“O primeiro da Classe” é um filme estadunidense que narra a história verídica de Brad Cohen, um educador americano que tem a Síndrome de Tourette desde os seis anos de idade. A história reflete a luta e o preconceito sofridos por Cohen, em virtude do seu transtorno, mas também o acolhimento por parte da mãe e de algumas outras pessoas, que tornaram possível uma vida mais funcional ao protagonista.
A Síndrome de Tourette é um transtorno que envolve movimentos repetitivos ou sons não desejados, difíceis de controlar. Por exemplo, piscadelas repetitivas, encolher os ombros, proferir sons incomuns ou mesmo palavras ofensivas. Os sintomas costumam surgir entre os dois e quinze anos de idade, e os homens têm entre três e quatro mais probabilidade de desenvolver o transtorno, comparados às mulheres, segundo a Mayo Clinic.
Por não controlar seus sons estranhos e movimentos atípicos, o jovem Brad era ridicularizado, repreendido e ainda sofria castigos na escola. Numa época onde a síndrome era pouco conhecida, a mãe ouvia sobre a possibilidade de o filho sofrer alguma possessão demoníaca. No contexto familiar, seu pai era o mais intolerante, e não acreditava que o menino não tivesse capacidade de parar aquele comportamento típico da síndrome, cujos tics irritavam o homem.
Contudo, convencida de que o filho realmente não tem controle sobre aquelas manifestações, a mãe investiga, através de livros, o que vem a ser aquilo. E, delineando os sintomas, descobre sobre a Síndrome de Tourette. A essa altura, o filme implicitamente mostra a importância de uma rede de apoio – familiar ou institucional – que se mostre compreensiva e tolerante para com pessoas que vivam com transtornos, assim evitando o preconceito e suas danosas implicações.
No que tange ao contexto do filme, e a considerar o que diz Vigo (2015), os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente – como fazia o pai, colegas e diretores – é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado. Quanto à mãe de Brad, mesmo sem saber o que viriam a ser aqueles sintomas, não julgou o filho como responsável por aquilo, o tendo como caprichoso, contudo, reconhecendo que não sabia, investigou.
Embora a mãe fosse parte de uma minoria que o acolhia em termos quantitativos, era demasiadamente significativa porque era sua mãe. Ser aceito como tal pela genitora e pelo irmão menor era um contraponto, atenuando as ridicularizações dos colegas, além da impaciência dos professores e diretores. Contudo, é inegável como a intolerância no âmbito escolar prejudica não apenas o desempenho como aluno, ela também adoece a saúde mental, graças ao estigma social.
Também é clara a importância do conhecimento como arma contra preconceitos. Quando o diretor de sua nova escola, inesperadamente, chama Brad, quem está com seus tics exacerbados, para subir ao palco e, a uma grande plateia de alunos, diga o que é seu transtorno, e como os colegas podem ajudá-lo, trata-se de uma oportunidade de conhecimento e empatia. Brad diz a todos querer ser tratado como os demais. Tal mudança de tratá-lo, por parte de sua escola, resultará numa melhor convivência para o protagonista.
Em uma sociedade onde todos priorizam o falar e a produtividade em termos de tempo e dinheiro, é um tanto subversivo propiciar ambientes de escuta àqueles desconsiderados por suas deficiências ou transtornos. Ao mesmo tempo, isso é um convite à mudança social, ao afrontamento contra os preconceitos, e à quebra de paradigmas. Pode ser que a mudança para uma sociedade melhor esteja a poucas palavras muito bem ouvidas e consideradas.
Adulto, Brad Cohen enfrenta os mesmos problemas de outrora, contudo no que tange à sua busca incessante por uma vaga de professor. Encontra respostas negativas, diretores pondo em dúvida sua capacidade de dar uma aula na companhia de sua síndrome ruidosa e estranha. O próprio pai duvida que ele poderá dar aula, enquanto tenta atraí-lo para o ramo da construção civil.
Diz Centeno (2020) que o capacitismo sugere haver só uma maneira de fazer as coisas, e tal maneira é mais valiosa que as outras, mais bonita e produtiva. Um professor com Tourette não condizia à “norma” de um educador sem problema ou deficiência, pois não se enquadraria na “forma oficial” de fazer a profissão.
Contudo, em busca de ser o professor que ele nunca teve, Brad persiste até conseguir uma vaga, pois quer fazer do ensino a sua vida. É recusado por vinte e quatro escolas. Durante isso, passa por momentos de determinação, frustração e raiva contra o transtorno. Contudo, por fim convence responsáveis por uma escola de que é bom ser diferente, sendo ele mesmo.
Acolhido por seus novos alunos – novos em todos os sentidos – sua síndrome não deixa de ser notada, nem é ignorada, ainda mais em se tratando de estudantes tão curiosos. Brad não nega o que tem, nem procura disfarçar, antes, explica a síndrome. Com o tempo a Tourette passa a ser um detalhe do professor, embora alguns pais de alunos tenham suas desconfianças quanto à capacidade do recém-chegado professor.
Conviver com a diversidade produz nas crianças exposição à realidade no mundo. Um dado terrível e interessante é que o preconceito deve ser ensinado, as crianças não vêm ao mundo preconceituosas, contudo elas aprendem com os adultos. Assim como valores são ensinados, os preconceitos também são. Assim, cabe à escola mostrar a tamanha diversidade que há no mundo (KARNAL, 2017).
Quando Brad Cohen buscar ser o professor que ele nunca teve, prioriza pela excelência. Não se trata de uma meta revanchista, mas coerente com seus valores, que diz respeito a um mundo onde a diversidade não se limite apenas às orientações sexuais, às cores da pele, mas a toda e qualquer forma de ser, com ou sem transtorno. Por fim, o personagem agradece à mais dura e dedicada professora que ele já teve, sua companheira, a Tourette.
Elenco:Sarah Drew, Treat Williams, Dominic Scott Kay, Jimmy Wolk, Patricia Heaton, Joe Chrest, Johnny Pacar, Mike Pniewski, Charles Henry Wyson, Charlie Finn, Dianne Butler, Helen Ingebritsen, Laura Whyte, Kathleen York, Michael Cole
Duração:95 minutos
Referências
CENTENO, Antonio. Antonio Centeno: “Mucha gente sabe más cosas de como sería um viaje a l aluna que como es tomarse um café com uma personas com diversidad funcional”. Disponível em: <http://hablemosdepoliamor.com/entrevista-a-antonio-centeno/>. Acesso em 31 de maio de 2021.
Front of the Class. Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Front_of_the_Class>. Acesso em 25 de maio de 2021.
Mayo Clinic. Tourette syndrome. Disponível em: <https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/tourette-syndrome/symptoms-causes/syc-20350465>. Acesso em 25 de maio de 2021.
KARNAL, Leandro. “As crianças não são ensinadas”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qh1aYS3Bs2c>. Acesso em 25 de maio de 2021.
Primeiro da Classe (Front of the Class) – Trailer legendado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5JwYEziQP_A>. Acesso em 31 de maio de 2021.
VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 25 de maio de 2021.
O documentário Crip Camp: Revolução Pela Inclusão, retrata as vivências no inovador acampamento para pessoas com deficiência nos anos 70, bem como aborda posteriormente a batalha política por reconhecimento de igualdade e pelos direitos sociais e civis dessas pessoas. Influenciado pelo movimento hippie, o Camp Jened era uma colônia de férias, ao norte do estado americano de Nova Iorque, sendo considerada o fator motivacional para, mais tarde, um grupo de jovens com deficiência se mobilizarem em torno da causa que lutava pelos direitos de igualdade em uma sociedade que desconsiderava a inclusão. Tal mobilização mais tarde se tornaria um movimento de grande impacto nos Estados Unidos, o 504 Sit-in, que exigia a regulamentação de uma importante seção da lei norte-americana, concernente aos direitos das pessoas com deficiências.
A princípio, o documentário explora a rotina do acampamento, onde parecia não haver diferença entre os monitores e os campistas. Ali havia cadeirantes, jovens com paralisia cerebral e espinha bífida, entre outras condições. Contudo, tais condições eram meros detalhes onde todos estavam unidos pela semelhança entre si. Ali, compartilhando suas experiências, os jovens relatam suas inseguranças e sobre a realidade fora daquele lugar carregada de rejeição e exclusão. Mas a experiência vai muito além das conversas sobre a vida, a ponto de compreender uma vivência surreal de acolhimento e aceitação.
Na colônia de férias, onde eles vivem o que não é costumeiro, sentem como se a deficiência não fosse uma limitação ou algo que os diferem dos demais, pois todos têm isso em comum. Com as atividades que eles desenvolvem, o que aprendem e até mesmo as relações amorosas os fazem se sentir iguais, diferentemente de como se sentem fora do acampamento.
Para contextualizar a época desses eventos descritos, em contrapartida é abordado no documentário instituições de “cuidados especiais” para pessoas com deficiência, onde o modelo segregacionista de cuidados era a prática de saúde adotada. Essas estruturas asilares aplicavam práticas desumanas de cuidados. Os internos viviam em meio a sujeira, recebiam uma má alimentação, dormiam em lugares que não favoreciam o bem-estar físico, eram muitas as atrocidades cometidas em seu interior que violavam os direitos humanos.
O documentário apresenta questões históricas vivenciadas por essas pessoas, como a exemplo iniciando na idade média, por alguns séculos elas eram tidas como aberrações, ou “criaturas” que estivessem sob alguma forma de castigo celestial, podendo ser retratadas em filmes e etc. como tais. Sendo assim começou o afastamento por parte da sociedade dessas pessoas, pondo-as em instituições fechadas ou até mesmo em sua maioria, sanatórios. O que ocorria há até pouco tempo atrás como relatado no próprio documentário, que estes quando em atividades na cidade eram tidos como problemáticos para os “normais”.
Contudo, ao considerar o ambiente inclusivo do Camp Jened, onde todos são eles próprios, sem os estereótipos e rótulos, fica clara que, no que tange às deficiências, o problema não era com as pessoas com deficiência, mas o problema era com os que não tinham nenhuma deficiência. No acampamento, eles brincavam, cantavam, namoravam, eram irreverentes e faziam jus ao espírito da contracultura de sua época, vivendo à sua maneira de uma forma inspiradora e motivacional.
McGill (2020), analisando a experiência do Camp Jened salienta a irreverência e o ativismo no brilho do verão, cujo radicalismo moldou várias gerações. Quanto à irreverência, isso é explícito nas filmagens da época, onde os jovens não têm nenhuma inibição quanto a falar de temas tidos como tabus, tal qual a sexualidade e o corpo humano. Isso pode chocar aqueles que não esperam tal comportamento dessas pessoas, devido à suas deficiências. Contudo, o documentário deixa implícita a lição de que eles, por serem jovens, por serem humanos, têm as mesmas necessidades que os demais, as quais variam apenas em sua intensidade e as circunstâncias pessoais.
Desde 1951 até seu encerramento em 1977, o acampamento proporcionou lugar onde adolescentes com deficiências podiam atuar e sentir-se livres. Isso compreendia uma abordagem permissiva do comportamento, e também uma cultura política que abriu caminho para o ativismo futuro. Suas discussões mostram que eles eram cientes de suas dificuldades, e ainda mais cientes de seus direitos, os quais eram cerceados pelos preconceitos alheios e pela inadequação das edificações, na contramão da acessibilidade.
A fala dos campistas revela seus desafios. Jimmy Lebrecht queria ser parte do mundo, mas não via ninguém como ele nesse mundo, tentava se encaixar em um mundo que não foi construído para ele. Segundo ele, todos no acampamento viram que suas vidas poderiam ser melhores, e que não há nada para lutar se o indivíduo não sabe que algo a ser conquistado existe. Para Steve Hoffman, todos eles querem ficar sozinhos às vezes, pensar sozinhos, mas lhe negavam o direito à privacidade. Para Corbett O’Toole, o mundo não os queria por perto, queria-os mortos. A realidade era, “será que sobreviverei? Será que recuo? Será que luto para estar aqui?”. Ele dizia que alguém poderia chamar isso de raiva, mas ele via como impulso para estar disposto a prosperar, ou não conseguiria nada.
Para Judith Heumann, quem na infância contraiu poliomielite e, por consequente, a levou a precisar de cadeira de rodas, um dos verdadeiros problemas é que, ao crescer deficiente, a pessoa não é considerada nem homem, nem mulher, é pensada como alguém deficiente e até mesmo assexual. Heumann não acreditava sentir vergonha de sua deficiência, mas sentia mais exclusão. Para essa jovem, que anos mais tarde lideraria a luta internacional pelos direitos das pessoas com deficiência, se ela e as pessoas como ela não se respeitassem a si próprias, e não exigissem o que elas acreditam que deveria ser delas, não iriam conseguir.
A inspirador papel de Judith Heumann, com seu espírito de liderança que a acompanha desde a juventude, é um dos mais comovedores no documentário. Em uma cena, durante o acampamento, ela lidera e coordena seus companheiros acerca dos ingredientes para um almoço. Abaixo, fotografias de Heumann quando jovem e atualmente. Anos mais tarde seria uma das organizadoras de um ato que pressionaria Washington, e posteriormente se converteria em uma das principais ativistas pelos direitos das pessoas com deficiência, a nível mundial.
No acampamento, a experiência de aceitação por parte dos outros traz à tona uma verdade inspiradora, o fato de que a mudança é possível, de que os direitos podem ser desejados e, principalmente, é possível lutar por eles até as últimas consequências. Bastaria que eles estivessem unidos em prol das causas coletivas.
Apesar da liberdade proporcionada no acampamento, os próprios jovens reconhecem que aquela colônia de férias era uma utopia, que passaria tão logo acabasse o verão e eles voltassem para suas cidades. Razão pela qual houve choros na despedida, prestes a retornarem à agitação e impaciência na cidade grande.
Porém, a feliz vivência no acampamento mostrou-lhes que a realidade poderia ser diferente do que vinha sendo, e que deveriam lutar, ir atrás dos seus direitos porque, se ficassem resignados, ninguém iria fazer algo ao seu favor. Assim sendo, mais tarde houve um movimento que lutou pela aplicação da Lei de Reabilitação, mais precisamente a seção 504 da referida lei, que atesta que organizações que recebem recursos federais não podem discriminar uma pessoa por causa de sua deficiência.
Houve resistência por parte das autoridades, mas – após fortes manifestações, ocupação do prédio federal da Secretaria de Saúde, Educação e Bem-Estar Social, por duas semanas, além de greve de fome, aliado ao apoio de pessoas ligadas à causa LGBT, aos Panteras Negras e a uma igreja progressista – o secretário Joseph Califano regularizou a aplicação da seção 504. Hoje os EUA detêm a Lei dos Americanos com Deficiência, que garante aos americanos portadores de necessidades especiais a proteção dos seus direitos civis de ter um emprego, de ter acesso à educação, saúde, transporte e lazer.
Entre os envolvidos nesse movimento pela aplicação da lei, incluindo Judy Heumann, uma dos organizadores dos protestos – quem segura um cartaz na foto acima, e fala ao microfone na fotografia abaixo – havia pessoas que fizeram parte do Camp Jened.
Esse era o ápice de uma experiência iniciada no acampamento, a qual desde o primeiro momento envolvia união, validação das emoções e dos discursos, e resultou na coletiva demanda pelos direitos que o Estado, a todo custo, ignorava e buscava esquivar-se disso.
Assim sendo, a emocionante experiência daquela colônia de férias ensina como uma vivência compartilhada com um número reduzido de pessoas pode resultar em lutas contra um sistema indiferente à inclusão, o que leva mudança para milhões de cidadãos. Nesse caso, o governo da maior potência mundial viu-se encurralado e obrigado a cumprir com sua obrigação. Além disso, a experiência do surreal acampamento – que não deixou de ser um experimento social ousado – mostra que, muitas vezes, pessoas com deficiência são mais compreendidas entre os seus iguais, pessoas que passam por lutas semelhantes às suas. O Camp Jened ensina que o problema não é do que não consegue usufruir plenamente de um lugar ou serviço, mas do ambiente que não propicia um direito basilar. Por isso há um dito de que, se um lugar não é apto para todas as pessoas, tal lugar é deficiente.
Obviamente a dimensão política que, de alguma forma, germinara naquele acampamento é estupendamente maravilhosa, isso é bem ressaltado no documentário. Entretanto, a obra também prova como qualquer pessoa pode ter uma vida satisfatória, desde suas vivências sociais até sua íntima vida sexual. McGill (2020) cita que o documentário homenageia a irreverência que tornou a experiência do acampamento tão poderosa. É evidente que, assim como ocorria afora, o Camp Jened era uma amostra da contracultura, particularmente ousado em seu trato com a deficiência.
Retratada no documentário, Denise Sherer Jacobson, escritora com paralisia cerebral, conta como conheceu seu marido banqueiro no Camp Jened. Ela relata sua experiência de contrair gonorreia desde o seu primeiro encontro sexual, e como estava orgulhosa de si perante a reação perturbada do seu médico, pelo fato de ela ser sexualmente ativa. Jacobson, então, fez um mestrado em sexualidade humana. O documentário termina com ela, de volta ao local onde existiu o acampamento, a dizer “quase quero sair da minha cadeira de rodas e beijar a merda do chão”. Abaixo, uma fotografia de Denise, quando mais jovem, em cuja blusa se lê: “Por trás dessa camiseta está uma mulher sensual”.
Alexa Fernando. 11 Memorable Quotes from Crip Camp. Disponível em: <https://accessnow.com/blog/memorable-quotes-from-crip-camp/ >. Acesso em 12 de maio de 2021.
Judith Heumann. Wikipedia. Disponível em: < https://es.wikipedia.org/wiki/Judith_Heumann >. Acesso em 12 de maio de 2021.
McGill, Hannah. Crip Camp review: irreverence and activism in the glow of summertime. Disponível em: < https://www2.bfi.org.uk/news-opinion/sight-sound-magazine/reviews-recommendations/crip-camp-1970s-disability-rights-documentary>. Acesso em 12 de maio de 2021.
Crip Camp: A interview with Filmmaker Jim LeBrecht About Acessibility, Universal Design, and Spaces of Freedom. Disponível em: < https://archinect.com/features/article/150185908/crip-camp-an-interview-with-filmmaker-jim-lebrecht-about-accessibility-universal-design-and-spaces-of-freedom >. Acesso em 13 de maio de 2021.
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A vivência da pessoa com deficiência visual durante a adolescência: Hoje eu quero voltar sozinho
O filme retrata a vivência do jovem Leonardo, quem tem cegueira desde a infância, e sua forte ligação afetiva com Gabriel, seu colega de classe recém-chegado à escola. Com leveza e sensibilidade, a trama retrata os desafios de viver com a cegueira, o preconceito contra demonstração de afetos homoafetivos, e também contra a possibilidade de que uma pessoa com deficiência possa ter um relacionamento afetivo e, por regra, seja assexual.
Antes da chegada de Gabriel, Leonardo era muito apegado à Giovana, sua colega de classe e melhor amiga. Na verdade, ela era sua única parceira na escola, além de ajudá-lo no caminho de volta para casa.
Apesar de não ter outras ligações sociais importantes – excetuando sua família – Leonardo vê na sua colega um acolhimento mais que suficiente. Isso vai muito além do que oferecer suporte no caminho de volta para casa, ou ser colega de grupo para fazer trabalhos escolares, está no modo como ela o trata como alguém autônomo na medida do possível.
Na verdade, Giovana demonstra querer que seu relacionamento com Leonardo vá além da amizade. Quando ela pensa em levar a relação de ambos a outro patamar, demonstra que vê Leonardo como alguém capaz de dar amor, independentemente de sua cegueira, capaz de amar como todo ser humano, então, quer buscar nele tal amor, viver com ele uma experiência romântica, embora para muitos seja absurdo alguém com deficiência amar e ser amado.
Obviamente, o forte vínculo que ela tem com ele, as experiências escolares e sociais, é a base desse desejo. Não as experiências em si, mas os sentimentos envolvidos que tornam maiores as vivências interpessoais, para não serem meros encontros frios e superficiais. Isso mostra que os relacionamentos e afetos envolvidos nascem das experiências entre pessoas, e não necessariamente se devem a aspectos como cor da pele ou condições médicas de uma das partes.
Mas, Giovana tem dificuldade em revelar o que sente pelo amigo, o que torna mais difícil para ela é o fato de que ele não poderá ver seus sinais de interesse. A jovem vê seu desejo mais distante da realidade quando o novo aluno chega, e Leonardo passa a gastar mais tempo com Gabriel, tanto para atividades escolares quanto para momentos de lazer. Ressentida, sentindo-se trocada e preterida, Giovana se afasta do velho amigo, sem imaginar que o que está germinando entre os dois vai mais além da amizade.
Gabriel é importante para Leonardo desde o momento em que ele ouviu a voz dele pela primeira vez, na sala de aula. As vivências entre ambos se tornam mais complexas no decorrer do tempo, das obrigações escolares, dos momentos de lazer. A cegueira do colega parecer não ter relevância para Gabriel. Na verdade, este às vezes esquece que Leonardo é cego, quando lhe pergunta se ele viu um vídeo da internet e outros lapsos do tipo.
No entanto, ambos vão ao cinema, onde Gabriel descreve as cenas de um filme para Leonardo na melhor forma possível. A essa altura da história é visível que a deficiência, embora seja reconhecida como tal, não é importante o suficiente para causar embaraços e desconforto para nenhuma das partes. Leonardo, obviamente, já conhece sua falta de visão. Gabriel, por sua vez, mal a percebe, enquanto volta-se para o amigo em sua totalidade.
Ambos nutrem sentimentos recíprocos, contudo, não sabem disso. Gabriel, ao mesmo tempo em que investe em tempo com Leonardo, parece muito ligado às garotas da escola, o que confunde o protagonista. Assim, descobrir a verdade só é possível com o tempo e o rumo que a relação toma.
Além da tensão sexual, Leonardo lida com o bullying na escola e uma mãe superprotetora. Ele está bem integrado na escola, tem ferramentas assistivas que lhe dão suporte, mas isso irrita alguns colegas, os quais o ridicularizam abertamente. Isso prova como a integração isoladamente não basta, e que grande parte do problema reside numa opinião tortuosa, generalizada, sobre o que é ter deficiência. Tal preconceito existe mesmo dentro de sua própria família. Na verdade, é o no seio familiar que isso parece mais forte, graças à mãe que teme pelo filho, dando à cegueira um drama exacerbado e até mesmo fatalista.
A inclusão envolve um pleno acolhimento da pessoa com deficiência, em sua plenitude, indo além de prédios adequados, envolvendo uma mudança de cunho social, onde o preconceito e o bullying não têm vez. Chega a parecer utopia um mundo melhor, e ao mesmo tempo algo desesperador, se for levado em conta que até numa escola de alto padrão, onde a educação implicaria em respeito às diferenças, haja formas tão desumanas de tratar o outro. O que pensar, então, das escolas precárias onde a desordem e violência parecem regra do dia?
O tratamento social dispensado às pessoas com deficiência, geralmente, tem sido movido por desconfiança e chacota, e muitas vezes indignação contra os direitos dessas pessoas, os quais são vistos como privilégios.
Se para uns as pessoas com deficiência são privilegiadas, para outros eles são absurdamente incapazes, e quanto mais grande for o desejo dessas pessoas, maior ainda é o senso de que elas não conseguem o que querem. Quando Leonardo conta aos pais sobre sua vontade de fazer intercâmbio, é frustrado pela reação negativa da mãe com relação a tal ideia.
Segundo Vigo (2015) os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado, e manter tal conclusão mesmo que haja provas contrárias, sendo, portanto, juízo parcial, obstinado e geralmente desfavorável a quem é julgado. A genitora não vê possibilidade de o filho cego estudar fora do país, e mesmo após ele provar que havia intercâmbio disponível para pessoas cegas, ela se mostra determinadamente contrária a isso.
Enquanto isso, o personagem principal lida com as incertezas quanto a Gabriel, ao mesmo tempo em que o tesão mostra quão claro e indubitável é o desejo. Não tem sua amiga por perto para revelar-lhe o segredo. Aparentemente Leonardo não tem receio com relação ao que os outros acharão de sua homossexualidade, mas muito mais sofre por não saber se o que sente é recíproco, e desconhecer qual seria a reação de Gabriel.
Leonardo parece ter uma cegueira simbólica quando ele, consciente ou inconscientemente, seja por não contemplar cenas de intolerância ou por ser alguém de mente aberta, ignora os tabus e a aversão social às relações homoafetivas. Assim, com paz e inquietação, seguro do que sente, mas confuso quanto ao outro, nutre o desejo através das memórias, fantasias e masturbação.
Em alguns aspectos o filme parece um ponto fora da curva, se considerado o contexto social onde os preconceitos e estereótipos, a superproteção familiar, a educação sexual incompleta e as barreiras arquitetônicas são as principais condições que impedem o desenvolvimento e exercícios da sexualidade das pessoas com deficiência (CARVALHO; SILVA, 2018).
Além disso, há uma perspectiva cultural e histórica de pensar a deficiência não somente como uma marca corporal ou um diagnóstico, mas também como uma identidade política e social, uma identificação burocrática, administrativa e também um termo em disputa (GAVÉRIO, 2019).
Assim sendo, muitas famílias mantêm trancafiadas pessoas com deficiência ou em constante vigília. Isso oferece à família maior segurança, embora não necessariamente implique em segurança para os indivíduos com deficiência. É comum o tabu quando a família lida com um membro com deficiência, no que tange à possibilidade dessa pessoa manter relações sexuais saudáveis, inclusive há tabu quanto a educa-la a usar métodos contraceptivos e contra doenças sexualmente transmissíveis (GAVÉRIO, 2019).
Dutra (2019) cita a importância de saber que “deficiência” e “sexualidade” são construções sociopolíticas. Embora o senso comum considere que a deficiência e a sexualidade sejam coisas orgânicas e naturais aos humanos, tais categorias não vêm dos próprios sujeitos, mas são construídas na sua sociedade.
Há um conceito, “looping”, que explica como uma prática social, que é nomeada cientificamente depois de muito tempo, torna-se categoria científica que passa a ser absorvida pelos indivíduos aos quais as práticas foram nomeadas. Os sujeitos se apropriam do termo e o transformam. Depois a Ciência se volta a esse termo transformando, o que resulta em tensão entre as práticas sociais e os saberes sociais dessas práticas (GAVÉRIO, 2019).
Há necessidade de uma educação sexual por parte de pais e professores, para que compreendam a sexualidade de crianças com deficiência, quem, na puberdade, terão desejos e curiosidades semelhantes aos das outras crianças da mesma idade, as quais não possuam deficiência. A diferença é que as com deficiência costumam ser mais vigiadas, e têm sua sexualidade abordada por muitos mitos. Em síntese, essas pessoas são tidas como naturalmente hipossexuais ou hipersexuais, ou mesmo assexuais.
Dutra (2019) sugere que, ao tratar da sexualidade e deficiência, propositalmente usar termos como “foder”, “trepar” ou qualquer outra equivalência em Português, para tirar a carga de inocência e infantilidade que frequentemente é lançada sobre pessoas com deficiência. Pois, ao tirar esse véu, todos se tornam somente humanos que fodem, que se masturbam e se relacionam amorosamente com outras pessoas. Afinal, como diz Centeno (2019), estar vivo é estar atravessado pela disposição ao prazer.
No que tange a Hoje quero voltar sozinho, é um mérito do filme o fato de ele, além de não romantizar a deficiência nem a dotar de drama excessivo, explorar com maior complexidade a vida do jovem protagonista. O foco não é o fato de ter ou não ter visão, pois isso é apenas detalhe de uma vida, mas a obra se debruça em um ser humano e tudo que lhe diga respeito, isto é, suas ansiedades, alegrias, sua vida erótica e as formas que usa para lidar com a tensão sexual, seu papel como amigo e colega de aula, de pessoa autônoma não apesar da deficiência, mas com a deficiência.
Independentemente de qualquer deficiência, é possível amar e ser amado, querer e ser querido, é possível estar excitado e provocar tesão, é possível explorar o novo, ter experiências raras, ter noção de um filme mesmo sem vê-lo, é possível mesmo ir para o exterior. É possível voltar sozinho para casa, ou mesmo acompanhado de um amor.
CARVALHO; Alana Nagai Lins de; SILVA, Joilson Pereira da. Sexualidade das pessoas com deficiência: uma revisão sistemática. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/20.pdf>. Acesso em 18 de maio de 2021.
CENTENO, Antonio. Estar vivo es estar atravessado pela disposição ao prazer. [Entrevista concedida a] Víctor M. Amela. Disponível em <https://www.lavanguardia.com/lacontra/20170501/422188080583/estar-vivo-es-estar-atravesado-por-la-disposicion-al-placer.html>. Acesso em 18 de maio de 2021.
DUTRA, Mari. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência ainda é tabu. Disponível em: < https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.
GAVÉRIO, Marco Antonio. Por que a sexualidade das pessoas com deficiência é tabu. [Entrevista concedida a] Mari Dutra. Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2019/06/por-que-a-sexualidade-das-pessoas-com-deficiencia-ainda-e-tabu/>. Acesso em 18 de maio de 2021.
VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 17 de maio de 2021.
O filme “Intocáveis” retrata como Philippe, um homem endinheirado, após sofrer um acidente que o deixou tetraplégico, se relaciona com Driss, um jovem problemático, sem experiência em cuidar de pessoas, mas que é contratado para ser seu assistente. Envolvendo drama e comédia, a obra é um retrato sensível da vida com deficiência, além de ressaltar a importância das relações que envolvam sinceridade e empatia, deixando de lado a pena pelo outro.
Os opostos são evidentes no filme. Um casmurro homem na meia idade e um jovem folgazão. Um milionário e seu cuidador cuja família vive em um reduto miserável da França. Contudo, dessas aparentes contradições e mundos opostos o filme absorve diversas lições, sem deixar de lado a leveza ao tratar os dramas. Se a diversidade é algo natural, o fato desses opostos torna-se um detalhe belo das diferenças humanas, as quais, não obstante, resultam na união entre esses polos distintos.
O que parece desgastado clichê, a ideia de que todos os seres humanos são sociais, e têm necessidades uns dos outros para as mais variadas situações, é retratada como amostra na história desses dois homens, e serve como premissa ao longo do filme, sem ênfase excessiva na tetraplegia do personagem central, pois ele, mais que tetraplégico, é pai de uma adolescente conturbada, tem apreço pela arte, tem tido aproximações com uma mulher, ainda preza pela aventura apesar do acidente que marcou o resto de sua vida, entre outros aspectos que seriam ignorados por uma perspectiva enviesada e reducionista.
A enorme diferença entre os dois personagens principais faz com que ambos aprendam um do outro, apoiando-se para superar os obstáculos de cada um. Em um mundo onde sujeitos com certas deficiências são rotulados a ponto de sofrerem exclusão, onde as pessoas são separadas por “aqueles sim, aqueles não”, o filme relembra que as aparências não importam – ou não deveriam importar – Driss, o cuidador, não julga Philipe por sua deficiência, nem Philipe julga seu cuidador por um histórico supostamente perigoso.
O preconceito é derrubado quando as partes envolvidas se permitem conhecer e serem conhecidas, ainda que no fundo existam pequenas desconfianças, sobretudo por parte da família de Philipe. A grande questão é não permitir que essas suspeitas se tornem gritantes a ponto de determinarem o comportamento que leva à exclusão e intolerância.
Certamente com frequência somos, em alguma medida, movidos por estereótipos, que são crenças sobre outros grupos, as quais são generalizadas, num mecanismo usado para simplificar o mundo e dirigir nossa atenção ao que é relevante. Tais convicções podem estar corretas, equivocadas ou exageradas (VIGO, 2015). Os estereótipos podem ser mais ou menos certeiros, mas há problema quando são generalizados e tomados como verdades absolutas.
Segundo Vigo (2015), os estereótipos resultam em preconceitos, e lhes dão base de sustentação. Julgar precipitadamente é concluir antes de ter conhecimento cabal e fundamentado, e manter tal conclusão mesmo que haja provas contrárias, sendo, portanto, juízo parcial, obstinado e geralmente desfavorável a quem é julgado. Assim, os preconceitos nos coagem contra certas pessoas, simplesmente porque as identificamos com um grupo em particular. Isso é refletido como atitude através de sentimentos, predisposições, cognições e crenças. Em síntese, os estereótipos são as crenças que temos sobre um grupo, e os preconceitos são as atitudes, geralmente negativas, as quais levamos a cabo com relação a dado grupo social.
Vale ressaltar que, devido a um mundo complexo, onde recebemos grandes quantidades de informação de diversas fontes, que nos implicam na necessidade de tomar decisões, tais decisões precisamos tomá-las sem tempo suficiente para analisar tudo que é recebido. Assim, é necessário algum mecanismo para simplificar a realidade, sendo a categorização um desses mecanismos, com a qual organizamos o mundo classificando objetos e pessoas em grupos. Se classificamos as pessoas em grupos, podemos conseguir informação relevante e útil sem demasiado esforço (VIGO, 2015). O problema é que os preconceitos e estereótipos sirvam, não apenas como método rápido de obter informação, para usarmos essas informações de forma maléfica e injusta com outras pessoas.
Driss nunca sentiu pena de Philipe, contudo, com seu carisma exacerbado, demonstrou empatia. – Na verdade, por justamente perceber que não era visto como coitado pelo rapaz, que o homem o contrata. Numa cena simbólica, após ouvir acerca do fato de Driss ser uma pessoa suspeita, negro, de uma “gente que não tem pena de ninguém”, Philippe responde que quer alguém sem piedade de sua condição.
É dito que sentir empatia pelos outros resulta na percepção de ver capacidades, e não as deficiências. Pelo contrário, sentir pena é portar-se como superior com relação à pessoa que supostamente provoca pena. Nesse caso, uma suposta compaixão tem na base um senso de ter tido sorte, ao contrário do outro que padeceu um infortúnio e é incapaz de muita coisa. Philippe percebia que seus parentes o tratavam como uma criança fragílima, digna de proteção e misericórdia, ao contrário de Driss, quem chegava a parecer indiferente à condição daquele sob seu cuidado.
No trato com pessoas com deficiência, é importante ter o cuidado de que as palavras e atitudes não denotem um paternalismo frio ou dramático, nem um senso de superioridade com relação ao outro. Afinal, indo além da mobilidade reduzida, todos têm algum tipo de deficiência ainda que mínima, razão pela qual recorremos a técnicas e ferramentas assistivas – como, além de cadeiras de rodas, os óculos etc. – que nos permitam uma melhor vida.
É preciso considerar que as habilidades funcionais das pessoas variam muito. A visão e audição variam de perfeita a nenhuma, os níveis de alfabetização e memória variam conforme as condições como dislexia, autismo, demência e estresse. Também as habilidades físicas das pessoas variam conforme as diferenças de mobilidade, destreza, força e níveis de dor (DUGGIN, 2016).
Contudo, reconhecer isso é um desafio numa sociedade capacitista, que não enxerga uma pessoa com deficiência como um ser humano “normal”, mas como indivíduo inferior, de menor valor, que não deve ser tratado da mesma forma. É preciso reconhecer que, no contexto brasileiro, em 2018 havia 14 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (DIAZ, 2021).
Por fim, cabe citar que o filme também mostra como levar a vida com humor a torna maravilhosa. Todos têm defeito, às vezes rir deles pode fazer bem. Driss e Philipe têm uma vida repleta de ironias e dificuldades, mas eles não ficam estagnados nisso. Assim sendo, a principal lição do filme nos mostra que a deficiência não deve causar piedade na sociedade, mas ser tida como parte do que é ser humano, logo, não provocando surpresa ou desconfiança nos que não apresentam aparente condição médica. Quando se tem essa perspectiva, o sujeito é considerado mais além de sua deficiência, tido como alguém com potencialidades e que tem algo a oferecer, como qualquer pessoa.
Ficou evidente como as relações são importantes no processo de inclusão, indo além das meras mudanças de infraestruturas em prol da acessibilidade. Quando as relações são genuínas e marcadas pela conscientização, longe dos preconceitos, a deficiência torna-se apenas um detalhe, porque o sujeito, apesar de suas limitações, tem consigo mais do que possa sugerir seus aspectos externos.
DIAZ, Luccas. O que é capacitismo e por que todos deveriam saber. Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/o-que-e-capacitismo-e-por-que-todos-deveriam-saber/>. Acesso em 17 de maio de 2021.
DUGGIN, Alistair. What we mean when we talk about accessibility. Disponível em: <https://accessibility.blog.gov.uk/2016/05/16/what-we-mean-when-we-talk-about-accessibility-2>. Acesso em 17 de maio de 2021.
VIGO, Iria Reguera. ¿Son los estereotipos siempre malos? Prejuicios y estereótipos. Disponível em: <http://rasgolatente.es/estereotipos-malos-prejuicios-y-estereotipos/>. Acesso em 17 de maio de 2021.
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A Neurologia por trás de “My Beautiful Broken Brain”
No documentário “My Beautiful Broken Brain” (2014) conhecemos a história da paciente Lotje Sodderland, 34 anos de idade, que sofreu um acidente vascular cerebral hemorrágico – o qual consiste no rompimento de um vaso sanguíneo, provocando sangramento no tecido cerebral e morte de células – que teve como causa uma malformação congênita nos vasos cerebrais – Consequentemente, a paciente adquiriu afasia de Broca, afasia expressiva caracterizada pela dificuldade em expressar o que se quer dizer, e apraxia da fala, ou seja, dificuldade em programar e planejar as sequências dos movimentos motores da fala, o que causa erros ao reproduzir os sons. Além disso, ela também adquiriu problemas na visão, especificamente na percepção de cores estranhas e rostos disformes.
Aprofundando-se neste tópico, um acidente vascular cerebral hemorrágico ocorre quando há um rompimento de um vaso cerebral, o que provoca sangramento, ou hemorragia, em certo ponto do sistema nervoso, tal fenômeno é indicado por sintomas como desmaios e convulsão. O AVC pode causar problemas em relação à comunicação se há dano decorrente desta condição nas partes do cérebro responsáveis pela linguagem, afetando a forma como se lê, fala, escreve e entende. Neste caso, são danosamente afetadas redes neuronais distribuídas em regiões corticais e subcorticais do hemisfério esquerdo, comumente o hemisfério dominante no que diz respeito à linguagem.
Destaca-se entre essas implicações a afasia de Broca, uma afasia motora cujos portadores têm dificuldade em encontrar palavras adequadas e, logo, de expressarem o que querem. A afasia de Broca é não fluente, o que significa que o paciente expressa poucas palavras, com um grande esforço em sua articulação. Embora o conteúdo verbal seja significativo, desenvolve-se dificultosamente. A paciente Lotje apresenta frases entrecortadas e incompletas, com uma nomeação pobre e compreensão deficiente de frases complexas. Vale frisar que a paciente é ciente de que tem a dificuldade na fala – um detalhe importante que diferencia a afasia de Broca de outros tipos de afasia – e por isso sofre frustração.
A área de Broca situa-se no hemisfério esquerdo (ou dominante) do cérebro. Situa-se acima e detrás do olho esquerdo, justo acima do sulco lateral e próxima à zona anterior do córtex responsável pelos movimentos do rosto e da boca. A principal função da área de Broca é a expressão da linguagem. É vinculada à produção da fala, o processamento da linguagem e o controle dos movimentos do rosto e da boca para articular as palavras.
Ao redor do sulco lateral do hemisfério esquerdo há uma espécie de circuito neural envolvido na compreensão e produção da linguagem falada, no final deste circuito está a área de Broca, associada com a produção da linguagem, e no outro extreme, no lóbulo temporal superior, se encontra a área de Wernick, associada com o processamento das palavras ouvidas. Enquanto esta última área seria uma entrada de linguagem, a primeira se consistira nas saídas, produção, expressão. As duas áreas são conectadas por um feixe de fibras nervosas, o fascículo arqueado, e a comunicação é bidirecional, ou seja, ambos enviam e recebem impulsos.
Considera-se que, quando se produzem as palavras, a área de Broca atua como intermediária entre a corteza temporal (que organiza a informação sensorial que chega) e a corteza motora (que leva a cabo os movimentos da boca). Assim sendo, a área de Broca coordena a transformação de informação através das redes corticais envolvidas na produção de palavras faladas. A figura abaixo mostra a proximidade das áreas supracitadas que, num cérebro saudável, possibilitam a boa expressão e compreensão da linguagem.
A paciente Lotje teve uma lesão nesta área de produção de linguagem, que, com suas conexões interrompidas ou profundamente deteriorada em virtude da hemorragia que afetou o fornecimento de sangue à área implicada, decresceu a uma fala pouco fluída, árdua e gramaticalmente incorreta, tendo problemas também com a leitura, embora a escritura, ao que nos parece, tenha sido conservada de alguma forma.
O comprometimento do córtex motor decorrente de lesões está relacionado não apenas com afasias, mas também com a apraxia. Em dada cena do documentário vemos Lotje ter dificuldade para inserir a chave na fechadura e destrancar a porta de sua antiga casa. Ela perdeu uma prévia habilidade motora, e isso é um exemplo de apraxia, condição neurológica cujo portador tem dificuldade, ou mesmo vê-se impossibilitado, em fazer certos movimentos embora seus músculos estejam normais.
O termo “entrevista” é bastante conhecido apesar de denotar uma atividade pouco dissertada na literatura científica (CRAIG, 1991). Convém, primeiro, analisar o significado desta palavra desde o seu sentido mais geral. O Online Etymology Dictionary registra que a palavra “entrevista” deriva do Francês entrevue, substantivo verbal de s’entrevoir, significado “ver um ao outro”, “visitar brevemente” ou “ter um vislumbre de”. A versão online do Dicionário Michaelis descreve este fenômeno como “visita ou encontro combinado” e “reunião entre duas ou mais pessoas, em local determinado, como objetivo de esclarecer assuntos pendentes, expor ideias ou obter opiniões dos presentes”.
Sendo a entrevista um instrumento muito difundido, tendo em seus variados usos uma grande variedade de objetivos, Blegger (2001) delimita o seu alcance ao focar na entrevista psicológica, conceituando-a como aquela na qual se buscam objetivos psicológicos como investigação, diagnóstico e terapia.
Para Kanfer e Seheft (1988) apud Craig (1991), uma entrevista é muito semelhante com uma interação social, tendo traços das interações duplas e grupais. Porém, numa entrevista clínica a maioria das regras sociais de etiqueta não são utilizadas, nela a conversa foca o paciente, portanto, sendo majoritariamente unidirecional. Quanto ao relacionamento, é profissional, não-íntimo, esperando-se das partes uma comunicação relevante para a tarefa em questão. Além disso, na entrevista clínica há limites de tempo, lugar e frequência da interação, impostos por ambas as partes. As declarações do terapeuta vão além do mero diálogo e há a determinação de objetivos específicos e resultados esperados dessa relação terapeuta-paciente.
Miller (2015) escreve que, durante a entrevista, o psicólogo coleta informações da história do cliente, vida social, emprego, situação financeira, experiência prévia em tratamento de saúde mental, bem como também apanha informações relevantes sobre a família do paciente. Todo e qualquer fator que possa impactar a saúde mental e bem-estar do cliente é considerada durante a entrevista psicológica, por isso, este instrumento fornece um compreensível retrato da vida da pessoa, assim ajudando na determinação do diagnóstico e curso do tratamento. Craig (1991) afirma que a maior parte dessas informações é baseada no relato do paciente e na observação do psicólogo, no entanto, não devem ser ignoradas outras fontes de informação, estas estariam nos relatos adicionais da família, em registros sobre o caso, testagens psicológicas ou entrevistas estruturadas suplementares.
Conforme García-Allen (2015), a entrevista tem diversos âmbitos de aplicação, portanto, há distintos tipos de entrevistas conforme o motivo de sua realização. De acordo com o número de participantes, a entrevista, delimitada ao campo da psicologia, pode ser distinta da seguinte forma:
Entrevista individual: é o tipo de entrevista mais utilizado; um exemplo bem comum é quando um psicólogo recebe seu paciente para conhecer o motivo de seu comportamento.
Entrevista em grupo: neste tipo de entrevista, há distintos entrevistados e, maioritariamente, um entrevistador. Na clínica, este tipo de entrevista recebe o nome de “entrevista familiar”.
Além do número de participantes, a entrevista também pode ser categorizada conforme seu formato, ou seja, conforme a maneira com a qual o entrevistador se comunica com o entrevistado e formula perguntas (GARCÍA-ALLEN, 2015).
Entrevista estruturada: De acordo com García-Allen (2015), tal entrevista segue uma série de perguntas fixas preparadas previamente. Craig (1991) acrescenta que essas perguntas são relacionadas à áreas definidas de conteúdo. Para Surbhi S. (2016), a entrevista estruturada faz uso de uma pesquisa descritiva onde os fatores avaliados são explícitos.
Entrevista não-estruturada: aqui são trabalhadas perguntas abertas, sem ordem preestabelecida, portanto, adquirindo as características de uma conversação que permite a espontaneidade. Nesta técnica são realizadas perguntas de acordo com as respostas que surgem durante a entrevista (GARCÍA-ALLEN, 2015). É o tipo mais comum nos settings clínicos; geralmente elas não têm um formato rígido, mas não deixam de ter certa estrutura porque segue uma sequência que inclui áreas-chaves de conteúdos (CRAIG, 1991). Para Surbhi S. (2016), a entrevista não-estruturada faz uso de uma pesquisa exploratória de fatores implícitos.
Há também a entrevista semiestruturada que, segundo Martin (2018), tem um formato um tanto flexível, com perguntas preparadas, mas sem seguir um programa estrito. Aqui a discussão pode desviar-se da lista de perguntas, fazendo com que novas perguntas sejam cogitadas durante a conversa. Geralmente o entrevistado desempenha um papel importante no controle do ritmo da entrevista, diferentemente do que ocorreria numa entrevista estruturada.
Blegger (2001), diferencia a entrevista da consulta e anamnese
A consulta consiste na solicitação da assistência técnica ou profissional, que pode ser prestada ou satisfeita de formas diversas, uma das quais pode ser a entrevista. Consulta não é sinônimo de entrevista; esta última é apenas um dos procedimentos de que o […] psicólogo dispõe para atender a uma consulta. […] Uma anamnese […] implica uma compilação de dados preestabelecidos, de tal amplitude e detalhe, que permita obter uma síntese tanto da situação presente como da história de um indivíduo, de sua doença e de sua saúde. […] Diferentemente da consulta e da anamnese, a entrevista psicológica objetiva o estudo e a utilização de comportamento total do indivíduo em todo o curso da relação estabelecida com o técnico.
Conforme Blegger (2001), a teoria da entrevista foi muito influenciada pela psicanálise, Gestalt, topologia e behaviorismo. A psicanálise teve seu papel com o conhecimento da dimensão inconsciente do comportamento, da transferência e contratransferência, da resistência e repressão, da projeção e introjeção, etc. A Gestalt reforçou a compreensão da entrevista como um todo no qual o entrevistador está entre os integrantes, sendo que o comportamento dele é elemento da totalidade. A topologia foi fator da delineação e reconhecimento do campo psicológico. Já o behaviorismo contribuiu com a importância da observação do comportamento.
A entrevista pode ser de dois tipos básicos: aberta e fechada, como registra Blegger (2001). Na segunda as perguntas já estão previstas, assim com a ordem e a maneira de formulá-las, e o entrevistador não pode alterar nenhuma destas disposições. Na entrevista aberta, pelo contrário, o entrevistador tem ampla liberdade para as perguntas ou para suas intervenções, permitindo-se toda a flexibilidade necessária em cada caso particular. A entrevista fechada é, na realidade, um questionário que passa a ter uma relação estreia com a entrevista, na medida em que uma manipulação de certos princípios e regras facilita e possibilita a aplicação do questionário. […] A entrevista aberta possibilita uma investigação mais ampla e profunda da personalidade do entrevistado, embora a entrevista fechada permita uma melhor comparação sistemática de dados, além de outras vantagens próprias de todo método padronizado.
Blegger (2011) ainda apresenta a diferenciação das entrevistas conforme o beneficiário do resultado, distinguindo: a) a entrevista que se realiza em benefício do entrevistado; b) a entrevista cujo objetivo é a pesquisa, na qual importam os resultados científicos; c) a entrevista que se realiza para um terceiro (uma instituição). Cada uma delas implicam variáveis diferentes a serem consideradas, pois influenciam sobre o entrevistador e entrevistado, afetando tudo que a entrevista venha a englobar.
Conforme Craig (1991), a entrevista, a partir do quesito objetividade, pode ser dividida nos seguintes tipos, aqui apresentados sucintamente.
Entrevista de Tomada de Dados: tem o propósito de obter informações preliminares sobre um paciente em perspectiva.
Entrevista da História de Caso: tem o propósito de rever a natureza dos conflitos do paciente em sequência histórica, com o foco nos períodos críticos, antecedentes e desencadeantes.
Exame do Estado Mental: visa determinar o nível de prejuízo mental associado à condição clínica investigada; avalia áreas como raciocínio, juízo, audição e percepção.
Entrevistas de pré e pós-testagem: a entrevista prévia ao teste visa explicar ao paciente as razões para o teste e seus benefícios, bem como discutir aspectos administrativos, tais como local e hora. Quando a entrevista é realizada após os testes, o psicólogo geralmente já desenvolveu hipóteses como resultado da testagem, visando explorá-las melhor com o paciente.
Entrevista Breve de Avaliação: aqui o terapeuta visa apenas uma área específica, não considerando outros elementos da entrevista, assim obtendo a informação desejada em curto período.
Entrevista de Desligamento: o objetivo é conhecer o ponto de vista do paciente sobre os benefícios decorrentes do tratamento, examinar os planos para pós-alta ou trabalhar qualquer problema não resolvido.
Entrevista de Pesquisa: este tipo de entrevista é específico para a natureza da pesquisa desenvolvida, sendo parte de um protocolo rígido, aprovado pelo comitê revisor da instituição. Realizada com a permissão do paciente que assina o um documento no qual declara seu consentimento.
O que Blegger (2011) chama de “entrevista de tomada de dados” talvez seja o mesmo que “triagem” visto que em ambos os casos há um paciente em perspectiva. Muñoz (2015?) escreve que a entrevista de triagem é um instrumento válido que facilita uma rápida classificação do paciente, contudo, baseado em observações incompletas, ou seja, a triagem permite uma visão geral do paciente mas sem ter em conta muitos dados pessoais, familiares, sociais, de patologia prévia.
Personagem crucial no desenvolvimento da entrevista, o entrevistador deve ter consigo uma ampla bagagem teórica e metodológica que o norteará no processo entre terapeuta e paciente. Este contingente de teorias e métodos não podem, contudo, tornar a entrevista um processo puramente mecânico no qual perguntas surgem e requerem repostas num automatismo frio e inibidor. Para isto é necessário que o entrevistador entenda que é mais do que um mero formulador de perguntas, sendo, na verdade, um motivador. Neste caso, o objeto da motivação é o entrevistado que, adequadamente esforçado, tem seus bloqueios psicológicos derrubados e se abre para o terapeuta.
A terapia centrada no cliente, desenvolvida por Carl Ransom Rogers e seus colaboradores, baseia-se na habilidade de escutar. Rogers introduziu uma “técnica” conhecida como “reflexo”, com a qual o terapeuta escuta o cliente e “reflete” seus pensamentos e sentimentos significativos dizendo ao cliente o que ele ouviu dizer. Alguns terapeutas fazem isto de uma forma mecânica, o que os faz parecer papagaios com uma graduação de psicologia, contudo, não era isto o desejado por Rogers. Para este, deve haver uma autêntica comunicação de compreensão e preocupação. Hoje em dia, o reflexo é apenas uma parte da chamada “escuta ativa” (BOEREE, 2018). O trabalho do terapeuta não é tanto fazer isto ou aquilo, mas sim “estar” de certa forma para o cliente.
Conforme escreve Boeree (2018), Rogers apresenta três qualidades que o terapeuta deve ter durante as sessões de terapia:
Ele ou ela deve ser congruente: Basicamente, isto implica ser honesto, não ser falso, pois os clientes podem perceber quando seu terapeuta está fingindo. A congruência é necessária para gerar confiança na relação terapêutica.
Ele ou ela deve ser empático: O terapeuta deve ser capaz de identificar-se com o cliente, entendendo-os não tanto como psicólogo, mas como uma pessoa que também tem visto parte de seus problemas. O terapeuta deve ser capaz de mirar os olhos do cliente e ver a si mesmo.
Ele ou ela deve mostrar ao cliente uma consideração positiva incondicional: Não significa que o terapeuta tem que amar o paciente, mas que ele deve respeitá-lo como ser humano e não o julgar.
Rogers, ao longo de sua obra, coloca que o objetivo do terapeuta é participar da experiência imediata do seu cliente. Para isto é necessário que o terapeuta saiba escutar e observar, estar atento aos movimentos da relação e à sua interação com seu cliente […] A ideia do terapeuta “centrado na pessoa” é de compreender o sujeito falante, a sua fala e o que se passa no aqui e agora da relação. A perspectiva da terapia rogeriana se encontra com as premissas fenomenológicas no sentido de que o real aí está, o fenômeno está aí presente, oferecido à observação, bastando se estar atento para apreendê-lo sob o prisma do sujeito que vive o fenômeno (HOLANDA, 2009).
A ótica rogeriana apresenta um conceito que rege praticamente todos os processos envolvidos tanto na clínica quanto no cotidiano de seus clientes, é o conceito de tendência atualizante, clássico e melhor descrito nas palavras do próprio idealizador.
Todo organismo é movido por uma tendência inerente a desenvolver todas as suas potencialidades e a desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e enriquecimento. Observemos que a tendência atualizante não visa somente […] a manutenção das condições elementares de subsistência como as necessidades de ar, de alimentação, etc. Ela preside, igualmente, atividades mais complexas e mais evoluídas tais como a diferenciação crescente dos órgãos e funções; a revalorização do ser por meio de aprendizagens de ordem intelectual, social, prática (ROGERS; KINGET, 1977, p.159-160 apud HOLANDA, 2009).
É a partir desse conceito que Rogers pensa a clínica psicoterapêutica, mostrando profunda confiança, quase uma “crença” na capacidade humana, tendo em vista um homem artífice de si próprio, como seu “próprio arquiteto”. Portanto, o cliente passa a ser considerado “sujeito” de sua própria vida, ativo e consciente. Em virtude dessa implícita concepção de homem, obrigatoriamente é pressuposta uma similar mudança na posição do terapeuta nesta relação, como explica Holanda (2009) ao escrever que
Se o sujeito da clínica é autônomo, consciente e dotado de potencialidades suficientes para se desenvolver, o papel ocupado pelo terapeuta deixa de ser o de “guia” ou de detentor de um suposto saber alheio ao cliente. Dá-se um natural emparelhamento de posições: ambos, terapeuta e cliente, são “pessoas” e sobre esta perspectiva se apoia toda a simplicidade do método rogeriano. Em um contexto como este, a figura do terapeuta é destituída de sua representação mágica e a responsabilidade do processo passa a ser do próprio sujeito do cliente – o que justifica, inclusive, a apropriação do termo “facilitador” ao invés de “terapeuta”, para Rogers –; ademais, isto se reflete igualmente na postura desse facilitador. Em outras palavras, a sua postura durante a entrevista passa por sua confiança nessa tendência atualizante. Desta feita, por considerar que o mais importante na terapia é desenvolver as potencialidades do cliente, o facilitador prescinde de usar “diretivas”, de ser o principal agente direcionador do processo de seu cliente, em uma posição de facilitar a emergência do fenômeno de seu cliente. O ponto central da ideia da “não-direção” é, em essência, uma abstenção de intervenções diretas baseadas em valores e pré-julgamentos, forçosamente orientados por um arcabouço teórico anterior ou por uma postura de suposto saber do terapeuta. É uma atitude diferenciada do terapeuta que […] passa por uma “recusa”: A não diretividade é, antes de tudo, uma atitude em face do cliente. É uma atitude pela qual o terapeuta se recusa a tender a imprimir ao cliente uma direção qualquer, em um plano qualquer, recusa-se a pensar que o cliente deve pensar, sentir ou agir de maneira determinada. […] É uma atitude pela qual o conselheiro testemunha que tem confiança na capacidade de autodireção do seu cliente. […] Assim sendo, as intervenções do terapeuta devem salvaguardar ao máximo a integridade do cliente. A atitude deve se basear na compreensão e na apreensão do mundo interno do sujeito, evitando a interpretação e a interposição de valores. Ao se interpretar, corre-se o risco de “compreender ‘sozinho’, de acreditar compreender quando de fato o que se está fazendo é projetar nossas significações sobre a situação do cliente”. Isto nos lembra a célebre epígrafe de Erwin Straus quando, ao questionar o princípio interpretativo apoiado em teorias destacadas da vivência, coloca que “na maioria das vezes, as ideias inconscientes do paciente, são as teorias conscientes de seu terapeuta”.
Por fim, é importante salientar seis imperativos da atitude do entrevistador, prerrogativas de ser um terapeuta centrado no cliente, conforme apresentado por Mucchielli (1978) apud Holanda (2009).
(1) Acolhida e não iniciativa: trata-se de uma atitude de receptividade, convite a ficar à vontade, diferentemente da atitude de iniciativa que obriga o outro a dar respostas ou a reagir diante da situação (embora esta seja uma atitude assaz eficiente e, de fato, “centrada no cliente”, também pode gerar certas inseguranças e incertezas). É importante estarmos atentos à cultura na qual estamos inseridos – ou o cliente em questão. É muito comum recebermos um cliente repleto de expectativas definidas sobre a situação da entrevista terapêutica; não responder a estas expectativas ou ignorá-las é uma atitude de pré-julgamento da circunstância. O mais indicado é aguardar o advento do fenômeno do cliente, mas não ignorar as suas necessidades mais prementes;
(2) Estar centrado no que é vivido pelo sujeito e não nos fatos que ele conta: Primado da vivência que é sempre uma vivência particular, vivido do outro, nunca é de posse de uma interpretação alheia. O meu vivido é o meu vivido. Devo, pois, apreender o sentido deste vivido tal qual ele o é para esse outro sujeito. Significa dizer que os fatos objetivos são auxiliares e não determinantes na compreensão do meu outro. Todavia, convém assinalar que isto não significa dizer que devemos simplesmente “deixar de lado” os fatos ou as objetividades. Os fatos são constituintes da cultura e da realidade dos indivíduos, e devem ser entendidos como tais. São, pois, de extrema relevância. O que não podemos é nos atermos aos fatos em si, visto que, cada fato é vivido na particularidade do sujeito. Em outras palavras, trata-se de focar o “sentido” ou o “significado”;
(3) Interessar-se pela pessoa do sujeito, não pelo problema em si mesmo: corolário do anterior. O autor coloca “renúncia” ao ponto de vista objetivo, visto o problema ser existencial. Não se trata, na realidade, de renunciarmos à objetividade, mas apenas remanejar as relevâncias. Os problemas são fatos da própria realidade, ou seja, todo mundo tem problemas e muitas vezes problemas absolutamente idênticos. As vivências destes problemas é que diferem em si, ou seja, os problemas podem ser iguais, os sentidos nunca são iguais – são particulares e da esfera da existência individual de cada um. No caso da terapia, o facilitador “tentar ver não o problema em-si, mas o problemado-ponto-de-vista-do-sujeito em questão” […]. É isto que caracteriza uma entrevista “centrada na pessoa”;
(4) Respeitar o sujeito e manifestar-lhe uma consideração real, em lugar de tentar mostrar-lhe a perspicácia do entrevistador ou sua dominação: Isto é consequência da principal noção rogeriana, a de tendência atualizante. Significa acreditar que o cliente tem potencial para sair da situação na qual se encontra, de recobrar sua dinamicidade perdida, seu “estado de equilíbrio”. Significa respeitar esta potencialidade e respeitar a própria existência do indivíduo como algo único, real. É um respeito por sua integridade, sua maneira de ver a realidade, de sentir, de viver. É uma não interposição de conceitos: os meus conceitos ou as minhas ideias são os meus conceitos e as minhas ideias, os conceitos e as ideias do outro são os conceitos e as ideias do outro. Podemos trocar e interagir, mas não devemos impor nada, sob pena de perdermos o sentido da individualidade e nos mesclarmos num amálgama disforme. “Não é o caso de ‘fazer psicologia’, mas de escutar e de compreender”;
(5) Facilitar a comunicação e não fazer revelações: Não se trata de enquadrar esta ou aquela fala num determinado padrão de interpretação, ou de revelar uma “verdade” apreendida ao outro (a verdade atribuída é sempre verdade projetada). A rigor, o que difere o modo de reformulação de uma interpretação clássica é a apreensão do mundo privado do sujeito como ponto de partida. A “interpretação” parte da subjetividade de quem interpreta, enquanto que na reformulação se destaca o esforço por considerar a alteridade e o ponto de partida é sempre o do sujeito da vivência. Nesta perspectiva, “trata-se de esforçar-se para manter e melhorar a capacidade de comunicar e de formular o seu problema. Permite-se ao cliente esclarecer a sua própria experiência para si, logo, possibilitando a sua solução. Uma dialética que aponta para o fato de que nos próprios problemas estão suas soluções.
Sigmund Freud percebe na prática da psicoterapia uma série de particularidades humanas que aparentemente entram em conflitos, o que faz com que o entrevistador se veja em uma profissão paradoxal, afinal, em um único ser humano devem ser integradas várias características humanas aparentemente conflitantes. Assim sendo, é fortemente evocada a tensão de polaridades opostas em um ambiente onde as diferentes necessidades dos clientes impõem ao terapeuta exigências aparentemente intermináveis (HYCNER, 1995). O paradoxo primordial está representado pela óbvia tensão entre as dimensões “subjetiva” e “objetiva” na psicoterapia, onde é requerido, ou mesmo exigido, um envolvimento pessoal da parte do terapeuta, ao mesmo tempo é preciso que ele mantenha a objetividade apropriada. Torna-se crucial a resposta equilibrada do terapeuta. Assim sendo, o conhecimento objetivo precisa estar fundamentado na experiência subjetiva do cliente e na do terapeuta, o que caracteriza a tensão entre o conhecimento nomotético, ou generalizável, e o conhecimento ideográfico, ou único.
O terapeuta precisa ter uma quantidade substancial de conhecimentos sobre os seres humanos em geral; porém, precisa sempre se esforçar para apreciar profundamente a experiência única da pessoa sentada à sua frente. Ambos os aspectos são essenciais para a empatia e compreensão das experiências de outro ser humano. Ainda assim, há entre eles uma forte disputa pela dominância. Constantemente o terapeuta precisa decidir sobre que aspecto atender em um dado momento. Em cada caso existem barganhas e riscos envolvidos. Ainda assim, é o jogo inerente aos riscos que dá força e vida a esse esforço. Surge, então, para o terapeuta a necessidade de integrar as dimensões objetiva e subjetiva de forma harmoniosa. Graças a isso, o gênio pioneiro de Freud manifestou-se pela necessidade de uma “consciência plainando em equilíbrio”, isto é, uma consciência que não esteja sujeita aos extremos usualmente evocados no encontro humano. De uma forma similar, Buber sugere que o psicoterapeuta precisa desenvolver a habilidade, aparentemente contraditória, de manter uma “presença-distanciada”. O terapeuta deve estar totalmente presente e, simultaneamente, ser capaz de refletir sobre o que está sendo experienciado num dado momento.
O processo psicoterapêutico exige que ambas as dimensões da existência, a “subjetiva” e a “objetiva”, sejam habilmente mescladas (HYCNER, 1995). Nesse processo, o terapeuta deve encarar a psicoterapia como ciência ou como arte? O enfoque mais enfatizado afetará o treinamento do psicoterapeuta bem como os valores decorrentes deste treinamento, logo, é determinante na atitude com que o indivíduo aborda seu trabalho. É certo que há um corpo de conhecimentos na psicologia e teoria psicoterapêutica essencial no trabalho com pessoas. Mas, ser responsivo ao cliente implica usar “sob medida” o conhecimento científico e os fatos, para que sirvam a uma única pessoa. Este aspecto muito exigente da profissão requer que o terapeuta integre a arte à ciência da psicoterapia. A negligência de uma das duas resulta num “des-serviço” ao cliente (HYCNER, 1995).
O terapeuta, além disso, confronta-se com problemas aparentemente contraditórios em relação aos aspectos pessoal e profissional. O self do terapeuta é intrinsecamente uma parte do processo. Em que grau o terapeuta enfatiza seu self pessoal em terapia e em que grau sua persona profissional é predominante? Onde começa o profissional e cessa pessoal? A tentação maior, e à qual pode-se sucumbir mais facilmente, é enfatizar a conduta profissional de forma a encobrir as inseguranças em estado de ebulição, que podem armar uma cilada para a pessoa do terapeuta. Sem dúvida, a persona profissional é parte necessária do processo psicoterapêutico de cura – ainda assim é somente a “forma” através da qual a pessoa terapeuta emerge (HYCNER, 1995).
O terapeuta ainda é confrontado frequentemente com o não desejado. Questões às quais ele, consigo mesmo, não deseja analisar podem ser trazidas pelo próximo cliente, e isso é irreversível, pois não há evitação em terapia. O profissional, incessantemente forçado a lutar com suas fragilidades e com seus pontos cegos, pode encontrar nesse dilema a raiz de sua empatia. Como “curador ferido”, tem uma natureza profundamente sensível à vulnerabilidade alheia. Mas deve-se considerar se certa vulnerabilidade torna o terapeuta mais aberto, porque um excesso de “feridas” pode trazer à tona suas defesas e fechar as portas para a possibilidade de um encontro genuíno. De fato, o “curador ferido” cura; mas, se o ferido torna-se o principal na terapia, o foco pode vir a ser a cura do terapeuta e não a do cliente, o que não deve ocorrer. Cabe ao terapeuta promover o aparecimento de suas feridas no processo psicoterapêutico, evitando que a cura do seu próprio self seja o objetivo na relação com o cliente. Como consequência natural, o terapeuta pode sim alcançar sua cura como resultado dessa interação “entre” (HYCNER, 1995).
Cabe ressaltar outro contraste na profissão paradoxal que se dá entre a experiência subjetiva do terapeuta e suas habilidades relacionais. O terapeuta deve estar em contato com sua própria experiência individual e ao mesmo tempo manter plena a interação com seu cliente, entendendo a experiência deste. Ser introvertido o suficiente para ter uma awareness altamente desenvolvida de si mesmo, e ser capaz de se relacionar facilmente com outras pessoas. O termo inglês “awareness” não tem correspondência exata em português, mas significa “uma forma de experienciar”. Implicando um processo de estar em contato vigilante com o evento de maior importância no campo indivíduo/meio, com total suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético. O terapeuta precisa estar cuidadosamente aware do que está acontecendo entre ele e o cliente. (HYCNER, 1995). Vila (2016) escreve que o terapeuta precisa de uma grande dose de awareness para seu trabalho, e que nisso reside parte da qualidade artística da terapia, ter a maior consciência possível do momento e de tudo que há no campo, a fim de responder criativa e espontaneamente na interação com o paciente.
E, nesse ambiente de paradoxos, o self do terapeuta é o “instrumento” que será utilizado na terapia. Isso implica que a orientação teórica não é tão decisiva quanto a inteira disponibilidade que promove o encontro de self com self. Nesse encontro genuíno nasce a inteireza do cliente que estava ausente antes da interação (HYCNER, 1995).
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Foi incrível como, em questão de dias, o inesperado entrou em cena de forma absurda. O que aparentemente seria apenas uma semana sem ir à universidade virou meses. Com a pandemia e, sobretudo, por seu consequente distanciamento social, vi minha rotina como estagiário de Psicologia transtornada. Na verdade, vi a própria forma de atuar como psicólogo em potencial transtornada.
Após tantas teorias sobre o fenômeno da terapia na clínica, após tanto ouvir sobre as metodologias implicadas por cada teoria, após tantas visões sobre o ser humano e o mundo que o rodeia, eu estava ansioso por entrar de vez nesse fenômeno basilar da Psicologia. Queria sentir o que era sentar-me defronte a um paciente, a uma distância mínima um do outro, e ouvi-lo, e vivermos isso. Mas, no meio do caminho tinha pandemia, uma quarentena, e, para o pasmo geral do futuro psicólogo, o amante do contato entre, do fenômeno que é a interação, o distanciamento social virou regra do dia, dos meses, de um ano. Mas, porque nos adaptamos, aqui estou, defronte a um smartphone, esperando Catarina. O estagiário de psicologia e a máquina. Não é a mesma coisa, óbvio. Chega a ser bizarro. Céus, uma máquina!
Na semana passada eu soube que minha primeira paciente seria Catarina, que não pôde comparecer no sábado passado ao que seria nosso primeiro encontro mediado por tecnologia. Antes daquele sábado, de segunda à sexta, fantasiei como seria essa Catarina. Negra? Branca? Loira? Alta? Realmente tem razão quem disse que a relação com um novo cliente começa bem antes da primeira sessão. Ah, como nos corroem as suposições! E se…? Será…? Quem sabe…! É… Não! Mas, será possível? Chega! Viva o momento, aqui agora! Viva-o, homem, viva-o!
Naquele sábado me arrumei todo. Comi direito para não ter déficit de energia durante o atendimento. Bebi água na medida para, ao contrário de experiência de outrora, não ter a bexiga cheia durante momento tão especial para um estagiário. Eu estava animado. Estava sentado defronte ao smartphone, a essa altura acostumado, embora não plenamente conformado com essa máquina, com essa espécie de pombo-correio… Até que a coordenadora da minha clínica-escola disse que a paciente não poderia participar, por motivo de força maior, mas, estaria presente no próximo sábado.
Este é o próximo sábado, ou melhor, o então próximo sábado é este. A frustração é tamanha, duplicada, porque hoje Catarina também não veio, na verdade, decidiu não mais ter atendimento psicológico por questões de trabalho, o que a impossibilitava de ter o serviço da clínica-escola, ao menos nesse horário. Agora, outro ou outra paciente será agendado para mim. Aí terminou minha tensa e frustrante relação com Catarina (ou será que não? Ainda penso nela?). Essa moça sem rosto, sem cor, sem voz, que preencheu minha mente por dias da espera pelo primeiro encontro. O tempo passa, as horas de estágio gritam no meu ouvido, “me cumpra ou tu não andas”. Confesso, ainda penso em Catarina. Queria saber o que ela traria para mim? Essa pergunta faz sentido? E se não existir nenhum “e se fosse assim?” Ora, talvez isso foi porque era para ser, e ponto final. Não é tão fácil acreditar nisso. Força, Catarina! Que encontres um tempo adequado e alguém a teu dispor!
Atualização: Já sei o nome do meu próximo paciente. Como será esse Calebe? E se…? Será…? Quem sabe… Chega! Viva o momento, aqui agora! Viva-o, homem, viva-o!
Observação: História verídica. Para preservar a identidade dos envolvidos, foram criados nomes fictícios.
Antes de aprofundar no conceito estritamente organizacional de “planejamento estratégico”, bem como na dinâmica deste, convém apresentar o significado das duas palavras que compõem o termo. Conforme o dicionário Michaelis, “planejamento” diz respeito ao “ato de planejar” e à “organização de uma tarefa com a utilização de métodos apropriados. Outra definição, intrínseca ao contexto organizacional, fala em “determinação de ações para atingir as metas estipuladas por uma empresa”. Quanto ao termo “estratégico”, o mesmo dicionário o explica como “relativo à estratégia; em que há estratégia”. “Estratégia”, por sua vez, é a “arte de utilizar planejadamente os recursos de que se dispõe ou de explorar de maneira vantajosa a situação ou as condições favoráveis de que porventura se desfrute, de modo a atingir determinados objetivos”.
Como ponto de partida para o aprofundamento no conceito estritamente organizacional, Marciniak (2013) escreve que um planejamento estratégico é uma ferramenta que coleta o que a organização quer conseguir para cumprir sua missão e alcançar sua própria visão, ou sua imagem futura. Assim sendo, o planejamento representa o desenho e a construção do futuro para uma organização, ainda que este seja imprevisível. Então, o plano é uma aposta de futuro, o qual desenha este futuro desejável e inventa o caminho para consegui-lo. Ao falar de plano estratégico da organização, estamos referindo ao plano maestro no qual a alta direção coleta as decisões estratégicas corporativas que tem adaptado “hoje” em referência ao que fará nos próximos três anos (horizonte mais habitual do plano estratégico), visando uma organização mais competitiva que permita satisfazer as expectativas das diferentes partes interessadas. (DE VICUÑA, 2012 apud MARCINIAK, 2013).
Conforme Lumpkin e Dess (2003) apud Marciniak (2013), plano estratégico é entendido como o conjunto de análises, decisões e ações que uma organização leva a cabo para criar e manter vantagens comparativas sustentáveis a longo prazo. Bonilla (2003) apud Marciniak (2013) apresenta definição similar, considerando-o como projeto que inclui um diagnóstico da posição atual de uma entidade, a(s) estratégia(s) e organização no tempo das ações e os recursos que permitam alcançar a posição desejada. O diagnóstico no contexto organizacional é tópico importante, o qual será apresentado posteriormente neste trabalho. Para Pedrós y Guitérre (2005) apud Marciniak (2013), um plano estratégico é um documento que sintetiza a nível econômico-financeiro, estratégico e organizativo o posicionamento atual e futuro da empresa, cuja elaboração nos obrigará a levantar dúvidas acerca de nossa organização, de nossa forma de fazer as coisas e a marcarmos uma estratégia em função do nosso posicionamento atual e do desejado.
Marciniak (2013) escreve que um elemento comum nas distintas definições de autores é o conceito de um entorno, de um ambiente, ou seja, de uma série de condições alheias à organização, às quais esta deve responder. Algumas condições são negativas e ameaçadoras, outras são positivas, consistindo-se em oportunidades. Para conhecer essas condições é preciso analisar o entorno, sua quantidade de recursos, suas debilidades e pontos fortes. Além disso, a organização deve possuir a imagem de seu futuro, ou seja, sua visão, e estabelecer metas ou objetivos estratégicos básicos. O objetivo mais alto costuma ser tido como a missão. Por fim, a organização projeta como aplicar seus recursos e descreve os programas de ação a largo prazo (estratégias), que determinam os objetivos estratégicos de desenvolvimento organizacional e mostram como alcançá-los em forma de objetivos operacionais e tarefas específicas a realizar.
Um plano estratégico inevitavelmente visa uma mudança organizacional, esta, por sua vez, refere-se a alterações nas organizações advindas de intervenções planejadas cujo fim é afetar conteúdos/componentes organizacionais e gerar impactos para os resultados, a sobrevivência, eficiência, eficácia, produtividade ou sustentabilidade organizacional. (WOOD et al apud NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016). Faz-se importante a implementação de práticas de gestão de mudanças, tais práticas compreendem uma variedade de intervenções que, se executadas corretamente e em coerência com eventos internos e externos da organização, facilitam a promulgação de processos de mudança organizacional. Como exemplos de práticas de gestão da mudança organizacional, temos: desenvolver uma nova visão; elaborar o diagnóstico da organização; comunicar a necessidade de mudança; preparar/planejar um plano de mudança; comunicar o plano de mudança; mobilizar outros para apoiar a mudança; avaliar a implementação da mudança; e medir os resultados da mudança (RAINERI, 2009 apud NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016).
Uma das práticas anteriormente citadas representa questão importante a ser considerada antes de qualquer planejamento estratégico, trata-se do diagnóstico organizacional. Muitas vezes, os estudos sobre gestão da mudança organizacional se destinam a responder três perguntas: por que (as causas da mudança), como (o processo de mudança) e o que (o conteúdo da mudança) […] O diagnóstico organizacional deve dar respostas à primeira e à terceira questão, além de responder às seguintes: por que a organização pode ser alterada? Qual deve ser o conteúdo incluído na mudança, ou seja, o que deve ser mudado na organização? (NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016). “Diagnóstico organizacional pode ser interpretado como um método utilizado para a análise da organização, a fim de identificar deficiências organizacionais que possam ser neutralizadas por meio de mudança organizacional” (NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016). Trata-se de um conceito relacionado ao conceito de “análise organizacional”. Contudo, há semelhanças bem como também diferenças entre eles.
A principal semelhança entre a análise organizacional e o diagnóstico organizacional reside no fato de que ambos os métodos estão focados na compreensão do conteúdo organizacional, ou seja, a identificação dos elementos da organização e sua natureza, bem como as relações entre eles. Ambos os métodos começam com alguns modelos organizacionais e usam as mesmas técnicas de coleta e processamento de dados. A principal diferença entre a análise organizacional e o diagnóstico organizacional é o seu objetivo. O objetivo da análise organizacional é a compreensão da organização com o propósito de sua exploração, enquanto o objetivo do diagnóstico organizacional é a compreensão da organização com o propósito de mudar e melhorar aspectos negativos (ação). Pode-se dizer que o diagnóstico organizacional é uma forma específica de análise organizacional – uma forma voltada para a realização da mudança organizacional com o objetivo de melhorar o desempenho organizacional (NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016).
Tal diagnóstico é um estudo necessário para todas as organizações, ele, em essência, busca gerar eficiência na organização através da mudança. Há uma variedade de situações que requerem este método, entre as tais estão:
O crescimento da organização: Devido ao fato de que isso representa uma grande mudança, é necessário conhecer o impacto deste crescimento em todas as áreas da organização;
O atraso da organização: Enquanto algumas empresas dão enormes passos com a tecnologia, muitas outras paralisam a ponto de quase extinguirem, então, é mais do que óbvio que os problemas sejam considerados à luz de um diagnóstico organizacional.
A oferta de qualidade: Aqui cabe mencionar o contemporâneo mundo competitivo no qual se necessita uma vantagem competitiva, logo, a qualidade do que se oferece é de suma importância, visto que há uma variedade de produtos que cobrem uma mesma necessidade;
Outras situações nas quais é necessária esta ferramenta é a aparição de tecnologias de ponta que prometem maior produtividade e qualidade, a inovação que cada empresa deve decidir fazer, os problemas sociais do entorno da empresa e, por fim, a simples necessidade da empresa de conhecer-se, e o desejo de melhoras que a tornem um melhor lugar de trabalho.
O diagnóstico organizacional pode apresentar cinco perspectivas:
Perspectiva social: Onde o interesse se concentra em conhecer os efeitos gerados pela organização nos distintos subsistemas da sociedade. Busca saber como a sociedade vê a organização, em que a beneficia ou, caso contrário, em que a prejudica, e o que ela sugere;
Perspectiva executiva: Compreende a participação dos sócios, donos e diretivos da empresa, os quais se encarregam de avaliar questões como sua posição no mercado e o uso adequado de seus recursos;
Perspectiva dos departamentos: Refere-se à relação entre os diferentes departamentos da organização, sua convivência, suas contribuições ao desenvolvimento organizacional e a eficiência de cada área;
Perspectiva dos grupos informais: Cada empresa tem um certo número de empregados. Ainda que todos devem compartilhar interesses para o bem-estar da organização, há grupos que se formam de acordo com interesses mais particulares, como o gosto por algum esporte, a religião ou preferências políticas. Logo, é necessário detectar tais grupos e avaliar a facilidade de boa interação dos interesses particulares deles com os interesses da empresa;
Perspectiva individual: As expectativas que tem cada indivíduo que conforma a organização, independentemente da área ou posição que ele tenha. De igual maneira, os agentes externos à empresa como os provedores ou clientes.
A respeito do processo de mudança em si, ou da implementação das intervenções, muito pouco foi elaborado em se tratando de modelos teóricos (NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016). Há destaque para as formulações de Kurt Lewin (1951), o qual sugeriu três fases da mudança: “Descongelamento”, que implica diminuição da força dos valores, atitudes ou comportamentos prévios a partir da percepção de novas experiências ou informações que os desafiam, aqui percebe-se uma insatisfação ante a situação atual. “Essa fase de descongelamento exprime, pois, a motivação para a mudança, a qual poderá estar associada a processos de ansiedade que requerem a criação de segurança psicológica como forma de reduzir a resistência para alterar a situação presente”. A segunda fase, “movimento”, é quando a organização alcança um novo nível, onde são desenvolvidos novos valores, atitudes, comportamentos etc. Trata-se de um processo sociocognitivo, afetivo e comportamental, para o qual é imprescindível motivação prévia das pessoas para obter nova informação que as permita ver a situação diferentemente. Finalmente, a fase do “recongelamento” é a estabilização das mudanças, as quais são integradas nos processos operacionais normais conforme a dinâmica da organização. Fase necessária para evitar retrocessos à situação prévia, durando conforme a especificidade da mudança realizada.
Em todo este processo em prol da transformação está eminente o agente de mudança, ou os agentes de mudança, devendo estes ter uma liderança voltada não apenas para os direcionamentos técnicos concernentes às funções de seus subordinados, mas também para a consideração empática e ouvinte em relação a estes como pessoas, o que influencia o sucesso ou fracasso do processo de mudança. É preciso que haja líderes que não apenas se comportem em relação às tarefas de seus trabalhadores, mas também orientados para pessoas, para a inter-relação entre eles e os outros, promovendo a comunicação e a participação individual e grupal. Para mais informações acerca dos estilos e características de liderança ideais no processo de mudança, consultar Neiva, Demo e Macambira (2016).
O discurso é prolífico, mas a prática é árdua e nem sempre o acompanha. Segundo pesquisas, mais da metade dos programas de mudança fracassa, e a maior parte desses fracassos é devida à impossibilidade de obter mudanças nas atitudes e comportamentos dos profissionais (SALLES; JR; CALDAS, 2018)
Cinco grandes obstáculos dificultam mudanças culturais. O primeiro é a resiliência da cultura existente, que pode decorrer do histórico recente de sucessos da empresa ou das características do setor. O sucesso passado não garante o sucesso futuro. Entretanto, é muito difícil mobilizar pessoas para a mudança quando não há percepção de resultados insatisfatórios ou de ameaças. Em outras situações, a fonte de resiliência está no setor. O ramo de atividade da empresa, muitas vezes, consolida comportamentos e práticas; e a mudança fora dessas normas pode não ser bem-vinda.
Ainda de acordo com Salles, JR e Caldas (2018), na lista de obstáculos está o “descompasso entre soluções padronizadas e o gigantismo de algumas organizações”. Estas contam com muitas unidades, cada unidade tendo uma distinta subcultura de comportamentos e hábitos. Quando executivos procuram aplicar princípios reducionistas, com um discurso homogeneizante, sobre as distintas unidades da empresa, pode atrair resistências e, embora haja mudança, mantêm-se comportamentos e práticas e, eventualmente, surgem atitudes cínicas. Os traços da cultura nacional também dificultam a mudança de uma organização. No caso do Brasil, há atitudes e comportamentos enraizados cuja alteração é árdua e traz frustração aos agentes de mudança. Por exemplo, o personalismo e prevalência das relações pessoais, a passiva postura de espectador, baixo nível de observância e compromisso em relação à ética, ou baixo nível de accountability, e o comportamento de vítima.
Tentar utilizar métodos e práticas implantadas por outras empresas, sobretudo as icônicas, supostamente bem-sucedidas, também engrossa a lista de obstáculos de uma mudança exitosa, afinal, cada organização tem um contexto particular, e o que deu certo para uma empresa pode não dar certo para outra. Por fim, o obstáculo representado por líderes que banalizam o impacto da cultura organizacional e a complexidade de uma mudança, supondo que uma mudança de discurso e de alguns detalhes irão interferir nas atitudes, comportamentos e valores dos funcionários, e que isso é o bastante. Resumindo, há cinco grandes obstáculos à mudança, são eles a resiliência da cultura atual, apoiada em sucessos passados ou características da área na qual a organização está situada; influência das subculturas; força de traços nacionais; atração por modelos exógenos; e a onipotência ingênua de líderes (SALLES; RJ; CALDAS, 2018).
Finalmente, convém ressaltar a necessidade de líderes que sejam cientes dos benefícios da mudança e também dos desafios que esta pode gerar. Os líderes também devem assegurar que o balanço de ganhos e perdas é positivo, promovendo a reflexão de todos na empresa acerca das dificuldades de adesão ao processo e de seu papel na mudança. Além disso, os agentes de mudança devem promover o engajamento dos outros níveis hierárquicos para que o processo se sustente em médio e longo prazo. Isso obviamente torna mais complexa a situação, visto que traz novos pontos de vista, mas não há outra forma de garantir o sucesso e a perenidade das mudanças. Como disse Maquiavel, “nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas” (SALLES; JR; CALDAS, 2018).”
Dicionário Michaelis. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/>. Acesso em 23 março 2019.
MARCINIAK, Renata. ¿Qué es um plan estratégico? Disponível em: <ttps://renatamarciniak.wordpress.com/2013/01/07/que-es-un-plan-estrategico/>. Acesso em 23 março 2019.
NEIVA, Elaine Rabelo; DEMO, Gisela; MACAMBIRA; Mago Oliveira. Processos de mudança organizacional: diagnóstico e monitoramento da gestão. In MENDONÇA, Helenides. Análise e Diagnóstico Organizacional. Teoria e Prática. São Paulo:Vetor, 2016.
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Alguns pacientes não progridem como participantes da terapia, seja por não envolverem, suficientemente, no tratamento, ou por estarem aferrados às crenças antigas e distorcidas sobre si, sobre outros e sobre o mundo. Assim, torna-se necessária, por parte do terapeuta, a alteração do tratamento a fim de atender tais pacientes. O que fazer quando o básico não funciona? Nessa problemática há razões pelas quais o paciente apresenta dificuldade no tratamento. Algumas variáveis estão fora do controle do terapeuta. Por exemplo, paciente não vem às sessões com frequência por causas financeiras. Mas, muitos problemas estão, ao menos em parte, dentro do controle do profissional.
Alguns terapeutas tendem a descrever as dificuldades em termos globais, não definindo de forma clara o problema. Ao dizer, por exemplo, que o paciente é “resistente”. Quando o terapeuta especifica o problema, tende a mencionar as mesmas dificuldades, “paciente que não faz tarefa de casa” “paciente que fica zangado com o terapeuta” etc. É preciso determinar as dificuldades dos pacientes em termos comportamentais, para entender o problema dentro de uma estrutura cognitiva, e formular estratégias baseadas nas conceituações específicas, para cada paciente.
Para tanto, o terapeuta terá que especificar os problemas (determinando o grau de controle que tem para melhorá-los.); conceituar os pacientes individualmente; lidar com reações problemáticas do paciente em relação ao terapeuta, e vice-versa; estabelecer metas, estruturar sessões, fazer solução de problemas e aumentar a aderência à tarefa (incluindo mudança de comportamento), para paciente que representa desafio clínico; identificar e modificar percepções disfuncionais arraigadas (pensamentos automáticos, imagens, regras e crenças).
Quanto à especificação de problemas, não fazer isso de maneira ampla, rotulando paciente como “resistente”, “desmotivado”, “preguiçoso”, “frustrado”, “manipulador” ou “confuso”. Descrições globais como a que sugere que o paciente não quer estar em terapia, ou espera o terapeuta fazer todo o trabalho, são muito amplas. Melhor especificar os comportamentos que são obstáculos para o progresso na terapia, e elaborar uma solução. O terapeuta pode definir bem a dificuldade ao perguntar: “O que, especificamente, o paciente diz ou faz (ou não diz/não faz), na sessão terapêutica – ou entre as sessões – que representa um problema? Além disso, avaliar a gravidade e frequência do problema, perguntando a si mesmo: “É um problema que surge brevemente em uma sessão? Que persiste em uma sessão? Ou o problema ocorre em muitas sessões? Normalmente, problema contínuo por várias sessões demandam mais tempo para discutir e solucionar.
Comportamentos problemáticos comuns nas sessões, por parte do paciente, incluem a insistência de não conseguir mudar, ou de a terapia ser incapaz de ajudá-lo; a falha em estabelecer metas ou contribuir para a agenda; queixar-se, negar ou culpar os outros pelos problemas; apresentar muitos problemas, passar por várias crises; desconversar ou recusar conversa; atrasos e faltas; exigir tratamento especial; ficar bravo, aborrecido, crítico ou apático; ser incapaz ou não se dispor a mudar suas cognições; desatenção ou interrupção da fala do terapeuta; mentir ou omitir informação importante; não fazer a tarefa; não tomar a medicação necessário; abusar de drogas e álcool; telefonar repetidamente para o terapeuta quando em crise (ressalva, tentativas suicidas requerem intervenção imediata na crise e avaliação em emergência, e não fazem parte deste espectro); apresentar comportamento autodestrutivo e ofender os outros.
Muitos problemas estão relacionados à patologia do paciente, dependendo desta a dificuldade pode ser maior ou mais leve. Isso deve-se às crenças disfuncionais muito fortes, as regras que o paciente tem internalizadas. Assim, necessário testar e modificar tais regras, antes que os pacientes se disponham a mudar. Contudo, outros problemas ocorrem por erro do terapeuta. Além disso, pode ocorrer que a dificuldade esteja relacionada a ambos, patologia do paciente e erro do terapeuta. Quanto a este último, pode haver, entre outros fatores, diagnóstico errado, conceituação equívoca do caso, foco em problemas que não são importantes para a recuperação do paciente, erro no planejamento do tratamento, ruptura na aliança terapêutica, estrutura ou velocidade inadequada da terapia, aplicação incorreta de técnicas, tarefa de casa inadequada. É difícil para o terapeuta identificar seus próprios erros, então, ouvir a gravação de uma sessão de terapia pode ser importante.
Em síntese, conduzir a terapia cognitiva reside na identificação dos problemas em tratamento, avaliação da gravidade e especificação da origem desses problemas. As dificuldades podem ser devidas a fatores externos ao tratamento, inerentes a ele, ou devidas ao erro do terapeuta ou à patologia do paciente, que implica em crenças muito fortes. Algumas vezes pode haver uma causa orgânica do paciente, como problemas cerebrais ou hormonais, logo, pela necessidade de intervenção biológica, faz-se necessário recorrer aos profissionais competentes. Pode ocorrer, por exemplo, de o paciente não estar sofrendo de depressão, mas sim de hipertireoidismo, o que pode ser resolvido com medicação adequada. Outro paciente pode ter sinais que sugerem transtorno psiquiátrico, porém, o que há é infecção do sistema nervoso central.