Depressão, Autismo, TDAH, esquizofrenia e bipolaridade são doenças mentais categorizadas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) a partir de um conjunto de sinais e sintomas. Esses sintomas podem mudar substancialmente de uma categoria para outra. Agora, a questão é: e se todos esses transtornos mentais compartilhassem um mesmo fator genético?
O artigo publicado na revista científica The Lancet (http://www.thelancet.com) na quarta-feira (27/02/2013) mostra o resultado de uma pesquisa baseada em dados genéticos de mais de 60.000 pessoas e que apresenta algumas informações elucidativas para o entendimento das premissas desencadeadoras de vários transtornos mentais. Um grupo de cientistas de diversas instituições de ensino aponta que essas pesquisas sobre o material genético e sua relação com os transtornos psiquiátricos podem ser a mais relevante da atualidade nesse contexto. O resultado dessa pesquisa em específico começa a indicar que, em um dado nível, os fatores de riscos genéticos podem ser mais salutares para o tratamento das doenças do que seus sintomas. Mas, os pesquisadores estão cautelosos com a apresentação dos resultados, dada a complexidade da temática, assim o Dr. Jordan Smoller, um dos responsáveis pela pesquisa e professor de psiquiatria na Harvard Medical School, diz que “o que foi identificado é provavelmente apenas a ponta de um iceberg“, pois entender os fatores genéticos por detrás dos problemas psíquicos não é algo trivial, já que há uma série enorme de genes envolvida e a descoberta dessas variações aponta para um caminho que pode ser refutado ou comprovado em pesquisas posteriores.
Para entender a pesquisa (iniciada em 2007), é interessante uma contextualização:
- Participantes: dois grupos de pessoas, 33.332 com transtornos mentais e 27.888 sem incidência alguma de doença mental (o grupo de controle). Material genético de pessoas de 19 países.
- Coleta de dados: de exames de DNA.
- Procedimentos: verificação de variações em trechos de material genético (considerando que cada DNA tem bilhões de letras, é um trabalho que requer o uso de tecnologia de ponta e algoritmos computacionais complexos).
Para Jonathan Sebat, professor assistente de psiquiatria e medicina celular e molecular da Universidade da Califórnia, a seguinte situação já era comumente observada: “dois diagnósticos diferentes podem ter o mesmo fator de risco genético”. Assim, um ponto relevante de contribuição dessa pesquisa é a possibilidade de ampliação das variáveis para a elaboração dos diagnósticos desses transtornos mentais, agregando aos sinais e sintomas, fatores genéticos observáveis em exames.
Segundo o Dr. Smoller, o novo estudo contribuiu na descoberta de quatro regiões do DNA que conferem um pequeno risco de transtornos psiquiátricos. Para duas dessas regiões, a situação ainda não está clara, pois não se sabe quais genes estão envolvidos ou o que fazem. Já as outras duas envolvem genes que fazem parte dos canais de cálcio, que são utilizados quando os neurônios enviam sinais ao cérebro.
A descoberta acerca do envolvimento dos canais de cálcio nessas regiões sugere que os tratamentos que afetam tais canais podem ter efeito sobre uma série de doenças, mas o Dr. Smoller é prudente em dizer que isso é apenas um grande “se”, logo ainda são necessárias mais pesquisas para a devida comprovação.
Há algum tempo já existem no mercado medicamentos que são usados para bloquear os canais de cálcio, utilizados para o tratamento da hipertensão arterial. Alguns pesquisadores já tinham postulado que tais medicamentos podiam ser úteis para o tratamento do transtorno bipolar antes mesmo dos resultados dessa pesquisa virem à tona. Mas, ainda há um (longo) caminho para a comprovação desse postulado. Um exemplo de tentativas de comprovação desse postulado é a investigação do Dr. Roy Perlis, do Hospital Geral de Massachusetts, que concluiu o tratamento em um pequeno grupo de pessoas (dez) com transtorno bipolar utilizando bloqueadores de canais de cálcio. Seu próximo passo é expandir a pesquisa para um grupo maior de participantes.
Mas, é claro que esse “se” já deve ter causado um alvoroço na indústria farmacêutica. Por isso, é importante ater-se ao “se”, pois uma hipótese ainda não é um fato. Assumir que bloqueadores de canal de cálcio podem contribuir no tratamento da bipolaridade e, a partir da aceitação da associação que há na base genética desse transtorno com os demais, transformar tal droga “em potência” em um novo Santo Graal da indústria farmacêutica pode ser o início de mais uma doença e não de um processo de cura. Essas pesquisas são importantes desde que sejam compreendidas como um processo dinâmico (passível de refutação, mudança e comprovação), não como uma verdade absoluta e imediata.
Referências:
http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2812%2962129-1/fulltext
http://www.nytimes.com/2013/03/01/health/study-finds-genetic-risk-factors-shared-by-5-psychiatric-disorders.html