a reforma da biblioteca.

O fluxo do existir e dos acontecimentos, vão modificando o sentido de existir, pois, o ser humano é mutável. O existir está repleto de incertezas, mesmo quando o sujeito tenta se apoiar em experiências do passado, pois, o presente é também abertura para o futuro e este é incerto (FORGHIERI, 1996).

Vale ressaltar, que ambos elaboram planos de fuga, o que afirma mais uma vez a tendência auto realizante do ser humano, ou seja, o desejo de sempre melhorar e ir além, pois está intrínseco ao sujeito a vontade de expansão, a busca pelo sentido da vida. Frankl tinha no amor pela esposa – a qual também estava presa em outro campo de concentração, a motivação para se manter vivo, e Andy, por sua vez, mesmo não tendo mais laços afetivos, consegue encontrar em si mesmo o sentido de viver.

Frankl, além de sobreviver ao horror dos campos de concentração, contribuir como logoterapeuta na busca de sentido das pessoas ao seu redor durante o cárcere, ainda deu sentido ao seu sofrimento e dor ao elaborar a sua teoria, negando o pessimismo e dizendo sim à vida, em todos os seus aspectos.

Um simbolismo muito forte presente no longa metragem, diz respeito à fuga do personagem , pois, no início, o interlocutor acredita que Andy é culpado, este passou por um túnel impuro e imundo- o que também é retratado pelas cores frias da fotografia do filme, e saiu do outro lado, puro e limpo para recomeçar uma nova vida (MOTTA, 2012).

Fonte: http://migre.me/vFteW

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, J. M. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano III – Número III – janeiro a dezembro de 2007. Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/existenciaearte/Edicoes/3_Edicao/Jorge%20Miranda%20de%20Almeida%20FILOSOFIA%20ok.pdf>. Acesso em: 28 de abril de 2016.

FRANKL, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Porto Alegre, 1984.

FOUCAULT. M. Vigiar e Punir, Nascimento da Prisão. Ed. Vozes. Petrópolis, 1999.

FORGHIERI, Y. C. Saúde e adoecimento existencial: o paradoxo do equilíbrio psicológico. Revista Temas em Psicologia, vol.4 no.1 Ribeirão Preto, 1996.

MOTTA, C. M. M. Um Sonho de Liberdade – Análise Semântica. 2012. Disponível em:<http://leiturasinterdisciplinares.blogspot.com.br/2011/12/analise-do-filme-um-sonho-de-liberdade.html>. Aceso em: 28 de abril de 2016.

PEREIRA, I. S. A vontade de sentido na obra de Viktor Frankl. Psicologia, USP, Brasil, v. 18, n. 1, p. 125-136, 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/pusp/v18n1/v18n1a07.pdf>. Acesso em: 8 de abril de 2016.

RODRIGUES, L. A. ; BARROS, L. A. Sobre o fundador da logoterapia Viktor Emil Frankl e sua contribuição à psicologia.  Revista Estudo, v. 36, n. 1/2, p. 11-31s, , Goiânia, 2009. Disponível em: <http://espiritualidadesentido.yolasite.com/resources/sobre%20o%20fundador%20da%20logoterapia.pdf>. Acesso em: 28 de abril de 2016.

PAIVA, C. M. S. C. Cinema e Filosofia: Uma Interlocução Possível – A ética, a cultura organizacional e a estética da violência nos filmes Clube da Luta e Tropa de Elite.  São Paulo, 2009. Disponível em: <http://portal.anhembi.br/wpcontent/uploads/dissertacoes/comunicacao/2009/dissertacao_celinamariasilvacastropaiva.pdf>. Acesso em: 05 de maio de 2016.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

UM SONHO DE LIBERDADE

Diretor: Frank Darabont
Elenco: Tim Robbins, Morgan Freeman, Bob Gunton, Clancy Brown;
País: EUA
Ano: 1995
Classificação: 16

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Escritores da Liberdade e as dinâmicas de grupo

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“Freedom Writers”- Escritores da Liberdade, filme lançado em 2007, tendo Richard LaGravenese como diretor. O enredo retrata um cenário baseado em fatos reais, permeado pela agressividade, violência e ideais sociais. Expõe ainda o cotidiano de Gruwell (Hilary Swank), uma jovem professora com princípios igualitários no que se refere inclusão social e qualidade de ensino para todos. Instigada por esta ideologia, decidiu-se por iniciar sua carreira de docência numa escola de um bairro pobre, pois nesta instituição foi efetivado o programa de integração voluntaria.

Os alunos desta instituição vivenciam constante tensão racial, observa-se claramente a divisão por raças. Os estudos não são algo de preocupação imediata, outros âmbitos da vida requerem uma atenção preferencial. Ir à escola é uma “perda de tempo”. Gruwell, indaga a um integrante do conselho no decorrer do longa-metragem: qual é o intuito do programa de inclusão? Pois a instituição finge que ensina e os alunos fingem que aprendem. Portanto esta estratégia é apenas um paliativo, um modo para aliviar a consciência social.

No entanto, Gruwell não fica abatida com os empecilhos que surgem, a mesma lança mão de métodos diferentes de ensino-aprendizado para conseguir “ensinar seus alunos”, os mesmos, aos poucos retomam a confiança em si, vão aceitando novos conhecimentos e por meio desta nova vivência passam a reconhecer valores com tolerância e o respeito ao outro.

Ao analisar o filme “Escritores da Liberdade” compreende-se que num primeiro momento existem vários subgrupos na sala, estão atrelados a etnia dos integrantes do grupo, subdividindo-o em diversas “gangues”. Observa-se a divisão dos subgrupos no primeiro contato da professora com os alunos, os mesmos adentram a sala e agrupam-se nos seus lugares, com suas tribos.

Fonte: http://migre.me/vFuvH

Zimerman e Osório (1997) salientam que os sujeitos vivem em grupos desde o nascimento, o primeiro grupo que o indivíduo faz parte é a família. A identificação com os grupos posteriores ocorre pela busca da “identidade individual e a necessidade de uma identidade grupal e social” (p. 26).

Eva, uma das personagens do longo inicia sua narrativa corroborando com a afirmativa supracitada, visto que, a identificação com o seu “povo” a faz parte do grupo e a incita a lutar pelo mesmo, e por suas convicções, por orgulho e respeito. Ver na figura paterna o líder do grupo, visto que, este é respeitado pelos demais, o mesmo a ensinou a amar o grupo.

Zimerman e Osório (1997) ao falar sobre os atributos desejáveis de um líder- coordenador do grupo apresenta alguns itens importantes, dentro quais se destacam o respeito, gostar de grupos e ser coerente. Todavia Andaló (2001) contrapõe alguns destes postulados, indaga se o mesmo, o líder- coordenador é apenas um mediador ou um super-homem.

Fonte: http://migre.me/vFuwp

Eva considera o pai um herói, um super-homem, por este motivo é esquiva e hesitante para adentrar em outro grupo ou fazer algo que o desagrade.

Eva e os demais alunos são resistentes com a nova professora, não veem sentido para estarem frequentando a escola, pois acreditam serem inferiores e excluídos. Mas Mrs. Gruwell não desiste, e com o objetivo de aproximação utiliza-se de dinâmicas para demonstrar que todos têm algo em comum, passam por experiências similares, possuem gostos parecidos, portanto, são iguais.  Pouco a pouco, vai vencendo as resistências do grupo através do manejo das mesmas. Propiciou ainda, o encontro, o convívio com outros fora do subgrupo quando optou por separá-los.

Escritores da Liberdade 4Fonte: http://migre.me/vFux3

As resistências de um grupo referem-se a tudo que ocorre no grupo que dificulta atingir o objetivo, no caso do filme a aprendizagem (ZIMERMAN e OSÓRIO, 1997).  Ao se incluir no processo, descer do pedestal de professora, Mrs. Gruwell vai ganhando a confiança e começa a ser uma referência para seus alunos e desempenha o papel de coordenadora do grupo. Andaló (2001) enfatiza que o professor deve ter um diálogo com seu aluno, deve ser um mediador e não um herói, mas alguém que compreenda e o incentive ao processo de ensino-aprendizado.

Os papéis desempenhados pelos integrantes do grupo se evidenciam no filme quando a professora presenteia os discentes com cadernos que vão lhes servir como diários, quando convida os alunos para buscá-los na mesa, por uma pequena parcela de tempo se entreolham e então um deles toma coragem para tal ação.

Sabe-se que todos têm um papel no grupo, esse papel não é fixo, até mesmo quem não fala nada, interfere e participa da dinâmica grupal, pois o sujeito influencia o grupo e é por ele influenciado (ZIMERMAN e OSÓRIO, 1997). Vale ressaltar que, é possível que o papel que a pessoa assume no grupo é o mesmo que vivencia em outras áreas da sua vida, fixar-se em apenas um papel não é saudável, o ideal é que o sujeito assuma diferentes papéis.

Com a aproximação dos alunos e confiança que depositaram na docente, visto que, permitiram que a professora visualizasse o seu mundo através da leitura dos diários, este movimento eliciou a formação do grupo. Berstein (1989) postula que o grupo se caracteriza por um conjunto limitado de indivíduos, em prol da realização de uma tarefa-objetivo, atrelados por pelo tempo e espaço, de forma interdependente.

Fonte: http://migre.me/vFuAm

Bastos (2010) cita que para Pichon-Rivière o grupo:

Apresenta-se como instrumento de transformação da realidade, e seus integrantes passam a estabelecer relações grupais que vão se constituindo, na medida em que começam a partilhar objetivos comuns, a ter uma participação criativa e crítica e a poder perceber como interagem e se vinculam (p. 164).

No longa metragem o grupo nasce do encontro da professora com os alunos, o espaço que dividem é a sala de aula, no qual a líder é a Mrs. Gruwell. Na perspectiva de Zimerman e Osório (1997) a mestra desempenha o papel de coordenador ativo, uma vez que, ela administra e elabora as dinâmicas, mas, vale ressaltar que, a mesma é flexível, observa-se tal postura no momento em que seus alunos concebem a ideia de convidar a mulher que abrigou Anne Frank, ela os apoia, dar-lhes o incentivo e corrobora para que o objetivo seja alcançado.

Verifica-se no momento supracitado a dinâmica grupal, a interação entre seus componentes, pois trabalham em equipe para obtenção da verba para que consigam conhecer Miep Gies, mulher que abrigou Anne.

Escritores da Liberdade 7
Fonte: http://migre.me/vFuCk

A oportunidade de vivenciar novas experiências, conhecer novos lugares, adquirir mais conhecimento e integra-se no grupo de colegas de sala fomentou a quebra de preconceitos, de etnocentrismo e oportunizou aceitar o outro através da identificação com esse (ZIMERMAN e OSÓRIO, 1997). Mailhiot (1991) enfatiza que o grupo propicia transformações relevantes nos integrantes através das múltiplas interações que o sujeito experiência em âmbito social, isto caracteriza o clima grupal.

Ao decorrer do filme os alunos se apropriam do espaço da sala, o grupo passa a ser família, e professora consegue o respeito e admiração. Nesse novo cenário mudanças são perceptíveis, os discentes adotam novas posturas, e quebram com o instituído. A exemplo nota-se a conduta de Eva que desobedeceu às regras do seu antigo grupo para fazer o “certo”. Bastos (2010) assegura que objetivo originário do grupo operativo é a mudança, na qual os componentes dos grupos passam a assumir outros papéis diferentes do habitual.


Fonte: http://migre.me/vFuDn

Os outros discentes mudam ao decorrer do longa, buscam nova forma de ser e estar, passaram a valorizar os estudos e ansiavam por novas conquistas. O trabalho da Mrs. Gruwell é apreciado pelo conselho, no entanto, outro conflito surge, ela não tem licença para ministrar aula nas turmas avançadas (3 e 4 anos), sendo assim, é eminente o termino do grupo. Porém os estudantes não comungam de tal decisão, por isto, se juntam e buscam sensibilizar o conselho através de várias ações para que então a professora possa lecionar nas turmas posteriores.

Zimerman e Osório (1997) salientam que o grupo pode ser aberto ou fechado, sendo o grupo aberto quando o sujeito sai e o grupo acaba apenas para ele, no fechado o grupo termina pelo tempo, o tempo de duração já foi previamente discutido na etapa de planejamento. No que se refere ao filme o grupo é fechado, pois os alunos vão para a turma avançada, a professora fica e um novo grupo será formado, ou seja, o tempo de duração do grupo é baseado no calendário letivo. Mas, no mesmo tempo o grupo é aberto, visto que, se um aluno desistir do ano letivo as aulas continuarão sem ele.

O objetivo acima citado é alcançado, a professora consegue continuar no grupo, e no final do filme, fica subentendido que a mesma os acompanha até a faculdade, uma vez que, ela passa dar aulas na Universidade. Por meio do filme “Escritores da Liberdade” pode-se analisar a dinâmica grupal. Pode-se observar a formação de um grupo, compreendo como se deu a integração dos seus membros e as potencialidades de mudanças que o grupo fomenta no indivíduo, uma vez que, o grupo é propagador de mudanças, influência o sujeito, e este é também é influenciado.

Fonte: http://migre.me/vFuJY

O grupo eliciado no longa metragem serviu como facilitador na busca por conhecimento, e foi relevante na quebra de velhos estigmas, preconceito e discriminação. Mesmo o grupo não tendo mudando o cenário de violência e agressividade que os seus intrigantes fazem parte, conseguiu operar mudanças significativas no jeito de ser e de viver dos mesmos. Por fim, a mudança percebida no filme foi em âmbito micro, mas para atingir em proporção macro, a transformação perpassa essencialmente pela esfera micro.

REFERÊNCIAS:

ANDALÓ, C. S. A. O papel de coordenador de grupos. Psicol. USP vol.12 no.1 São Paulo,  2001.

BASTOS, A. B. B. I.  A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicólogo inFormação ano 14, n, 14 jan./dez. 2010.

BERSTEIN [et.al.]. Compêndio de psicoterapia de grupo/ Harold I. Kaplan e Benjamin J. Sadock … [ET.al.]; trad. José Octávio de Aguiar Abreu e Dayse Batista. 3.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

EYGO, H. O Clube dos Cinco – sobre grupos em Kurt Lewin. Disponível em:< http://ulbra-to.br/encena/2013/12/27/O-Clube-dos-Cinco-sobre-grupos-em-Kurt-Lewin>. Acesso em: 11 de novembro de 2015.

MAILHIOT, G. B. Dinâmica e Gênese dos Grupos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1991.

ZIMERMAN, D; OSÓRIO, L.C. & Colaboradores. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Escritores da Liberdade cartaz

ESCRITORES DA LIBERDADE

Direção: Richard LaGravenese
Elenco: Anh Tuan Nguyen, Blake Hightower, David Goldsmith, Deance Wyatt
Ano: 2007
País: EUA
Classificação: 12

 

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As Vozes: a importância das redes de apoio na Adesão ao Tratamento

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The Voices – “As vozes” – foi lançado em 2015 e aborda uma combinação de violência, terror, romance e comédia permeada pelo humor negro. A direção é da franco-iraniana Marjane Satrapi, e o roteiro ficou com Michael R. Perry. O protagonista da história é um jovem chamado Jerry Hickfang (Ryan Reynolds), uma pessoa otimista e que leva uma vida controlada; no entanto, cada dia, após sua rotina de trabalho, ao chegar em casa, sempre se depara com uma situação inusitada: pessoas conversarem com animais de estimação é algo comum, mas ouvi-los responderem suas indagações foge do conceito de normalidade e é tido como patologia.

Logo no início do filme percebe-se que Jerry vive num mundo à parte. O longa foca no artifício de passar cenas com o personagem principal desempenhando ações corriqueiras no seu trabalho usando headphone para ouvir músicas, corroborando com tal afirmativa; observa-se ainda, que a paleta de cores da obra é colorida, permeando o cenário com um mix de alegria e desconforto, visto que as tonalidades são exageradamente berrantes em certos objetos e pessoas, criando assim um ambiente único e instigante aos olhos do espectador.

 

No decorrer do enredo compreende-se que o protagonista apresenta particularidades de um portador de transtorno mental, tendo dificuldades em aderir ao tratamento medicamentoso. Mion Jr e Gusmão (2006) afirmam que a adesão ao tratamento, sendo ele medicamentoso ou não, decorre de fatores socais, interpessoais, aspectos relacionados ao tratamento ou ainda características ligadas à doença. Portanto, mesmo que Jerry tenha aderido à psicoterapia, fazer uso dos fármacos é relevante no seu prognóstico, uma vez que ele ouve vozes. Parte-se do pressuposto que o mesmo é esquizofrênico.

No CID 10, a esquizofrenia caracteriza-se:

Em geral por distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. Usualmente mantém-se clara a consciência e a capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo. Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem o eco do pensamento, a imposição ou o roubo do pensamento, a divulgação do pensamento, a percepção delirante, ideias delirantes de controle, de influência ou de passividade, vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa, transtornos do pensamento e sintomas negativos (OMS, 1997).

O transtorno mental afeta de forma significativa a vida do sujeito, podendo comprometer a forma de ser e estar deste, ou seja, afeta o ajustamento psicossocial do individuo (MORAIS, 2006).  Os colegas de trabalho de Jerry não sabem sobre o seu passado, no qual, cometeu um ato que o levou a reclusão social. Ao ser reinserido na sociedade este busca agir conforme as normas e regras, pois paira sobre Jerry a possibilidade de voltar ao cárcere.

 

No entanto, o protagonista não dispõe de redes de apoio durante o seu tratamento, isto é, um amigo, um familiar que o ampare durante este processo. Desta forma, mesmo impelido a seguir as “regras” que lhe são impostas, a realidade é assustadora e solitária, portanto, Jerry opta por não se medicar e assim continuar na sua própria “realidade”.

Villas-Boas et al (2012) salienta que o apoio social se caracteriza por um:

Processo complexo e dinâmico que envolve os indivíduos e suas redes sociais, com o intuito de satisfazer as suas necessidades, prover e complementar os recursos que possuem e, dessa forma, enfrentar novas situações, podendo ter como fontes principais os familiares e os profissionais da saúde (p. 3).

A psiquiatra desempenha uma fonte de apoio, mas de forma superficial, preenche apenas o protocolo burocrático, a sua fala é monótona, não demonstrando interesse no cotidiano do seu paciente. Portanto, destaca-se a relevância do trabalho interdisciplinar, o acompanhamento psicoterápico poderia auxiliar manejos das situações e no enfrentamento de crises (MARQUES et al, 2012).

 

Nesse interim percebe-se que nada ao redor do Jerry propicia a uma adesão ao tratamento medicamentoso, as redes de apoio são as vozes que apenas ele escuta, é por meio destas que Jerry sente-se amado, compreendido. Desta forma, a medicação o lança numa realidade amedrontadora e sem vínculos de amizade, sendo uma ferramenta de sofrimento, visto que, sem as vozes a conexão que o protagonista tinha com o gato e o cachorro é desconectada, perdendo assim os únicos vínculos afetivos que ainda disponha (VILLAS-BOAS, 2009).

O filme retrata de forma implícita o papel biopolítico da psiquiatria e a indústria farmacêutica como ferramentas de controle social e geradora de sofrimento ao sujeito devido à medicalização excessiva. Percebe-se o envolvimento cada vez mais perverso destas vertentes. Foucault corrobora ao salientar que:

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica, a medicina é uma estratégia biopolítica (FOUCAULT, 1989, p. 82).

Por fim, os agentes de controle em consonância com seus dispositivos de disciplina imperam na sociedade; esta, por sua vez, sustenta o discurso com ênfase na “medicalização”, onde profissionais compactuam com a indústria farmacêutica lucrando com incentivos financeiros, adotando uma postura indiferente ao sofrimento, às consequências sociais e salubres, compondo assim com a lógica capitalista.

REFERÊNCIAS:

BOAS, L. C. G. Apoio Social, Adesão ao tratamento e controle metabólico de pessoas com diabetes mellitus tipo 2. 2009, Dissertações de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

BOAS, L. C. G. et al. Relação entre apoio social, adesão aos tratamentos e controle metabólico de pessoas com diabetes mellitus. Rev. Latino-Am. Enfermagem. Artigo Original 20(1):[08 telas] jan.-fev. 2012.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

GUSMÃO, J. L; MION, D. J. Adesão ao tratamento – conceitos. Rev Bras Hipertens vol.13(1): 23-25, 2006.

MARQUES, C. R. et al. Intervenção em situação de crise no âmbito hospitalar. Disponível em:
http://guaiba.ulbra.br/seminario/eventos/2012/artigos/psicologia/salao/919.pdf. Acesso em: 28 de novembro de 2015.

Organização Mundial da Saúde. CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10a rev. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997. vol.1.

FICHA TÉCNICA

AS VOZES

Titulo original: The Voices
Direção:  Marjane Satrapi
Gênero: Comédia, Suspense, Drama
Lançamento: 25 de Junho de 2015-12-01
Nacionalidade: EUA, Alemanha
Elenco: Ryan Reynolds, Gemma Arterton, Anna Kendrick

 

 

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Trabalho como ideologia: necessidade, prazer ou escravidão?

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O termo trabalho e sua significação modificou-se ao longo do processo histórico, essa evolução é reflexo de como o sujeito apreende e reproduz as formas de trabalho no seu cotidiano. O texto apresenta uma discussão sobre o impacto desta tarefa na sociedade, e como os processos políticos, ideológicos, religiosos convergem nessa ação evolutiva, e ainda como o indivíduo fomentou a alteração do conteúdo inerente ao labor e como esta ação humana propiciou o desequilíbrio emocional o que possibilitou a busca de autoafirmação, acarretando assim sofrimento ao sujeito.

Fonte: https://curseduca.com/blog/wp-content/uploads/2014/02/profiss%C3%B5es.jpg

Ao colocar o vocábulo trabalho em destaque, Suzana Albornoz (1998) no seu livro “O que é trabalho” salienta que o mesmo cotidianamente pode ser utilizado e compreendido de forma divergente, visto que, este termo possui muitos significados quanto ao seu conteúdo. Em quase todas as línguas oriundas da cultura europeia essa palavra apresenta mais de um conceito ou pode ainda ter duas palavras com a mesma significação, a exemplo observa-se o termo trabalho e labor que na língua portuguesa refere-se a “realizar uma obra que te expresse, que dê reconhecimento social e seja repetitivo, sem liberdade, de resultado consumível e incômodo inevitável” (p. 9).

A expressão trabalho segundo Albornoz (1998) supõe esforçar-se, no entanto, para alguns, esse esforço será exclusivamente físico enquanto para outros será preponderantemente intelectual, mas um necessita do outro para alcançar a realização do produto final. Clot (2007) em sua obra “A função psicológica do trabalho”, evidencia que este é o precursor de vivencias dolorosas ao indivíduo, porém, esta tarefa o aproxima da realidade, portanto, esta ação humana é o cerne da sociedade atual.

Nesse contexto compreende-se que, culturalmente existe uma discrepância desse conceito e conteúdo, visto que, é mutável de acordo com a época histórica e como a sociedade introjeta essa pratica. É através do trabalho que o homem promove as relações com o outro, com o mundo, estabelecendo-se como um ser social, a cristalização e divisão do trabalho surge de forma inerente ao desenvolvimento de socialização, para tanto, o impacto social se manifesta através de como o sujeito se relaciona com o trabalho e do sentido que a pessoa emprega para o mesmo (CANOPF, 2014).

A análise salienta um contexto histórico sobre trabalho, este, surgiu a partir da agricultura como forma de subsistência, o qual era “regido por um sistema de deveres religiosos e familiares” (ALBORNOZ, 1998, p. 16).  Com a ideia de propriedade privada irrompeu o produto excedente gerando a existência de uma classe ociosa, esta reivindicou a posse e iniciou as trocas de produtos, que se tornaram desiguais, pois o sujeito com maior território sobrepujava o excedente do vizinho. A evolução da propriedade e separação do trabalho resultou da prática da guerra, esta que ampliou a força de trabalho ao conquistar novas propriedades e capturar escravos.

Fonte:http://replygif.net/thumbnail/937.gif

Com o desenvolvimento do trabalho artesanal concomitantemente intensifica-se o comércio, propiciando o surgimento da moeda. A evolução do comércio oportunizou o nascimento a burguesia, “uma comunidade de habitantes de cidades que auferia uma renda das atividades comerciais”, estes comerciantes bem-sucedidos começaram a empregar trabalhadores, possibilitando a criação de uma hierarquia econômica. Sobre o advento da Revolução Industrial, a autora aponta que a mesma ocorreu em três estágios de desenvolvimento da tecnologia: Revolução tecnológica do século XVIII (máquina a vapor), Eletricidade no século XIX e a Automação, a partir do século XX com a invenção do computador. Tal progresso cientifico, fruto do trabalho humano que prometia a ociosidade das massas, veio para as minorias, tornando-se paradoxal, pois o avanço da ciência proporcionou melhorias para a Indústria, mas, não garantiu melhorias para o trabalho humano, distanciando-os da sua felicidade.

Guatarri (2001) no livro “As três ecologias” ao conjeturar sobre este paradoxo corrobora com Albornoz (1998), pois salienta que a ciência desenvolveu meios técnicos-científicos capaz de resolver os problemas ecológicos dominantes, com a justificativa de melhoria de vida para a população, no entanto, não é utilizada pelas forças subjetivas de forma funcional, para resolver, por exemplo, a miséria humana, visto que, a ciência está a serviço dos dispositivos de controle social. Tal fato, também é reforçado pela autora quando se refere ao processo de colonização exploratório da América Latina, mesmo após o desenvolvimento industrial, a modernidade acarretou ainda mais injustiça social e a exclusão.

O processo de alienação do trabalho está intrínseco a modernidade, ao processo de produção, Suzana (1998) evidencia que o trabalho é alienado do trabalhador, pois este vende seu tempo e sua capacidade a outro, ou seja, não possui, tão pouco detém os meios de produção, não conhecendo o produto final do seu trabalho, vende-se até mesmo a sua personalidade como sendo sua marca. Além disso, o processo de especialização, não torna o trabalho mais bem elaborado, pelo contrário, fragmenta-o ao ponto de perder a técnica.

Com a contemporaneidade o trabalho e a sua ideologia são instrumentos que estão submissos ao poder político, os meios midiáticos criam o desejo de consumo, o homem é então produto do mercado e os que não acompanham essas mudanças são excluídos. Sawaia (2001) ao falar sobre inclusão perversa, a qual refere-se que o sujeito está incluído no sistema mesmo que desigualmente, salienta sobre a colonização do imaginário, esta que é uma sociedade da imitação, ou seja, a mídia ao criar o desejo de consumo, direciona os que estão à margem a imitar os ricos, mas a ascensão social dos mesmos é bloqueada, estes são “não cidadãos”, uma vez que, são desnecessários ao processo produtivo.

Na sociedade contemporânea o trabalho foi desvinculado do lazer, este é uma compensação de horas extenuantes de trabalho, é um paliativo para que o trabalhador não se queixe e continue a render lucros, remetendo tal prática ao pão e circo utilizado pelos romanos, sendo portando uma forma de alienação dos corpos.

O livro apresenta um paralelo a respeito da visão das religiões sobre o trabalho, a maioria acreditava que o trabalho era uma punição divina, no entanto, após a reforma protestante esse olhar se modifica, o trabalho tem origem na vontade divina. O capitalismo aliena o indivíduo a utilizar a ideologia do protestantismo que o trabalho dignifica o homem, é uma vocação, enquanto opera no jeito de ser e de viver da sociedade, afinal o sujeito trabalha necessariamente para o consumo e não para produzir algo que o dignifique, que o represente, que fomente sua criatividade. Huxley (2014) ressalta que, a forma verdadeiramente de alienação é quando o sujeito ama a “servidão”, aceita o pouco tempo de lazer por horas cada vez mais excessivas de trabalho.

Na atualidade o indivíduo reproduz a lógica vigente sobre trabalho de forma automática, sem refletir tal comportamento, passa a ser um dispositivo de disciplina em prol do capitalismo e o modo de produção, no qual os corpos sociais precisam ser “economicamente úteis e politicamente dóceis” (FOUCAULT, 2004). Assim o trabalho, segundo Marcuse (apud ALBORNOZ, 1986, p. 75) “não seria apenas alienado no mundo de hoje, mas alienante”. A servidão ao trabalho sem sentido serve para castrar os indivíduos como seres políticos e pensantes. A autora finaliza propondo uma reflexão sobre o que aconteceria com o fim do trabalho, se seria possível às sociedades futuras sobreviver sem o mesmo e de forma igualitária, e ainda, se o trabalho poderia ser aliado à felicidade.

Fonte:http://www.upf.br/comarte/wp-content/uploads/2014/05/Imagem_APOIO_02.jpg

Huxley (2014) no seu livro “Admirável mundo novo” retrata uma sociedade utópica que por meio do condicionamento hipnopédico e da “soma” é capaz de criar uma sociedade onde a felicidade é palpável, no entanto, o trabalho se faz presente nesse contexto divido entre as castas, e desde fetos os sujeitos são alienados e dirigidos a desempenhar determinada função, não refletindo sobre o porquê. “O autor concebe o homem como produto do meio, cuja individualidade é manipulada nas relações sociais, notadamente, por intermédio do controle cientifico organizacional” (GRECHI et al, 2012).

A crítica atrelado a reflexão proporciona observar que, trabalho ao longo do tempo distanciou-se da felicidade, sendo hoje uma ferramenta, um meio para se alcançar status social e capital, no entanto, poucos alcançam esse objetivo, gerando uma sociedade cada vez mais dependente do trabalho, ou seja, infeliz. Esse desequilíbrio propiciado por esta prática e busca desenfreada é resultado do capitalismo e do consumismo acrítico, para que se opere uma mudança de cultura é necessário repensar e formular novas ações e conceitos, o sujeito deve resgatar no trabalho o prazer em desempenhar esta função, e mesmo que seja uma necessidade, essa ação humana não deve escraviza-lo, tão pouco gerar sofrimento, mas sim, ser fonte de felicidade. O homem só alcançará esse resultado quando compreender o que lhe impulsiona ao sofrimento, e então conseguir meios de atenuar o controle social que é sobre ele exercido, por meio do contra controle, ou seja, reprimido o falso desejo do “ter” e promovendo o “ser”, esta tarefa reflete em um equilíbrio ideal.

 

REFERÊNCIAS

ALBORNOZ, S. O que é trabalho. 3ª reimpressão, 1998.

CANOPF L. A função psicológica do trabalho. In: II CONGRESSO BRASILEIRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS, Uberlândia, 19 a 21 de novembro de 2014. Disponível em: < http://iicbeo.com.br/anais/1123GT1.pdf >. Acesso em: 10 de agosto de 2015.

CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. Petrópolis, RJ. Vozes, 2007.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro, Petrópolis, Vozes, 2004.

GRECHI et al. O admirável mundo novo e a educação; entre ficção e a realidade. In: IX ANPED SUL, 2012. Disponível em: http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2012/Educacao_Comunicacao_e_Tecnologias/Trabalho/06_16_54_1549-7541-1-PB.pdf. Acesso em: 10 de agosto de 2015.

GUATTARI, F. As três ecologias. 12ª Ed. 2001.

Huxley, A. Admirável mundo novo. Editora Azul. 22ª Ed, 2014.

SAWAIA, B. As artimanhas da exclusão. 2ª Ed, 2001.

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Um olhar sobre as grandes áreas da Psicologia

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Psicologia Clínica

Originalmente fazer clínica ou clinicar referia-se em o médico se debruçar sobre a cabeceira do leito do paciente, fazendo uso da observação, atentava-se para um quadro de sintomas, classificando-os. A origem da palavra clínica vem do grego kliné, significa leito, cama, denotando a postura do profissional de examinar “as manifestações da doença para fazer um diagnóstico, um prognóstico e prescrever um tratamento” (DORON; PAROT, 1998, pp.144-145 apud MOREIRA; ROMAGNOLI; NEVES, 2007, p. 610).,

O modelo clínico modificou-se ao longo dos séculos, com contribuições de importantes de teóricos, dentro os quais se destacam Sigmund Freud, visto que este introduziu o termo psicologia clínica; Freud escreveu uma carta no ano de 1899 endereçado a Fleus, na qual se utilizou do termo pela primeira vez (MOREIRA; ROMAGNOLI; NEVES, 2007).

Tradicionalmente a clínica consistia em uma psicoterapia individual, limitada ao consultório, mas foi se desconstruindo devido à necessidade do papel social, como também da valorização do olhar biopsicossocial ao sujeito, a clínica inseriu-se na rede pública e em outros cenários, sendo agora extramuros.

Moreira, Romagnoli e Neves (2007, p. 615.) evidencia que:

Dessa forma, o contexto social passou a adentrar os consultórios de forma a convocar os psicólogos a saírem dele, ou seja, para responder às novas formas de subjetivação e de adoecimento psíquico, o psicólogo deveria compreender a realidade local. A Psicologia “tradicional” é “obrigada” a se redesenhar, tornando-se mais crítica e engajada socialmente.

Nesse novo cenário a clínica busca ressignificar o “fazer” psicologia através de práticas como: grupo terapêutico, visitas institucionais, trabalho em rede, prática que possibilita a avaliação e um diagnóstico diferencial da situação e da história do sujeito, buscando um atendimento clínico integral e a superação do sofrimento psíquico.

Moreira, Romagnoli e Neves (2007) ao citar Figueiredo (1996), salientam que a psicologia clínica não se caracteriza pela sala, pelo espaço físico, e sim pela forma de escuta e da acolhida que oferece ao sujeito, “a escuta e a acolhida do excluído do discurso. Portanto, ser psicólogo clínico implica determinada postura diante do outro” (2007, p. 617).

Assinala-se, portanto, que a clínica vai muito além do consultório, da psicoterapia individual, se faz presente em hospitais, serviços públicos, enfim, em ambientes fora do contexto clínico instigando a prevenção e promoção de saúde.

 

Psicologia Hospitalar

A psicologia hospitalar no Brasil é datada desde os anos 50, mas somente no final da década de 80, que a mesma passa a ser uma especialidade, se concretizando em dezembro de 2000, quando o Conselho Federal de Psicologia promulgou a Resolução nº 014 (ROSA, 2005).

Rosa (2005) apresenta as atribuições que são funções do psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar, o CFP (2001)aponta seis importantes tarefas, sendo elas:

1)atuar em instituições de saúde de nível secundário ou terciário;

2) atuar em instituições de ensino superior ou centros de estudo e de pesquisa voltado para o aperfeiçoamento de profissionais ligados à sua área de atuação;

3) atender a pacientes, familiares, comunidade, equipe, e instituiçãovisando o bem estar físico e mental do paciente;

4) atender a pacientes clínicos ou cirúrgicos, nas diferentes especialidades médicas;

5) realizar avaliação e acompanhamento em diferentes níveis do tratamento para promover e ou recuperar saúde física e mental do paciente; e

6) intervir quando necessário na relação do paciente com a equipe, a família, os demais pacientes, a doença e a hospitalização (ROSA, 2005, p. 12).

Quando se fala de psicologia hospitalar, remete-se ao trabalho do profissional psicólogo no âmbito da saúde privada ou pública, no que se refere a hospitais públicos, vale ressaltar que política que gere os mesmos no Brasil, é o Sistema Único de Saúde (SUS), este, porém é um sistema falho, não garante o que suas diretrizes e princípios idealizam, sendo um ideal utópico (MATTOS, 2009). Sendo assim, com o intuito de “melhorar” o trabalho nesse cenário, o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) foi proposto, como uma medida para lidar, tratar com os “erros” do SUS (BRASIL – MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).

A PNHAH tem por objetivo, de forma mais ampla, a produção da saúde e produção do Sujeito (Brasil – Ministério da Saúde, 2004, p. 7), para isso decide “aumentar o grau de co-responsabilidade dos diferentes atores que constituem a rede SUS”.

Ressalta ainda que a produção da saúde incida sobre a Mudança na cultura da atenção dos usuários e da gestão dos processos de trabalho implica mudança na cultura da atenção dos usuários e da gestão dos processos de trabalho. Tomar a saúde como valor de uso é ter como padrão na atenção o vínculo com os usuários, é garantir os direitos dos usuários e seus familiares, é estimular a que eles se coloquem como atores do sistema de saúde por meio de sua ação de controle social, mas é também ter melhores condições para que os profissionais efetuem seu trabalho de modo digno e criador de novas ações e que possam participar como co-gestores de seu processo de trabalho (BRASIL – MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004, p. 7).

A proposta da humanização é mais que resolver problemas interpessoais, vai além, atenta-se para a “produção de uma grupalidade que sustente construções coletivas, que suponha mudança pelos encontros entre seus componentes” (BRASIL – MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004, p. 8).

Nesse ínterim Rosa (2005) afirma que o papel do psicólogo hospitalar é de suporte, oferece a escuta especializada, acolhe o sujeito em seu sofrimento, almejando à minimização do sofrimento causado pela descoberta da doença, o tratamento e a hospitalização. O profissional auxilia ainda, os familiares e presta assistência à equipe médica. Desta forma, enquanto a medicina volta-se para cura da patologia, a psicologia hospitalar procura a ressignificação do sujeito frente à doença.

 


Psicologia Organizacional

Essa área da psicologia é marcada pela competitividade no mercado de trabalho, no entanto, muitos profissionais não buscam ocupar as vagas nesse cenário. Braga Filho (2003) aponta que isso ocorre devido a pouca qualificação que a graduação proporciona, fomentando a insegurança, ao adentrar a organização o psicólogo não desempenha a função que lhe foi atribuída, pois não compreende com clareza seu papel nas organizações.

O profissional psicólogo desta área tem por função: realizar avaliações psicológicas, descriminar cargo, faz pesquisa de clima da instituição, promove a integração dos colaboradores, faz treinamento da equipe profissional, como também acompanhamento, realiza intervenção e encaminhamentos e ainda processos seletivos, sendo seu público alvo os profissionais da instituição.

Pereira (2008), afirma que a atuação do psicólogo está voltada eminentemente para a seleção, treinamento e recrutamento de pessoas. Por tanto, busca-se superar esse entrave, mas por falta de clareza do real papel do profissional na instituição, o modelo tradicional supracitado é o mais recorrente.
No que tange as dificuldades, observa-se que estão relacionadas à formação, a pouca experiência profissional, consiste também na carga horária exaustiva. Braga Filho (2003) aponta que o psicólogo que desempenha sua função em um R. H. não deve trabalhar sozinho, o mesmo necessita de uma equipe que lhe forneça suporte, sendo então possível a partir desse trabalho em equipe colaborar de forma significativa no desenvolvimento da instituição.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Brasília, 2001. Acesso em: 08 de outubro de 2015.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS / Ministério da Saúde, SecretariaExecutiva, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_2004.pdf>. Acesso em: 08 de outubro de 2015.

BRAGA FILHO, A. P. Docente da UFSCS. O papel do psicólogo nas organizações do Município de Varginha MG.72f. Dissertação (mestrado em engenharia de Produção) Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, 2003.

MATTOS, R. A. Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e a humanização das práticas de saúde. Interface- Comunicação, Saúde, Educação. Vol (03), Rio de Janeiro, p. 1-9, 2009.

MOREIRA, J. O. ; ROMAGNOLI, R. C.; NEVES, E. O. O surgimento da clínica psicológica: da prática curativa aos dispositivos de promoção da saúde. Psicologia ciência e profissão,  Brasília,  v. 27, n. 4, p. 608- 621, dec. 2007.

PEREIRA, A. S. Práxis da psicologia organizacional: atuação do psicólogo organizacional na cidade de Terezina-PI. Universidade Estadual do Piauí-UESPI, p. 1-10, 2008.

OLIVEIRA, A. 50% – Um equilíbrio entre a Vida e a Doença. [S.I.]: (En)Cena- Saúde Mental em Movimento, 2014. Disponível em: <http://ulbra-to.br/encena/2014/07/28/50-Um-equilibrio-entre-a-Vida-e-a-Doenca>. Acesso em: 05 de outubro de 2015.

ROSA, A. M. T. Docente da UFRGS: Competências e habilidades em psicologia hospitalar.Dissertação (Mestrado em psicologia)- Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2005.

SOUZA et al.O papel da visita técnica na educação profissional: estudo de casono campus Araguatins do instituto federal do Tocantins. Ciência, tecnologia e inovação: ações sustentáveis para o desenvolvimento Regional, In:VII CONNEPI- Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação, Palmas, Tocantins, p. 1-5, out. 2012.

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Bart Simpson sob a lente da Psicanálise

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Com o objetivo abordar as concepções da psicanálise freudiana, tais como: associação livre, catarse, insight, autoanálise, resistência; dando ênfase em transferência e contratransferência será utilizado o episódio 14 da 18ª temporada da série “The Simpson”, o qual retrata uma visita de Bart a uma terapeuta. As teorias são relacionadas com o episódio de acordo com a ordem cronológica das cenas no setting terapêutico.

Neste episódio Bart Simpson é levado pelo pai à terapia, este foi encaminhado pela escola após contar uma história de terror amedrontado seus colegas. Já no trajeto ele demonstra resistência e relembra ao pai que já foi ao psicólogo anteriormente e que isso não resultou em nada. Essa resistência se perdura no primeiro contato com a terapeuta, ele retrata que já passou por diversas técnicas terapêuticas e nenhuma obteve êxito, fomentando sua postura relutante de aderir ao tratamento.

Segundo Freud (1914), a resistência é uma força que impede o acesso consciência, ou seja, o material inconsciente fica impossibilitado de ser conduzido até a consciência. De acordo com o texto “Recordar, repetir e elaborar” entende-se que a resistência consiste em uma arma que o indivíduo se utiliza para não confrontar seus medos e traumas. O terapeuta, por sua vez, deve desarmá-lo, tirando essas armas uma a uma.

Bart vira-se para o lado, demonstrando desinteresse, a terapeuta se mostra neutra, ela fala para o mesmo “pode ficar à vontade”, pois a escola pagou cinco sessões. Partindo do pressuposto de que ele é uma criança e gosta de vídeo games, ela utiliza um jogo para facilitar o vínculo entre eles, e assim passa a observar a sua postura e começa a traçar um esboço de sua personalidade. A profissional toma nota da postura de Bart, ele se diverte durante o jogo violento, pode-se interpretar então, que ele sublima sua energia psíquica: a raiva que tem do pai (algo inaceitável) é descarregada durante uma atividade socialmente aceitável. Percebe-se que ela se utiliza da Associação Livre ao conversar com Bart sobre o jogo e como o mesmo se porta diante do entretenimento

Segundo Cloninger, a Associação Livre “consiste em pedir que o paciente que lhe diga tudo que vier a cabeça” (1999, p. 63) visto que o menino fala palavras desconexas, o papel do terapeuta é interpretá-los; ao perguntar o que isso significa para ele, pretende-se chegar ao insight. Seu inconsciente opera, quando ele fala de forma condensada sobre o parque de diversão. Nota-se que após este evento ele tem uma catarse, ou seja, seus sentimentos vem à tona, rememorando com angústia o fato do pai não o levar o carrossel e agredi-lo fisicamente com um martelo da marca Stanley, revelando um possível trauma.

Após isso ele relata um sonho, que segundo Freud (1910), é a forma mais fácil de acessar o inconsciente, pois quando dormimos, as forças inconscientes relaxam, permitindo que o material que está no inconsciente passe para a consciência, no entanto, de forma camuflada e transvertida para que a consciência não se dê conta do material que originou o sonho.

No fim das cinco sessões, ele descobre que é a última, Bart fica abalado emocionalmente com sentimento de perda, nesse momento ficou evidente a transferência, pois o mesmo desenvolveu uma relação com a terapeuta baseada em projeções inconscientes do início da sua vida, ou seja, ele a percebe erroneamente e experimenta emoções antes reprimidas (CLONINGER, 1999).

Após este processo psicoterápico o êxito não foi alcançado, visto que, vivenciar a catarse não significa a elaboração do trauma.  A mãe ao observar a tristeza de Bart, o leva novamente a uma sessão, na qual ocorre o insight, que é o indivíduo se dar conta, ou seja, se conscientizar do seu sofrimento e ocorre então a elaboração, é possível observar que ele foi direcionado pela terapeuta ao seu primeiro trauma.

No primeiro trauma atua a repressão originando os complexos psíquicos (FREUD, 1910), percebe-se que o fato do Bart amedrontar os colegas é um derivado, o que originou esse derivado foi a agressão física que o pai lhe inferia, a raiva que desenvolveu para com o mesmo é o material que foi jogado para o inconsciente, agora ao invés de bater no pai, por medo projeta nos seus colegas esta raiva, passando a contando histórias de terror, na quais o personagem tem o mesmo nome da marca do martelo com o qual apanhava.

Na última cena percebe-se a contratransferência, que é a totalidade das emoções despertadas durante o setting terapêutico no profissional, sendo o paciente fator desencadeante (CLONINGER, 1999).   Observa-se que a terapeuta não quer a partida de Bart, visto que desenvolveu sentimentos por ele, na supervisão é possível compreender que a mesma não relaciona tal sentimento como sendo seu. Então o seu supervisor esclarece a relação existente entre Bart e seu filho morto através do “misterioso” Stanley. Interpreta-se por fim, que esta matou o filho com o mesmo martelo, e possivelmente o seu terapeuta já relacionou isso, a mulher diz não estar preparada para confrontar esse assunto.

REFERÊNCIAS

CLONINGER, S. C., Freud: Psicanálise Clássica, Tipos de Personalidade, São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 35-75.

SIGMUND, F. Cinco Lições de Psicanálise, 1910, p. 13-51.

SIGMUND, F. Obras Completas, Vol. XII, Recordar, repetir e elaborar, 1914, p.1-9.

 

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Versos da Alma

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Foto: Brooke Shaden

Ilustração: Hudson Eygo

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