A Psicologia no Brasil: Leitura histórica sobre sua constituição

Em 2007, foi lançada a 5ª Edição do Livro “A Psicologia no Brasil – leitura histórica sobre sua constituição” de Mitsuko Aparecida Makino Antunes, Psicóloga e Doutora e Psicologia Social. A primeira edição é de 1998 e representa um bom estudo inicial sobre a história da Psicologia no Brasil.

Mitsuko dividiu seu livro em duas partes: a primeira é dividida em dois capítulos que tratam de maneira abrangente acerca do desenvolvimento do saber psicológico no Brasil dos séculos XVIII e XIX; e a segunda é dividida em três capítulos que aprofundam a primeira parte. Esse texto apresenta, em linhas gerais, a reflexão e a sistematização feita pela autora.

Na primeira parte, no capítulo I “A preocupação com os fenômenos psicológicos no período colonial”, a autora analisa a Psicologia no período colonial baseada em três autores:Samuel Pfromm Netto, com o artigo “A Psicologia no Brasil”; de 1978-1981; Marina Massimi, com sua dissertação “História das ideias Psicológicas no Brasil em obras do período colonial”, de 1984 eIsaias Pessotti, em suas “Notas para uma História da Psicologia Brasileira”, de 1988.

Chamada de Psicologia Colonial por Mitsuko e de período pré-institucional por Pessotti, a Psicologia no Brasil, no século XVIII, foi desenvolvida por autores brasileiros e portugueses, jesuítas ou políticos que cursaram universidades europeias, em especial a de Coimbra. De acordo com esses autores, nesse período havia quatro grandes campos do conhecimento que produziam acerca do conhecimento da Psicologia:

1- A Religião, com a Teologia;
2- A Filosofia Moral;
3- A Medicina;
4- A Pedagogia.

Mitsuko cita ainda os campos da Política e da Arquitetura como também produtores de conhecimento acerca do que se entendia por psicologia no século XVIII, no Brasil.

Os temas trabalhados por todos esses campos do conhecimento foram:
1- As emoções e os sentidos;
2- A educação de crianças e jovens;
3- O autoconhecimento;
4- As características do sexo feminino;
5- O trabalho;
6- A adaptação ao ambiente;
7- Os processos psicológicos;
8- As diferenças raciais;
9- A aculturação e técnicas de persuasão de “selvagens”;
10- Controle político;
11- Aplicação da Psicologia na área médica.

As emoções são encaradas, nesse período, como forças interiores que não são demoníacas, mas que, em excesso, levam a doenças de cunho orgânico ou psíquico. Percebe-se, aqui, uma influência ou congruência com os pressupostos de Pinel e, portanto, uma condição de possibilidade para a prática alienista brasileira, desenvolvida nos séculos XIX e XX.

Sobre a construção desse conhecimento, o alcance desse artigo não abrange. Mas indico a leitura do artigo “A Psicologia dos Jesuítas: Uma Contribuição à História das Ideias Psicológicas”, de Marina Massimi, que trata da psicologia colonial dos séculos XVI e XVII e que é uma leitura necessária e impactante, para os historiadores da psicologia.

Acerca do autoconhecimento, Mitsuko cita trabalhos sobre a vaidade, sobre a obtenção do “conhecimento de si” e sobre a objetivação da experiência anterior. É interessante notar que o século XVIII foi o século de consolidação da concepção de que o homem, enquanto ser humano, possui, internamente, um “eu” que o controla e que ele, o homem como um todo, o pode também controlar, como se o homem pudesse dobrar sua consciência sobre si mesmo. Trata-se de uma concepção que demorou séculos a ser gestada. Sobre esse assunto, ver o livro “Pânico: contribuição à psicopatologia dos ataques de pânico”, de Mário Eduardo Costa Pereira.

Sobre a educação de crianças e jovens, na mistura do conhecimento psicológico com a Pedagogia, estudou-se a formação da personalidade, a aprendizagem e a influência dos pais, dentre outros temas. Sobre a mulher, estudos acerca das funções maternas e da diferença dos valores da mulher índia e a colonizada. Autores como Mello Franco, Alexandre de Gusmão e Mathias Aires abordam o tema do trabalho contrapondo-o ao ócio, condenado como o gerador de desordem. O trabalho serviu como a cura para os indígenas que eram preguiçosos (ou que não aceitavam a catequese), mostrando o caráter de biopoder nas práticas de gerenciamento de corpos que, como o trabalho dos jesuítas, tanto escravizaram, quanto colaboraram para o desenvolvimento cultural pelo sistema de educação.Sobre a sexualidade, na mistura entre o conhecimento psicológico e a medicina, Mello Franco a associava como determinante da loucura.

Ao mesmo tempo em que se percebe uma grande vinculação do conhecimento psicológico com projetos eugenistas do século XVIII, Mitsuko, referindo-se à produção teórica de Marina Massimi, afirma que também houve produções que questionavam a posição de submissão da mulher e do índio, sobre psicoterapia e educação, alguns dos quais reverteram, a seus autores, com a Metrópole e a Inquisição.

O segundo capítulo “A preocupação com os fenômenos no século XIX “ é dedicado ao desenvolvimento do saber da psicologia no século XIX. Em suma, os campos da Educação e da Medicina são os que mais desenvolveram com influência social tal saber.

Na Educação, desenvolveu-se, principalmente, em meio às correntes do liberalismo e do positivismo. Concebe-se, nesse período, a psicologia como o estudo da alma, como a concebeu Descartes. Sobre a alma, são estudados os fundamentos da vida psíquica, como a identidade e o caráter, e, também, fenômenos psíquicos específicos, como as emoções, a motricidade, o pensamento, a memória etc. Mitsuko ressalta a influência de pensadores como Locke, Rousseau, Pestalozzi, Herbart e Spencer.

Nas escolas, havia castigos contra a desobediência e contra o onanismo. Na mistura com a medicina, o onanismo do garoto escolar era considerado o causador de“a tísica, a loucura, a hipocondria, a flegmasia crônica de órgãos e finalmente a morte”. O tratamento preventivo para o onanismo era a ginástica. (Roberto Machado citado por Antunes, 1998, p.29).

Na medicina, desde 1836 há registro de teses de conclusão do curso de medicina versando sobre as “paixões ou emoções, diagnóstico e tratamento das alucinações mentais, epilepsia, histeria, ninfomania, hipocondria, psicofisiologia, instrução e educação física e moral, higiene escolar, sexualidade e temas de caráter psicossocial.” (Antunes, 1998, p.27). A primeira identificada é de Manoel Ignácio de Figueiredo Jaime chamada “As paixões e afetos d’alma em geral, e em particular sobre o amor, amizade, gratidão e o amor da pátria”. No final do século, a tese “Duração dos Atos Psíquicos Elementares”, de Henrique Roxo, é defendida. Ela é considerada pelas fontes de pesquisa de Mitsuko como o primeiro trabalho de Psicologia Experimental.

Ainda na medicina, Mitsuko refere-se à abrangência de seu controle social gestado na prática de seu desenvolvimento. Para tal, o conhecimento da psicologia foi importante uma vez que a práxis da saúde pública, levada à cabo pela medicina, concebia ações de limpeza da sociedade, eliminando a desordem e o desvio, incluindo o das emoções. Em 1830 apareceram reivindicações para a abertura de manicômios e, em 1842 foi inaugurado o Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, tendo o trabalho agrícola como forte meio terapêutico.

Os capítulos I e II fazem parte da primeira parte do livro que busca, basicamente, situar as áreas dentro das quais se gestou o saber psicológico brasileiro no período colonial, ressaltando as áreas da Educação, da Medicina e do Trabalho. A parte II do livro é destinada ao aprofundamento de dados e análises em torno de cada uma dessas três áreas. Para quem se interessa pela história da Psicologia, o livro de Mitsuko Antunes a apresenta de forma didática e clara, com indicações dos principais trabalhos acerca do tema. Boa leitura.

REFERÊNCIAS:

ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição. São Paulo: Educ, 1998, 5ª. Ed. 2007.

Sobre a autora:

Possui graduação em Psicologia Formação de Psicólogo pelo Instituto Unificado Paulista (1978), mestrado em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1985) e doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1991). É professora titular do Departamento de Fundamentos da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, atuando, desde 1992, no Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Psicologia da Educação, pesquisando e orientando pesquisas em: psicologia da educação, história da psicologia da educação no brasil, história da psicologia no brasil, constituição de identidade de educadores e educandos. (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4784793Z1)