Tecnologia, Humanidade e (R)Evoluções

Desde a invenção da roda e das inúmeras possibilidades surgidas a partir dela, a tecnologia surpreende, intriga e provoca as mais diversas discussões. Se há alguma coisa que a história nos mostrou de forma contundente é que dificilmente conseguimos impedir que o avanço tecnológico seguisse seu curso.  Foi assim na Revolução Industrial, com as máquinas de teares substituindo o trabalho manual, é assim agora com a tecnologia permeando nosso cotidiano de forma tão profunda que é quase impossível desvencilhar a pessoa da técnica que a envolve.

Esse não é mais um texto falando dos perigos que tal “invasão” pode provocar, ou talvez seja. Mas, independente do que penso, ou dos infindáveis discursos sobre o “impacto” da tecnologia na sociedade e nas relações humanas, a trajetória do processo de “destruição criadora” (termo cunhado pelo economista Joseph Schumpeter) tende a seguir seu caminho. Por quê? Simplesmente porque é possível. Se é possível que uma grande empresa crie um produto que agregue informação ao que vemos, ou melhor, que vá além daquilo que vemos, então isso será feito. E mesmo que uma legião de pessoas crie teses e artigos sobre o mal que isso pode provocar nas relações humanas, na capacidade de atenção/foco/concentração, no nosso discernimento entre o que é real de fato e o que é real em potência, ainda assim, a inovação será efetivada, pois há meios para isso. Se há meio, é porque além da técnica necessária para que um produto seja desenvolvido, também há nicho de mercado, ou há poder suficiente para transformar aquilo que ainda nem existe em uma necessidade pungente.

 

Há inúmeras questões levantadas a partir da intensificação do uso de aparatos tecnológicos no cotidiano. Há pais preocupados se as várias janelas abertas na tela durante a execução de uma tarefa escolar pode prejudicar a atenção do filho, assim como alguns cientistas cognitivos também discutem se o uso de óculos que agregam informação pode tirar a atenção de um dado tempo/espaço, de forma a que o indivíduo, aos poucos, perca o controle dessas variáveis (tão humanas).

Houve um tempo que memorizávamos com facilidade o telefone de um amigo, da nossa mãe, do chefe, agora é difícil encontrar uma pessoa capaz de citar cinco números de telefone. Isso ocorre porque, de certa forma, a tecnologia nos permitiu criar uma memória externa. Então, muito do que lembramos, do que sabemos, está numa espécie de HD externo. Quantas particularidades podem ser guardadas de uma pessoa, de um objeto; quantos números podem ser associados, sem erro, sem dificuldade. Mas, há sempre algum romântico lembrando-se do tempo (nem tão distante assim) em que ele sabia do número do telefone fixo da casa de sua primeira namorada, ou dos rostos e do jeito dos seus colegas de infância mesmo tendo apenas uma foto amarelada e distante da turma. Essas lembranças nos definem? Há alguma diferença em carregar uma lembrança em um HD externo e em nossa mente? Se podemos tirar fotos com celular, postá-las e marcar pessoas na imagem em uma rede social, então para que o esforço em tentar guardá-las na mente? (ou no coração, como diria o romântico).

Estamos cercados de informação, ou melhor, elas explodem na nossa face. Podemos ter respostas para nossas mais complexas indagações. Como? Google, Wikipédia, Yahoo.respostas (Quem nunca?), bibliotecas digitais das melhores instituições de ensino (MIT, Yale). Nunca tivemos tantas possibilidades de respostas, mas (agora vou ser extremamente brega), nunca tivemos tantas dúvidas. E esse nunca é só um recurso linguístico para dar à sentença certa dramaticidade, pois, obviamente, não posso sustentá-lo.

Em tempos de wearable tech (“tecnologia feita para vestir”), podemos sair por aí com nossos óculos agregados a contextos/informações e concluirmos o inevitável, ou seja, que espaço/tempo não são constantes absolutas, mas variáveis que mudam a partir de determinadas perspectivas. Há, ainda, pesquisadores e empresas que procuram contextualizar os dados dispostos nas páginas da web de forma a criar sentido dentro de determinados universos (entretenimento, trabalho, estudo), assim podemos ter respostas mais eficientes para as nossas buscas quase infinitas.

As inovações tecnológicas são rápidas, inúmeras e constantes. Parece que sempre foi natural trocarmos de telefone a cada ano, ou as fotos sempre foram marcadas em um ambiente que agrega família, amigos e outras 500 pessoas que simplesmente estão por ali, vinculados a um dado contexto, a um tipo de relacionamento que pode advir de uma regra de transitividade, de uma necessidade profissional ou, simplesmente, de algum tipo de carência.

Não sei se informação substitui experiência, nem se simulação é equivalente à vivência. Mas, sei que vivo em um mundo repleto de tecnologias, muitas delas permitem que cirurgias sejam realizadas e possam salvar vidas, facilitam nosso trabalho e nos libertam de momentos solitários, mas, também, exigem cada vez mais um senso de atenção diferenciado, uma nova complexidade no campo da percepção. Talvez nos adaptemos a isso rapidamente, e aquele romântico que há em nós, do tipo melancólico, saudoso de uma carta escrita à mão, seja apenas mais uma memória armazenada em uma nuvem virtual. Talvez o Homem do Subsolo de Dostoiévski, ao final, tivesse razão: “em breve, inventaremos algum modo de nascer de uma ideia“.

Doutora em Psicologia (PUC/GO). Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Ciência da Computação pela UFSC, especialista em Informática Para Aplicações Empresariais pela ULBRA. Graduada em Processamento de Dados pela Universidade do Tocantins. Bacharel em Psicologia pelo CEULP/ULBRA. Coordenadora e professora dos cursos de Sistemas de Informação e Ciência da Computação do CEULP/ULBRA.