Big Mouth – Os desafios e limites na adolescência

Adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive (EISENSTEIN, 2005). A adolescência se inicia com as mudanças corporais da puberdade e termina quando o indivíduo consolida seu crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente sua independência econômica, além da integração em seu grupo social (TANNER, 1962).

Falar sobre esse tema é algo recorrente em nosso meio de atuação, porém é necessário que continuemos problematizando o assunto, pois muitos jovens ainda entram em conflito com essa fase do desenvolvimento humano. Assim, temos que compreender esse fenômeno cultural e ajuda-los lidar com essas mudanças, seus limites, suas formas de relacionar consigo mesmo e com o mundo.

Um modo interessante de abordar esse assunto é na série animada criada pela Netflix Big Mouth, da qual é uma comédia adulta escrita por Nick Kroll e roteiro de Andrew Goldberg. A estória gira em torno de um grupo de pré-adolescentes descobrindo os desafios da adolescência, culminando em situações engraçadas, com muita imaginação e embaraços.

Fonte: encurtador.com.br/pvwPS

O primeiro episódio mostra a dupla de amigos Nick e Andrew, que estão embarcando na correnteza de hormônios da puberdade. Eles assistem a uma aula sobre corpo humano e órgãos sexuais, gerando dúvidas sobre como funciona os órgãos sexuais nas meninas. Quando de repente aparece o “Monstro Hormonal” chamado de Maury, fruto da imaginação de Andrew que motiva a descobrir mais sobre seus desejos e sobre seu corpo. Mais tarde naquela noite os dois amigos vão dormir na mesma casa e quando Andrew volta do banho, Nick o surpreende com um susto, fazendo com que seu amigo derrube a toalha. O resto dos acontecimentos giram em torno dessa dúvida que Nick tinha se todo menino dessa idade já deveria ter pelos no corpo e um órgão sexual avantajado.

O pobre garoto fica tão confuso e triste com esse fato que até deixa de ser amigo de Andrew por um tempo. Assim, é visto o medo dos garotos em relação ao seu próprio corpo, a pressão e ansiedade em condizer com as expectativas dos outros em relação a essa fase da vida. Pois segundo Cool, Palacios e Marchesi (1995), essas modificações trazem ansiedade e preocupação para quem vivencia, causando também consequências nas pessoas próximas, já que o corpo adolescente se apresenta mais sexualizado, rumo à preparação reprodutiva. Nesse contexto além das alterações fisiológicas, existem as psicológicas e sociais que estão associadas às experiências próximas de outros jovens e de familiares.

A primeira temporada da série animada mostra outros adolescentes lidando com esses conflitos além dos dois amigos. Como Jay, que tem uma família inusitada, o pai é um advogado permissivo, uma mãe negligente com os filhos, pois nem comida para eles quer fazer (prefere comprar fast foods para os meninos) e dois irmãos adolescentes que em nada dão exemplo e deixam o garoto deprimido, assim ele se mostra um adolescente carente de afeto da família e mal compreendido pelos amigos.

Juntando ao grupo tem a Jessi, uma garota que sente os reflexos dessas modificações no corpo, tentando descobrir mais sobre essa fase, dano um primeiro beijo, tendo a primeira menstruação, uso de um sutiã mais chamativo e a falta de apoio dos pais em lidar com esses conflitos. Finalizando a reunião dos adolescentes de Big Mouth tem a Missy, a mais nerd da turma, ela é meiga e ingênua, não demonstra muita importância com esse período, contudo apresenta problemas alimentares e de certa forma tenta se adaptar a “nova realidade dos amigos” do jeito que pode. Sua vida tranquila muda quando ela se apaixona por Andrew, não conseguindo lidar muito bem com seus desejos e imposições da sociedade, em especial os pais que não aceitam essa relação “prematura”.

Fonte: encurtador.com.br/blOV4

O que essa animação nos proporciona além de humor adulto é que ela mostra de modo engraçado e claro os desafios e limites vividos por essa garotada. Além de que ela trata também de temas polêmicos que em alguns lugares é importante falar com os jovens como questionamento sobre sexualidade, gravidez na adolescência e as consequências psicológicas que o divórcio dos pais pode trazer para eles.

Isso nos mostra a importância de retomar esse assunto, dentro das escolas, das instituições familiares, no campo social e acadêmico. Pois, muito desse tema é visto de modo negativo e nem sempre alcançamos os resultados esperados com adolescentes por superestimar suas capacidades de lidar com problemas e de superar as expectativas desse período. Segundo Gonçalves (2003), alguns programas de TV que abordam esse tema o tratam de forma fútil e superficial, propagando ideias neutralizantes e embasadas no senso comum. Para Bock (2004), é preciso temos a visão de compreende o ser humano como dotado de potencialidades intrínsecas, próprias de sua natureza e a sociedade como os lócus do desenvolvimento dessas potencialidades, contribuindo ou não com a plena realização do seu desenvolvimento.

Portanto é indispensável que a Psicologia aprofunde seus estudos e conhecimentos a cerca desse período do desenvolvimento e nada melhor do que de uma forma diferente e lúdica, baseando-se não apenas em teorias e pontos negativos da adolescência mais também como algo necessário para se alcançar essa maturidade e vida adulta, eles precisam passar por essas adversidades, os adultos precisam ter paciência e compreensão para eles alcançarem o progresso. A série mostra justamente isso, os conflitos e medos da adolescência, porém consegue proporcionar uma visão otimista em relação a essas adversidades, do qual os jovens podem passar por situações problemáticas e com apoio da família, amigos e profissionais (professores, psicólogos, médicos etc.) podem continuar vivendo uma vida agradável.

REFERÊNCIAS

BOCK, A. M. (2004). A perspectiva sócia histórica de Leontiev e a crítica à naturalização da formação do ser humano: a adolescência em questão. Cadernos Cedes, 24 (62), pp. 26-43.

COLL, C.; PALACIOS, J. MARCHESI, A.(orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. v.1.

EISENSTEIN. E. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolesc Saude. 2005; 2 (2): 6-7.

GONÇALVES, M. G. M. (2003). Concepções de Adolescência Veiculada pela Mídia Televisa: um estudo das produções dirigidas aos jovens. In: Ozella, S. (2003) Adolescência Construídas: a visão da psicologia sócio histórica (pp-41 – 62). São Paulo: Cortez.

TANNER JM. Growth at Adolescence. 2 ed. Oxford: Blackwell, 1962.